ARTIGOS ORIGINAIS

Potencial fitorremediador da Salvinia sp. na remoção de chumbo em efluente sintético

Phytoremediation potential of Salvinia sp. in the removal of lead in synthetic effluent

Potencial fitorremediador de Salvinia sp. en la eliminación de plomo en efluente sintético

Sandra Cristina Fraga Bruzzi 1
Brasil
José Camilo Leles Neto 2
Brasil
Elton Santos Franco 3
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Brasil
Júlia Araújo Camargo 4
Brasil
Cassiano Sousa Rosa 5
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Brasil

Potencial fitorremediador da Salvinia sp. na remoção de chumbo em efluente sintético

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 21, núm. 3, 2019

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2019 pelos Autores

Recepción: 18 Junio 2019

Aprobación: 30 Agosto 2019

Resumo: O objetivo deste trabalho foi testar a capacidade fitorremediadora de uma macrófita aquática, para remoção de chumbo. As macrófitas foram submetidas à exposição do metal nas concentrações de 3,0; 6,0 e 9,0 mg.L-1, por 10 dias, e em seguida elas foram submetidas a análises químicas. A planta apresentou capacidade de bioacumulação, acumulando em sua raiz uma concentração considerável de chumbo, maior que nas partes aéreas. Além disso, nenhuma parte da planta morreu durante o experimento, demonstrando resistência ao chumbo e capacidade de acumulação do mesmo.

Palavras-chave: Poluição ambiental, Chumbo, Macrófitas, Salvinia sp.

Abstract: The objective of this work was to test the phytoremediative capacity of an aquatic macrophyte for the removal of lead. The macrophytes were submitted to exposure of the metal at concentrations of 3, 6 and 9 mg.L-1 for 10 days, and then chemical analyses were performed. The plant presented a bioaccumulation capacity, accumulating, in its root, a considerable concentration of lead, greater than in the aerial parts. In addition, no part of the plant has died during the experiment, demonstrating resistance to lead and capacity of accumulation.

Keywords: Environmental pollution, Lead, Macrophyte, Salvinia sp.

Resumen: El objetivo de este trabajo fue evaluar la capacidad de fitorremediación de una macrófita acuática para eliminar el plomo. Se expusieron las macrófitas a la exposición a metales a concentraciones de 3,0; 6.0 y 9.0 mg.L-1 por 10 días, y luego fueron sometidas a análisis químicos. La planta presentó capacidad de bioacumulación, acumulando en su raíz una concentración considerable de plomo, mayor que en las partes aéreas. Además, ninguna parte de la planta murió durante el experimento, lo que demuestra la resistencia al plomo y la capacidad de acumulación.

Palabras clave: Contaminación ambiental, Plomo, Macrófitas, Salvinia sp.

1 Introdução

Sabe-se que a poluição ambiental de origem antrópica é algo que afeta todo o planeta e tende a crescer com o aumento populacional. A poluição pode afetar direta ou indiretamente, prejudicando a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criando condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetando a biota, influenciando as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e lançando matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos (FELLENBERG, 1985).

Ao longo do desenvolvimento da sociedade humana, realizar o descarte de efluentes na água, sejam eles domésticos ou industriais, passou a ser uma ação comum. Dentre os vários efluentes lançados na água, os metais pesados, como, por exemplo, chumbo, cádmio, cromo, cobre e zinco, que ocorrem com mais frequência, são, possivelmente, os mais perigosos para a saúde humana e de outros animais que utilizam essa água contaminada (VIRGA; GERALDO; SANTOS, 2007). A contaminação por metais pesados (MP), ou seja, substâncias em concentração nociva ao ser humano (NASS, 2002), é um dos principais problemas ambientais no mundo (CHEN; SHEN; LI, 2004). A origem de tais metais é bastante ampla, a saber, intemperismo, atividades de mineração e metalurgia, agricultura, resíduos sólidos urbanos, que vêm aumentando com o desenvolvimento das cidades, atividades industriais, como segmentos de galvanoplastia, fabricação de tintas, produção de pigmentos inorgânicos, entre outros (PYLE; RAJOTTE; COUTURE, 2005; MOISEENKO; KUDRYAVTSEVA, 2001; GARCEZ, 2009; MORAES, 2017; SANTOS; JESUS, 2014). A contaminação por MP tem causado problemas a curto e longo prazo à biota terrestre e aquática, pois, diferentemente dos compostos tóxicos orgânicos, eles não são degradáveis e podem passar por transformações químicas no meio aquático que os tornam ainda mais nocivos (RIBEIRO et al., 2008).

Alguns MP, como chumbo, cádmio e mercúrio, por não serem elementos químicos essenciais à vida em nenhum organismo, são prejudiciais em qualquer concentração para microrganismos, plantas e animais. O consumo habitual de alimentos ou água contaminados promove efeitos adversos à saúde. A contaminação por MP poderia ser diminuída, ou até mesmo eliminada, se, por exemplo, houvesse um maior controle na utilização de fertilizantes e corretivos de acidez utilizados na agricultura, maior fiscalização do descarte de esgotos industriais, caso as estações de tratamento de água convencionais tivessem a capacidade de eliminar esses produtos, algo que não ocorre atualmente, e os tratamentos especiais necessários são onerosos (PIVELI; KATO, 2005; ROCHA, 2009; AVILA-CAMPOS; NAKANO, [2003?]).

A realização de pesquisas e a aplicação de técnicas para remoção de tais compostos do meio, em geral, causam despesas elevadas e/ou práticas complexas. Isso faz com que, na maioria dos casos, ocorrências de contaminação por MP sejam tratadas de maneira errônea e até mesmo ineficiente. O processo mais eficiente para a remoção desses metais é o que se baseia no fenômeno de troca iônica. Esse processo permite a remoção de um percentual significativo dos metais presentes na água, viabilizando seu uso para finalidades industriais específicas e permitindo também o reúso de efluentes industriais. Todavia, esse tipo de processo é ainda bastante custoso, pois os equipamentos e materiais utilizados são importados. Isso dificulta a utilização desse procedimento para o tratamento de efluentes (PIVELI; KATO, 2005). O desenvolvimento de tecnologias adequadas ao tratamento de efluentes e das águas de rejeito tem sido objeto de grande interesse nos últimos tempos, devido ao aumento da rigidez das leis ambientais. A descarga de um determinado efluente em um receptor hídrico deve estar dentro de certos parâmetros adotados pelas legislações vigentes, como a Resolução Conama 357/2005 e a Resolução Conama 430/2011, as quais têm como objetivo principal diminuir o impacto das atividades humanas sobre o ambiente aquático (LAUS et al., 2006).

No estado de Minas Gerais, o monitoramento das águas é realizado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas – IGAM, por meio do Projeto Águas de Minas, em execução desde 1997. A rede básica de monitoramento (macro-rede) conta com 537 estações de amostragem distribuídas nas bacias hidrográficas dos rios São Francisco, Grande, Doce, Paranaíba, Paraíba do Sul, Mucuri, Jequitinhonha, Pardo, Buranhém, Itapemirim, Itabapoana, Itanhém, Itaúnas, Jucuruçu, Peruípe, São Mateus e Piracicaba/Jaguari. São analisados entre 19 e 52 parâmetros em todos os pontos de amostragem (IGAM, 2013).

Dentre os MP encontrados como agentes contaminantes de solo e água, um dos mais recorrentes é o chumbo (Pb). Naturalmente não é comum serem encontrados teores elevados de chumbo em corpos hídricos. Esse problema passa a existir quando ocorrem lançamentos de resíduos, em sua maioria de origem industrial, como parece ser o caso na cidade de Itabira. O Pb tem poder cumulativo e é tóxico ao homem e aos animais (DERISIO, 2012).

Em 2009, estudos verificaram a contaminação por MP e seus efeitos através do biomonitoramento de peixes teleósteos na sub-bacia do rio Piracicaba-MG (Unidade de Planejamento e Gestão dos Recursos Hídricos (UFGRH DO2)), pertencente à bacia do rio Doce. As três coletas dos espécimes foram realizadas em dois pontos ao longo do rio Piracicaba, situados na cidade de Timóteo-MG. Foram realizadas análises histopatológicas das espécies Astyanax bimaculatus (lambari) e Geophagus brasiliensis (acará). Nos fragmentos musculares foi encontrada uma concentração de Pb de 141,49 µg.g-1. Essa concentração excedeu o limite máximo de tolerância estabelecido pelo Ministério da Saúde (2,0 µg.g-1), o que pode representar risco à saúde dos consumidores (MORAIS, 2009). O relatório de análise das águas superficiais realizado pelo IGAM no 1º trimestre de 2013, aponta para concentrações altas de Pb nas estações localizadas no rio do Peixe (Estação de monitoramento RD030) e no ribeirão Sacramento (Estação de monitoramento RD073), ambas na bacia do rio Doce, respectivamente 24,4 μg.L-1 e 23,3 μg.L-1. Sendo assim, por estarem situados na região onde foram detectadas elevadas concentrações de Pb tanto na água quanto nos peixes, os quais servem de alimento para a população local, os cursos d’água da região de João Monlevade-MG estão susceptíveis à contaminação por Pb (IGAM, 2013; DERISIO, 2012; MORAIS, 2009).

Uma alternativa que vem sendo estudada para trabalhos de descontaminação de águas e solos são as técnicas de biorremediação. A biorremediação é uma técnica de tratamento que utiliza seres vivos (plantas, microrganismos, fungos) para remover e/ou degradar contaminantes do meio. Apesar de fundamentadas em um único processo básico (biodegradação), tais técnicas envolvem variações de tratamento in situ e ex situ que podem envolver inúmeros procedimentos (DERISIO, 2012). As técnicas de biorremediação mais comuns são: biorremediação passiva, bioestimulação, bioventilação, bioaumentação, landfarming, compostagem e fitorremediação. A fitorremediação (Fito = planta e remediar = dar remédio, corrigir) é um processo que utiliza vários vegetais para limpar locais contaminados. Esse processo é aplicado de acordo com o destino do contaminante, a extração, a contenção ou imobilização de contaminantes em solos e águas, ou a combinação destes. A tecnologia em questão tem sido considerada como uma alternativa inovadora e de baixo custo à maioria das técnicas de tratamento já estabelecidas para áreas contaminadas. O emprego da nomenclatura fitorremediação é recente, embora seus princípios já venham sendo utilizados desde a antiguidade (BARRETO, 2011; USEPA, 2000).

Diante dos problemas mencionados, o presente estudo objetiva (i) testar a capacidade de absorção e incorporação de Pb da macrófita Salvinia sp.; (ii) relacionar a capacidade extratora do poluente com o desenvolvimento dos espécimes; e (iii) verificar a eficiência da espécie para remoção do metal Pb da água.

2 Materiais e métodos

A presente pesquisa foi dividida em três etapas: 1) coleta da macrófita aquática; 2) exposição da macrófita a três concentrações de Pb; e 3) análise da concentração de Pb na espécie coletada. A Salvinia sp. foi coletada no dia 07 de outubro de 2013, na Lagoa do Aguapé, situada no distrito de Baixa Verde, cidade de Dionísio-MG. A lagoa não possui conexão fluvial e não ocorrem lançamentos industriais.

O experimento foi desenvolvido no mês de outubro de 2013 em cultivo hidropônico (sistema de cultivo em que as plantas se desenvolvem sem o uso do solo, sendo alimentadas através de uma solução nutritiva), na cidade de João Monlevade-MG. As análises químicas foram realizadas no laboratório da empresa Ecoar Monitoramento Ambiental, sediada na mesma cidade. Foram preparadas soluções de Pb nas concentrações de 3,0; 6,0 e 9,0 mg.L-1 a partir da diluição de uma solução padrão de 1.000 ppm (1.000 mg.L-1 ± 3 mg.L-1) para absorção atômica, rastreado a solução padrão SRM 928 NIST-USA (sigla em inglês que designa o produto padrão utilizado – SRM 928 (Standard Reference Materials: Matéria de referência Padrão, Nitrato de Chumbo, 100% pureza) – NIST-USA (National Institute of Standards and Technology: Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos)). Para cada concentração, foram preparados 2,5 L de solução, sendo que a água utilizada para o preparo foi purificada por sistema de osmose reversa.

Utilizaram-se no experimento quatro concentrações (um controle e três tratamentos) com cinco repetições cada, totalizando 20 unidades experimentais. Para acondicionamento das soluções, foram utilizados potes de polietileno de 1.000 mL identificados por concentração e numerados de 1 a 5. As soluções foram fracionadas em 500 mL e transferidas para os potes previamente identificados (Figura 1).

Tratamento das plantas com soluções de Pb
Figura 1.
Tratamento das plantas com soluções de Pb
Fonte: Os autores

As plantas coletadas foram lavadas em água corrente para remoção dos sedimentos/detritos, e um indivíduo foi adicionado em cada pote contendo as soluções. Apesar de a pesquisa bibliográfica mostrar que o Pb é mais biodisponível com o decréscimo de pH, optou-se por manter o pH das soluções em torno de 7,0 por ser a mesma condição da água encontrada no meio natural. Dessa forma, avalia-se a possibilidade de remoção do chumbo sem a intervenção humana para ajuste de pH.

As amostras foram mantidas na solução de Pb por um período de 10 dias. Durante esse tempo foi realizada uma avaliação periódica (observação visual) do desenvolvimento das plantas (sobrevivência e sintomas de toxidez).

Após os 10 dias, as plantas foram lavadas com água corrente e posteriormente com água deionizada. Após lavagem, fez-se uma pré-secagem ao ar livre, à luz do sol. Elas foram separadas em raiz e parte aérea (caule e folhas) e, em seguida, foram armazenadas e identificadas em sacos de papel de 1 kg e secas em estufa com circulação e renovação de ar a uma temperatura entre 65 e 75 °C por 72 horas e 120 ºC por mais 24 horas.

Ao atingirem peso constante, as amostras foram trituradas e submetidas à análise química para determinação de Pb. Cerca de 1 g de cada amostra (raiz e folhas, separadamente) foi transferido para um tubo e digerido com mistura nitro-perclórica (6:1) em bloco digestor. Os tubos foram submetidos a aquecimento gradativamente, até atingir 200 °C por 2 horas ou até o completo clareamento do extrato. Após resfriamento do extrato, o material digerido foi filtrado e transferido para balão volumétrico de 50 mL, aferindo-se o volume com água deionizada (SARRUGE; HAAG, 1974). A leitura de concentração de Pb foi feita em espectrômetro de absorção atômica marca Varian, modelo spectrAA 110.

Foram utilizados Modelos Lineares Generalizados (MLGs – extensão dos modelos de regressão simples e múltipla) para identificar o efeito dos tratamentos (controle e 3,0; 6,0; 9,0 mg.L-1) e das partes da planta (raiz ou parte aérea) nos valores de concentração de chumbo absorvido. Todos os MLGs foram submetidos a testes de resíduos para averiguar a adequação de distribuição dos dados (CRAWLEY, 2007). Os valores de significância entre os níveis das duas variáveis foram comparados utilizando análises de contraste, juntando níveis com valores mais próximos e, posteriormente, testando com modelos que possuem todos os níveis. As análises foram feitas utilizando o software R (R DEVELOPMENT CORE TEAM, 2015).

3 Resultados e discussão

Os resultados indicam que não há diferenças significativas na quantidade de Pb obtida nas partes aéreas (F(3,16) = 0,029; p = 0,99), conforme apresentado na Figura 2. A mesma observação é válida para as plantas submetidas ao tratamento controle, tanto na raiz quanto na parte aérea (F(1,8) = 3,49; p = 0,098, Figura 2). Porém, foram identificadas diferenças significativas nas análises realizadas nas raízes. Os tratamentos de 3 e 6 mg.L-1 não diferem entre si (F(1,16) = 0,32; p = 0,57, Figura 2), mas o tratamento de 9 mg.L-1 apresenta maior teor de chumbo na raiz (F(2,17) = 51,64; p < 0,0001, Figura 2).

Comparativo de absorção de chumbo na raiz e parte aérea A representação de significância está assinalada pelas letras onde letras iguais indicam que as médias não diferem entre si
Figura 2.
Comparativo de absorção de chumbo na raiz e parte aérea A representação de significância está assinalada pelas letras onde letras iguais indicam que as médias não diferem entre si
Fonte: Os autores

Observa-se na análise das plantas controle que, tanto nas raízes (5,90 mg.kg-1) quanto na parte aérea (3,84 mg.kg-1), há uma quantidade mínima inicial de Pb. Segundo Guilherme et al. (2005), esse elemento pode ocorrer naturalmente nas plantas, seus valores usuais são da ordem de 5 a 10 mg.kg-1 de massa seca, e os limites de toxicidade variam de 30 a 300 mg.kg-1 de massa seca. A concentração de Pb encontrada nas plantas controle pode ser proveniente do ambiente no qual foram coletadas, uma vez que a simples lavagem com água corrente não é capaz de retirar substâncias adsorvidas às folhas, tampouco às raízes.

A adsorção vem sendo estudada há alguns anos para fins de remoção de contaminantes variados, e, neste sentido, a biomassa de aguapé (Eichhornia crassipes) tem se mostrado bastante promissora (LIU et al., 2010; BARBOSA et al., 2014, HOLANDA et al., 2015). A avaliação da Salvinia sp., durante os 10 dias em contato com Pb, mostrou que a planta se desenvolveu bem com as concentrações de 3,0 e 6,0 mg.L-1, não apresentando níveis visíveis de contaminação. Entretanto, com a concentração de 9 mg.L-1 alguns indivíduos apresentaram coloração amarelada e manchas foliares, indicando o surgimento de cloroses. A ocorrência de clorose tem relação com a deficiência de vários elementos responsáveis pela formação de cloroplastos e síntese de clorofila (BRECKLE; KAHLE, 1992). Apesar desses sintomas que podem ser considerados prejudiciais à Salvinia sp., não foram observados sintomas de total necrose dos tecidos de nenhuma planta, indicando resistência da espécie ao metal em ambientes por apenas 10 dias.

O comportamento observado para a Salvinia sp. durante o experimento é corroborado pelo que foi citado por outros autores em termos de toxidez para essa planta em contato com metais, os quais observaram sintomas de toxidez nas folhas, como necroses marginais, quando expostas ao arsênio (As) por 7 dias (GUIMARÃES et al., 2006). Outros autores descreveram danos morfológicos, como desenvolvimento de lesões e necroses marginais nas folhas, além de morte de alguns indivíduos, em plantas em contato com zinco (Zn) por um período 10 dias. Após 15 dias de exposição da Salvinia auriculata ao As, foram observados sintomas visíveis de toxidez, com áreas necrosadas amarronzadas, até na menor concentração aplicada (GUIMARÃES et al., 2006). Testes com a Salvinia auriculata em exposição ao cádmio (Cd), durante 10 dias, demostraram áreas necrosadas com pigmentação castanho escuro, sendo que a intensidade de pigmentação foi proporcional à concentração do metal em solução (WOLFF et al., 2012). Diante desses resultados, acredita-se que a Salvinia sp. reagiu bem à contaminação por Pb, pois ela não apresentou sintomas de toxidez visíveis nas concentrações mais baixas de contaminante.

Em relação ao conteúdo de Pb da parte aérea, verificou-se que a concentração foi baixa, demonstrando que, com o aumento da concentração de Pb aplicado, não houve o respectivo aumento em sua acumulação. Apesar da menor concentração na parte aérea, os danos causados nessa região foram evidentes. O funcionamento das raízes pode ter sido comprometido pelas alterações morfológicas obtidas como resposta ao Pb, interferindo na absorção e translocação de água e nutrientes para a parte aérea. Na botânica, o termo translocação é utilizado para definir a transferência de substâncias de uma parte para outra do vegetal.

Conforme mostrado na Figura 2, o comportamento observado nas raízes não foi o mesmo apresentado nas partes aéreas. Para as raízes, foi observado um aumento na acumulação à medida que se aumentou a concentração da solução de Pb. Verificações feitas avaliando o tratamento de Salvinia auriculata com As, também mostram que a maior parte do metal é absorvido pela raiz e pouco é translocado para a parte aérea (GUIMARÃES et al., 2006). Contrariamente, as análises de teor de íons de Pb+2 na Salvinia auriculata mostraram acumulação e translocação de íons de Pb+2 das raízes para a parte aérea, sendo que as raízes apresentaram concentrações mais elevadas. O fato de ter sido avaliado o chumbo na forma iônica e em baixa concentração pode ter contribuído favoravelmente para a transferência do metal (THOMÉ, 2008).

Os exsudatos da raiz e substâncias similares liberadas por microrganismos rizosféricos, apresentam, em suas composições ligantes, orgânicos que são importantes solubilizadores de metais pesados na rizosfera, influenciando diretamente na fitodisponibilidade desses elementos (PIRES et al., 2003). Em baixas concentrações, o Pb move-se na raiz, predominantemente, via apoplasto e através do córtex, e acumula-se perto da endoderme. A endoderme age como uma barreira parcial para a translocação do Pb das raízes para a parte aérea (ROMEIRO et al., 2007). Essa observação indica que a Salvinia sp. apresenta capacidade de retenção do metal chumbo em seu sistema radicular.

Para avaliar se a concentração de Pb acumulada pela Salvinia sp. foi suficiente para considerá-la uma espécie fitorremediadora de Pb, os resultados experimentais (Tabela 1) foram comparados a alguns trabalhos de fitorremediação descritos para esse metal (Tabela 2). Como foi dito anteriormente, a grande maioria dos trabalhos sobre fitorremediação de Pb foram realizados no solo, por isso essa será a base de comparação dos resultados.

Tabela 1.
Média dos resultados obtidos na análise da Salvinia sp. exposta ao Pb
Solução de Tratamento Concentração Pb Parte da Planta
Salvinia sp. 3 mg.L-115,18 mg.kg-1Raiz
Salvinia sp. 6 mg.L-116,64 mg.kg-1Raiz
Salvinia sp. 9 mg.L-131,12 mg.kg-1Raiz

Tabela 2.
Médias de resultados de outros estudos de fitorremediação de Pb
Vegetal Concentração Pb Parte da Planta
Dendropanax cuneatum (Maria-Mole)2,2 mg.kg-1Folhas
Cordia trichotoma (Louro-pardo)4,3 mg.kg-1Folhas
Crotalaria spectabilis (Crotalária)25 mg.kg-1Folhas
Hymenaea courbaril (Jatobá)8,2 mg.kg-1Raiz
Peltophorum dubium (Canafístula)9,1 mg.kg-1Raiz
Tabebuia impetiginosa (Ipê-roxo)38 mg.kg-1Raiz
Canavalia ensiformes L. (Feijão-de-porco)112,45 mg.kg-1Raiz

Soares et al. (2001) avaliaram a contaminação nas raízes, no caule e nas folhas de mudas de vinte espécies arbóreas transplantadas para solo contaminado por diversos metais pesados, dentre eles o Pb, com uma concentração média de 427 mg.kg-1. Após 90 dias de contato com os metais, constatou-se que os teores de Pb apresentaram maior acúmulo relativo nas raízes. As plantas com maior absorção de chumbo foram: Cordia trichotoma (Louro-pardo), Dendropanax cuneatum (Maria Mole), Tabebuia impetiginosa (Ipê-Roxo), Peltophorum dubium (Canafístula) e Hymenaea courbaril (Jatobá). Os autores não relataram se essas concentrações de Pb foram consideradas tóxicas às plantas.

Por outro lado, o desenvolvimento de Canavalia ensiformes L. (Feijão-de-porco), na presença de Pb nas concentrações de 0, 100, 200 e 400 mmol.L-1, foi avaliado por Romeiro et al. (2007). A C. ensiformes foi considerada uma planta hiperacumuladora de Pb, devido à alta concentração – 112,45 mg.kg-1 – encontrada na raiz (Tabela 2).

Lindino, Tomczak e Gonçalves Júnior (2012) utilizaram a Crotalaria spectabilis (crotalária) para extrair Cd e Pb do solo. As plantas não demonstraram eficiência na absorção de Cd do solo, mas apresentaram uma absorção máxima de 25 mg.kg-1 de Pb. Por isso, esses autores consideraram que a C. spectabilis possui capacidade de armazenar o metal Pb no tecido vegetal da parte aérea, o que pode tornar essa espécie de grande importância para programas de fitorremediação de áreas contaminadas.

Com exceção da espécie C. ensiformes estudada, que foi considerada uma planta hiperacumuladora de Pb, as concentrações acumuladas nas demais plantas citadas mostram-se coerentes com as encontradas no presente estudo. Dessa forma, a Salvinia sp. também pode ser considerada uma planta bioindicadora ou até mesmo fitorremediadora de Pb em ambientes aquáticos (ROMEIRO et al., 2007).

4 Conclusão

O presente estudo verificou a capacidade de purificação da água contaminada por chumbo pela Salvinia sp. A planta apresentou capacidade de bioacumulação próxima à descrita na literatura para outras espécies, acumulando em sua raiz uma concentração considerável de chumbo. A macrófita da espécie Salvinia sp. mostrou sensibilidade quando exposta a altas concentrações de chumbo. Os sintomas de toxidez apresentados pelas folhas podem ser considerados indícios de contaminação por esse metal. Esses sintomas lhe conferem características de uma planta a ser utilizada como modelo para estudos de bioindicação em áreas contaminadas por Pb. No entanto, como existe a possibilidade de essa substância estar adsorvida, e não absorvida, na planta, novos estudos para testar essa hipótese devem ser realizados.

Apesar de apresentar estrutura pequena, essa planta possui alta capacidade de reprodução a baixo custo de manejo. O experimento realizado e a revisão bibliográfica mostraram que a planta consegue reter, por absorção ou adsorção, metais com poucos dias de exposição. Portanto, a possibilidade de utilizá-la como complemento para estações de tratamento de efluentes industriais pode ser interessante. Pode ser utilizada como um pós-tratamento, removendo contaminantes não extraídos pelo tratamento convencional, através de cultivo em lagoas de estabilização ou regime de hidroponia. Todavia, são necessários mais estudos, principalmente em campo, para tentar elucidar os mecanismos de fitotoxidade da planta. Além disso, apesar de o índice de translocação de Pb da raiz para a parte aérea ter sido baixo, deve-se ter os devidos cuidados para que a planta contaminada não entre na cadeia trófica, provocando o bioacúmulo de Pb.

Referências

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Notas de autor

1 Graduação em Engenharia Ambiental pela Universidade Estadual do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Brasil. E-mail: sandra.bruzzi@yahoo.com.br.
2 Graduação em Engenharia Ambiental pela Universidade Estadual do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Brasil. E-mail: josecamilo.lelesneto@yahoo.com.br.
3 Doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (2018). Professor/Pesquisador do Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia (ICET), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus do Mucuri – Teófilo Otoni/MG – Brasil. E-mail: elton.santos@ufvjm.edu.br.
4 Bacharela em Ciência e Tecnologia pelo Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia (ICET), Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus do Mucuri – Teófilo Otoni/MG – Brasil. E-mail: camarggo.julia@gmail.com.
5 Doutor em Entomologia pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professor Adjunto da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) Campus Iturama – Iturama/MG – Brasil. E-mail: cassianosr@gmail.com.
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