Artigos Originais
Ação do governo militar na cultura e a crítica de música popular brasileira de Aramis Millarch
Military government actions in the cultural scene and Aramis Millarch’s criticism of Brazilian popular music
Acción del gobierno militar en la cultura y la crítica de música popular brasileña de Aramis Millarch
Ação do governo militar na cultura e a crítica de música popular brasileira de Aramis Millarch
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 20, núm. 1, 2018
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 30 Octubre 2017
Aprobación: 05 Diciembre 2017
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a ação do governo militar na área da cultura e a atuação do jornalista Aramis Millarch (1943-1992) na crítica de música popular brasileira no jornal O ESTADO DO PARANÁ, entre os anos de 1965 e 1975. Partindo-se do documento oficial Política Nacional de Cultura (1975), observou-se que se almejava a formação de uma identidade nacional e o estímulo ao consumo. Em relação às críticas de Millarch, definiram-se seis categorias: 1) A Melhor Música Popular; 2) Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira; 3) Música Popular no Paraná; 4) Indústria fonográfica; 5) Apreciação Musical; 6) Distinção de Público.
Palavras-chave: Cultura, Governo militar, Jornalismo cultural, Aramis Millarch.
Abstract: The purpose of this article is to analyse military government action in the area of culture and the work of journalist Aramis Millarch (1943-1992) regarding Brazilian popular music criticism in the newspaper O ESTADO DO PARANA from 1965 to 1975. Analysis of the official document Política Nacional de Cultura (1975) shows that it aimed at the formation of national identity and consumption incentive. Regarding Millarch’s criticism, we defined six categories: 1) The Best Popular Music; 2) Brazilian Popular Music Researchers Association; 3) Popular Music in Paraná; 4) Recording Industry; 5) Musical Appreciation; 6) Audience Distinction.
Keywords: Culture, Military government, Cultural journalism, Aramis Millarch.
Resumen: El objetivo de este artículo es analizar la acción del gobierno militar en el área de la cultura y la actuación del periodista Aramis Millarch (1943-1992) en la crítica de música popular brasileña en el periódico O ESTADO DO PARANÁ, entre los años 1965 y 1975. Partiendo del documento oficial Política Nacional de Cultura (1975), se observó que se anhelaba la formación de una identidad nacional y el estímulo al consumo. En cuanto a las críticas de Millarch, se definieron seis categorías: 1) La Mejor Música Popular; 2) Asociación de los Investigadores de la Música Popular Brasileña; 3) Música Popular en Paraná; 4) Industria fonográfica; 5) Apreciación Musical; 6) Distinción de público.
Palabras clave: Cultura, Gobierno militar, Periodismo cultural, Aramis Millarch.
1 Análise macro-microssociológica
Para Giddens (2001, p. 83) a análise em microssociologia é centrada em indivíduos ou em grupos pequenos; diferente da macrossociologia, relacionada a sistemas sociais em grande escala, como o sistema político ou a ordem econômica. Sell (2016, p. 10) associa o nível micro ao “indivíduo, sujeito, ação, prática social, habitus, agência, actância, interação, relação, mundo da vida, sistema psíquico”; e o nível macro a “sociedade, estrutura, instituição, organização, sistema social, ordem social”. Giddens entende que a micro e a macroanálise são diferentes, porém “encontram-se estreitamente imbricadas”. Exemplifica a interseção entre o nível micro e macro, com a experiência da comunidade imigrante turca na Alemanha:
A nível macro encontram-se fatores como a necessidade econômica de trabalhadores por parte da Alemanha, as suas políticas de aceitação de “trabalhadores convidados” estrangeiros, e o estado da economia turca que impede muitos turcos de ganharem os salários pretendidos. A nível micro estão as redes informais e os canais de apoio mútuo existentes entre a comunidade turca na Alemanha e os fortes laços com a família e os amigos que permaneceram na Turquia (GIDDENS, 2001, p. 262).
A análise, neste trabalho, a nível macro, envolveu o estudo dos dois textos promulgados pelo governo militar relacionados à área da cultura, nos anos de 1973 e 1975 – Diretrizes e Política. Refletiu-se também sobre diversos autores que ponderaram sobre as ações realizadas pelo governo militar em relação à cultura (MICELI, 1984; ORTIZ, 1994, 1995; SILVA, 2001). Constatou-se que duas ações pretendidas pelo governo em relação à cultura e ao povo brasileiro estavam relacionadas à identidade nacional e ao consumo, que acabaram orientando a análise a nível micro.
Além disso, justifica-se a abordagem macro-micro (nessa ordem) pela atuação da mídia como um Aparelho Ideológico de Estado (AIE). Althusser considera que além da mídia, a igreja, a escola, a família, o jurídico, o político e a cultura também desempenhem esse papel (1980, p. 43); como o presente texto envolve mídia e cultura, tem-se uma dupla justificativa. O AIE relacionado à informação embute “doses quotidianas de nacionalismo, chauvinismo [patriotismo fanático], liberalismo, moralismo” (ALTHUSSER, 1980, p. 62), onde a questão da identidade se encaixa perfeitamente.
Cabe destacar que o Brasil vivia um regime de exceção entre 1965 e 1975, o que por si só redundaria um movimento descendente do Estado para a mídia como um AIE. Mas mesmo em regimes democráticos, a reprodução da ideologia dominante é expressiva na mídia; para Stuart Hall uma questão crucial é saber de que forma, em uma democracia liberal, a ideologia é reproduzida nessas instituições privadas, aparentemente fora da ação do Estado. E utiliza como exemplo a televisão:
Mas como é que um número tão grande de jornalistas, que consultam somente sua “liberdade” de publicar e o resto que se dane, tende a reproduzir, tão espontaneamente, explicações de mundo construídas dentro de categorias ideológicas essencialmente idênticas? Como é que estas são conduzidas, continuamente, a um repertório tão limitado dentro do campo ideológico? Mesmo os jornalistas que seguem a tradição da denúncia da corrupção, frequentemente parecem se inscrever em uma ideologia à qual não aderem conscientemente e que, em vez disso, “os escreve”. (HALL, 2003c, p. 175)
Não é objetivo desse trabalho investigar ou esclarecer como o governo “escreve” um crítico de música popular; porém uma abordagem microssociológica – crítica de música popular – possibilita ao pesquisador entender parte do campo macrossociológico – ações do governo na cultura –, como na pesquisa de Fonseca (2011) que se propôs “compreender a globalização a partir de uma perspectiva microssociológica, com base nas práticas diárias e domésticas relacionadas ao consumo de comida” (p. 21). Para se ampliar a compreensão das possibilidades de uma análise a nível microssociológico, pôde-se recorrer à Micro-História, uma abordagem surgida na década de 70. Assim como na análise microssociológica, busca-se, nessa abordagem micro-histórica, compreender aspectos específicos de uma sociedade, partindo-se da realidade micro. O objeto de estudo pode ser
uma prática social específica, a trajetória de determinados atores sociais, um núcleo de representações, uma ocorrência ou qualquer outro aspecto que o historiador considere revelador em relação aos problemas sociais ou culturais que está disposto a examinar. Se ele elabora a biografia ou a “história de vida” de um indivíduo o que o estará interessando não é propriamente biografar este indivíduo, mas sim os aspectos que poderá perceber através do exame microlocalizado desta vida (BARROS, 2007, p. 168-169).
E é justamente o que se propõe este trabalho; mais do que a biografia de Aramis Millarch, busca-se lançar luz sobre o paralelismo ou convergência de ações de governo – os documentos promulgados relacionados à cultura – e a crítica musical.
Como ferramentas para a análise microssociológica, utilizou-se os conceitos de habitus e campo de Pierre Bourdieu. O habitus pode ser considerado como “sistema subjetivo, mas não individual, de estruturas interiorizadas, esquemas de percepção, de concepção e de ação, que são comuns a todos os membros do mesmo grupo ou da mesma classe” (BOURDIEU, 1983, p. 79); essa interiorização é também denominada de estrutura mental, inculcada “em todas as mentes socializadas de uma certa maneira”, sendo individual e coletiva, chamada também de “senso comum” (BOURDIEU, 1996, p. 127). Através do conceito de habitus, pôde-se identificar a maneira usual de escrita sobre cultura nos primeiros anos (1951-1965) de existência do jornal O ESTADO DO PARANÁ, e que certamente influenciaram o pensamento de Aramis Millarch no início de sua atuação como jornalista cultural em 1965.
O espaço social, ou o locus (ORTIZ, 1983, p. 19), ou ainda microcosmo social (BOURDIEU, 2001; 1996), em que o habitus é formado e inculcado, é o campo, onde ocorrem disputas sociais, caracterizadas por “concentração de poder e de capital, monopólios, relações de força, interesses egoístas, conflitos” (BOURDIEU, 2001, p. 133).
Observou-se que no período inicial do jornal (1951-1965) não houve a formação de um campo de crítica cultural, pela sazonalidade de críticos e de suas áreas de atuação. Porém desde o início de sua atuação (1965), Millarch articulou uma série de agentes, inicialmente na escolha dos Conselhos de Música e Cinema dos anos de 1966 e 1967, além de outros personagens citados por ele e que tinham algum tipo de ligação mais profunda com a música. Certamente ele também tinha o seu campo de leitores de jornal, a quem se dirigia diretamente.
Observou-se que pelo fato de a escrita específica de música popular no jornal, ser incipiente nesse período, optou-se por, além da música popular, apresentar aspectos relacionados à cultura de maneira geral, constatando que se investiu nas diversas áreas culturais de maneira diferenciada: houve colunas sobre cinema, música e teatro, porém não todas ao mesmo tempo.
1.1 Atuação do governo militar na cultura – nível macro
Um dos objetivos da instalação da ditadura em 1964 foi reorganizar a economia (ORTIZ, 1994, p. 80). Visualizou-se que o desenvolvimento econômico e social era imprescindível, pois “a pobreza da maioria da população dos países subdesenvolvidos tornara-se um campo fértil para a disseminação dos ideais comunistas” (SILVA, 2001, p. 172).
Desde o início do governo militar houve interesse pela área da cultura, sendo vista como “um importante instrumento de difusão de valores e padrões de comportamento”, necessário para a “construção de um consenso em torno de valores e visões de mundo compatíveis com os ideais do regime” (SILVA, 2001, p. 12). A cultura era considerada “questão de segurança nacional e desenvolvimento” (CONSELHO FEDERAL DE CULTURA, 1973, p. 59), como um “cimento de solidariedade orgânica da nação” (ORTIZ, 1994, p. 82). Atribui-se à cultura um poder que não é reprimido, mas desenvolvido e utilizado; porém submisso ao Poder Nacional.
O Estado foi o principal incentivador em diversas áreas relacionadas à cultura: em 1966 incentiva a fabricação de papel, beneficiando o setor empresarial do livro; em 1965 cria a EMBRATEL, modernizando as telecomunicações e beneficiando os grupos privados da televisão (ORTIZ, 1995, p. 117). Investe também em atividades culturais específicas como no Serviço Nacional do Teatro, Embrafilme, Instituto Nacional do Livro e na Funarte – Artes e Folclore –, além da implantação do Conselho Nacional do Direito Autoral (CNDA), do Conselho Nacional de Cinema (CONCINE) e da Companhia de Defesa do Folclore Brasileiro (ORTIZ, 1994, p. 88). Deixa às empresas privadas a administração dos meios de comunicação de massa e do disco. Na verdade, o Estado é o mecenas de “intelectuais e artistas que não encontram colocação segura no mercado para os bens que produzem” (MICELI, 1984, p. 99); ou seja, o Estado banca atividades culturais que dependam da proteção oficial, como ocorreu através da Fundação Nacional de Arte (FUNARTE) que será responsável pelo incentivo às atividades relacionadas às Artes Plásticas, Música Erudita e Folclore.
Foi no governo Geisel – 1974-1978 – que se compreendeu que não bastava coagir, reprimir, porém se obter um consenso o mais amplo possível, que envolvesse a legitimação das medidas do governo, nas áreas econômica, política e social. “O consenso devia se dar, principalmente, em torno de valores culturais, no sentido amplo do termo, ou seja, de visões de mundo que orientassem as ações da maioria da população” (VALADARES apud ORTIZ, 1994, p. 101).
A escolha de Ney Braga, no governo Geisel, para o Ministério da Educação e Cultura (MEC) visava uma aproximação com “setores intelectuais e artísticos arredios ao regime” (SILVA, 2001, p. 113). Contava com o apoio de pessoas influentes no governo, sendo que o grupo ligado a ele ficou conhecido como “neísmo”. Ex-governador do Paraná, ministro da Agricultura de Castelo Branco, era uma personalidade de destaque no regime1.
A elaboração de uma Política Nacional de Cultura (PNC) coincidiu com o otimismo econômico do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), entre 1974 e 1976. A intenção de Geisel visava contemplar todas as esferas da atividade social, e não apenas a econômica:
O desenvolvimento técnico e científico do país, cuja promoção estaria a cargo da política para a área de educação, deveria ser acompanhado de um “desenvolvimento social” baseado, a um só tempo, na preservação da identidade nacional brasileira e na renovação cultural. Tratava-se, portanto, de adotar medidas que resguardassem as características essenciais da cultura brasileira, pois esta deveria servir como uma espécie de filtro que possibilitasse a assimilação seletiva das inovações do mundo ocidental (SILVA, 2001, p. 159).
Na preservação da identidade nacional e na renovação cultural são encontrados os dois principais objetivos que se pretende destacar: Identidade e Consumo. A justificativa para a elaboração da PNC foi baseada na iniciativa governamental de incentivar a criatividade, “reduzida, distorcida e ameaçada pelos mecanismos de controle desencadeados através dos meios de comunicação de massa e pela racionalização da sociedade industrial” (BRASIL, 1977, p. 12). Cabe destacar certo paradoxo no discurso governamental ao estimular o desenvolvimento das telecomunicações e as redes de televisão, e, posteriormente, através da PNC, passar a criticar os meios de comunicação pela “criatividade distorcida”.
A PNC possui nove componentes básicos, dos quais destacam-se três relacionados diretamente à música: o primeiro se refere à música como atividade folclórica, no qual se estabelece a questão da identidade; o segundo, à proteção do autor nacional; e o terceiro, com a difusão da cultura nos meios de comunicação de massa – o consumo (BRASIL, 1977, p. 33-34). Na seção “Ideias e Programas”, a PNC detalha aspectos a serem desenvolvidos pelo Estado para atingir os objetivos estabelecidos, como:
incentivar a criatividade com vistas ao desenvolvimento cultural; promover estudos e pesquisas para se conhecer o homem brasileiro – aspirações, ideais, perspectivas; estimular a realização de festivais como modo de difusão da cultura; valorizar museus especializados nas diversas áreas da cultura, como o do disco; incentivar preservação de arquivos; desenvolver campanha de informação e educação, utilizando-se dos vários meios de comunicação de massa - televisão, rádio, disco, cinema, revista, jornal, folhetos; divulgar a criatividade através de instrumentos materiais - cinema, teatro, sala de concerto, de conferências e exposição, editora, biblioteca, museu, rádio, televisão; desenvolver a educação cultural nos diversos níveis escolares, do 1º grau à universidade; criar cursos de extensão visando a divulgação, como também a capacitação de profissionais; estimular concessão de bolsas de estudo incentivando o aperfeiçoamento da criatividade; incentivar os jovens para análise e debate de temas artísticos e literários (BRASIL, 1977, p.37-38).
Destaca-se o papel da “identidade nacional”: o governo visava promover e/ou reforçar certos valores/características da população brasileira – “povo pacífico, bom, ordeiro, alegre” (SILVA, 2001, p. 192) – erradicando-se traços negativos como “preguiça, ignorância, malandragem, indolência”. Para os governos militares, houve verdadeira obsessão em relação à identidade (GIANOTTI apud SILVA, 2001, p. 192).
Como segundo objetivo, buscava-se assimilar novos valores que permitissem ao Brasil inserir-se no círculo de países do primeiro mundo; no caso da música, entende-se que isso passaria por um melhor preparo do povo, principalmente nos aspectos de apreciação2 e cultura musical. No preparo do povo brasileiro para o primeiro mundo, havia necessidade de “generalizar ao máximo” o consumo; com isso, o papel da crítica musical jornalística, ao divulgar e estimular o consumo de LPs atende essa preparação.
1.2 Formação do habitus no Jornalismo cultural em O ESTADO DO PARANÁ – nível micro
Crítica é o ato de emitir julgamento sobre obra de arte, literatura e ciência, avaliando seu mérito segundo o gosto do crítico, ou de um conjunto de critérios de natureza estética. As condições exigidas ao crítico são ciência; gosto estético; imparcialidade; tolerância; urbanidade (AMARAL, 1987, p. 142).
A crítica musical é um gênero de escrita que procura avaliar aspectos da música e da vida musical, descrevendo a música como arte ou como objeto de experiência estética. A crítica musical jornalística revela uma demanda social, fazendo parte de um jogo de forças, quando discute produção, circulação, consumo da música, principalmente os fonogramas. Além disso a música está presente em todos os níveis sociais, tornando-se, frequentemente, elemento de distinção social.
Para a descrição do jornalismo cultural em O ESTADO DO PARANÁ, examinaram-se 165 edições entre os anos de 1951 e 1965, observando-se notícias, notas curtas, colunas e reportagens cujo assunto se relacionasse à cultura.
O primeiro número do jornal O Estado do Paraná circulou em 17 de julho de 1951, tendo 12 páginas. Havia a Coluna SOCIEDADE-CULTURAIS-CINEMA-RÁDIO em que eram descritos aniversários, nascimentos, batizados, sociedades, viajantes, falecimentos, cinema, flagrantes sociais, culturais. No item Rádio, aparece a programação da Rádio Clube Paranaense e Guairacá. Em outra página, dessa vez inteira, aparecem as propagandas dos filmes e o espetáculo de Dercy Gonçalves. Aparecem notas curtas locais como do concerto da Banda da Polícia Militar do Estado, divulgação de peças de teatro; e reportagens traduzidas de outros países, não de autoria local, como, por exemplo, o Centro Musical para Londres e Festival Internacional do Cinema.
No decorrer desses 15 anos, diversas seções nas áreas da cultura apareceram no jornal:
- Literatura – ARTE-LITERATURA-LIVROS.
- Cinema – AONDE IREMOS HOJE, com a programação de cinema; GUIA DO FAN, com os filmes recomendados; SEÇÃO DA TELA, com crítica de cinema e notícias; CINEMA, com crítica de Sylvio Back, cineasta curitibano.
- Música – SINTONIZANDO, dividida em PROGRAMAS & AUDIÇÕES, FATOS EM FOCO, DISCOMANIA e O RÁDIO PELO BRASIL. Na coluna DISCOMANIA, há também a divulgação de horários que as rádios “irradiam” os discos; há também a divulgação de cantores e suas gravadoras. Isto demonstra que a divulgação fonográfica era um fator significativo nesta época; além de divulgar no jornal, ainda se informava o horário em que o disco seria “irradiado” pela rádio. VAMOS CANTAR, com a letra da canção. Cabe destacar que surge, no período, a defesa da música paranaense e a contraposição ou conflito de gerações entre os velhos ídolos e as novas preferências musicais.
Destaca-se a atuação de uma personalidade política, que promoveu e patrocinou a cultura em Curitiba: como prefeito, o major Ney Braga “criou uma comissão municipal de cinema, a fim de elaborar um anteprojeto de lei de auxílio ao cinema nacional e em particular ao nascente cinema paranaense” (O ESTADO DO PARANÁ, 23 jul. 1958). Como governador do Paraná, patrocinou a realização do primeiro encontro da música brasileira, realizado em 11 de agosto de 1963, cujos objetivos, em relação à música brasileira, eram promover maior difusão, defesa e fixação definitiva como elemento essencial à cultura nacional3. O jornal divulgou, também, os critérios de seleção dos cantores: “devem eles estar ligados diretamente à tradição de nossa música ou devem ter participado do grande esforço que existe nos meios artísticos, para que ela seja difundida no exterior ou ainda que tenham contribuído para mantê-la autêntica às nossas tradições populares.” (ESTADO DO PARANÁ, 23 jul. 1963, p. 9).
O próprio jornal dá a entender quais gêneros4 musicais fariam parte dessa tradição popular autêntica: baião, carnaval e Carmem Miranda5 (ESTADO DO PARANÁ, 06/ jul. 1963, p. 15). Divulgou-se também o caráter didático desse show, pois haveria explicações sobre o cantor, o compositor e a época (Apreciação Musical). Segundo o organizador – Júlio Rosemberg –, seria a primeira vez que se faria um evento como esse no Brasil (O ESTADO DO PARANÁ, 10 ago. 1963).
É pertinente observar que, dentre os cantores escolhidos, não aparece nenhum da Bossa Nova, que havia alcançado fama internacional ao realizar o show no Carnegie Hall no ano anterior (1962) ao desse Encontro. Pode-se concluir que para esse evento, a Bossa Nova não faria parte desse caráter nacional, ou da música legitimamente brasileira. Além disso, a faixa etária dos cantores girava entre 40 e 60 anos: a tradição estaria nas músicas do passado.
A questão sobre Apreciação Musical aparece em uma crítica sobre o lançamento do LP de uma novela americana, dizendo que não acredita em seu sucesso de vendas, pois o ouvinte brasileiro nem sabe do que se trata. Porém exorta os ouvintes a comprarem e a ouvirem várias vezes, numa atitude de internalização da apreciação musical; esta indução é uma tentativa de preparar o ouvinte, ou, de melhor qualificá-lo "música bonita é fenômeno universal. Mas é a partir da terceira audição que a música deste disco começa a ficar maravilhosa. Aceitem pois nosso conselho, botem o disco uma e duas vezes e deixem a partir da terceira a música começar a agir por si mesma." (O ESTADO DO PARANÁ, 27 nov. 1959, p. 7).
Cabe destacar que a apresentação da parte do jornal destinada ao jornalismo cultural é relevante para a formação do habitus no campo cultural jornalístico no periódico. Houve publicações das diversas áreas da cultura, como Teatro, Música, Cinema e Artes Visuais durante esses primeiros 14 anos (1951-1965). Em síntese, pode-se caracterizar o jornalismo cultural de O ESTADO, nesses 14 anos iniciais, abordando algumas áreas da cultura, porém não todas ao mesmo tempo e de maneira constante.
Sobre o lançamento de LPs, a crítica enfatizava questões de juízo de valor e de gosto, tanto em relação à música quanto ao artista. Também se verificou a apresentação de listagem dos mais vendidos. Houve também o interesse do crítico/jornalista/colunista de estimular o leitor a ser um bom ouvinte, prestando atenção a algum detalhe da obra.
É significativo o papel do poder público na defesa e incentivo da cultura em Curitiba. Em dois momentos, o mesmo agente político atuou incentivando o cinema e a música popular – Ney Braga – tanto como prefeito de Curitiba na década de 50 como governador do Paraná na década de 60.
2 Análise microssociológica da atuação de Aramis Millarch na crítica jornalística de música popular brasileira de 1965 a 1975 – a formação do campo
Depois de se identificarem os dois principais objetivos do governo em sua proposta de atuação na área cultural – identidade e incentivo ao consumo – e descrever a formação do habitus do jornalismo cultural em O ESTADO DO PARANÁ, desde a sua fundação em julho de 1951 até julho de 1965 – mês em que Millarch passou a atuar no periódico –, elencaram-se as seguintes categorias em relação a: (1) Identidade – A Melhor Música Popular; Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira; Música Popular no Paraná. Sobre (2) incentivo ao Consumo, definiu-se Indústria fonográfica; Apreciação Musical; Distinção de Público. Um item distinto, relacionado à Censura do governo militar, foi listado à parte. Cabe destacar que essa categorização possui fins analíticos e não são estanques, estão imbricadas.
Elas surgiram partindo-se da metodologia da Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (1977), sendo elaboradas a partir da leitura flutuante de 172 edições do jornal pesquisado, entre 1965 e 1975, abrangendo exemplos de cada ano do período. Não se atentou, nessa leitura prévia, para aspectos quantitativos ou de significância estatística, como já observado na discussão sobre análise microssociológica e da micro-história; simplesmente se detectaram aspectos qualitativos, relacionados aos dois principais objetivos do governo em relação à cultura – Identidade e Consumo.
A data inicial do período a ser analisado – julho de 1965 – marca o início da atuação de Millarch como jornalista cultural em O ESTADO DO PARANÁ. Encerra-se a análise no ano de 1975, em que ocorre o Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira em Curitiba, idealizado por Millarch, com a organização da Associação de Pesquisadores da Música Popular Brasileira. No tocante a governo militar, ocorre a promulgação da Política Nacional de Cultura nesse mesmo ano e a fundação da FUNARTE no início de 1976.
Sobre a atuação de Aramis Millarch no campo da crítica de música popular brasileira, cabe destacar que a estrutura de um campo ocorre a partir da “distribuição desigual de um quantum social que determina a posição que um agente específico ocupa em seu seio” (ORTIZ, 1983, p. 20); esse quantum é denominado por Bourdieu de capital social (nesse caso, cultural), sendo de base cognitiva (BOURDIEU, 1996, p. 149). No caso de Aramis Millarch, seu conhecimento sobre música popular, exemplificado em inúmeros textos elaborados em relação a lançamento de discos de música popular brasileira e jazz, demonstram seu potencial em relação ao capital cultural nessa área.
2.1 Melhor Música Popular – MMP
Este termo foi empregado por Millarch em 1967 (01 jan. 1967, p. 18). Neste item procurou-se descrever as características elencadas pelo jornalista que identificariam a melhor ou a verdadeira música popular brasileira, segundo seu ponto de vista, também destacando as peculiaridades que não se enquadrariam como MMP.
Sobre gêneros musicais, relacionou tropicalismo e bossa nova, principalmente quanto à incompreensão popular (05 jan. 1969, p. 13). Pode-se deduzir que o povo ainda estaria longe de compreender a verdadeira música popular, ou seja, ela não seria realmente popular, e sim da elite. Ainda sobre gêneros, elogia o lançamento de volume de documentação folclórica brasileira, “onde raramente nossas gravadoras voltam-se para os ricos temas, uma gravação como esta [...] não deixa de se constituir num monumento válido e oportuno, principalmente se considerarmos o restrito público que atingirá” (16 fev. 1973, p. 18). Pode-se identificar neste comentário o critério de Distinção de público.
A defesa da música popular passa pelo apreço à música do passado. Millarch considera a idade de ouro da música popular brasileira as décadas de 1940 e 50 (23 mar. 1975) e a música de Carnaval como um “gênero musical que se tornou durante décadas, sinônimo do próprio cancioneiro verde-amarelo” (29 jan. 1975, p. 10). Este último período gira em torno das décadas de 1930 a 1960, em que essa música era registrada pelas grandes gravadoras, numa aproximação ao mesmo comentário do jornal no ano de 1963, no contexto do Festival de Música Popular.
Considera o choro como a manifestação mais elaborada e criativa da música popular brasileira. Explica a estrutura musical, dividida em partes e tonalidades, e também improvisação. Explica a origem do nome “Choro”, numa forma didática para o leitor, caracterizando a formação de um apreciador musical (18 jun. 1974, p. 16). Até a política entra na questão do choro: um deputado federal propõe na Câmara Federal que as gravadoras sejam obrigadas a gravar LPs de choros.
Posicionou-se criticando fortemente o gênero iê-iê-iê da Jovem Guarda, principalmente a figura de Roberto Carlos, que foi o compositor mais criticado pelo jornalista. Destaca-se que o iê-iê-iê seria uma versão traduzida dos ‘rocks’ originais. Apesar de defender a MPB, divulgava a ‘pop music’, considerando o gênero musical ‘pop music’ de poluído universo sonoro (11 jan. 1974, p. 12). Porém, poucos dias depois utiliza a edição de dois domingos seguidos para discutir o que seria a ‘pop music’ (20 jan. 1974, p. 21): toda a música não erudita (ou clássica); depois dos Beatles; forma musical de maior força elétrica, utilizando-se de aparelhagens eletrônicas, com o som superando a palavra, podendo ser confundida ou integrada ao Rock, ao iê-iê-iê.
Associa diversos aspectos a essa música jovem, tanto do ponto de vista musical, como econômico: consumidor abaixo de 25 anos (21 jan. 1973); com mesada dividida na compra de diversos títulos do iê-iê-iê (aborígenes e alienígenas) (03 jan. 1970, p. 12); emprego de hard linha, luz estroboscópica, com o som a todo o volume e “onde as palavras e harmonia não têm muita importância”.
Além dos gêneros discutidos, Millarch elenca uma série de características musicais que caracterizariam ou não a música brasileira: um “autêntico cancioneiro verde-amarelo, um misto de serestas e toadas interioranas. (...) É notável o sentido de brasilidade que ele imprime às suas letras e a sua música falando de pássaros, das minas, do mar” (MILLARCH, 07 jan. 1975, p. 4).
Sobre características em que ele manifesta o seu desagrado estão: utilização de textos em inglês para músicas de grupos nacionais citando a “alienização de nossa cultura com a progressiva influência da mais nefasta (e de pior qualidade) música estrangeira” (03 jan. 1975, p. 4). Além disso fala do emprego de pseudônimos estrangeiros, do uso de roupas com estampas americanas. Afirma inclusive ser difícil saber se conjuntos com nomes estrangeiros são mesmo internacionais ou se são brasileiros tentando enganar o público (14 jan. 1975). Outra característica que o jornalista considera como ‘mediocridade’ é a mistura, encontrada em alguns cantores, de clássicos da MPB, com versões e sambões (29 jan. 1974, p. 18).
Elenca os artistas que fazem parte da Melhor Música Popular: Os Cariocas, Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Maysa, Eliana e Booker Pittman, Caetano Veloso, Ismael Silva, Elton Medeiros, Egberto Gismonti, Milton Nascimento, Hermeto Paschoal, Sérgio Ricardo. Com exceção de Ismael Silva e de Os Cariocas (acima de 50 anos de idade), todos os outros artistas tinham idade variando entre 23 e 44 anos, na mesma faixa de idade de Millarch. Este posicionamento, ou escolha, é diferente da escolha de artistas (acima dos 40) da “verdadeira música popular” na programação de 1963, patrocinada pelo governo do Estado – governador Ney Braga, citado anteriormente.
Sintetizando a opinião do jornalista sobre gêneros musicais, destaca positivamente a bossa nova, tropicália, bumba meu boi, música de carnaval, blues e até mesmo a pop music. Considera como medíocre a mistura de gêneros diferenciados e desclassifica guarânia, tango e rock (09 jan. 1975, p. 4).
2.2 I Festival de MPB e I Encontro de Pesquisadores da Música Popular Brasileira
Em 28 de janeiro de 1975, exatamente um mês antes de se iniciar o Encontro de Pesquisadores, Millarch escreve um artigo intitulado “Música & Pesquisa”. Inicia citando um encontro de compositores, instrumentistas e intérpretes de música popular de Curitiba, que estava ocorrendo semanalmente no Teatro Paiol. Noticia também que na semana seguinte o Ministério da Educação e Cultura iria analisar a situação da música popular brasileira, através de uma proposição elaborada pelo Departamento de Assuntos Culturais/MEC. Recorda que três anos antes, encomendado pelo ministro da Educação anterior – Jarbas Passarinho –, um trabalho idêntico foi encomendado, porém, segundo Millarch, esquecido – Diretrizes (1973). Antecipa ao leitor algumas ações possíveis a serem realizadas pelo governo, como a criação do Instituto Nacional da Música, ou um Departamento especialmente para a música vinculada à Fundação das Artes6, demonstrando seu trânsito político no Ministério da Educação e Cultura e seu conhecimento dos documentos promulgados pelo governo na área da cultura – Diretrizes e PNC.
Continua refletindo sobre a preocupação oficial pela música popular brasileira, inicialmente em relação à preservação da “nossa memória musical”, afirmando que praticamente nada foi feito. Essa preservação deve-se a iniciativas isoladas, normalmente particulares. Cita o “lúcido” exemplo do governador da Guanabara, que criou o Museu da Imagem e do Som. Antecipa a ação do governo em relação à promoção de museus específicos, que consta no Plano Nacional de Cultura que seria promulgado logo em seguida.
Passa então a tratar diretamente da pesquisa de música popular, desenvolvida anônima e solitariamente. Afirma que há mais de dois anos [1972-3] tem conversado com diversos pesquisadores e estudiosos da MPB uma proposta de realização de um encontro de pesquisadores de todo o Brasil. Um dos objetivos seria “representar uma grande contribuição ao MEC, em seus planos de incentivo ao nosso cancioneiro”. Emprega palavras do próprio Ministério, ao dizer que esse cancioneiro “está ameaçado de ver desaparecer a força criativa da música brasileira se não forem tomadas providências imediatas” (28 jan. 1975).
Sobre o Encontro propriamente dito, noticiou que “os resultados finais seriam encaminhados, como contribuição espontânea ao MEC, em prol de um maior amparo à nossa música popular” (28 fev. 1975, p. 8). O Evento foi notícia de capa no dia 01 mar. 1975, e também em outras publicações, como a revista “Manchete” que divulgou: “O mais importante acontecimento cultural em favor de nossa música. [...] Estão sendo formuladas propostas inteligentes e concretas, em favor da criação do Instituto Nacional da Música” (02 mar. 1975, p. 4), que foi um dos principais assuntos tratados no primeiro dia do Encontro. Outro assunto foi o “poderio dos grupos internacionais que dominam o mercado” (02 mar. 1975, p. 12).
O documento encaminhado ao MEC, sugeria:
No dia 07 mar. 1975, Millarch procura justificar as sugestões enviadas ao MEC: a primeira justificativa está relacionada à inserção do estudo da música popular brasileira nos currículos de 1º e 2º graus, abrangendo o nível superior. Argumenta que, antes do “surto da bossa nova e da revalorização do samba e outros ritmos, nossa música popular era menosprezada, como se fosse manifestação culturalmente inferior”. Para ele, essa visão era elitista, e foi abolida dos meios cultos do País, sendo tão importante quanto o da música erudita.
A segunda justificativa de Millarch está relacionada à criação do Instituto Nacional de Música e Dança, cuja função seria similar à do Instituto Nacional do Cinema, ao defender os interesses dos cineastas nacionais, fazendo respeitar a proporção de exibição de filmes brasileiros fixada em lei. Caberia ao Instituto da Música a fiscalização da proporcionalidade obrigatória de veiculação de música popular brasileira nos meios de comunicação de massa, relativa ao Decreto 50.929 de 1961; argumenta que pouco se fez para que fosse implementada na prática.
É nesse ponto que a convergência dos níveis macro e microssociológicos ocorre com maior intensidade, nas sugestões do Encontro enviadas ao MEC; e, concomitantemente, o governo – nível macro – promulga sua Política Nacional de Cultura que, em parte, está em conformidade às sugestões do Encontro.
Stroud afirma que a APMPB atuou como um grupo de pressão, periodicamente alertando o governo sobre as ameaças à música popular nacional. Além disso, diversos membros da Associação foram responsáveis pelo projeto de compilar a discografia de todos as gravações de 78 rpm produzidas no Brasil entre 1902 e 1964. Também foram responsáveis pela publicação de dezenas de estudos de figuras esquecidas do mundo da música popular, principalmente do samba, através dos auspícios da FUNARTE (STROUD, 2008, p. 53).
2.3 A Música Popular no Paraná
Sobre a música paranaense, Millarch comenta o lançamento do disco do “SamJazz Quintet”, que teve o mérito de “furar a ‘barreira de cristal’” que existe em torno das gravadoras em relação a grupos instrumentais de outros estados que não sejam São Paulo e Rio de Janeiro: “as gravadoras só arriscam fazer um LP com novatos se tiver certeza do retorno financeiro; por isso o Paraná tem pouca expressão artística”. Cita que o grupo vocal “Os Calouros do Ritmo”, sete anos antes – 1963 – conseguiu fazer um LP na Copacabana (18 jan. 1970, p. 4). Posteriormente comenta o caso da dupla Marcelo Fasolo (gaúcho) e Tuclay Ganzer (paranaense) que obtiveram um compacto simples, lançado por uma gravadora conhecida. Mas ainda assim, segundo a opinião de Millarch, as músicas são ingênuas e incolores, sendo que obtiveram a “boa vontade” do diretor artístico da gravadora (22 fev. 1975, p. 4). Evidencia-se no comentário da “boa vontade”, de certa maneira, a justificativa da falta de incentivo fonográfico à música paranaense.
Ainda sobre a questão das gravações de músicos paranaenses, Millarch noticiou a I Mostra de Compositores Paranaenses, denominada por ele como “A Noite dos Desgravados”, numa associação ao Movimento Atuação Paiol (MAPA) destinado a “veicular nacionalmente o trabalho de compositores do Paraná” ou usando um trocadilho da época, colocar a música do Paraná no MAPA do Brasil (06 abr. 1975).
Em 1975, noticiou a tentativa de um grupo de músicos e compositores, em Curitiba, que se reuniu a fim de “encontrar uma saída estética e política que posicione o Paraná no mapa da MPB – marasmo que há décadas castra a música em nosso Estado” (26 jan. 1975, p. 4).
Destaca-se a notícia de inauguração do Teatro do Paiol com o show de Vinícius de Moraes, pois até então se divulgava que a vinda do compositor estava relacionada ao evento de premiação dos melhores do teatro de 1971 (25 dez. 1971, p. 7). É destaque a primeira descrição da finalidade do teatro como centro de cultura da cidade, onde poderão ser encenados espetáculos teatrais, projeção de filmes, exposições e conferências. Pelo menos nesta primeira comunicação, não há menção à atividade da música popular. É importante lembrar que é o primeiro investimento do município de Curitiba em um ambiente cultural, pois desde o início do jornal – 1951 – até o presente – 1971 – os eventos e ambientes relacionados à cultura foram de responsabilidade do Estado, ligados ao Teatro Guaíra.
Sobre a formação de plateia em Curitiba, no artigo “Curitiba merece os espetáculos internacionais?” destaca que não é frequente a vinda de espetáculos que circulam pela Guanabara, São Paulo e Porto Alegre a caminho de Buenos Aires. As duas iniciativas em anos recentes [1971-1972] se deveram à iniciativa da Sociedade Pró-Música, relacionada à música erudita: orquestras de Utah e da Rádio e Televisão Francesa. Essa discussão ocorreu devido à possibilidade da vinda de dois espetáculos ligados ao jazz; Millarch estimula a vinda desses grupos para a “população inteligente”, lembrando que o jornalista é um ouvinte desse gênero desde o início da década de 60. Termina seu artigo dizendo que os dirigentes culturais da cidade consideram que o jazz não é importante, ou o público curitibano não sabe prestigiar espetáculos culturalmente elevados” (28 jan. 1973, p. 1); raras vezes o público compareceu para aplaudir. Ao retomar o assunto da formação de plateia (04 fev. 1973, p. 49), escreve que trazer espetáculos de música erudita, em parceria com a Pró-Música é mais fácil que trazer os de jazz.
Escrevendo sobre música alemã, afirma que o gosto por música, mesmo na 2ª e 3ª gerações, ainda é grande. Cita o lançamento de LPs e que a gravadora Ariola passa a investir nessa nova faixa de mercado “junto a um público que, por formação étnica, não aceita com facilidade a música que não seja a do país de seus antepassados” (02/02/73, p. 10). Essa afirmação acaba reiterando o dizer de Paulo Leminski, sobre a dificuldade de se instituir a música popular em Curitiba, devido à presença maciça de imigrantes na cidade (LEMINSKI apud SANDMANN, 1996, p. 148).
Millarch confirma a má fase da música paranaense, ao dizer que o programa “Abertura” da Rede Globo, não teve nenhum paranaense classificado para as quatro eliminatórias (26 jan. 1975, p. 4); nem mesmo em festivais, de novos, compositores ou intérpretes o Paraná tem aparecido.
O crítico crê na possibilidade de Curitiba desempenhar um papel importante no contexto da música popular brasileira; não do aspecto da “manifestação cultural” ou de criatividade, mas sim do ponto de vista político, que ele chama de “aglutinação das reivindicações” e das pesquisas da música popular brasileira. Projeta que a intelectualidade curitibana, representada por ele na presidência da Associação dos Pesquisadores em Música Popular Brasileira, irá se envolver na luta de “levar avante a defesa dos ideais ligados à valorização e inserção de nossa MPB no lugar que de direito lhe pertence em nosso quadro cultural” (07 mar. 1975, p. 4).
2.4 Indústria fonográfica
Em 1º de janeiro de 1966, Millarch inicia uma prática que se estenderá por diversos anos: no mês de janeiro, apresentando uma análise retrospectiva do ano anterior – os melhores do ano, sendo diferente da prática anterior (pré-Millarch) com a lista dos mais vendidos. Nessa sua primeira temporada como jornalista musical, considera a falta de divulgação eficiente das gravadoras, pois Curitiba está mais distante fonograficamente do que geograficamente de centros como São Paulo e Rio de Janeiro; algumas delas nem representante tem na capital. Também critica a demora para que os sucessos musicais cheguem à cidade. A questão de estar atualizado é importante para ele, tanto que outra crítica é a falta de informação contida na capa dos discos, como mês e ano de lançamento.
Para resolver o problema das capas, Millarch afirma que poucos produtores se lembram de convidar jornalistas, pesquisadores e estudiosos dos diversos gêneros com o objetivo de facilitar ao comprador a apreciação da música, do intérprete ou do instrumentista que participou da gravação. Segundo ele, o que consta na maioria das contracapas são nomes das músicas, propaganda de outros lançamentos e textos em inglês, no caso de lançamentos internacionais, sem se dar ao trabalho de traduzir.
No início de 1967, instituiu um Conselho de Cinema e um de Música, para a escolha dos melhores de 1966. O de Cinema foi escolhido com os que “colaboram em nossa página dominical de cinema”. Já o da Música foi escolhido por “pessoas de gabarito e ligadas, de uma ou de outra maneira, à fonografia” (01 jan. 1967, p. 17 e 18); diferentemente do Cinema, o jornalista afirma que em Curitiba inexiste uma “crítica fonográfica atuante”. Na Música, os dez integrantes foram:
Aramis Millarch – editor da página de música popular no suplemento RM [Revista da Mulher] 8
Antonio Carlos – discotecário e programador da Rádio Guairacá; produtor; disc-jockey
Adherbal Fortes de Sá Jr. – expert em samba, estudioso de música popular, fã de jazz
Alceu Schwab – professor da Escola de Química da Universidade Federal do Paraná, estudioso de música popular, proprietário de uma das mais completas discotecas e bibliotecas sobre música, no Paraná
Euclides Cardoso – programador-chefe da Rádio Cruzeiro do Sul, disc-jockey, ex-“disc-review” da revista “TV-Programas”, produtor radiofônico
João Lydio Seiler Bettega – programador da Rádio Ouro Verde
Teresa Novaes – professora de violão, compositora
Jair de Brito – diretor da Rádio Independência, organizador de várias emissoras no Paraná e Santa Catarina, disc-jockey, ex-colunista de música popular do vespertino “Tribuna do Paraná”
Vinicius Coelho – produtor de programas de música popular na televisão e redator de música popular do matutino “Diário do Paraná”
Antenor Santos – programador da Rádio Independência (O ESTADO DO PARANÁ, 01 jan. 1967, p. 18).
Cabe uma reflexão sobre a formação desse Conselho de Música: dos 10 membros, seis são programadores de rádio, o principal veículo de divulgação de música na época; quatro que atuam ou atuaram como críticos de música (editor, ex-“disc-review”, ex-colunista, redator de música popular); dois estudiosos de música popular. Apesar da menor divulgação de programação de rádio no jornal, e da existência de vários programas e festivais de música popular veiculados à televisão, Millarch continua investindo no pessoal ligado ao rádio, visualizando-se a criação de um campo de agentes (personalidades, intelectuais) ligados à música popular em Curitiba.
Na construção do campo jornalístico da música popular brasileira, os distribuidores da indústria fonográfica terão um espaço importante a desempenhar como agentes. E essa relação se inicia com a divulgação de Irajá H. Lara, da Companhia Brasileira de Discos, que “será recebido em audiência pelo governador Ney Braga e prefeito Ivo Arzua” solicitando apoio para o lançamento de um disco cuja renda seria “revertida em favor do Escritório do Alto Comissário para os Refugiados da ONU” (20 maio 1965).
Diversos momentos relacionados à indústria fonográfica foram divulgados nos textos de Millarch como disputas de mercado, trocas de agentes, transações, estratégias de vendas, trocas de artistas. Destaca também a necessidade de se “formar novas gerações de consumidores de boa música”, exortando o setor fonográfico a investir na produção de discos destinados às crianças (17 jan. 1975). Nesse ponto Millarch cumpre o papel “sonhado” pelo governo militar: o de enriquecer a cultura do cidadão, visando uma nação madura e preparada para o 1º mundo. Outro exemplo é o investimento em LPs de música erudita, que tiveram um aumento expressivo de vendas entre os anos de 1970 e 1973: “até 1970, música erudita era para nossas gravadoras sinônimo de prejuízo. [...] Não tinha compradores porque não se formava um público”. [André Midani] decidiu provar há 3 anos que o brasileiro não tem medo de música clássica” (23 jan. 1973).
2.5 Apreciação Musical
Para o jornalista, há necessidade de informações, que constem na capa do LP, para o público, principalmente de gravações de músicas com “características especiais”, se referindo à música eletrônica, “artificial” (03 jan. 1970, p. 3). Diferencia momentos históricos de gravação, com mudança nos acompanhamentos dos cantores, de grandes orquestrações para pequenos conjuntos (01 jan. 1966, p. 7). Destaca a mudança de acompanhamento, com padrão adotado para sentimentos: comenta sobre o compositor e arranjador Henry Mancini, que “quebrou a convenção de que uma cena de amor fosse invariavelmente sublinhada por violinos, a violência nas ruas produzidas por jazz moderno, as cenas de guerra reduzidas a improvisações de metais e címbalos” (24 jan. 1970, p. 12).
Destaca-se seu conhecimento diversificado – capital cultural – ao analisar o lançamento do disco do grupo “Moto Perpétuo”, cujo tecladista e compositor – Guilherme Arantes – “prefere falar de temas simples, montando alguns jogos de palavras ou mesmo montagens semiconcretiais9” (MILLARCH, 12 jan. 1975, p. 16).
Define três tipos de ouvinte, destacando a possibilidade de apreciarem uma mesma gravação, no comentário sobre o disco do grupo “Blood, Sweat and Tears”, numa ideia amplamente divulgada de que a música é uma arte universal:
Um dos mais importantes álbuns deste ano, que transcende a todas as classificações: o jovem cabeludo, o jazzmaníaco e o velho razinza que só aceita a música clássica se unem, se confraternizam perante o BST, que com sangue, suor e lágrima [ele faz um trocadilho com o nome do grupo] provam mais uma vez que a música não tem fronteiras e rótulos e o importante é apenas talento (O ESTADO DO PARANÁ, 12 dez. 1971, p. 20).
Ao comentar sobre o lançamento de um disco de jazz, o jornalista afirma que mesmo o jazz pode ser absorvido pelo público menos informado, “desde que se ofereçam notas conhecidas, de um tema tradicional” (04 fev. 1973, p. 20); fala também do sentido didático das faixas do LP, uma espécie de aula inicial de jazz para o público latino-americano. Ao empregar o termo “público menos informado”, Millarch elitiza o jazz.
Millarch destaca ainda que nas grandes cidades, os jovens interessados conseguem manter-se relativamente informados; porém no interior, se chegam apenas “os reflexos”. Exemplifica, expondo sua experiência na presidência do júri do III Festival Internacional da Canção em Pato Branco (cidade do interior do Paraná), em que, às vezes, as pequenas cidades nem têm lojas de discos, impedindo assim aos interessados desenvolver sua cultura musical. E no caso da música de Pink Floyd, essa dificilmente seria parte de um programa de rádio de área rural. Enfatiza como relevante o papel de O ESTADO DO PARANÁ, sendo o único veículo de comunicação impresso a chegar em determinadas cidades.
2.6 Distinção de público
Sobre a Distinção10 de Público, pode-se deduzir que, ao Millarch associar certos artistas com classes econômicas, também estaria produzindo a ideia de “elevar” a qualidade da população; por exemplo, pode-se imaginar alguém da classe “A” ou “B” ouvindo um artista associado à “C” ou “D”? Outras distinções são encontradas em Millarch, como público mais e menos exigente e também na música jovem.
2.6.1 Classes A, B, C e D
Associa-se a classe A a “público seguro”, “de bom gosto”, “gabarito” (12 jan. 1975). Sobre as Classes B, C e D, os adjetivos mudam sensivelmente: os intérpretes são considerados “sofredores”; apesar de esses consumidores não terem poder aquisitivo para a sobrevivência física, garantem o sucesso de uma dezena de cantores “melodramáticos”, cantando dramas, desenganos, esperanças das mulheres abandonadas, decaídas. É “música de bas-fond”, “consumidos pelas plateias mais marginalizadas da sociedade” (TARIK DE SOUZA, 1973, apud MILLARCH, 19 jan. 1975 p. 14):
Entende-se que, em relação à categorização das classes, Millarch atua como crítico pertencente à elite; pois seus comentários sobre as classes B, C e D não são tão agradáveis quanto os da classe A.
2.6.2 Público exigente e menos exigente
Características do público mais exigente: capacidade de entender a língua inglesa; pessoas com sensibilidade suficiente para entender. Ele detalha de maneira mais pormenorizada as características do público menos exigente: músicas fáceis, arranjos comerciais, rápido/fácil consumo do LP; aborígenes; discos unicamente como entretenimento; público anestesiado, acostumado a programações na base de “paradas de sucesso”, com audições do que é “quente” nos EUA e Europa; um ouvinte não acostumado a músicas que exijam raciocínio, música como fundo de conversa.
Millarch afirma que em 1956, quando o rock’roll chegou no Brasil, alguns cantores lançaram-se nas versões nacionais, obtendo algum sucesso junto a camada menos exigente do público jovem - então menos informada do que hoje (25 jan. 1974, p. 12). Entenda-se “versões nacionais” ao fenômeno do iê-iê-iê e a Jovem Guarda.
2.6.3 Público jovem ou maduro
Millarch emprega, para o público mais maduro, as seguintes características: “arranjos convencionais, isto é, não barulhentos (17 jan. 1973)”.
Para o jovem, emprega o termo “cabeludos” (09 jan. 1975; 30 jan. 1975, p. 10) para identificar a geração pop/eletrônica, “músicos sem terem a menor (in)formação”. O pop elétrico “inflaciona o mercado e liquida com o nosso cancioneiro fazendo com que tantos jovens desconheçam a nossa música” (04 jan. 1975). Qualifica a música jovem de “som estridente que tem garantido dinheiro & sucesso para a maioria dos intérpretes – vocais e instrumentais – da música jovem de nossos dias” (17 jul. 1971, p. 13).
Comenta sobre a fórmula encontrada pelas gravadoras para oferecer ao público jovem, com menos de 30, de mesada curta, a oportunidade de possuir as músicas do momento: “a reunião de diferentes “hits” e intérpretes num mesmo álbum é uma formula “democrática”. É curioso observar que o próprio Millarch está com 29 anos nesse momento (10 fev. 1973, p. 14).
2.7 Censura no governo militar
As notícias sobre obras censuradas pelo governo eram dadas com naturalidade, sem nenhum tipo de alarde: “Falou-se muito em censura de algumas músicas em desperdício dos melhores momentos do ‘show’” (14 jan. 1973); proibição de música, sendo que posteriormente o LP foi relançado com exclusão dessa faixa (MILLARCH, 1 jan. 1975, p. 16); os discos de Juca Chaves são proibidos para execução pública (16 jan. 1975).
Uma notícia em especial chama a atenção, pois Millarch explicitamente apresenta a legislação de autorização, aparentando concordar com a aplicação da censura, cumprindo o papel de um integrante de um Aparelho Ideológico de Estado:
O disco “Direitos humanos no banquete dos mendigos”, gravado ao vivo do show do mesmo nome, produzido pela RCA-Victor, será apreendido nas discotecas de todo o território nacional, por ter um teor político considerado não conveniente ao regime do país, segundo determinou o diretor da divisão de censura de diversões públicas, Rogério Nunes. O disco com faixas gravadas por Chico Buarque, Paulinho da Viola, Edu Lobo, Gal Costa e Raul Seixas, entre outros compositores, foi enquadrado na legislação do Departamento de Polícia Federal, onde um dos seus itens diz que “será vedada a autorização sempre que a exibição ou transmissão for capaz de provocar o incitamento contra o regime vigente, a ordem pública, as autoridades e seus agentes” (14 jan. 1973).
No I Festival de Música Popular Brasileira, realizado em Curitiba, com muita naturalidade foi noticiado que o show de Chico Buarque, poderia ser cancelado pela Censura Federal (28 fev. 1975, p. 8). Sobre o show, Chico afirma que o espetáculo não tem problemas, pois não tem texto falado; a censura só seria exercida nas músicas já proibidas anteriormente (02 mar. 1975, p. 12).
Millarch teceu comentários sobre uma possível justificativa da não encenação da ópera-pop “Tommy” no Brasil, “talvez temendo uma ação mais drástica da Censura, talvez julgando não haver condições da encenação de um espetáculo de vanguarda pop como este em nosso País, nenhum empresário-diretor pensou ainda em montá-la” (18 fev. 1973, p. 19).
Também noticiou o lançamento do LP de uma cantora – Zélia Barbosa – gravado em Nova Iorque intitulado “Canções de Protesto” (Songs of Protest), tendo como subtítulo “sings of the sertão e favela”, que também é vendido na Alemanha Ocidental, de onde um diplomata trouxe o único exemplar existente em Curitiba (03 jan. 1974, p. 4).
Os comentários relacionados à censura demonstram naturalidade em relação ao período ditatorial. Até houve por parte de Millarch a divulgação da legislação referente à ação da censura ao divulgar o disco “Direitos humanos no banquete dos mendigos”, de certa maneira criticando aos que elaboraram o disco.
3 Considerações finais
O trabalho teve como objetivo comparar, do ponto de vista macro-microssociológico, o paralelismo entre a ação do governo militar na área da cultura – nível macro – e a atuação do jornalista Aramis Millarch na crítica da música popular brasileira no jornal O ESTADO DO PARANÁ – nível micro, entre os anos de 1965 e 1975. Estabeleceu-se como hipótese a convergência de ações que culminaram, em 1975, com a promulgação da Política Nacional de Cultura e a criação da FUNARTE, por parte do governo; e da criação da Associação dos Pesquisadores da Música Popular Brasileira em Curitiba, da qual o jornalista foi seu primeiro presidente.
Para a descrição desse duplo contexto, a pesquisa utilizou-se de Bourdieu como seu referencial, principalmente na caracterização do habitus e do campo, tanto na formação do jornalismo cultural pré-Millarch, entre os anos de 1951 a 1965, quanto na atuação de Millarch. Cabe destacar que a questão da convergência também se deve à ideia de Althusser e de seu Aparelho Ideológico do Estado, no qual a mídia jornal está incluída.
Nos dois documentos oficiais produzidos pelo Estado – Diretrizes para uma Política Nacional de Cultura (1973) e Política Nacional de Cultura (1975), identificou-se dois amplos campos de atuação e interesse do governo, na área cultural: a busca da identidade e o estímulo ao consumo. Procurou-se, então, reconhecer nos textos de Millarch relacionados à música popular brasileira, características que, de certa maneira, reforçassem o papel do Estado através da crítica do jornalista.
Aramis Millarch teve importante atuação no jornalismo cultural em O ESTADO DO PARANÁ, no período analisado entre 1965 e 1975. 1965 foi o ano em que começou a trabalhar no periódico, que, até então, possuía um jornalismo cultural sazonal, com notícias relacionadas à música popular brasileira cobertas por notas em colunas esporádicas, inicialmente relacionadas ao rádio, e a partir dos anos 1960, na indústria fonográfica.
Logo desenvolveu uma rede de agentes relacionados à música popular: programadores de rádio, pesquisadores, experts, todos mencionados em seus escritos, reforçando a formação do campo da crítica da música popular brasileira em Curitiba. Ao citar inúmeras pessoas em seus textos, fica evidente a formação de um campo de agentes – programadores de rádio, intelectuais, pesquisadores da música popular – que certamente liam e discutiam a música popular brasileira em Curitiba. Apesar desse campo de discussão e reflexão desenvolvido, aparece em seus escritos a carência de produção direta de música popular na cidade, ao observar a dificuldade em músicos curitibanos em gravar discos, sinônimo de sucesso no mercado fonográfico.
De seus textos, pode-se afirmar que defendia a música popular brasileira, um gênero que mesclava bossa nova e jazz, nascido nos anos 1960, e de cunho elitista. Isso é possível notar, pois em diversos momentos, principalmente quando se referia às classes socioeconômicas B, C e D, (des)qualifica esses consumidores, ou impinge a eles uma identidade social.
Com a intenção de preparar ou educar melhor seus leitores, dedicou-se a escrever sobre características musicais a serem percebidas – Apreciação Musical –, comparando estilos históricos e absorvendo aquilo que era novidade.
Observou-se também a relevância do poder público nas ações relacionadas à cultura e música popular em Curitiba, principalmente na atuação do político Ney Braga, como prefeito da cidade, governador do Estado do Paraná e ministro da Educação e Cultura. Como prefeito dirigiu ações de incentivo ao cinema e ao teatro; como governador, realizou um Festival de Música Popular Brasileira no ano de 1963; como ministro promulgou o Plano Nacional de Cultura em 1975.
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Notas
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