ARTIGOS DE REVISÃO

Abordagens científicas sobre cotas no período de 2013 a 2018: um estudo bibliométrico e de análise de conteúdo

Scientific approaches about quotas from 2013 to 2018: a bibliometric study and analysis of content

Enfoques científicos de las cuotas de 2013 a 2018: un estudio bibliométrico y de análisis de contenido

Edson Regis de Jesus 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Brasil

Abordagens científicas sobre cotas no período de 2013 a 2018: um estudo bibliométrico e de análise de conteúdo

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 21, núm. 2, 2019

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2019 pelos Autores

Recepción: 19 Junio 2019

Aprobación: 16 Agosto 2019

Resumo: O texto aborda a produção científica, no campo da Educação no Brasil, de trabalhos stricto sensu acerca do tema das Cotas na Educação no período de 2013-2018, disponível no banco de teses e dissertações da CAPES. Buscou-se conhecer as discussões de pesquisadores e os resultados de suas investigações, assim como quais outras questões foram levantadas acerca da educação pública brasileira. A metodologia utilizada contemplou a pesquisa bibliográfica (GIL, 2002), bibliométrica (TAKAHASHI, 2013) e a análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Observaram-se caminhos comuns do debate das pesquisas acerca da política de cotas, e, por fim, apontaram-se os limites das cotas enquanto medidas de justiça social, quando aplicadas isoladamente.

Palavras-chave: Cotas, Produção científica, Análise de conteúdo.

Abstract: The text approaches the scientific production of works stricto sensu in Brazil in the field of Education, in the period 2013-2018, on the theme of Quotas in Education, available in the theses and dissertations bank of CAPES. We sought to know the discussions of researchers and the results of their investigations, as well as to know what other questions were raised about Brazilian public education. The methodology used was based on bibliographic research (GIL, 2002), bibliometric (TAKAHASHI, 2013) and content analysis (BARDIN, 2011). It was observed common paths in the research debate on quota policy. Finally, the study points out the limits of quotas as social justice measures, when applied in isolation.

Keywords: Quotas, Scientific production, Content analysis.

Resumen: El texto trata sobre la producción científica, en el campo de la educación en Brasil, de las obras stricto sensu sobre el tema de Cuotas en la Educación en el período 2013-2018, disponible en el banco de tesis y disertaciones de CAPES. Buscamos conocer las discusiones de los investigadores y los resultados de sus investigaciones, así como también qué otras preguntas se plantearon sobre la educación pública brasileña. La metodología utilizada incluyó investigación bibliográfica (GIL, 2002), bibliométrica (TAKAHASHI, 2013) y análisis de contenido (BARDIN, 2011). Había caminos comunes para la discusión de la investigación de la política de cuotas. Finalmente, se señaló los límites de cuotas como medidas de justicia social, cuando se aplican de forma aislada.

Palabras clave: Cuotas, Producción científica, Análisis de contenido.

1 Considerações introdutórias



Considero, igualmente, o assunto deste discurso como uma das questões mais interessantes que a filosofia possa propor, e, desgraçadamente para nós, como uma das mais espinhosas que os filósofos possam resolver: com efeito, como conhecer a fonte da desigualdade entre os homens, se não se começar por conhecer os próprios homens?
(ROUSSEAU, 1989)

O presente texto tem como objetivo apresentar ao leitor o estágio da discussão sobre as ações afirmativas (AAs) para o ingresso no ensino público federal brasileiro, tendo por foco as pesquisas desenvolvidas sobre essa temática nas pós-graduações stricto sensu. A investigação contempla o período que sucedeu a promulgação da “Lei de Cotas” (Lei nº 12.711 de 2012), especificamente o período de 2013 a 2018.1 Entende-se que a norma federal possa ter influenciado a produção acadêmica que veio a ser publicada no período. A importância dessa análise encontra-se no fato de que ela evidencia as discussões de pesquisadores e os resultados de suas investigações sobre o acesso especial concedido a determinados grupos sociais, assim como investiga que outras questões sobre a educação pública brasileira foram levantadas.

É relevante destacar que, embora a Biologia tenha pacificado o entendimento de que raças não existem, o racismo, entretanto, não deixou de existir. Para além do projeto político do “movimento negacionista” e “revisionista histórico” que ocorre no Brasil, é notório que o racismo e outras formas de discriminação permanecem presentes na realidade brasileira, constituindo um fenômeno social que é fruto de um passado histórico de escravidão e desigualdades socioculturais.

Grupos que desejam revisar a história social do Brasil com o objetivo de reescrever os fatos históricos, independentemente da historiografia científica, chegam a conclusões de que a miscigenação do Brasil seria um “tratado de paz da humanidade", enfocando que a "cultura" foi algo trazido para o país pelos portugueses (NEHER, 2019), ignorando as características próprias dos povos autóctones americanos e africanos — estes últimos traficados ao país. Há, portanto, um esforço para deslegitimar os métodos científicos e os estágios do conhecimento de cada temática, atacando-se a academia enquanto seu espaço de maior representatividade (são exemplos as afirmações: a “terra é plana”; “nazismo é de esquerda”; o “golpe de 1964 e a ditadura brasileira não existiram”; “não houve escravidão europeia na África”, entre outros).

Pode-se dizer que, diferentemente do período escravocrata, “onde os lugares são visíveis e decididos pelo fenótipo e pelo status de origem do modo mais claro possível, a produção da desigualdade na nova ordem é opaca e não transparente aos indivíduos que atuam nela” (SOUZA, 2017, p. 50). Essa falta de nitidez naturaliza a concepção de que só os mais aptos e capazes devem/podem progredir, individualiza as conquistas, menospreza a responsabilidade coletiva e provoca o que Loïc Wacquant chamou de um “neodarwinismo” (JENSEN, 2015, p. 49).

Para Lakatos, a “história da ciência é e deveria ser a história de programas de pesquisa em competição”, sendo a ciência uma sucessão de teorias (REALE, 1991, p. 1.048). A partir disso, acerca das questões relacionadas às cotas, é cogente analisar as contribuições das pesquisas científicas e as conclusões a que chegaram bibliográfica e bibliometricamente, enquanto paradigma de explicação do fenômeno educacional, contrapondo e refutando os discursos enviesados e ideologizados sobre o tema.

2 Cotas: “dar a cada um o que é seu” ou “conforme sua necessidade”

O Brasil é marcado por desigualdades de natureza social, econômica e educacional, entre outras. A concepção da igualdade formal, presente no ordenamento jurídico do país, não foi suficiente para reduzir ou eliminar as desigualdades práticas e materiais acumuladas ao longo da história.

O compromisso legal de um “Estado Social” não se viabilizou, condicionado por ausência de recursos, remanejo para pagamento de dívidas públicas, insuficiências materiais de projetos, entre outros. Paralelamente, ao longo dos anos, sempre foi possível observar os desequilíbrios representativos da população brasileira nos meios universitários. A desproporcionalidade educacional requereu o debate acerca de ações afirmativas, nomeadamente políticas públicas que garantam a igualdade formal e material — permitindo ao cidadão uma igualdade substantiva (PIOVESAN, 2005, p. 49).

De acordo com Thomas Sowell, pesquisador sênior de políticas públicas da universidade norte-americana de Stanford, em sua obra “Ação Afirmativa ao Redor do Mundo: um Estudo Empírico Sobre as Cotas e Grupos Referenciais” (2016), o conceito de ações afirmativas surge no debate norte-americano por volta da década de 1960. O pesquisador destaca que ações dessa natureza são tomadas inicialmente na Índia, no início do século passado. No caso norte-americano, o debate acerca dessas políticas ocorreu em um contexto que passava pela implantação de leis federais importantes sobre os direitos civis.

O primeiro uso oficial do termo “ações afirmativas”, relacionando-o a contextos raciais e étnicos, deu-se com o Decreto norte-americano nº 10.925, datado de 1961 e assinado pelo presidente John F. Kennedy, o qual estabelecia que os contratos federais tivessem que “assumir a ação afirmativa para assegurar que os candidatos fossem empregados e que os empregados, nos seus trabalhos, fossem tratados sem considerações de raça, credo, cor, ou origem nacional” (SOWELL, 2016, p. 164) [grifo nosso]. Embora o tratamento “sem considerações” nos pareça deslocar a discussão contra a aplicabilidade das ações afirmativas, convém esclarecer que a legislação visava combater as leis segregacionistas da Era Jim Crow2. Essa foi a primeira de uma série de normas que vieram a culminar no que ficou conhecido como ações para representação, que, posteriormente, assumiriam diversificados formatos — entre os quais inserem-se as cotas.

Importa destacar que o conceito de “ações afirmativas” possui variações, a depender da especificidade dos países e das regiões que implementaram tais medidas (tendo mutabilidade conceitual: “discriminação positiva”, “programas para a igualdade de oportunidades”, entre outros). De maneira geral, as “ações afirmativas” são compreendidas como um conjunto de políticas que tendem a realizar reparação e reconhecimento, com o intuito de compensar desigualdades raciais e sociais, “orientadas para oferta de tratamento diferenciado com vistas a corrigir desvantagens e marginalização criadas e mantidas por estrutura social excludente e discriminatória” (BRASIL, 2004, p. 12).

Assim, com vistas a romper com o processo desigual da sociedade brasileira, que se reproduz em suas instituições educacionais, a partir da retomada da democracia brasileira em 1988 surgem as discussões acerca das políticas de ações afirmativas. No entanto, tais debates eram muito mais midiáticos e de vitrine para governantes do que efetivamente programas ou políticas de Estado.

As primeiras experiências de AA no ensino superior brasileiro remetem ao início dos anos 2000. Através de uma lei estadual, em 2002, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) passaram a reservar uma “cota mínima de até 40% (quarenta por cento) [de suas vagas] para as populações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação” (RIO DE JANEIRO, 2001). Em 2003, mediante uma iniciativa institucional, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira universidade federal a adotar as cotas. Por intermédio de seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE), no dia 6 de junho de 2003, a UnB aprovou o Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial, onde se estabeleceu que 20% das vagas do vestibular seriam destinadas a candidatos negros, além de prever a disponibilização de vagas para indígenas de acordo com demanda específica (CARVALHO; SEGATO, 2002).

Para além da polissemia do conceito de ações afirmativas, houve, da mesma forma, uma variação no formato de sua aplicabilidade com o passar dos anos. De caráter controverso, as ações afirmativas foram julgadas como constitucionais no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, após intensos debates sobre sua legalidade e constitucionalidade. Naquele ano, considerando apenas o escopo das 59 universidades federais, mesmo antes da aprovação do STF e da Lei nº 12.711/2012, 32 universidades já possuíam cotas para oriundos de escolas públicas, e 25 delas aplicavam algum tipo de cota com critério racial (SEMESP, 2012).

3 Estratégia metodológica

Para viabilizar esta pesquisa3, realizou-se uma análise bibliográfica e bibliométrica entre as pesquisas acadêmicas e científicas relativas às ações afirmativas na modalidade de cotas, as quais foram desenvolvidas nas pós-graduações stricto sensu do Brasil. A pesquisa contemplou o período de 2013 a 2018 e teve por base as produções disponíveis no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

De acordo com Gil, o desenvolvimento da pesquisa bibliográfica pode ser o mesmo da pesquisa documental, sendo classificada como de segunda mão, dado que já recebeu um “tratamento analítico” (2002, p. 51). Enquanto fonte secundária, a pesquisa bibliográfica pode, desse modo, permitir a compreensão da resolução de um problema ou ser considerada como um laboratório para se analisar o que se pretende resolver. De qualquer modo, constitui-se como o “primeiro passo de toda a pesquisa” (MARCONI, 2007, p. 44).

Por esse motivo, fontes bibliográficas como teses e dissertações são muito valiosas para o pesquisador, uma vez que já possuem acuradas revisões da produção acadêmica, muito embora dependam da “qualidade dos cursos e da instituição onde foram produzidas”, além da “competência de cada orientador” na sua construção, requerendo cuidado em suas análises (GIL, 2002, p. 66). Como destaca Bardin (2011, p. 123), “nem todo o material de análise é susceptível de dar lugar a uma amostragem, e, nesse caso, mais vale abstermo-nos e reduzir o próprio universo (e, portanto, o alcance da análise) se este for demasiado importante”4.

A pesquisa bibliométrica, por sua vez, é uma apuração da produção científica e acadêmica acerca de alguma temática, em um determinado período. Nessa abordagem utiliza-se de métodos matemáticos e estatísticos para quantificar a “produção, a disseminação e o uso da informação registrada” (TAKAHASHI, 2013, p. 76). As vantagens do método ocorrem para identificar a produção do conhecimento em determinada área, autores e campos de pesquisa e avaliar o estágio científico da produção do conhecimento, citações e instituições, entre outros.

Nesse aspecto, destacamos que o método bibliométrico pode ser um grande aliado para a identificação prévia do conhecimento e a sua possibilidade de falseabilidade popperiana. Karl R. Popper encontra, no critério de falseabilidade (possibilidade de teste), o fundamento da ciência, concluindo que “a teoria que não for refutada por qualquer acontecimento concebível não é científica” (POPPER, 1982, p. 66), devendo ser ciência aquilo que pode ser continuamente testado, verificado e refutado, se for o caso, avaliando sua validade, na busca por erros.

A título de exemplificação, a pesquisa aberta por ações afirmativas (sem o uso de aspas) no banco da CAPES gera um resultado de 87.720 pesquisas relacionadas ao tema — tendo as ações afirmativas diversas configurações: no mercado de trabalho (Lei Federal nº 8.213/91); nas Instituições Federais de Ensino (IFEs) desde 2002 e, principalmente, com a promulgação da Lei nº 12.711/12; para a ocupação de cargos públicos (Lei Federal nº 12.990/2014), entre outras. Em relação à busca pelo conceito de “ações afirmativas” (com o uso de aspas), por outro lado, foram retornadas 1.092 investigações científicas desenvolvidas em mestrados (acadêmicos ou profissionais) e doutorados entre os anos de 2000 e 2018 e em 85 áreas do conhecimento, com predominância nas áreas de Educação, Direito e Administração. Ao pesquisar o termo “Lei de Cotas” (com o uso de aspas), o sistema gera um resultado de 212 pesquisas, nos mesmos graus acadêmicos, entre os anos de 2005 a 2018, em 48 áreas do conhecimento, tendo maior aparição nas mesmas áreas relacionadas anteriormente.

Como o objetivo é avaliar a possível interferência da Lei de Cotas sobre as IFEs e as pesquisas realizadas em seu meio, utilizou-se o descritor “Lei de Cotas” (entre aspas), aplicando o filtro para a área do conhecimento de “educação” (entre as 49 citadas) no Banco de Teses e Dissertações, totalizando 39 resultados entre 2013 e 2018. Excluíram-se as pesquisas que não estavam disponíveis integralmente na plataforma ou por constar duplamente no catálogo. Assim, chegou-se a 22 teses e dissertações.

Na sequência, as 22 produções foram alocadas em planilha eletrônica (Google Drive), registrando-se as informações disponíveis no portal bem como efetuando-se o download da íntegra das pesquisas. A partir daí, procedeu-se à análise de conteúdo. Dessa forma, por intermédio do conteúdo analisado, buscou-se compreender a particularidade da discussão das cotas após a promulgação da lei federal e observar o atual estágio do debate científico.

4 Apresentação e compreensão dos resultados

A análise de conteúdo enquanto metodologia de pesquisa social, segundo Moraes (1999, p. 15), “é uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação à percepção que tem dos dados. Não é possível uma leitura neutra. Toda leitura se constitui numa interpretação”. Assim, o interesse não está na descrição das pesquisas, mas no que pode ser abstraído. Dessa forma, a compreensão dos resultados é apresentada, num primeiro momento, por gráficos e figuras, os quais nos fornecerão determinadas bases para a análise a ser realizada num segundo momento.

O Gráfico 1 ilustra em quais instituições as 22 produções analisadas foram realizadas assim como o número de resultados para o descritor “Lei de Cotas” no período 2013 a 2018 na área de Educação.

Instituições onde as pesquisas foram realizadas (área do conhecimento: Educação)
Gráfico 1.
Instituições onde as pesquisas foram realizadas (área do conhecimento: Educação)
Fonte: Elaboração do autor (2019)

Analisando-se a produção de teses e dissertações no período, verificou-se um interesse crescente pela temática, que pode se justificar pelas ampliações das discussões entre a defesa das políticas focalizadas ou universalistas advindas da polarização política brasileira e, igualmente, pela necessidade do acompanhamento e avaliação do desenvolvimento e aplicação da lei de cotas. Destaca-se que há maior produção de dissertações de mestrado sobre o tema, somando 16 produções entre as 22 pesquisas realizadas.

Distribuição temporal e numérica no interstício 2013 a 2018 das pesquisas analisadas
Gráfico 2.
Distribuição temporal e numérica no interstício 2013 a 2018 das pesquisas analisadas
Fonte: Elaboração do autor (2019)

Na sequência, realizou-se a mensuração das palavras-chave, as quais indicam o percurso que cada pesquisa realizou. Observa-se que as discussões sobre as AAs obtiveram maior importância5, enquanto as questões raciais e o debate sobre as cotas no ensino médio ficaram entre aquelas que receberam menos atenção. O debate sobre a sua constitucionalidade, embora extenso previamente à lei, não apareceu nas palavras-chave, o que sugere a sua pacificação após análise do STF em 2012. Destaca-se, entretanto, existirem atualmente iniciativas em discussão, que desejam eliminar o critério racial das cotas usando como justificativa a inconstitucionalidade, como o Projeto de Lei 1.531/2019 (BRASIL, 2019).

“Palavras-chave” citadas duas ou mais vezes
Gráfico 3.
“Palavras-chave” citadas duas ou mais vezes
Fonte: Elaboração do autor (2019)

Com o programa World Cloud Generator, gerou-se uma representação no estilo “nuvem de palavras” com os termos mais citados no “tema” das 22 produções, excluindo-se artigos, preposições, conjunções, etc. O destaque do tamanho representa a frequência do uso das palavras: quanto maior o uso, maior o destaque do termo na nuvem.

“Nuvem de palavras” com os vocábulos mais citados no “tema” das produções analisadas
Figura 1.
“Nuvem de palavras” com os vocábulos mais citados no “tema” das produções analisadas
Fonte: Elaboração do autor (2019), a partir do programa Word Cloud Generator.

Na sequência, o Quadro 1 apresenta, resumidamente, o foco das pesquisas realizadas sobre as cotas. A análise foi elaborada considerando as palavras-chave elencadas no Gráfico 3 e os termos com maior expressão na “nuvem de palavras” da Figura 1, que foram assim categorizados: legalidade (lei) e os embates teóricos acerca das políticas universalistas ou focalizadas; acesso à educação e ao ensino superior; permanência; e estudos/análises dos limites e as perspectivas das políticas cotistas. De antemão, esclarecemos que, entre os estudos listados, todas as categorias foram em maior ou menor medida encontradas nas pesquisas.

Quadro 1.
Pesquisas realizadas
N.Informações das produçõesResumo das constatações realizadas
1- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2017; - Instituição: Universidade Federal da Paraíba; - Título: A eficácia do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) para permanência dos ingressantes do sistema de cotas na UFPB.Analisa o impacto do PNAES junto aos Cotistas da Universidade selecionada no período 2012 a 2016. Aborda as ações afirmativas como possibilidade de diversidade social, através de autores como Taylor e Rawls. Conclui que 35% dos estudantes cotistas abandonam a instituição, relacionando o período de sete meses para a conclusão dos editais de seleção dos beneficiários. Por outro lado, apenas 3% dos cotistas beneficiários do programa possuem matrícula trancada ou cancelada. Avalia que o programa PNAES atinge seus objetivos para os cotistas que permanecem na universidade, embora careça de maior transparência institucional.
2-Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2014; - Instituição: Universidade de São Paulo; - Título: A emergência do discurso dos sem universidade no Brasil.Elenca o Movimento dos Sem Universidade (MSU) como um movimento popular, enquanto um educador coletivo, visando combater a exclusão dos negros, indígenas, pobres, egressos de escola pública da universidade. Considera a importância dos novos sujeitos sociais para a ampliação e garantia de políticas sociais voltadas para a educação.
3- Tipo: Tese de doutorado; - Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais; -Título: A escolha do curso de medicina no contexto de implementação de políticas de democratização do acesso ao ensino superior.Analisa o perfil dos estudantes ingressos, via Sistema de Seleção Unificada (SISU) e Lei de Cotas, em um curso elitizado. Constata baixa representação cultural e grande predomínio de brancos, com pais de elevado grau de escolarização. Mesmo diante da dedicação dos estudantes provenientes de ambientes menos favorecidos, percebe dificuldades individuais. Adverte que mesmo estes estudantes são uma “superseleção” dos ambientes mencionados, não sendo uma fiel representação social. Conclui afirmando que o conceito de habitus (Bourdieu) não foi fator predominante, uma vez estabelecidas várias conexões entre os distintos grupos sociais.
4- Tipo: Tese de doutorado; - Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade do Estado do Rio de Janeiro; - Título: A lei de cotas sob a perspectiva dos estudantes de ensino médio de uma escola pública no Acre.Realiza uma pesquisa bibliográfica e etnográfica. Na primeira parte, resgata a discussão em mais de cem artigos científicos e conclui que a questão racial não é pacífica nos debates. Já a avaliação socioeconômica e para pessoas com necessidades específicas são facilmente consideradas justas e devem ser implementadas para além do contexto educacional. Etnograficamente, realiza pesquisa com mais de 200 estudantes legatários da lei de cotas às vésperas de se inscrever no ensino superior. Conclui afirmando que muitos estudantes desconhecem a Lei de Cotas, restringindo-a a critérios raciais. Finaliza sustentando que a “Lei de Cotas surgiu como uma alternativa para apaziguar as polêmicas que permeiam o tema das cotas universitárias, até então diretamente relacionadas às cotas raciais pela sociedade e pela mídia”.
5- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2017; - Instituição: Universidade Federal de Viçosa; - Título: A política de cotas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais: análise do acesso e da permanência.Enfoca o papel social da educação. Analisa o ingresso, a permanência e o desempenho acadêmico de estudantes de curso técnico. A partir de abordagem qualitativa e da Análise Crítica do Discurso, refuta a ideia da queda da qualidade educacional relacionada às cotas, desvinculando a ideia de mérito e qualidade na educação. Conclui demonstrando que os estudantes cotistas daquela instituição possuem melhores índices de conclusão, desempenho acadêmico, ingresso no ensino superior e participação em projetos de pesquisa e extensão.
6- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2013; - Instituição: Universidade Estadual de Maringá; - Título: A política de cotas para estudantes egressos de escolas públicas e a expansão da educação superior no Brasil: o PROUNI e o REUNI em foco.Objetiva compreender as políticas públicas do Programa Universidade para Todos (ProUni) e do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) pelo seu caráter social no governo Lula. Traça um perfil das políticas neoliberais na educação, as reformas da educação superior brasileira e sua expansão e seu acesso. Conclui denunciando que esses programas permitiram a privatização do ensino superior no país, incorrendo na minimização do Estado frente ao setor privado.
7- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2017; - Instituição: Universidade Federal de São João del-Rei; - Título: Ações afirmativas e permanência na universidade: uma composição seguindo modos de pensar com alunos cotistas da UFSJ.Centra-se numa abordagem qualitativa e objetiva, numa perspectiva pós-estruturalista cartográfica. Acompanha onze estudantes para entender como o acesso e permanência na Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) perpassa o cotidiano. Ressalta que não houve investimento significativo nas políticas de permanência para atender o ingresso cotista. As relações interpessoais de preconceito na permanência dos cotistas são difusas. Para alguns, ela afeta as relações interpessoais; e, para outras, é neutra. Afirma que, em virtude do mito da democracia racial brasileira, as cotas sociais são mais aceitas que as cotas raciais.
8- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2015; - Instituição: Universidade Federal da Grande Dourados; - Título: Ações afirmativas para ingresso no ensino superior e discurso racista na mídia brasileira: um estudo a partir da Revista Veja.Busca analisar como a mídia brasileira trata o debate sobre a política de cotas e elege a revista Veja como caso, por sua expressividade nacional. Utiliza-se da Análise de Conteúdo (Bardin). Constata que a mídia selecionada produz material que tende a reproduzir o racismo no país, limitando os debates sobre políticas inclusivas e democráticas, agindo como agente de vigilância, fórum de debate tendencioso e agente de mobilização social contrária. Atribui esse comportamento midiático ao oligopólio existente no setor e seu envolvimento com a educação privada, considerada prejudicada pelas cotas.
9- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal de Rondônia; - Título: Aplicação da lei de cotas nos cursos de direito e medicina da Universidade Federal de Rondônia Campus Porto Velho: política de ação afirmativa por justiça social com equidade.A pesquisa busca compreender se as cotas, enquanto políticas públicas de ação afirmativa, são favoráveis ao atendimento da justiça social com equidade. Conclui que as cotas, mesmo no centro de várias críticas, além de erros operacionais e oposição social, têm se demonstrado como real possibilidade de acesso ao ensino superior para seu público prioritário (baixa renda, negros e indígenas) em cursos como os analisados (Medicina e Direito). Conclui que a Lei de Cotas consegue remediar um passado discriminatório e uma atualidade desigual, concretizando-se na busca pela igualdade substancial e material.
10- Tipo: Tese de doutorado; - Ano de publicação: 2017; - Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; - Título: Dez anos de cotas na UFRGS: um estudo das ações afirmativas na perspectiva do acesso, permanência e empoderamento dos alunos negros diplomados.Discorre sobre o interstício de 10 anos da aplicação de cotas na universidade (após a aprovação de seu Conselho Universitário em 2008). Investiga a trajetória acadêmica, baseando-se nas categorias freireanas de inserção-adaptação e empoderamento. Destaca as experiências discriminatórias dos cotistas por parte de colegas e professores, sublinhando a superação alcançada pelos egressos e o sentimento de empoderamento para a transformação social.
11- Tipo: Dissertação de mestrado; - Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; - Título: Educação profissional com estudantes indígenas: possibilidades de corazonar e melhor viver.Destaca a tomada de consciência por direito e cidadania dos povos indígenas e possibilidade da reconstrução dos seus projetos étnicos e de bem viver. Destaca o “corazonar” como forma de saber dos povos indígenas, onde emoções e sentimentos integram o processo de aprendizagem. Conclui que o ingresso de estudantes indígenas amplia a matriz filosófica institucional e, ao reconhecer os saberes indígenas, representa a descolonialidade do poder, ampliando o “melhor viver”, livres de segregação.
12- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro; - Título: Há tendência de democratização no acesso a cursos de prestígio da UFRJ? Análise com base no perfil dos ingressantes – 2013 a 2016.Discute o panorama da democratização dos cursos superiores. Parte da constatação que as políticas de ações afirmativas não foram suficientes para incluir o público menos elitizado em cursos como Medicina, Direito e Engenharia da Produção. O acesso a cursos de menor prestígio social decorre do caráter econômico, social e cultural familiar. Explicita que os estudantes cotistas, sem o recorte econômico, exprimem-se como uma elite do sistema de cotas. Sugere que, para determinados cursos de prestígio, a cota fosse necessariamente mediante o aspecto econômico. No entanto, conclui que todo esforço pode ser menosprezado caso não haja diminuição das desigualdades econômicas.
13- Tipo: Tese de doutorado;- Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais; - Título: Implementação da lei de cotas em três universidades federais mineiras.Apresenta a Lei de Cotas como perspectiva democrática de acesso ao ensino superior, rompendo com seu histórico de exclusão. Resgata o histórico da aplicação das ações afirmativas no cenário nacional e internacional. Analisa o conteúdo, a operacionalização e o acompanhamento do processo. Destaca a transição na forma como as três universidades já operacionalizavam suas ações afirmativas antes da legislação. Finaliza atentando para obstáculos operacionais, tais como: o fato de que a lei federal não previu recursos financeiros (para permanência e outros projetos); recursos humanos (sobrecarga de trabalho para as assistentes sociais); nem quanto à polêmica da identificação do público negro.
14- Tipo: Tese de doutorado;- Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal de Minas Gerais; - Título: Lei de cotas e SISU: análise dos processos de escolha dos cursos superiores e do perfil dos estudantes da UFMG antes e após as mudanças na forma de acesso às instituições federais.Identifica, na articulação entre SISU e Lei de Cotas, uma importante ferramenta para a democratização do ensino superior. Sustenta que a democratização por esses sistemas é relativa à hierarquia que os cursos ocupam na universidade. No entanto, no caso da UFMG, afirma que houve uma elitização dos cursos mais acessíveis e uma democratização dos cursos mais seletivos, modificando o perfil dos acadêmicos. Ressalva que “mais estudos para todos não significa os mesmos estudos para todos” e que as desigualdades ainda persistem.
15- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2016; - Instituição: Centro Universitário Salesiano de São Paulo; - Título: Lei de cotas no ensino superior: desigualdades e democratização do acesso à universidade.Indicou, a partir da percepção de cotistas de determinado curso, um sentimento ambivalente. Primeiro, pela afirmação de que as cotas são necessárias e propiciam maior oportunidade de acesso para estudantes de escola pública. Segundo, pela afirmação de que elas não seriam o melhor caminho, dada a ineficiência do governo, que deveria melhorar a educação básica. Finaliza atentando para a necessidade de o trabalho não se esgotar no acesso, mas se desenvolver durante a permanência do estudante na instituição.
16- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2016; - Instituição: Universidade Federal de Juiz de Fora; - Título: O colégio de aplicação COLUNI: política de ação afirmativa x excelência no ensino.Analisa os processos seletivos dos dezessete colégios de aplicação das universidades federais (autorizados a ofertar apenas o terceiro ano do ensino médio) e conclui que a Lei de Cotas foi um passo importante para a resolução da iniquidade. Entende que a Lei de Cotas é mais adequada do que a política até então adotada pela Instituição (bônus de 15% para egressos de escola pública) — que por ser de ensino básico está desobrigada de aplicá-la — e sugere sua adoção.
17- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2018; - Instituição: Universidade Federal de Rondônia; - Título: O ingresso de cotistas negros na fundação Universidade Federal de Rondônia - Campus Porto Velho: análises a partir da lei nº 12.711/2012 para a inclusão social.Compreende a política de cotas como eficiente para a inclusão da população negra no ensino superior, uma vez que políticas universalistas não dariam conta de reparar o passado de perdas históricas, constituindo-se como um instrumento de justiça e inclusão social. Destaca que não só o ingresso, mas toda a política da assistência estudantil, é importante para viabilizar a permanência do acadêmico. Requer maior acompanhamento das ações afirmativas, o que não há na instituição analisada.
18- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2014; - Instituição: Universidade Federal Fluminense; - Título: Os cotistas da engenharia da UFRJ: novos perfis ou mais do mesmo?Enfatiza as hierarquias entre os cursos na UFRJ e a relação com as ações afirmativas. Cita o curso de engenharia como possuidor de prestígio social e que, por ocasião das cotas, passou a ter o público ingressante mais heterogêneo — abrandando o caráter elitista dos cursos de engenharias. Por outro lado, argumenta que as cotas possibilitaram a criação de um perfil de cotistas elitizados, o que pode representar mais do mesmo, não contribuindo para a democratização do ensino superior.
19- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2015; - Instituição: Universidade do Tuiuti do Paraná; - Título: Participação do judiciário na política de cotas: estudo da ADPF nº 186 do Supremo Tribunal Federal.Explora a relação do mais elevado colegiado da justiça brasileira e sua relação com a implementação de políticas públicas. Conclui que a decisão do STF, no caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 acerca da constitucionalidade das ações afirmativas aplicadas pela UnB (decidida oito anos antes da Lei nº 12.711/2012), viabilizou a implementação legal de cotas em todo o Brasil a partir do argumento da defesa da igualdade material.
20- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2016; - Instituição: Universidade Federal do Rio de Janeiro; - Título: Políticas de ação afirmativa no ensino médio: um estudo de caso no CEFET – Maracanã – Rio de Janeiro.A pesquisa aponta os resultados da Lei de Cotas em uma instituição de ensino médio de prestígio no estado do Rio de Janeiro. Afirma haver avanços na diversidade social e racial, embora haja grandes desafios para sua permanência. A partir das entrevistas com docentes, desconstrói o falso binômio “cotas x qualidade educacional”, defendendo que o desempenho dos cotistas, quando possuem condições para realizar o curso, é semelhante aos não cotistas (embora não tenha acesso aos dados objetivos). Reitera a necessidade das políticas de permanência para que as ações afirmativas sejam eficazes. Apresenta relatos discriminatórios por parte de professores e estudantes, requerendo maior debate e campanhas de sensibilização.
21- Tipo: Tese de doutorado; - Ano de publicação: 2017; - Instituição: Universidade Federal de Goiás; - Título: Políticas de ingresso na educação superior pública no Brasil: contextos, concepções, movimentos e processos seletivos em perspectiva.Analisa as políticas de ingresso, em termos democráticos, no período de 1995 a 2015, inseridas em uma sociedade neoliberal, que premia as condições “naturais” e individuais, culminando na lógica meritocrática e competitiva como fato de reprodução social. De forma contraditória, permite políticas pontuais de inclusão com vistas a manter o sistema liberal capitalista. Afirma que, mesmo com programas de democratização, a passagem do ensino médio para o ensino superior permanece assentada na lógica liberal, viabilizada pela meritocracia e seletividade, tornando-se um funil segregador.
22- Tipo: Dissertação de mestrado;- Ano de publicação: 2017; - Instituição: Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais; - Título: Um estudo de caso da implementação das cotas sociais e raciais no ensino superior do CEFET-MG (2013-2015): acesso, permanência, e trajetória de estudantes negros cotistas.Verifica que entre os anos de 2013 a 2015 as ações afirmativas fizeram do ensino superior mais democrático, rompendo com o seu status de herdeiro (no sentido que aplica Bourdieu - àqueles com pais com ensino superior). Destaca maior dificuldade de cotistas que frequentaram o ensino fundamental e médio em escolas públicas, em comparação àqueles que estudaram o ensino fundamental em escolas privadas e o médio em escolas públicas. Sublinha que a democratização se deu no ingresso, mas não no conhecimento, apontando falhas nos programas de permanência e acompanhamento estudantil. Aponta como outro fator a considerar a não distinção da Lei de Cotas quanto à variação de qualidade das escolas públicas, prejudiciais à finalidade a que se propõe. Observa que o racismo ainda está presente e é tido como brincadeira no espaço acadêmico. Por fim, aponta a necessidade de um sistema misto de identificação dos candidatos e aprovados pelas cotas para evitar fraudes.
Fonte: Elaboração do autor (2019)

Por meio desse levantamento, perceberam-se preocupações comuns com a eficácia das políticas de cotas, com a análise da permanência dos estudantes, especialmente no que concerne aos programas de assistência estudantil e de acompanhamento educacional, evitando a evasão precoce (1, 5, 7, 10, 13, 15, 17, 20, 21 e 22). Também com boa visibilidade, deu-se a defesa da política de cotas como eficaz para a democratização do acesso ao ensino (7, 12, 14, 15, 18, 21 e 22).

O debate sobre os conceitos de legalidade ou constitucionalidade e posicionamentos meritocráticos foi pouco expressivo (19 e 21, respectivamente), indicando a provável superação da discussão. Transversalmente, questões sobre a “justiça” das cotas ainda possuem latência, especialmente no binômio de “cotas sociais” x “cotas raciais”, com maior aceitação das primeiras (7, 9, 17 e 19). Os limites atribuídos às ações afirmativas derivam das experiências em cada caso, tendo maior percepção em cinco pesquisas (4, 7, 10, 13 e 21). Neste ponto, convém atentar para a denúncia de que a política ampliou o acesso, mas não houve expansão de outros recursos, nem para servidores (para capacitações com os seus operadores, acerca dos auxílios oferecidos pelos programas de assistência) nem para os atendimentos educacionais especializados das instituições.

Acentua-se o fato de que, em algumas instituições, foi perceptível a geração de “cotistas de elite”, sendo eles uma superseleção das camadas sociais de origem, traduzindo-se em mais do mesmo, isto é, não houve acesso do público prioritário da política: os mais vulneráveis (3, 12, 14 e 18). Não menos importante é a necessidade de se recuperar a crítica de que a passagem do ensino médio para o ensino superior permanece assentada na lógica liberal, viabilizada pela meritocracia e seletividade, tornando-se um funil segregador, mesmo com a existência da Lei de Cotas (21).

Dessa forma, os caminhos comuns do debate das pesquisas acerca das cotas versaram, sobretudo, acerca da conquista para a democratização do ensino; da contribuição para a diversidade e redução do perfil elitista das instituições federais; e da reparação histórica aos grupos sociais em desvantagens. Apontou-se para alguns limites, tais como a burocracia nos processos de permanência; o aparecimento do perfil de “cotistas de elite”; a falta de acompanhamento educacional dos cotistas; a não diferenciação da escola pública (federal, estadual e municipal). Em síntese, os principais resultados das pesquisas stricto sensu analisadas indicaram ganhos sociais com a política de cotas no ingresso, mas ressaltam que ela é incapaz de propiciar, a ermo, ganhos reais e substantivos suficientes para os seus beneficiários.

Por fim, cabe atentar que os resultados das pesquisas avaliadas são complexos e raramente permitem um comparativo satisfatório tanto pela característica polissêmica das ações afirmativas quanto dos públicos-alvo e dos contextos nos quais elas se inserem. Dessa maneira, a análise das políticas públicas, como no caso das cotas, permanece como desafiadora. Afinal, prover a educação, discutindo sobre suas contribuições para uma sociedade justa e democrática, requer permanente debate e análise.

5 Considerações finais

Esta pesquisa teve por objetivo analisar a produção científica desenvolvida em programas de pós-graduações stricto sensu brasileiros da área da educação sobre ações afirmativas na educação no interstício 2013 a 2018. A análise centrou-se nas pesquisas disponíveis pública e integralmente no portal da CAPES. Buscou-se conhecer as discussões de pesquisadores da área e os resultados de suas investigações, assim como conhecer quais outras questões sobre a educação pública brasileira foram levantadas.

Embora as pesquisas revelem caminhos comuns apontando a política de cotas como um passo indispensável para a diversidade do acesso ao ensino federal público, os pesquisadores tendem a denunciar os limites que se fazem presentes no cotidiano da política, requerendo sua manutenção e aperfeiçoamento, e demonstrando que o tema requer contínuas investigações.

Além do mais, esclarecem que as universidades não podem se constituir para alguns poucos privilegiados, sendo necessária sua democratização. De outro ponto, sustentam que a permanência deve estar ancorada em ações que transcendam as cotas — dispondo de acompanhamento especializado, proteção econômica mediante bolsas, atentando para o fato de que estudos para todos não significa os mesmos estudos para todos —, ampliando a igualdade de oportunidades na diversidade educacional.

Por fim, entende-se que é demasiado ingênuo acreditar que as pontuais políticas de cotas e demais ações afirmativas, mesmo com grandes avanços, sejam capazes de efetivamente democratizar a educação superior e se estabelecer como marco de justiça social de forma isolada, uma vez que as desigualdades educacionais estão intimamente relacionadas às desigualdades sociais.

Referências

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: MEC [2004]. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/488171. Acesso em: 3 abr. 2019.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 3 abr. 2019.

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 3 abr. 2019.

BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12990.htm. Acesso em: 3 abr. 2019.

BRASIL. Projeto de Lei nº 1.539, de 2019. Altera os arts. 3º, 5º e 7º da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para retirar o mecanismo de subcotas raciais para ingresso nas instituições federais de ensino superior e de ensino técnico de nível médio. Câmara dos Deputados. 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2194298. Acesso em: 3 abr. 2019.

BRITO, L. C. “Mr. Perpetual Motion” enfrenta o Jim Crow: André Rebouças e sua passagem pelos Estados Unidos no pós-abolição. Estud. hist. (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 32, n. 66, p. 241-266, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21862019000100241&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 3 abr. 2019.

CARVALHO, J. J.; SEGATO, R. L. Plano de metas para a integração social, étnica e racial da Universidade de Brasília, 2002.

DAVIES, J. Word Cloud Generator. Disponível em: https://www.jasondavies.com/wordcloud/#%2F%2Fwww.jasondavies.com%2Fwordcloud%2Fabout%2F. Acesso em: 6 abr. 2018.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

JENSEN, G. Políticas de cotas raciais em universidades brasileiras: entre a legitimidade e a eficácia. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2015.

LEI de Cotas. Banco de Teses e Dissertações CAPES. Brasília, DF: CAPES, 2016. Disponível em: http://bancodeteses.capes.gov.br/banco-teses. Acesso em: 3 abr. 2016.

MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, n. 37, p. 7-32,1999.

NEHER, C. O negacionismo histórico como arma política. 2019. Disponível em: https://p.dw.com/p/3Fehm. Acesso em: 4 abr. 2019.

OLIVEIRA, M. A.; SANFELICE, G. R. Reflexões científicas no contexto da equoterapia: uma análise em pesquisas realizadas de 2006 a 2016. Conhecimento & Diversidade, v. 10, n. 22, p. 138-154, fev. 2019. Disponível em: https://revistas.unilasalle.edu.br/index.php/conhecimento_diversidade/article/view/3998. Acesso em: 3 abr. 2019.

PIOVESAN, F. Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos. Cad. Pesquisa. São Paulo, v. 35, n. 124, p. 43-55, 2005. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742005000100004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 3 abr. 2019.

POPPER, K. Conjecturas e Refutações. 2. ed. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Ed. Univ. de Brasília, 1982. (Coleção Pensamento Científico).

REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: do romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus, 1991.

RIO DE JANEIRO. Lei nº 3708, de 09 de novembro de 2001. Institui cota de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no acesso à Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense, e dá outras providências. Disponível em: http://www.leisestaduais.com.br/rj/lei-ordinaria-n-3708-2001-rio-de-janeiro-institui-cota-de-ate-. Acesso em: 6 abr. 2019.

ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Ática, 1989.

SEMESP. 42,3% Das Universidades Federais do País têm Cotas para Negros e Índios. 2012. Disponível em: https://www.semesp.org.br/imprensa/migrado14399/. Acesso em: 5 abr. 2019.

SOUZA, J. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

SOWELL, T. Ação Afirmativa ao Redor do Mundo: um estudo empírico sobre cotas e grupos preferenciais. São Paulo: É realizações, 2016.

TAKAHASHI, A. R. W. Pesquisa qualitativa em administração: fundamentos, métodos e usos no Brasil. São Paulo: Atlas, 2013.

Notas

1 A Lei de Cotas possui o intuito de gerar igualdade de oportunidades e justiça social no campo da educação e prevê a reserva de vagas (cotas) de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que cursaram integralmente o ensino fundamental ou médio em escolas públicas (BRASIL, 2012).
2 Jim Crow foi um personagem criado pelo ator Thomas D. Rice, o qual satirizava as pessoas negras, utilizando maquiagem blackface e a adaptação da música “Jump Jim Crow”. Rice, após visitar o sul dos EUA, descobriu que os negros eram comparados a corvos (crow), de onde teve a ideia de representar seu personagem. Tratando o negro como primitivo e de pouca inteligência, fazia da cultura popular um espaço para a legitimação hierárquica social. Assim, a Era Jim Crow tornou-se expressão de um período de forte segregacionismo e desigualdade norte-americana, que perdurou entre os anos de 1876 e 1965 (BRITO, 2019).
3 Os passos procedimentais da presente pesquisa foram abstraídos do artigo de Oliveira (2019).
4 As principais etapas da análise de conteúdo, de acordo com Bardin (2011), são: 1) Organização da análise (pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação); 2) Codificação (Unidades de registro e de contexto; regras de enumeração; análise quantitativa e qualitativa); 3) Categorização (princípios; exemplos de conjuntos categoriais; índices para computadores); 4) Inferência (polos de análise e processos e variáveis de inferências).
5 Os conceitos de Cotas/Lei de cotas/Lei 12.711 foram agrupados pelo seu tratamento semelhante entre as pesquisas.
NOTA DE TÍTULO: Esta pesquisa teve o apoio do PPGEdu/UPF e do IFRS.

Notas de autor

1 Servidor Técnico-administrativo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul Campus Sertão. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Superior - GEPES/UPF. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da Universidade de Passo Fundo (UPF) – Passo Fundo/RS – Brasil. E-mail: edsregis@gmail.com.
HTML generado a partir de XML-JATS4R por