ARTIGOS ORIGINAIS
Controle biológico do gorgulho aquático Oryzophagus oryzae utilizando armadilhas luminosas com Beauveria bassiana em lavoura de arroz irrigado
Biological control of the South American rice water weevil, Oryzophagus oryzae, using light traps with Beauveria bassiana in irrigated rice field
Control biológico del gorgojo acuático Oryzophagus oryzae utilizando trampas de luz con Beauveria bassiana en un cultivo de arroz irrigado
Controle biológico do gorgulho aquático Oryzophagus oryzae utilizando armadilhas luminosas com Beauveria bassiana em lavoura de arroz irrigado
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 20, núm. 2, 2018
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 28 Septiembre 2017
Aprobación: 20 Agosto 2018
Resumo: O gorgulho aquático, Oryzophagus oryzae (Costa Lima), é praga importante nas lavouras de arroz irrigado. Suas larvas, conhecidas por bicheira-da-raiz, danificam o sistema radicular das plantas. A prática do controle biológico desse inseto precisa ser aprimorada. Assim, foi conduzida uma pesquisa objetivando verificar as taxas de mortalidade de O. oryzae, infectados por Beauveria bassiana (Bals.) Vuill. em armadilhas luminosas, instaladas em lavoura de arroz irrigado. Duas armadilhas receberam aparato de contaminação fúngica, com massa de B. bassiana, preparada em arroz autoclavado. Uma terceira armadilha ficou isenta, como testemunha. Insetos capturados de outubro de 2013 a março de 2014 foram mantidos em laboratório para a verificação de mortalidade e infecção fúngica, caracterizada pelo crescimento micelial nas articulações. A mortalidade dos indivíduos artificialmente contaminados foi de 73,1%, enquanto que na testemunha foi de 0,8% (infecção natural). Armadilhas luminosas com aparato de contaminação fúngica foram eficazes no controle biológico de adultos de O. oryzae.
Palavras-chave: Coleoptera, Curculionidae, Manejo integrado de pragas, Bicheira-da-raiz, Oryza sativa.
Abstract: The South American rice water weevil, Oryzophagus oryzae (Costa Lima), is an important pest of irrigated rice in Brazil. Its larvae damage the plant root system. The practice of biological control of this insect needs to be improved. Thus, a research was carried out to verify the mortality rates of O. oryzae, by the infection of individuals with Beauveria bassiana (Bals.) Vuill. in light traps set in irrigated rice field. Two traps received an apparatus of fungal contamination, with mass of B. bassiana, prepared in autoclaved rice. A third trap, without apparatus, was maintained as a control. Insects captured from October 2013 to March 2014 were kept in the laboratory to verify mortality and fungal infection, characterized by the mycelial growth on body. The mortality rate of individuals artificially infected was 73.1%, whereas in the control was 0.8% (natural infection). Light traps with apparatus of fungal contamination were effective on the biological control of O. oryzae adults.
Keywords: Coleoptera, Curculionidae, Integrated pest management, Root maggot, Oryza sativa.
Resumen: El gorgojo acuático, Oryzophagus oryzae (Costa Lima), es una plaga importante en los cultivos de arroz irrigado. Sus larvas, conocidas por bichera de la raíz, dañan el sistema radicular de las plantas. La práctica del control biológico de este insecto necesita ser mejorada, así se llevó a cabo una investigación con el objetivo de verificar las tasas de mortalidad de O. oryzae, infectados por Beauveria bassiana (Bals.) Vuill. en trampas luminosas, instaladas en cultivo de arroz irrigado. Dos trampas recibieron aparato de contaminación fúngica, con masa de B. bassiana, preparada en arroz esterilizado en autoclave. Una tercera trampa quedó exenta, como testigo. Los insectos capturados de octubre de 2013 a marzo de 2014 se mantuvieron en laboratorio para la verificación de mortalidad e infección fúngica, caracterizada por el crecimiento micelial en las articulaciones. La mortalidad de los individuos artificialmente contaminados fue del 73,1%, mientras que en el testigo fue del 0,8% (infección natural). Las trampas luminosas con aparato de contaminación fúngica fueron eficaces en el control biológico de adultos de O. oryzae.
Palabras clave: Coleoptera, Curculionidae, Manejo integrado de plagas, Bichera de la raíz del arroz, Oryza sativa.
1 Introdução
O estado de Santa Catarina é um tradicional produtor de arroz irrigado, com a característica de utilizar o sistema de cultivo “pré-germinado” em quase a totalidade da área. A área cultivada de arroz no estado está próxima de 150 mil hectares, sendo que 8% dessa área ficam na região do Alto Vale do Itajaí (EBERHARDT; SCHIOCCHET, 2012).
O gorgulho aquático, Oryzophagus oryzae (Costa Lima, 1936) (Coleoptera: Curculionidae), é uma praga que ocorre com frequência na cultura do arroz irrigado por inundação, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina (MARTINS; PRANDO, 2004). A larva desse inseto, denominada bicheira-da-raiz, se alimenta das raízes do arroz, ocasionando retardo no desenvolvimento das plantas, maturação desuniforme e perdas de produtividade estimadas na ordem de 18% (HICKEL et al., 2013). Seu controle é primordialmente feito com a aplicação programada e intensiva de inseticidas nas lavouras (MARTINS; PRANDO, 2004). Esse controle, sem bases técnicas, agrava a problemática do impacto ambiental negativo que as lavouras de arroz irrigado têm proporcionado (MARTINS; CUNHA, 2007).
O. oryzae tem hábito de voo noturno, quando se dispersa entre as áreas de cultivo, e forte fototropismo positivo, possivelmente para se orientar à superfície da água quando mergulha (HICKEL et al., 2013). Anualmente, no período de janeiro a setembro de cada ano, os adultos refugiam-se no chão de locais sombreados (capões de mata, macegais, bambuzais, entre outros), onde entram em diapausa para sobreviver às condições ambientais adversas e à escassez sazonal de alimento (MIELITZ, 1993). Nos sítios de hibernação ocorre mortalidade de indivíduos infectados por fungos entomopatogênicos, principalmente Beauveria bassiana (Bals.) Vuill. No estado do Rio Grande do Sul, constatou-se até 42% de mortalidade durante o período de hibernação do O. oryzae em bambuzais (MIELITZ; SILVA, 1992).
O emprego de fungos entomopatogênicos, especialmente B. bassiana, para o controle biológico de O. oryzae pode ser uma alternativa eficaz. Embora os resultados de testes laboratoriais tenham sido promissores (MARTINS et al., 1986, PRANDO; FERREIRA, 1994), a técnica não evoluiu nas condições de campo (LEITE et al., 1992, IRWIN, 1996). Um dos maiores entraves na aplicação desse patógeno no campo é justamente promover o contato do inseto com os esporos ou a massa fúngica (VEGA et al., 2007).
Hickel et al. (2015), explorando o fototropismo positivo de O. oryzae, resolveram esse entrave colocando um aparato de contaminação fúngica em armadilhas luminosas, constituído por uma garrafa pet (5L) com aberturas laterais, que possibilitavam a evasão dos gorgulhos atraídos após o contato com o fungo. Por este procedimento, foram obtidas taxas de mortalidade por B. bassiana variando de 85 até 98% dos indivíduos. Contudo, os resultados apresentados por esses autores restringiram-se apenas a três épocas de coleta de insetos, no período de revoada dos indivíduos para os locais de hibernação. Assim, o objetivo deste trabalho foi verificar as taxas de mortalidade de O. oryzae, infectados por B. bassiana em armadilhas luminosas, para prospectar o controle biológico desse gorgulho aquático durante todo o período de ocorrência dos indivíduos no campo.
2 Material e métodos
O ensaio foi conduzido durante a safra 2013/14, no município de Taió/SC (região do Alto Vale do Itajaí), em propriedade rural localizada a latitude 27° 05’ 30” S, longitude 50° 00’ 50” O e altitude de 351 m. Uma área de lavoura de arroz irrigado com duas quadras, totalizando 0,22 ha, foi selecionada. A cultivar Epagri 106 foi semeada em 26/08/2013 e o sistema de cultivo adotado foi o pré-germinado, executado conforme preconizam Eberhardt & Schiocchet (2012), excetuando-se o controle de pragas com inseticidas.
Três armadilhas luminosas, modelo “Luiz de Queiroz” com luz negra de bulbo branco (T8 15W BL LE), foram instaladas nas taipas, observando-se uma distância aproximada de 50 m entre armadilhas. Para limitar a entrada de insetos maiores, telas plásticas, com malha de 10 x10 mm, foram fixadas no entorno das armadilhas. Duas armadilhas foram sorteadas para receber aparatos de contaminação fúngica, com massa de B. bassiana, conforme preconizado por Hickel et al. (2015). A terceira armadilha não recebeu esse aparato, servindo para a obtenção de insetos, a priori, não contaminados por B. bassiana (testemunha). A limitação no número de armadilhas foi imposta pela logística de distribuição de energia elétrica e pela área de lavoura disponibilizada para a pesquisa.
A massa fúngica de B. bassiana empregada no experimento foi a cepa Epagri01, preparada em arroz autoclavado, conforme metodologia adotada no Laboratório de Beauveria da Estação Experimental da Epagri em Itajaí, SC (PRANDO, 2006).
As armadilhas foram ligadas das 17:00 h até as 07:00 h do dia seguinte, uma vez por semana, com início em 11/10/2013 e término em 22/03/2014. Os insetos foram coletados em sacos plásticos (20 L), fixados na parte inferior da armadilha. No caso das armadilhas com o aparato de contaminação fúngica, o saco plástico envolveu o mesmo, de modo que os insetos capturados entraram em contato com o inóculo.
A separação de O. oryzae dos demais insetos capturados em cada armadilha foi realizada no Laboratório de Entomologia do Instituto Federal Catarinense Campus Rio do Sul. Toda a manipulação dos insetos coletados na armadilha testemunha foi realizada antes das demais, para evitar contaminação dos insetos testemunha.
Grupos de até 20 indivíduos de cada armadilha foram acondicionados em placas de petri (100 mm de diâmetro) previamente desinfetadas com álcool 96º e forradas com papel filtro, umedecido com água destilada. As placas foram colocadas em BOD a 25 ºC e a cada três dias era feita a contagem dos insetos mortos e contaminados pelo fungo, caracterizados pelo crescimento micelial branco emanado das articulações. A cada inspeção, os insetos mortos foram retirados das placas e o papel filtro reumedecido. Também nessa manipulação laboratorial, as placas com insetos coletados na armadilha testemunha foram processadas primeiramente, com assepsia para evitar qualquer contaminação.
O número final de insetos mortos e infectados foi transformado em (x + 0,5)0,5 e comparado com teste t ao nível de 5% de significância, executando-se a rotina “Teste t – amostras independentes” do suplemento “Action” em planilha eletrônica Excel.
3 Resultados e discussão
A infecção fúngica por B. bassiana nos indivíduos adultos de O. oryzae que passaram pelo aparato de contaminação foi significativa. A taxa de mortalidade final foi de 73,1% (Tabela 1), sendo similar àquelas obtidas por Martins et al. (1986) e Prando & Ferreira (1994) em testes de laboratório, porém inferior às taxas obtidas por Hickel et al. (2015), as quais variaram de 85 a 98%. Essa menor taxa de mortalidade, em parte, pode ser devida à perda de viabilidade de esporos da massa fúngica exposta nas armadilhas, uma vez que não houve reposição do inóculo durante todo o período experimental. A viabilidade dos esporos de B. bassiana é baixa, principalmente quando eles estão expostos à incidência direta de luz solar e à dessecação no campo (IRWIN, 1996; ALVES, 1998). Verificou-se que, nas datas de coleta de mais indivíduos, a partir de dezembro, o número de infectados ficou em torno de 50%.
A infecção de insetos coletados na armadilha testemunha foi quase nula, demonstrando que, em condições naturais, os O. oryzae ativos não se contaminam com esporos de B. bassiana. Assim, é possível supor que não haja uma fonte natural de inóculo em quantidade suficiente nas lavouras para que ocorra contaminação e posterior infecção dos indivíduos.
A possibilidade de infecção de insetos com entomopatógenos em armadilhas atrativas foi revisada por Vega et al. (2007). Segundo esses autores, o emprego de armadilhas atrativas inoculativas é uma forma eficaz e de baixo custo para implementar o controle biológico de pragas agrícolas. O controle do curculionídeo Cylas formicarius (Fabricius) com B. bassiana foi obtido com sucesso, modificando-se armadilhas de feromônio para alojar o inóculo fúngico (KORADA et al., 2010). O controle biológico do moleque-da-bananeira [Cosmopolitessordidus (Germar, 1824)] tem sido obtido colocando-se massa fúngica de B. bassiana em armadilhas feitas com pseudocaule de bananeira (PRANDO, 2006). Vasquez & Lozano (1999) também obtiveram sucesso no uso de armadilhas luminosas, como local de infecção fúngica, para o controle biológico de escarabeídeos no cultivo da batata-baroa na Colômbia.
Data de | Armadilhas com aparato de contaminação | Armadilha testemunha | ||||
coleta | Coletados | Mortos infectados | Mortalidade (%) | Coletados | Mortos infectados | Mortalidade (%) |
12/out/13 | 2 | 2 | 100,0 | 0 | 0 | - |
19/out/13 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
26/out/13 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
02/nov/13 | 2 | 2 | 100,0 | 2 | 0 | 0,0 |
09/nov/13 | 1299 | 1128 | 86,8 | 47 | 0 | 0,0 |
16/nov/13 | 1 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | - |
23/nov/13 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
30/nov/13 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
08/dez/12 | 733 | 479 | 65,3 | 23 | 0 | 0,0 |
23/dez/13 | 12 | 6 | 50,0 | 23 | 0 | 0,0 |
07/jan/14 | 390 | 182 | 46,7 | 390 | 3 | 0,8 |
15/jan/14 | 14 | 9 | 64,3 | 7 | 0 | 0,0 |
21/jan/14 | 60 | 30 | 50,0 | 9 | 0 | 0,0 |
30/jan/14 | 27 | 16 | 59,3 | 27 | 1 | 3,7 |
02/fev/14 | 27 | 22 | 81,5 | 0 | 0 | - |
06/fev/14 | 4 | 4 | 100,0 | 2 | 0 | 0,0 |
09/fev/14 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
16/fev/14 | 2 | 0 | 0,0 | 0 | 0 | - |
22/fev/14 | 1 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | - |
02/mar/14 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
09/mar/14 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
22/mar/14 | 0 | 0 | - | 0 | 0 | - |
Total1 | 2574 | 1882 a | 73,1 | 530 | 4 b | 0,8 |
A infecção artificial de O. oryzae com B. bassiana em armadilha luminosa confirma a possibilidade de controle biológico desse inseto em lavouras de arroz irrigado. Considerando que, nas condições de uso pelo agricultor, a armadilha luminosa será acionada todas as noites e não apenas uma vez por semana, como nas condições experimentais do presente trabalho, o controle biológico obtido poderá ser muito mais efetivo.
Outra vantagem desse método é poder infectar os gorgulhos antes que se dirijam aos locais de hibernação, onde B. bassiana poderá encontrar condições propícias de desenvolvimento e causar epizootia mais severa, pois os indivíduos infectados serão fonte de inóculo para os demais indivíduos presentes no local (HICKEL et al., 2015). Neste aspecto, estudos complementares de modelos e formas de suprimento de energia para armadilhas luminosas e de quantidade de armadilhas a serem instaladas por área de lavoura ainda são necessários e deverão ser foco de novas pesquisas.
4 Conclusão
Armadilhas luminosas com inóculo fúngico de B. bassiana são eficazes para promover o controle biológico de O. oryzae em lavouras de arroz irrigado.
Agradecimentos
Aos professores Leonardo de Oliveira Neves e Fernando Joly Campos (IFC Campus Rio do Sul), pelo apoio laboratorial disponibilizado. Ao PROEXT 2013 - MEC/SESu, pela concessão de bolsa aos autores acadêmicos.
Referências
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Notas de autor