1 Introdução

A disseminação das tecnologias móveis e sem fios tem levado ao desenvolvimento de um novo campo da saúde eletrônica, o qual tem como finalidade apoiar as ações de saúde, conhecidas como saúde móvel. Embora não exista uma definição padrão, o Global Observatory for ehealth conceitua saúde móvel como a prática de saúde mediante o apoio de dispositivos móveis, como os telefones celulares e outros dispositivos sem fio. Em sua 2.ª edição de pesquisa, foram apresentadas as categorias de aplicativos dentro da área da saúde móvel: mobilização comunitária e promoção da saúde, conformidade de tratamento, registros móveis de pacientes, acesso às informações, monitoramento do paciente, inquéritos de saúde e coleta de dados, vigilância, aumento da sensibilização quanto à saúde, sistemas de apoio à decisão e outros (WHO, 2011).

Os aplicativos móveis (apps) de saúde possibilitam o controle da saúde por meio do monitoramento do comportamento de seus usuários e apresentação de feedback, o que consiste num relevante potencial em ações na área de nutrição. O fácil acesso diário aos dispositivos móveis destaca as oportunidades de se fornecerem informações de suporte em qualquer momento e lugar (CHEN et al., 2017; DIFILIPPO et al., 2015).

Relatos quanto ao uso de dispositivos móveis na área de nutrição afirmam existir 5.400 apps relacionados à alimentação, dieta e hábitos saudáveis disponíveis na internet, número ainda em crescimento. Os apps encontram-se disponíveis no smartphone em diferentes plataformas, apresentam feedback, estabelecimento de objetivos para uma alimentação saudável, automonitorização de energia e ingestão de nutrientes, rastreamento de peso e tomada de decisões sobre compras e restaurantes, entre outros (SAN MAURO MARTÍN; GONZÁLEZ FERNÁNDEZ; COLLADO YURRITA, 2014; COUGHLIN et al., 2015).

Um estudo recente analisou as funcionalidades dos aplicativos de nutrição mais populares pesquisados em novembro de 2015 e comparou suas tecnologias e estratégias para análise dietética e feedback para o usuário. A maioria dos aplicativos possui enfoque na perda de peso e monitoramento calórico, utilizando usualmente uma abordagem quantitativa de análise da relação entre consumo e gasto energético. A utilização desse método, no entanto, não considera a qualidade dos alimentos consumidos. Apesar de a maior motivação para a utilização de aplicativos de nutrição estar relacionada à perda de peso associada à obesidade, essa não deve ser a única preocupação (FRANCO et al., 2016).

A avaliação dietética é extremamente importante para o entendimento da relação dieta-saúde. O uso de novas tecnologias tornou-se interessante no desenvolvimento de ações em nutrição e coleta de dados de ingestão de alimentos, a um custo relativamente baixo em tempo real (CADE, 2017).

A análise da dieta pode ser feita pelo método quantitativo, mediante o cálculo de energia e dos macro e micronutrientes, e qualitativamente, por meio da avaliação da frequência do consumo de determinados alimentos ou grupos de alimentos, os quais, se consumidos em excesso ou de forma reduzida, podem constituir fatores de risco para o comprometimento da saúde. Alguns métodos tradicionais que permitem a análise qualitativa da dieta são o histórico alimentar e o questionário de frequência alimentar. Para a análise qualitativa, guias alimentares e recomendações estabelecidas pelas autoridades de saúde visando a uma alimentação saudável e à promoção da saúde para a população são usadas como referência (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009).

Para fins de pesquisa ou de saúde pública, utilizar um questionário longo sobre história alimentar ou frequência alimentar não é prático. Mais recentemente, novas ferramentas rápidas de avaliação e autoavaliação foram desenvolvidas no contexto das intervenções de promoção da saúde focadas na modificação de comportamentos alimentares, como questionários destinados a identificar fatores de risco para a desnutrição ou os padrões de consumo inadequados para grupos alimentares. Com base em tais fatores, algoritmos são desenvolvidos para calcular escalas de pontuação associadas a cada ferramenta de rastreio. Geralmente as pontuações são categorizadas em intervalos, referenciando ações apropriadas correspondentes e medidas a serem adotadas. As ferramentas de avaliação rápida são altamente valiosas em virtude de sua facilidade de manuseio, estando, assim, prontas para serem usadas por profissionais sem formação específica ou qualificação especializada (PÉREZ RODRIGO et al., 2015).

As ferramentas rápidas de avaliação, assim como os índices de qualidade de dieta foram, desse modo, construídos, a fim de medir o grau de aderência às diretrizes nacionais para a promoção da saúde e nutrição saudável ou recomendação de dietas, tais como a dieta mediterrânea. Alguns desses índices foram estabelecidos com base no consumo de porções de alimentos, permitindo a interpretação imediata; outros basearam-se no consumo de nutrientes, o que exige uma análise nutricional mais profunda para posterior cálculo do índice. A maioria dos índices da dieta estão sendo usados como seus indicadores de qualidade, uma vez que melhores pontuações se relacionam a baixo risco de doença e baixa mortalidade (WONG et al., 2013; MACEDO-OJEDA et al., 2016).

O objetivo deste artigo foi realizar um mapeamento na literatura disponível a fim de identificar, no cenário atual, pesquisas relacionadas ao uso de aplicativos em dispositivos móveis na área da nutrição bem como proceder, por meio de questionário, à análise do perfil de usuários, os quais podem beneficiar-se pela criação/utilização de tecnologias que abordem a avaliação da qualidade da alimentação.

2 Metodologia

Para guiar a revisão da literatura, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: quais estudos apresentados na literatura científica abordam aplicativos que avaliam o consumo alimentar de forma qualitativa, especialmente através do uso de índices de qualidade da dieta?

Conduziu-se o trabalho de revisão de literatura com base em critérios de inclusão, mediante a combinação dos seguintes termos em língua inglesa: smartphone, mobile, applications (application, apps, app), nutrition (dietary quality, diet) assessment, food frequency, healthy eating.

Os estudos foram coletados no banco de dados Pubmed, Medline e Scielo de 2012 a 2017, considerando que as pesquisas retornaram resultados em conformidade com o tema a partir desse período. Os critérios de inclusão foram: texto completo; disponível em inglês, português e espanhol; e que envolvesse a temática de aplicativos móveis de nutrição com enfoque na qualidade da dieta.

Os artigos tratando apenas de ferramentas tradicionais de avaliação da qualidade da alimentação não disponíveis em aplicativos móveis não foram considerados, assim como os aplicativos que abordavam apenas o monitoramento do consumo alimentar de forma quantitativa.

As Figuras 1, 2 e 3 demonstram os diagramas de fluxo da pesquisa bibliográfica.

Figura 1.
Diagrama de fluxo de pesquisa bibliográfica para a combinação dos termos em inglês: (dietary quality assessment OR nutrition assessment OR diet assessment) AND (mobile OR smartphone) AND (app OR application OR apps OR applications)

Figura 2.
Diagrama de fluxo de pesquisa bibliográfica para a combinação dos termos em inglês: (food frequency) AND (app OR apps OR application OR applications) AND (mobile OR smartphone)

Figura 3.
Diagrama de fluxo de pesquisa bibliográfica para a combinação dos termos em inglês: (healthy eating) AND (app OR apps OR application OR applications) AND (mobile OR smartphone)

Quanto ao perfil do usuário, foi confeccionado e aplicado um questionário com nove perguntas fechadas que abordaram os seguintes conteúdos: identificação (idade, gênero, turma), histórico de saúde, conhecimento nutricional, alimentação e tecnologias. A última seção, objeto de análise neste trabalho, trata de tecnologia e aplicativos móveis, como a posse e o uso de smartphone, sistema operacional do aparelho e o uso de aplicativos para contextos de saúde. Tendo em vista o uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) nas práticas da sociedade atual, a ideia principal do questionário foi analisar a participação das TIC como fontes de conhecimentos de nutrição e saúde comparadas às fontes tradicionais que não envolvem o uso de TIC. A partir dessa análise, então, seria possível identificar quais os recursos mais utilizados, a fim de que se pudesse, posteriormente, propor o desenvolvimento de um produto tecnológico de nutrição para o público-alvo a que tais recursos se destinam.

O público-alvo englobou os alunos do ensino médio/técnico e da educação de jovens e adultos, com faixa etária de 15 anos a 60 anos, atendidos pelo Programa de Alimentação Escolar do Instituto Federal Fluminense (IFF) do campus Campos-Guarus, os quais foram recrutados durante a apresentação do projeto na instituição. Em razão do perfil da escola, de atendimento a dois grupos etários (adolescentes e adultos) de características distintas, as análises foram separadas entres eles.

Por se tratar de um trabalho com envolvimento de humanos, o projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética do Hospital Pedro Ernesto/HUPE/UERJ, sob o protocolo de número 83028417.6.0000.5259. Os aspectos éticos foram respeitados, considerando a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A partir do número total de alunos (n=792), calculou-se o número da amostra representativa da população (n=259), considerando o grau de confiança de 95% e a margem de erro de 5%. Após a coleta de dados da amostra aleatória, os questionários foram tabulados em um banco de dados (Microsoft Excel) para posterior análise estatística simples, com frequências relativas. As variáveis analisadas foram: sexo, idade, fonte de conhecimento de nutrição e saúde, uso de smartphones, sistema operacional e download de app de saúde e nutrição.

3 Resultados

Após as pesquisas, os artigos repetidos foram analisados e excluídas as duplicatas, permanecendo ao final sete artigos. No entanto, por tratarem de um mesmo aplicativo, dois artigos foram agrupados. O Quadro 1 sumariza as características dos estudos incluídos para análise neste artigo.

Os resultados foram classificados em duas linhas principais: aqueles que comparam o consumo frente às porções de grupos de alimentos recomendadas e os que usavam algum índice de qualidade da dieta para avaliação. Os aplicativos também foram categorizados em: aplicativos que enviam algum feedback ao usuário e os que enviam informações apenas ao administrador do app (Quadro 2).

No que diz respeito à análise dos resultados do perfil do usuário, do total de 259 participantes, 158 (61%) eram do gênero feminino e 101 (39%) do gênero masculino. 162 (63%) representavam a faixa etária de 15-19 anos e 97 (37%), a faixa etária de 20-60 anos.

Nos Gráficos 1, 2, 3 e 4, podem-se observar os resultados relacionados à fonte de conhecimento sobre os temas nutrição, saúde e tecnologia.

Gráfico 1.
Fonte de Conhecimento de Nutrição e Saúde da amostra

Para a pergunta referente à fonte de conhecimentos de nutrição e saúde foi permitido assinalar mais de uma opção; assim, o somatório dos meios de comunicação tornou-se superior a 100%. Na categoria “outros” foram indicados: TV, livros, Youtube, profissionais de saúde e familiares.

É possível notar ainda no Gráfico 1 o importante destaque atribuído à internet e às redes sociais como principais fontes de informação sobre saúde e nutrição em ambos os grupos etários analisados. O uso da internet para pesquisas relacionadas à alimentação e saúde foi observado em 71% dos adultos e 64% dos adolescentes. As redes sociais representam a segunda maior ocorrência tanto na faixa de adultos (30%) como na de adolescentes (52%). A utilização de aplicativos aparece em terceiro lugar no grupo de adolescentes, enquanto que, no de adultos, ocupa a quarta posição.

Gráfico 2.
Frequência relativa do uso de smartphones na amostra

Gráfico 3.
Distribuição do sistema operacional dos smartphones da amostra

Analisando a amostra no tocante às tecnologias móveis, especificamente o uso e a posse de smartphones e seu sistema operacional, verificou-se que quase a totalidade de adolescentes (98%) possui smartphone; desses, 89% possuem Android, 11% iOs e 1% Windows Phone. Em contrapartida, no grupo de adultos, observou-se um percentual menor de indivíduos com smartphone (89%), sendo desses 93% Android, 6% iOs e 1% Windows Phone.

Gráfico 4.
Frequência relativa de Download de App de Saúde e/ou Nutrição na amostra

Finalmente, o último item a ser pontuado diz respeito ao download de aplicativos de saúde e/ou nutrição, sejam eles relativos ao uso contínuo ou utilizados uma única vez. No Gráfico 4 é possível perceber que os aplicativos da área de saúde ainda participam de forma discreta do cotidiano da população analisada, sendo utilizados por 16% de adultos e 21% de adolescentes.

4 Discussão

A associação das tecnologias de informação e comunicação com mecanismos de promoção da alimentação saudável e prevenção de doenças tem se mostrado positiva, apresentando como resultados melhora do controle alimentar (FRANCO et al., 2016) e da qualidade dos itens consumidos (BALDO; ZANCHIM; KIRSTEN, 2015; GABRIELLI et al., 2017), aumento de conhecimentos acerca de alimentação saudável (BALDO; ZANCHIM; KIRSTEN, 2015; GABRIELLI et al., 2017) e reflexos na perda de peso (KERR et al., 2016). Ao contrário da análise da quantidade de nutrientes ingeridos, que necessita de conhecimentos mais aprofundados para entendimento dos resultados (FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009), a avaliação da qualidade da alimentação pode ser uma forma simples do público em geral compreender seu padrão alimentar, comparar seu consumo com as porções de alimentos recomendadas em guias alimentares nacionais ou mesmo por meio de uma pontuação que classifique sua alimentação. Variados índices foram propostos com o objetivo fundamental de avaliar e guiar o consumo alimentar de indivíduos e populações, e de estimular a promoção da saúde através da educação nutricional. A primordial relevância da aplicação desses índices se deve à apresentação de feedback, que traz de forma simples um panorama global da alimentação em comparação às análises a partir da quantificação de todos os nutrientes citados nas recomendações nutricionais (VOLP et al., 2010).

Nesse contexto, destaca-se a apresentação de feedback ao usuário como estratégia de educação nutricional, que promove aumento de conhecimentos a respeito de alimentação saudável, possibilitando o empoderamento sobre sua própria alimentação e melhorias no padrão de consumo alimentar, o que produz reflexos na prevenção de doenças. Observa-se, por outro lado, a utilização de ferramentas que coletam informações a serem enviadas aos pesquisadores, métodos interessantes a serem utilizados, com enfoque numa avaliação em nível populacional, objetivando traçar o perfil e propor políticas de saúde baseando-se nos resultados encontrados (BALDO; ZANCHIM; KIRSTEN, 2015; BEJAR; SHARP; GARCÍA-PEREA, 2016).

O artigo de Rangan et al. (2016) examinou a validade de uma ferramenta de avaliação da ingestão dietética eletrônica (e-DIA), comparada com um recordatório de 24 horas, a fim de medir o consumo de grupos de alimentos em uma amostra de 80 estudantes universitários, havendo entre esses 50 mulheres com média de idade de 21 anos. Trata-se de um aplicativo de celular que registra digitalmente todos os alimentos e bebidas consumidos, sejam eles pesados ou estimados. A coleta de dados acerca do consumo alimentar foi fragmentada em oito grupos alimentares. Destes, cinco grupos com consumo recomendado diariamente, enquanto os outros três possuem consumo recomendado em pequenas quantidades e baixa frequência. O autor ressalta que uma vez que esse é o primeiro estudo a analisar o consumo de grupos alimentares usando um aplicativo móvel com diário alimentar e que não há estudos de validação nessas condições estudadas, é difícil comparar resultados. De maneira geral, a ferramenta é uma possível alternativa ao recordatório de 24h repetido (3 vezes), classificando indivíduos e médias de consumo de grupos alimentares, possibilitando que os achados se traduzam em mensagens de saúde pública.

Outro aplicativo descrito na literatura é o Diabetes Food Control, que avalia qualitativamente o consumo alimentar de diabéticos com base em um questionário validado. Existem sete etapas de coleta de dados categorizados como informações de identificação, avaliação bioquímica, avaliação antropométrica, dados sociodemográficos, dados de estilo de vida e história clínica e nutricional. No final da entrada de dados, o usuário obtém um feedback do hábito alimentar com base na informação fornecida, indicando adequação ou não. Isso permite que o usuário melhore e controle sua alimentação com a orientação da ingestão de alimentos recomendados para alimentação saudável e não saudável com base nas diretrizes do guia alimentar da população brasileira (BALDO; ZANCHIM; KIRSTEN, 2015).

O TreC-LifeStyle é um aplicativo de educação nutricional com conteúdo proveniente de informações encontradas na Pirâmide Alimentar e nas diretrizes para dieta mediterrânea. A avaliação do aplicativo envolveu 6 famílias de crianças com sobrepeso (7-12 anos) relatando ingestão alimentar diária de crianças por 6 semanas e fornecendo feedback sobre a experiência do usuário com a intervenção mHealth. O aplicativo trabalha com um sistema de cores que permite que os responsáveis se alinhem com as indicações de diretrizes. A cor verde indica adequação; a cor vermelha, excesso e cinza piscando, quando tipos e quantidades forem insuficientes. A partir das informações de ingestão alimentar são postuladas estatísticas pessoais promovendo a formulação de relatórios diários informando os desvios e acertos acerca do comportamento alimentar com relação às diretrizes de dieta saudável, além de notificações sobre tópicos relevantes para a educação nutricional. O design centrado no usuário e a avaliação do aplicativo mostram que aplicativos de educação nutricional são soluções viáveis e aceitáveis para apoiar intervenções de promoção da saúde na atenção primária (GABRIELLI et al., 2017).

O estudo de Bejar, Sharp & García-Perea (2016) foi realizado entre 119 alunos da Universidade de Sevilha, que completaram tanto o aplicativo e-EPIDEMIOLOGY como o documento validado QFA (questionário de frequência alimentar). O aplicativo permitiu a gravação do consumo diário de cada participante a partir de uma série de alimentos/bebidas selecionados para o estudo, considerados como marcadores de hábitos saudáveis (frutas, legumes, peixes) e não saudáveis (refrigerantes, doces, alimentos preparados). Este estudo propôs um novo método de avaliação de hábitos alimentares mediante a utilização de tecnologias móveis, caracterizando-se basicamente como um recordatório de 24h simplificado repetido durante 28 dias. Nesse método, a avaliação não enfoca métodos quantitativos; para esse fim, são utilizadas as ferramentas como registro de diários alimentares e recordatórios de 24h. O e-EPIDEMIOLOGY permite a classificação dos participantes de acordo com categorias de consumo alimentar, identificando riscos de desenvolvimento de doenças crônicas e deficit de nutrientes pelo inadequado consumo de alimentos fontes. Foi observado concordância com um QFA em papel previamente validado, sendo uma alternativa potencial para uso em estudos epidemiológicos.

O estudo de Kerr et al. (2012) relatou o protocolo de um projeto envolvendo o desenvolvimento de diário alimentar móvel e avaliação do feedback dietético em uma intervenção de 6 meses em adultos jovens entre 18 e 30 anos randomizados em três grupos: feedback dietético e mensagens de texto motivacionais; apenas feedback dietético ou grupo de controle participando do projeto ConnectingHealth and Technology (CHAT). Os resultados da avaliação da eficácia do feedback personalizado e envio de mensagens semanais de texto motivacionais visando à melhoria no padrão de ingestão de alimentos marcadores de alimentação saudável e não saudável foram apresentados no estudo de Kerr et al. (2016). Para a coleta de dados dietéticos, foi utilizado um diário alimentar móvel, capturando imagens de alimentos e bebidas consumidas durante quatro dias no início e após a intervenção. Os dados foram enviados a analistas treinados, os quais avaliaram os registros com base na qualidade de itens alimentares dos grupos alimentares de acordo com o padrão australiano do Guia de Alimentação Saudável. Após essa avaliação, foram construídas mensagens de feedback dietético e mensagens motivacionais. Observou-se, a partir disso, a importância do feedback dietético, promovendo modificações no comportamento alimentar, visto o efeito de redução de peso em indivíduos com sobrepeso possivelmente relacionada à redução no consumo de alimentos com densidade energética alta e pobre em nutrientes.

De maneira geral, a avaliação de consumo de frutas, vegetais, fibras e gordura é realizada por meio de questionários de frequência alimentar ou métodos breves de avaliação. Diários alimentares, que proporcionam medidas mais detalhadas, normalmente se relacionam com um alto fardo para o respondente e custo para análise. Apesar disso, foram identificadas altas taxas de adesão ao método, podendo-se considerar o diário alimentar móvel como uma opção viável de avaliação com potencial de utilização em populações maiores (KERR et al., 2016).

O último estudo avaliou a utilização de um aplicativo para estimativa do consumo alimentar por uma amostra aleatória de 40 estudantes de graduação da UNIFESP campus Baixada Santista, de ambos os sexos, possuindo idades entre 20 e 24 anos. Foi realizada a comparação entre a estimativa pelo uso do aplicativo NutraBem e pelo recordatório de 24h durante três dias; sendo um desses dias no fim de semana com o objetivo de determinar o consumo usual do indivíduo. Os dados dietéticos analisados de forma quantitativa foram: energia, carboidratos, proteínas, lipídios, cálcio, ferro e vitamina C. Nesse aplicativo, a dieta é analisada por métodos quantitativos e qualitativos. O índice de qualidade da dieta associado ao Guia Alimentar Digital foi utilizado para determinar o resultado final da qualidade da dieta tanto no aplicativo como em comparação com o recordatório de 24h, apresentando uma correlação moderada entre as duas ferramentas. O aplicativo apresenta concordância com os resultados obtidos pelo método tradicional de recordatório de 24h, principalmente no que tange à avaliação quantitativa da dieta, possibilitando estabelecer que essa é uma potencial ferramenta a ser utilizada por nutricionista para avaliar o público de estudantes universitários. Mais informações devem ser investigadas a fim de identificar as limitações relativas às correlações entre grupos de alimentos e possibilitar a interpretação de resultados como uma potencial ferramenta a ser utilizada em outras populações (MESCOLOTO; CAIVANO; DOMENE, 2017).

Considerando os resultados encontrados, fica evidente a carência na avaliação da dieta em aplicativos de nutrição no que se refere à abordagem qualitativa da dieta. Poucos estudos relatam a utilização de avaliação qualitativa em aplicativos móveis da área da nutrição, dando preferência para a avaliação quantitativa, com foco no monitoramento calórico e perda de peso. Esse fato pode estar associado à participação expressiva de profissionais de áreas distintas da nutrição e, em alguns casos, leigos na área. Cabe ressaltar que esse é um espaço de importante atuação do profissional nutricionista, visto que os aplicativos móveis são uma considerável fonte de informação, a qual, construída sem embasamento científico ou baseada em conceitos inadequados, pode induzir os usuários a desenvolverem comportamentos não saudáveis. Avaliar a qualidade da dieta e apresentar feedback ao usuário a partir da abordagem qualitativa torna as modificações na alimentação um processo de mais fácil entendimento e aplicação.

Ao analisar o perfil da população, percebe-se uma grande participação de smartphones e internet na rotina de indivíduos, marca característica da sociedade atual. As características apresentadas no perfil da população colaboram com o enfoque dado ao desenvolvimento de aplicativos móveis. Frente às informações encontradas na literatura científica analisada neste trabalho, que destaca a importante atuação de aplicativos móveis de nutrição em benefício da saúde do usuário, aliar os três grandes colaboradores da construção de conhecimentos relativos à saúde e nutrição – internet, redes sociais e aplicativos – parece um caminho possível de envolver pessoas no processo de cuidado com a própria saúde e nutrição. Dessa forma, pensar numa proposta de desenvolvimento de aplicativo de nutrição com ações motivadoras e persuasivas, que gere feedback sobre componentes de qualidade da dieta apresentada pelo usuário, configura-se uma forma de trabalhar em prol da promoção da alimentação saudável na população analisada.

5 Conclusão

A revisão de literatura possibilitou identificar aplicativos móveis que abordam a ingestão alimentar de maneira qualitativa. A maior parte dos estudos descritos utiliza porções de grupos alimentares e recomendações de guias como métodos para avaliação. Ainda é reduzido o número de artigos que abordam a utilização de ferramentas breves de avaliação da qualidade da dieta, como índices de qualidade da dieta ou índices de alimentação saudável, empregadas em aplicativos de dispositivos móveis.

De modo geral, a maioria dos estudos não trouxe informações em profundidade a respeito da avaliação dietética qualitativa, especialmente sobre a utilização do índice de qualidade de dieta.

Pode-se destacar que a população analisada apresentou características favoráveis ao uso de um aplicativo de nutrição que envolva componentes de conectividade social derivado de redes sociais, apresentando feedback relativos à alimentação, nutrição e saúde veiculados pela internet.

Por se tratar de uma ferramenta prática e de fácil uso, a comprovação de sua eficácia seria, possivelmente, um fator chave para a superação da dificuldade da triagem de indivíduos que necessitam de orientação nutricional, como ocorre em serviços que apresentam dimensionamento inadequado de profissionais, assim como um facilitador para desenvolvimento de educação nutricional.

Mais estudos que examinem a utilização de ferramentas rápidas de avaliação da qualidade da dieta baseadas em recomendações de porções de grupos alimentares em aplicativos móveis visando à identificação de hábitos alimentares de risco para o desenvolvimento de doenças são necessários, devendo tal assunto ser abordado em trabalhos futuros.

Referências

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Notas de autor