1 Introdução

Santa Catarina, entre 2010 e 2015, teve área plantada com a cultura da cebola de 20.000 ha, produtividade de 22,2 t/ha, com valor bruto de 325 milhões de reais (IBGE, 2017).

O principal inseto praga da cultura da cebola no país é o tripes, Thrips tabaci Lind. (Thysanoptera: Thripidae) (GONÇALVES, 2016). Os danos causados por tripes em cebola são devido a raspagem das folhas e sucção de seiva das plantas. Nessa condição, a fotossíntese é prejudicada devido à presença de lesões foliares, que pode reduzir tamanho e peso dos bulbos. O tombamento natural das folhas na maturação fisiológica também pode não ocorrer em condições de altas infestações de tripes. Dessa forma, as plantas ficam eretas, o que facilita a entrada de água da chuva até a parte interna dos bulbos, com futuras perdas na armazenagem por apodrecimento (GONÇALVES, 2016). O tripes também pode favorecer a maturação precoce da cebola e favorecer altas perdas por transmissão do vírus, Iris Yellow Spot Virus (DIAZ-MONTANO et al., 2011). Esse vírus foi identificado pela primeira vez em Santa Catarina em 2017, causando sérias perdas em plantas de cebola, com seca geral de folhas e redução no tamanho dos bulbos (ARAÚJO; RESENDE, 2017).

Neste sentido, práticas de manejo de tripes em cebola se tornam cada vez mais importantes, sobretudo tendo em conta o alto índice de insumos químicos utilizados na cultura (GONÇALVES, 2016). Portanto, cultivos realizados de maneira integrada para a redução do uso de agrotóxicos em cebola são recomendados (GONÇALVES, 2016).

A Epagri/Estação Experimental de Ituporanga, SC, tem desenvolvido tecnologias para a produção de cebola em sistema orgânico (GONÇALVES et al., 2008) e produção integrada de cebola (GONÇALVES, 2016). Portanto, é fundamental a pesquisa de tecnologias que sejam recomendadas para esses processos normativos, assim como práticas agrícolas que reduzam a aplicação de agroquímicos para a economia de insumos e evitem o impacto ambiental por resíduos não permitidos pela legislação atual.

O sistema de plantio direto de hortaliças (SPDH) é um trabalho desenvolvido pioneiramente no Brasil entre agricultores e técnicos da extensão rural e pesquisa da Epagri (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), universidades, UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e CAV/UDESC, (Centro de Ciências Agroveterinárias / Universidade do Estado de Santa Catarina). A produção total de cebola é incrementada pelos resíduos de plantas de cobertura em SPDH (SOUZA et al., 2013). O SPDH em cebola incrementa atributos físicos do solo, tais como índices de agregação, porosidade total e umidade volumétrica em relação ao convencional com revolvimento (LOSS et al., 2017).

O sistema de plantio direto na palha de cebola tem sido recomendado como estratégia de manejo de tripes em cebola por aumentar a tolerância das plantas ao dano do inseto (GONÇALVES, 2016). O uso de palha sobre a superfície do solo reduz a incidência de ninfas e adultos de tripes e pode incrementar a massa de bulbos de cebola alcançando maior diâmetro (LARENTZAKI et al., 2008). Segundo esses autores, isso ocorre, provavelmente, por efeito mecânico sobre as pupas no solo, pois os predadores não foram incrementados. O uso de cobertura do solo com palha é citado como estratégia de manejo de tripes associado a viroses, em manejo integrado com irrigação, e controle com inseticidas de menor risco ambiental, como espinosade e azadiractina (SCHWARTZ et al., 2009). O nível de dano no controle de tripes pode ser aumentado em sistema de plantio direto (MADEIRA et al., 2013). Isso sugere maior tolerância ao inseto nessa condição de cultivo.

O objetivo deste estudo foi avaliar a incidência e danos de tripes em cebola em dois sistemas de manejo, em plantio direto na palha em sistema orgânico e convencional com revolvimento do solo e sua relação com a produtividade.

2 Materiais e métodos

O estudo foi conduzido na Epagri, Estação Experimental de Ituporanga, SC, situada a 475 metros de altitude, coordenadas geográficas de 27º 22’S de latitude e 49º 35’W de longitude. O solo da área é do tipo cambissolo húmico de textura média com relevo suave ondulado. A cultivar de cebola utilizada foi a Epagri 362 Crioula Alto Vale.

Dois sistemas de manejo de solo foram comparados: com plantio direto na palha em sistema orgânico e convencional com revolvimento. O estudo foi realizado durante os anos de 2014, 2015, 2016 e 2017. O transplantio e a colheita das áreas foi realizado respectivamente em 18/08/2014 e 02/12/2014; 20/08/2015 e 07/12/2015; 18/08/2016 e 06/12/2016; 23/08/2017 e 04/12/2017.

A área com plantio direto na palha em sistema orgânico foi semeada com centeio e nabo forrageiro, em maio, na densidade de semeadura de 120 kg ha^-1 e 20 kg ha^-1. Na época de transplantio da cebola, as plantas de cobertura foram acamadas utilizando rolo-faca. O sulco de cultivo foi aberto com microtrator adaptado para corte na palha. O espaçamento foi 40 cm entre linhas e 10 cm entre plantas com 250.000 plantas ha^-1. A adubação foi realizada com 1,8 t ha^-1 de fosfato natural e 4,5 t ha^-1 de esterco de aves no plantio e 4,5 t ha^-1 aos 30, 32, 30 e 33 dias após o transplantio (DAT), respectivamente em 2014, 2015, 2016 e 2017.

A área com manejo convencional foi caracterizada pelo revolvimento do solo com grade, enxada rotativa e encanteirador, e mantida sem plantas de cobertura. O espaçamento foi 20 cm entre linhas e 10 cm entre plantas, com densidade de 500.000 plantas ha^-1. A adubação na base foi de 40 kg de N ha^-1, 160 kg de P₂O₅ ha^-1 e 80 kg de K₂O ha^-1, fornecidos por NPK 5-20-10. A adubação de cobertura foi realizada com nitrogênio fornecido por ureia na dose de 140 kg de N ha^-1 parcelada conforme recomendação de Kurtz et al. (2018).

A diferença de densidade populacional de plantas em sistema orgânico e convencional deve-se principalmente ao manejo de ervas invasoras, que é realizado respectivamente com enxada e herbicidas sintéticos.

A incidência do inseto foi avaliada em 40 plantas em cada área do estudo ao acaso. A avaliação da incidência de tripes foi semanal e iniciada aos 50, 48, 49, 42 DAT até o final do ciclo, respectivamente nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017. Dessa forma foram realizadas sete, cinco, seis e seis, avaliações de incidência do inseto. Os danos de tripes foram avaliados aos 99, 96, 97, 91 DAT, respectivamente nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017. Nos dois sistemas de plantio avaliados não foram utilizados inseticidas visando ao controle de T. tabaci.

A incidência de tripes no ano de 2014 foi determinada com uma escala visual a partir de notas de níveis de infestação, sendo 1= baixa; 3= média e 9= alta. Nos anos de 2015, 2016 e 2017, a escala visual de notas foi determinada com os seguintes níveis: (zero, ausência de ninfas), 1 (até seis ninfas), 3 (até 15 ninfas, considerado nível de dano econômico), 9 (população ≥ 20 ninfas) (adaptado de GONÇALVES et al., 2017). A diferença do uso de escalas entre 2015, 2016 e 2017 em relação a 2014, foi devido à necessidade de aumentar os níveis de determinação para incrementar a qualidade dos dados. Os danos de tripes foram avaliados com uma escala visual com notas de diferentes níveis de lesões esbranquiçadas nas folhas, baixo = 1, médio = 3 e alto = 9 (GONÇALVES et al., 2014).

Os dados de incidência e danos de tripes foram submetidos à comparação entre os dois sistemas estudados pelo Teste t de Student, em nível de 5% de probabilidade de erro pelo programa Excel®. Incidência e danos de tripes foram relacionados com a produtividade pelo coeficiente de correlação de Pearson (r), pelo programa SAS® em nível de 5% de probabilidade de erro.

3 Resultados e discussão

A incidência de tripes foi menor em sistema orgânico em geral, exceto em 2017 (Tabela 1), pois neste ano houve seca em julho, com apenas 20,2 mm de precipitação acumulada mensal (EPAGRI/CIRAM, 2017), no período de formação de massa de plantas de cobertura, o que resultou em menor formação de palha em sistema de plantio direto. Dessa forma, o controle mecânico pela formação de palha sobre as pupas do inseto no solo não ocorreu (LARENTZAKI et al., 2008; SCHWARTZ et al., 2009). Nessa condição, o revolvimento do solo em sistema convencional provavelmente favoreceu o controle de pupas. Os danos de tripes diferiram entre os sistemas apenas em 2015, sendo inferior para orgânico em relação ao convencional (Tabela 1). No ano de 2015 a incidência e os danos foram relativamente baixos em virtude de chuvas constantes e temperaturas amenas durante o estudo, total de precipitação acumulada (668,2 mm) e temperatura média (18,3 °C) (EPAGRI/CIRAM, 2015). Temperaturas mais baixas e alta precipitação pluviométrica contribuem, respectivamente, para reduzir o incremento populacional e a remoção mecânica de ninfas de tripes em plantas de cebola.

Convém ressaltar que a maior densidade de plantas no sistema convencional pode ter incrementado a incidência de tripes pela maior oferta de alimento por área, pois o aumento da densidade de plantio em cebola favorece a incidência de tripes (KHALIK et al., 2016).

A menor incidência de tripes devido à presença de palha sobre a superfície do solo apontada por Larentzaki et al. (2008) e Schwartz et al. (2009), também foi observada no presente estudo. A redução do inseto na condição de plantio direto na palha tem sido atribuída ao controle mecânico, pois o incremento de predadores nesse sistema não tem sido verificado (LARENTZAKI et al., 2008; SCHWARTZ et al., 2009). A hipótese de maior tolerância ao inseto, sugerida por Michereff Filho et al. (2012) e Gonçalves (2016), não foi verificada pelos danos foliares similares na maioria das avaliações provocados pelo inseto, embora Gonçalves & Vieira Neto (2011) tenham observado correlação negativa entre produtividade e incidência de tripes em cebola em sistema de manejo convencional de solo.

A correlação entre a produtividade e incidência foi significativa de maneira positiva apenas para o sistema de plantio direto na palha nos anos de 2014, 2015 e 2016 (Tabela 2). De maneira similar, Gonçalves & Vieira Neto (2011) também observaram que pode ocorrer em sistema de plantio direto na palha relação positiva entre o inseto e a produtividade em cebola. Esses autores sugeriram que possa ocorrer tolerância ao inseto em sistema de plantio direto na palha, com melhoria das condições para o desenvolvimento da planta, devido ao aumento da fertilidade e manutenção da umidade. Porém, em sistema convencional, Gonçalves & Vieira Neto (2011) e Menezes Júnior et al. (2014) observaram correlação negativa entre a incidência de tripes e a produtividade de cebola. Segundo Gonçalves & Vieira Neto (2011), em sistema convencional o intenso revolvimento de solo pode ser um fator de estresse para as plantas associado à alimentação por tripes e favorecer a redução de produtividade. Similarmente, Gonçalves et al. (2017) não verificaram correlação entre a incidência de tripes e produtividade de cebola em sistema convencional. Isso também pode ter ocorrido pelo fato de não haver sido adotado controle do inseto nas áreas avaliadas. Dessa forma, não haveria a redução da pressão do inseto sobre a planta para que pudesse ocorrer incremento de produtividade. Os danos foliares de tripes e a produtividade não foram correlacionados em geral nos dois sistemas de plantio (Tabela 2), portanto a produtividade não foi correlacionada de maneira negativa com a incidência e danos de tripes.

A produtividade de cebola foi superior em sistema convencional em relação ao sistema orgânico com plantio direto na palha em geral (Tabela 3). Essa diferença pode ser atribuída ao espaçamento mais adensado (500.000 plantas ha-1) utilizado em sistema convencional em relação ao orgânico (250.000 plantas ha-1). O aumento da densidade de plantas de cebola incrementa a produtividade total, embora possa resultar na diminuição do tamanho dos bulbos (BAIER et al., 2009; MENEZES JÚNIOR; VIEIRA NETO, 2012). O incremento de bulbos de classe 3 preferível pelo mercado para essa condição de solo, é obtido entre a população de 400.000 plantas ha-1 a 600.000 plantas ha-1para cultivar de cebola de ciclo médio (MENEZES JÚNIOR; VIEIRA NETO, 2012). Além disso, em sistema convencional foi utilizado adubação mineral altamente solúvel em relação ao uso de adubação orgânica e fosfato natural em sistema orgânico. A rápida solubilidade da adubação mineral em relação à orgânica pode ter contribuído para elevar a produtividade. O fornecimento de nitrogênio e fósforo minerais em sistema convencional de cebola para as condições de solo da área estudada são apontados como importantes condicionadores de produtividade em cebola (MENEZES JÚNIOR; KURTZ, 2016; KURTZ et al., 2018). A menor produtividade de cebola em sistema orgânico geralmente é compensada pelo preço mais elevado obtido por ser um alimento livre de resíduos de agroquímicos (GONÇALVES et al., 2008), além da menor dependência de insumos externos à propriedade rural.

4 Conclusões

A incidência de tripes na maioria das avaliações foi menor em sistema orgânico com plantio direto na palha e menor densidade de plantas em relação ao convencional.

Os danos foliares causados por tripes tenderam a ser similares entre os sistemas.

A produtividade não foi correlacionada de maneira negativa com a incidência e danos de tripes.

A produtividade foi superior em sistema convencional.

Agradecimentos

Ao CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Brasil, pela Bolsa de Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (303728/2017-5), ao pesquisador Paulo Antonio de Souza Gonçalves.

Referências

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Notas de autor