Artigos Originais

O Ensino da Doença de Chagas através de Ferramenta Pedagógica Lúdica

Teaching Chagas Disease through Playful Pedagogical Tool

Enseñanza de la Enfermedad de Chagas a través de una Herramienta Pedagógica Lúdica

Letícia Paschoaletto Dias 1
Gregório Kappaun Rocha 2
Instituto Federal Fluminense, Brasil
Jane Margaret Costa de Frontin Werneck 3
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil

O Ensino da Doença de Chagas através de Ferramenta Pedagógica Lúdica

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 22, núm. 1, 2020

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2020 pelos Autores.

Recepción: 10 Abril 2019

Aprobación: 21 Octubre 2019

Resumo: A doença de Chagas ainda é um importante problema de saúde pública, sendo considerada uma doença tropical negligenciada. A partir da criação do Programa Saúde na Escola (PSE), tornou-se necessária a abordagem em sala de aula de doenças que afetam a população brasileira com o objetivo de agregar conhecimentos e conscientizar os alunos. Entretanto, observou-se que a doença de Chagas e as demais doenças negligenciadas continuam tendo pouca representatividade nas salas de aula, tornando importante a inserção de novas estratégias pedagógicas para abordar tais temas. O presente trabalho teve como objetivo propor para alunos do Ensino Médio Integrado uma ferramenta lúdica (o jogo DIV&AP - Doença de Chagas) para o ensino da doença de Chagas e seus vetores no Brasil. Como resultado tem-se que a aplicação do jogo aumentou o conhecimento dos alunos de maneira divertida e dinâmica, funcionando como um bom complemento à atividade docente.

Palavras-chave: Atividade lúdica, Jogo didático, Doença de Chagas, Educação em saúde.

Abstract: Chagas disease is still an important public health problem, being considered a neglected tropical disease. From the creation of the School Health Program (PSE), it became necessary to address diseases that affect the Brazilian population in the classroom in order to aggregate knowledge and raise students' awareness. However, the use of Chagas' disease and other neglected diseases still has little representation in the classrooms, making it important to insert new pedagogical strategies to address these issues. The present work aims to propose a playful tool (the game DIV & AP - Chagas disease) for Integrated High School students to teaching of Chagas disease and its vectors in Brazil. As a result, it is possible to apply a game with the students' improved knowledge in a fun and entertaining way, functioning as a good complement to the teaching activity.

Keywords: Playful activity, Didactic game, Chagas disease, Health education.

Resumen: La enfermedad de Chagas sigue siendo un importante problema de salud pública, ya que se considera una enfermedad tropical desatendida. Desde la creación del Programa de Salud Escolar (PSE), se hizo necesario abordar las enfermedades que afectan a la población brasileña en el aula para agregar conocimiento y aumentar la conciencia de los estudiantes. Sin embargo, el uso de la enfermedad de Chagas y otras enfermedades olvidadas todavía tiene poca representación en las aulas, por lo que es importante insertar nuevas estrategias pedagógicas para abordar estos problemas. El presente trabajo tuvo como objetivo proporcional, para los estudiantes de la escuela secundaria integrada, una herramienta lúdica, el juego DIV & AP - Enfermedad de Chagas, para enseñar la enfermedad de Chagas y sus vectores en Brasil. Como resultado, es posible aplicar un juego con el conocimiento mejorado de los estudiantes de una manera divertida y entretenida, funcionando como un buen complemento para la actividad docente.

Palabras clave: Actividad lúdica, Juego didáctico, Enfermedad de Chagas, Educación sanitaria.

1 Introdução

Conhecida também como tripanossomíase americana, a doença de Chagas ocorre exclusivamente nas Américas. É causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi, sendo transmitida principalmente por insetos hematófagos da subfamília Triatominae. A transmissão vetorial ocorre quando o inseto, vulgarmente chamado de barbeiro, defeca durante ou logo após o repasto sanguíneo eliminando as formas infectantes do parasito que vão entrar no organismo do hospedeiro através de feridas ou pela contaminação das mucosas na pele (SILVEIRA, 2011). Estima-se que aproximadamente entre seis e sete milhões de pessoas estão infectadas com T. cruzi no mundo, principalmente na América Latina (WHO, 2017).

A doença de Chagas faz parte do grupo de doenças negligenciadas, prevalentes em países subdesenvolvidos, de baixa assistência médica e infraestrutura (YAMEI, 2003; TROUILLER et al., 2002). Por ainda haver ocorrência dessas doenças no Brasil, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação uniram-se a fim de desenvolver, nas escolas, grandes ações para promoção da saúde, criando o Programa Saúde na Escola (PSE), com base no qual foi necessário inserir nos processos de aprendizagem assuntos relacionados às doenças que acometem nosso país, levando para a sala de aula práticas pedagógicas que contemplem o tema.

Uma análise feita por Santos & Meirelles (2013), em estudos publicados entre 2009 e 2011, buscava identificar trabalhos referentes às doenças negligenciadas realizados nas escolas. Os estudos realizados nos diversos trabalhos levantados evidenciaram que, mesmo após a criação do PSE, houve pouca representatividade sobre a doença de Chagas, o que enfatizou a necessidade da inserção do tema nas salas de aulas e na formação dos professores.

Além de uma maior implementação dessas questões nas escolas, é importante explorar diversas estratégias para abordar a doença de Chagas e as demais doenças negligenciadas, garantindo o interesse e a compreensão dos alunos. Podemos citar como um meio alternativo ao ensino formal no ensino de ciências o uso de jogos lúdicos (CUNHA, 1988), considerados ferramentas práticas para o processo ensino-aprendizagem. Tais jogos são importantes ferramentas educacionais e auxiliam os alunos a desenvolverem habilidades cognitivas, percepção e raciocínio rápido (MARTINEZ et al., 2008).

Piaget (2007) defende a ideia de que os jogos suprem necessidades vitais ao desenvolvimento intelectual; desse modo, podem ser evidenciados como um acesso diferenciado na evolução conceitual do aluno.

Entre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCN) acerca dos jogos, destaca-se:

[…] nessa etapa deve-se assumir o cuidado e a educação, valorizando a aprendizagem para a conquista da cultura da vida, por meio de atividades lúdicas em situações de aprendizagem (jogos e brinquedos), formulando proposta pedagógica que considere o currículo como conjunto de experiências em que se articulam saberes da experiência e socialização do conhecimento em seu dinamismo. (BRASIL, 2013).

No ensino da Biologia, metodologias pedagógicas em torno do conceito do lúdico são comumente observadas em muitas áreas a fim de explicar conhecimentos de difícil aprendizagem e/ou visualização. Loreto & Sepel (2003) demonstraram como a estruturação de modelos didáticos são importantes no ensino de genética, enfatizando as moléculas de DNA e fenômenos relacionados ao funcionamento deste, culminando numa maior absorção do conteúdo. Jogos de tabuleiro também se mostram grandes estratégias para o ensino de conteúdos relacionados à Biologia. Silva & Dantas (2014) desenvolveram o jogo Conhecendo as parasitoses do Brasil, a fim de transmitir de forma mais simples e descontraída informações sobre as doenças causadas por parasitos no nosso país, da mesma forma que Ferreira et al. (2016) criaram o jogo de tabuleiro Caça Mosquito, que explica sobre doenças transmitidas por vetores, evidenciando a dengue, a zika e a chikungunya. Duarte et al. (2017) exploraram conhecimentos sobre evolução a partir do jogo Roleta da Evolução, o que garantiu grande contribuição para a aprendizagem dos alunos. O jogo didático “adivinhe o que é” tornou a aprendizagem de conteúdos referentes ao sistema digestório mais proveitosa e agradável (RODRIGUES, 2011).

O presente estudo buscou desenvolver um jogo de tabuleiro sobre a doença de Chagas com foco de aplicação na Educação Básica (Ensino Médio Integrado), bem como avaliar seu impacto no processo ensino-aprendizagem.

2 Metodologia

2.1 Jogo de Tabuleiro

O jogo foi intitulado DIV&AP - Doença de Chagas levando em consideração os conceitos de diversão e aprendizagem, segundo os quais o aluno pode adquirir conhecimento brincando. Foi elaborado com base nas 65 espécies de triatomíneos que têm ocorrência no Brasil, utilizando, como literatura de base, dois livros: Doença de Chagas e seus principais vetores no Brasil (COSTA et al., 2008) e Vetores da doença de Chagas no Brasil (GALVÃO, 2014) que, além de especificarem e darem as características de cada espécie, detalham os aspectos históricos, as formas de transmissão, a morfologia dos triatomíneos, assim como a situação da doença de Chagas no Brasil.

2.1.1 Componentes do Jogo

O jogo DIV&AP - Doença de Chagas contém: 1 tabuleiro; 65 cartas Sorte, 24 cartas Azar, 24 cartas Bônus, 24 cartas Informativo e 24 cartas Responda; 1 dado; 6 peões e um manual de instruções, além de um envelope personalizado que guarda todos esses itens.

As cartas (Figura 1) são de cinco tipos: Sorte, Azar, Bônus, Informativo e Responda.

  1. - As cartas Sorte possuem cor verde e evidenciam diferentes espécies de barbeiros que podem ser encontrados no Brasil (são 65 cartas que se referem às espécies de barbeiros que habitam o território brasileiro). Em cada carta Sorte, existe um número, que é a pontuação que o jogador conseguiu obter ao conquistar aquele barbeiro.

  2. - As cartas Azar possuem cor vermelha e ilustram obstáculos, dificuldades e surpresas inesperadas que podem atrapalhar a jornada do jogador, sempre fazendo com que ele precise voltar casas ou mesmo dar uma de suas cartas Bônus ou Sorte a outro participante.

  3. - As cartas Bônus, de cor amarela, apresentam várias formas de ajudar o jogador, como objetos e dicas para coletar mais barbeiros e de forma mais rápida. Nesse tipo de carta também são encontradas pontuações para o jogador.

  4. - As cartas Informativo, de cor roxa, apresentam informações sobre os barbeiros, suas formas de transmissão, morfologia, hábitos, sua história, além de importantes informações acerca da doença de Chagas no Brasil.

  5. - As cartas Responda, de cor azul, apresentam uma pergunta e quatro opções de resposta. Uma consequência, descrita na própria carta, será dada de acordo com a resposta do jogador.

O Tabuleiro do jogo é composto por sessenta casas. Nele estão destacados barbeiros e alguns de seus habitat: casas de pau a pique, rochas e pedras (Figura 2).

O jogo também conta um Manual de Instruções, que contém as regras do jogo, um guia de respostas referente às cartas Responda, e um glossário, no qual os alunos podem buscar as palavras, encontradas no jogo, cujo significado seja desconhecido.

Envelope e cartas do jogo DIV&AP - Doença de Chagas
Figura 1.
Envelope e cartas do jogo DIV&AP - Doença de Chagas
Fonte: Os autores (2019)

Tabuleiro do jogo DIV&AP - Doença de Chagas
Figura 2.
Tabuleiro do jogo DIV&AP - Doença de Chagas
Fonte: Os autores (2019)

2.2 Método de Avaliação

O potencial do jogo DIV&AP - Doença de Chagas foi testado em uma escola pertencente à rede pública de ensino do município de Petrópolis, no Rio de Janeiro. A escola em questão está localizada no centro urbano e, por ser uma escola de referência e tradição na cidade, recebe alunos de todos os bairros ou mesmo de cidades vizinhas, compreendendo alunos de diferentes perfis socioeconômicos. Foram determinadas duas turmas do 2º ano do Ensino Médio Integrado (total de 38 alunos) para a aplicação do jogo.

Um procedimento quantitativo, com base nas respostas dos alunos, consistindo em coleta de informações (por meio de questionários) foi realizado com a finalidade de compreender seus conhecimentos acerca da doença de Chagas. Previamente ao jogo, um questionário (definido como Q1) contendo 7 perguntas (abertas e de múltipla escolha) referentes ao vetor e parasito da doença, suas formas de transmissão e de prevenção, além de características importantes da doença de Chagas foi aplicado.

Feito isso, a turma foi dividida em grupos, e cada grupo recebeu um envelope do jogo de tabuleiro DIV&AP - Doença de Chagas, ficando à vontade para abri-lo, ler o manual e determinar os peões.

Após todos os grupos terem jogado, o mesmo questionário aplicado anteriormente foi passado aos alunos. O segundo questionário (definido como Q2), porém, além das 7 perguntas já mencionadas, continha mais três perguntas sobre o que os alunos acharam do jogo, propiciando-lhes fazer uma avaliação detalhada do desafio.

Os alunos contaram com um total de 1h40 (duas aulas) para responder aos dois questionários e jogar. As análises foram realizadas levando em consideração as respostas de ambas as turmas.

O método avaliativo utilizado, composto por questionários aplicados antes e após a utilização de determinado recurso pedagógico, já foi usado por diversos autores, como Silva et al. (2018) e Escolano et al. (2010), demonstrando ser uma eficaz ferramenta para a avaliação da aplicabilidade e da eficácia de um jogo ou de uma proposta pedagógica.

Por se tratar de um trabalho com envolvimento de humanos, o projeto, com Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE), foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz (CEP FIOCRUZ/IOC) em 14/11/2019, de acordo com as atribuições definidas na Resolução CNS n. 466/12, tendo o parecer aprovado sob o número 3.710.783.

2.3 Análise de dados

As respostas de Q1 e Q2 foram passadas para uma planilha em Excel, com o objetivo de serem quantificadas. As respostas às perguntas abertas foram fragmentadas e listadas, e, após esse processo, foram quantificadas de acordo com a sua citação. A partir disso foram construídos gráficos para melhor visualização.

3 Resultados

3.1 Análise dos Questionários

3.1.1 A doença de Chagas

Mais da metade (66%) dos alunos analisados apontaram já ter estudado sobre a doença de Chagas em alguma atividade educativa, entretanto observamos muitas dúvidas e equívocos nas respostas dadas a uma das questões propostas, que pedia para os alunos descreverem, de forma aberta, o que sabiam sobre a doença. As frases mais citadas em Q1 e em Q2, referentes à questão, encontram-se listadas a seguir, da mais citada para a menos citada.

Tabela 1.
Frases mais citadas pelos alunos no primeiro (Q1) e segundo (Q2) questionários e suas respectivas quantidades de repetição
Frases em Q1QuantidadeFrases em Q2Quantidade
Não sei15Doença transmitida por barbeiro13
Doença transmitida por barbeiro9Doença do coração grande8
Doença que causa feridas na pele5Doença transmitida por inseto8
Doença transmitida por inseto4Doença descoberta por Carlos Chagas4
Doença do coração grande4Doença transmitida por mosquito4
Doença transmitida por inseto que vive em casa de pau a pique4Doença comum nas Américas3
Doença transmitida por mosquito3Doença transmitida pelas fezes do barbeiro2
Doença descoberta por Carlos Chagas3Doença que causa feridas na pele2
Doença transmitida pelo açaí2Doença transmitida por inseto que vive em casa de pau a pique2
Doença transmitida por mosca165 espécies de barbeiros no Brasil2
Doença transmitida através de carne crua ou malcozida1Doença transmitida através de transfusões de sangue2
Não sei2
Doença transmitida por percevejo1
Barbeiro transmite Trypanosoma cruzi1
Fonte: Os autores

Em Q2, 22% das respostas evidenciaram que a doença de Chagas é transmitida pelo barbeiro, além de que o número de respostas Não sei referente a essa pergunta diminuiu de 15 para apenas 2 de um questionário a outro. Analisando as frases escritas após a aplicação do jogo, vemos mais respostas coerentes sobre a doença de Chagas, o que demonstra que, por meio da utilização do jogo, os alunos conheceram e aprenderam novas informações sobre a doença em questão.

3.1.2 O Vetor da Doença

Relacionado ao nome do vetor da doença de Chagas, em Q1 (Figura 3-A), 45% dos alunos responderam corretamente o seu nome, enquanto 34% disseram não sabê-lo. Alguns dos alunos confundiram o inseto vetor da doença de Chagas com mosquito (13%) e mosca (5%). Poucos (3%) disseram apenas se tratar de um inseto, sem apontar qual. Após a aplicação do jogo, foi possível observar em Q2 (Figura 3-B) que 81% dos alunos alcançaram a resposta correta relacionada ao inseto vetor. Algumas confusões ainda permanecem, como confundir o vetor da doença (Barbeiro) com o parasito (Trypanosoma cruzi) (3%), e determinar o mosquito como vetor da referida doença (8%). Poucos alunos responderam Percevejo (3%) nessa questão, e a quantidade de resposta Não sei foi significativamente menor (5%) quando comparado a Q1 (34%). O jogo possibilitou melhor compreensão a respeito do vetor da doença de Chagas; entretanto, confusões ainda se percebem nas respostas dos alunos, o que também foi constatado por Silva et al. (2018) mediante aplicação e teste do jogo de tabuleiro “Combatendo os Nematelmintos Parasitas”.

Conhecimento dos alunos sobre o nome do inseto vetor da doença de Chagas. A- respostas obtidas em Q1; B- respostas obtidas em Q2
Figura 3.
Conhecimento dos alunos sobre o nome do inseto vetor da doença de Chagas. A- respostas obtidas em Q1; B- respostas obtidas em Q2
Fonte: Os autores (2019)

3.1.3 Formas de Transmissão

Quando questionados sobre as formas de transmissão da doença, observou-se em Q1 que 29% dos alunos evidenciaram a picada do inseto como forma de transmissão, enquanto, após a aplicação do jogo (Q2), a porcentagem foi reduzida para 23%. Apenas 1% dos alunos disse que a transmissão se dá por meio de acidentes em laboratório em Q1; havendo, em Q2, aumento no número de respostas, chegando a 6%. Uma mesma proporção (19%) foi determinada em Q1 para duas alternativas: uma delas aponta que a transmissão ocorre por meio de água contaminada com as fezes do inseto vetor, e a outra expõe o contato das fezes do vetor com mucosas ou feridas na pele. O erro nas marcações pode ser atribuído à falta de atenção na leitura da alternativa. Após a aplicação do jogo as porcentagens mudaram para 18% e 26%, respectivamente. Em Q1, a opção que evidencia que a transmissão é feita por meio de açaí contaminado com o parasito teve 12% de marcações, proporção também observada quando se fala da transmissão através de carne crua ou malcozida. Entretanto, essas porcentagens se alteraram em Q2, atingindo 15% e 7%. E, de forma totalmente equivocada, em Q1, 6% deles acreditam que a transmissão pode ocorrer por meio de contato com pessoas infectadas com a doença de Chagas. Pode-se deduzir, com base nestas respostas, que os alunos confundiram a doença em questão com alguma outra doença que tenham estudado, ou foram levados ao erro pelo fato de o conteúdo sobre a doença de Chagas ainda não ter sido abordado no Ensino Médio. O mesmo foi visto por Guedes et al. (2009). Ao criar e aplicar o jogo “Biologia Limitada”, baseado nos conteúdos dos três anos do Ensino Médio, percebeu-se que os alunos confundiam determinados tópicos. Nessa alternativa, houve redução de apenas 1% em Q2. Por fim, em Q1, somente 1% dos alunos marcou a opção Nenhuma das alternativas. Após a aplicação do jogo, nenhum aluno assinalou essa opção.

3.1.4 Parasito Causador da Doença

Observando os resultados de Q1 (Figura 4-A), ao questionar os alunos sobre o nome do parasito causador da doença de Chagas, constatou-se um número maior de marcações na resposta Trypanosoma cruzi, o que correspondeu à metade dos alunos que responderam ao questionário. A segunda alternativa com maior marcação foi Histoplasma capsulatum (21%), o que pode ser atribuído ao fato de os alunos terem estudado esse conteúdo recentemente. As demais alternativas ficaram com a quantidade de marcações pouco distintas, tendo Toxoplasma gondii apresentado 13% de marcações, e Neisseria meningitidis, 16%.

Nos resultados referentes de Q2 (Figura 4-B), ou seja, após a aplicação do jogo, é possível perceber um aumento do número de marcações em Trypanosoma cruzi, representando 69% das respostas dos alunos. Histoplasma capsulatum continua sendo a segunda alternativa mais marcada, mantendo a mesma porcentagem do Q1. Tanto Toxoplasma gondii como Neisseria meningitidis tiveram redução na quantidade de respostas, e ambas obtiveram a mesma porcentagem de marcação (5%).

Novamente foi visto que alguns alunos permaneceram confundindo informações, o que pode ser explicado pelo fato de que, jogando apenas uma vez, os alunos não conseguem assimilar o conteúdo de todas as cartas, ou seja, fixar todas as informações sobre a doença. Entretanto, o aumento do número de respostas corretas nessa alternativa mostra que o jogo é um meio divertido de transmitir conhecimentos.

Respostas dos alunos sobre o nome do parasito causador da doença de Chagas. A- respostas obtidas em Q1; B- respostas obtidas em Q2
Figura 4.
Respostas dos alunos sobre o nome do parasito causador da doença de Chagas. A- respostas obtidas em Q1; B- respostas obtidas em Q2
Fonte: Os autores (2019)

3.1.5 Formas de Prevenção

As respostas referentes a Q1 evidenciam a aplicação de inseticidas no inseto vetor e a melhoria nos hábitos de higiene, como as duas alternativas mais assinaladas, ambas com 18% de marcação. Opções que determinavam matar todos os insetos e impedir focos de água parada obtiveram menores marcações (6% e 8%, respectivamente), além da opção Nenhuma das alternativas (3%).

As outras respostas corretas obtiveram a seguinte porcentagem de marcação:

  1. - Conscientização da população: 14%

  2. - Modificação nas casas de pau a pique: 12%

  3. - Controle do vetor: 9%

Após a aplicação do jogo, os alunos responderam de forma diferente; as alternativas mais assinaladas foram as que determinavam: a conscientização da população (16%); a aplicação de inseticida no inseto vetor (16%) e modificações nas casas de pau a pique (17%). Em contrapartida, as menos assinaladas continuaram sendo Matar todos os insetos (5%) e Impedir foco de água parada (6%).

Percebe-se que, com relação à prevenção, muitos dos alunos continuaram sem saber determinar as respostas corretas, mesmo após a aplicação do jogo, o que indica que a referida ferramenta educativa, ainda que traga grande contribuição no processo de conhecimento dos alunos, precisa de ajustes para enfatizar as informações relevantes, propiciando aos alunos uma melhor compreensão do conteúdo. É possível, por exemplo, que nem todas as cartas tenham sido sorteadas, o que poderia ter limitado a quantidade de informações apresentadas aos alunos.

3.1.6 Meios de Obter Conhecimentos acerca da Doença

Quando questionados sobre o lugar onde haviam obtido os conhecimentos referentes à doença de Chagas, metade dos alunos apontaram a escola. A opção Na internet ou televisão apresentou a segunda maior porcentagem de marcação. Na opção Outro meio, existia um espaço para que os alunos expusessem o meio em que haviam aprendido aquelas informações. Em todas as respostas referentes a esta opção, os alunos escreveram Nenhum, evidenciando não terem aprendido nenhum tipo de informação do conteúdo em questão ao longo da vida. A opção Através de amigos e/ou familiares foi a menos assinalada.

3.1.7 Avaliação dos Alunos sobre o Jogo DIV&AP - Doença de Chagas

Todos os 38 alunos afirmaram acreditar que o jogo foi capaz de ensinar conceitos sobre a doença de Chagas. No espaço reservado para que eles pudessem justificar a resposta dada, foram evidenciadas as frases da Figura 5, com suas respectivas porcentagens de citação.

Justificativas dos alunos sobre o jogo ser capaz de ensinar conceitos sobre a doença de Chagas
Figura 5.
Justificativas dos alunos sobre o jogo ser capaz de ensinar conceitos sobre a doença de Chagas
Fonte: Os autores (2019)

A maioria dos alunos respondeu não ter sugestões para o jogo, justificando achá-lo já adequado, enquanto os que optaram por fazê-lo, sugeriram as seguintes mudanças:

  1. - que seja mais dinâmico;

  2. - que tenha mais casas, pois o jogo acaba muito rápido;

  3. - que as consequências da carta Azar sejam melhoradas;

  4. - que as respostas da carta Responda estejam na própria carta.

Dos 38 alunos que participaram do jogo, dez deles afirmaram já ter tido experiências com algum outro jogo educativo, enquanto os 28 restantes disseram nunca haverem experimentado jogos de cunho educativo. Percebe-se, desse modo, a importância da criação de jogos com esse teor, já que a maioria dos alunos não teve/tem acesso a esses tipos de ferramenta educativa. Nesse contexto, de acordo com Silveira (2009), muitos professores ainda veem o jogo lúdico como uma atividade passatempo e sem caráter educativo, e não como um importante recurso pedagógico. Poucos materiais como esse tem sido apresentados em sala de aula.

Os resultados apontam que, mesmo com um baixo número de alunos realizando a atividade do jogo lúdico, este demonstrou auxiliar na proposta de ensinar conceitos e informações sobre a doença de Chagas aos alunos do Ensino Médio, mostrando ser um complemento à escola, além de trazer diversão e dinamismo para a sala de aula.

4 Considerações finais

O jogo de tabuleiro DIV&AP - Doença de Chagas, elaborado com a proposta de ensinar e esclarecer conceitos sobre a doença de Chagas aos alunos de Ensino Médio, cumpre seu papel ao promover um maior interesse dos alunos no estudo do tema tratado e ao auxiliar o professor no processo ensino-aprendizagem.

Após a aplicação do jogo de tabuleiro, observou-se que os alunos conseguiram compreender diversas informações relevantes sobre a doença de Chagas. A maioria deles pôde determinar o nome correto do vetor e do parasito, além de aumentar o conhecimento em relação às formas de transmissão e prevenção da doença. Foi visto que alguns dos alunos continuam confundindo informações, sendo, porém, a proporção de acertos significativamente maior se comparado ao conhecimento demonstrado antes do jogo.

Respostas incorretas ainda permaneceram após o jogo, o que é esperado. Acredita-se que o jogo deva ser aplicado mais de uma vez aos alunos, o que colaborará para que consigam manipular mais cartas, levando-os consequentemente a adquirir mais conhecimentos, uma vez que cada carta contém informações importantes sobre a doença. Jogando apenas uma vez, talvez os alunos não consigam sortear todas as cartas antes da finalização do jogo.

Todos os alunos avaliaram a ferramenta educativa de forma positiva, indicando que o jogo conseguiu lhes transmitir informações a respeito da doença de Chagas. O instrumento foi definido como informativo e divertido. Um percentual pequeno dos alunos apresentou algumas sugestões, tais como aumentar o tamanho do jogo para que ele demore mais, além de incluir etapas que deixem o jogo mais dinâmico. Dos 38 alunos que jogaram, 28 (74%) afirmaram ter sido o DIV&AP - Doença de Chagas sua primeira experiência com jogos didáticos, o que mostra a necessidade do desenvolvimento e da inclusão de mais jogos educativos em nossas escolas. O reduzido número de aulas e a dificuldade de divulgação e distribuição dos jogos, acrescidos da falta de acesso a tais ferramentas lúdicas, podem justificar a baixa frequência de jogos em sala de aula.

O DIV&AP - Doença de Chagas foi lançado na Semana Nacional de Ciência e Tecnologia da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e está sendo distribuído gratuitamente para escolas de Ensino Médio da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. O registro da marca DIV&AP é direito da Fundação Oswaldo Cruz.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

À Fundação Oswaldo Cruz e ao Laboratório de Biodiversidade Entomológica pela diagramação e produção do jogo de tabuleiro. E ao Rodrigo Bento pelo design.

Ao Colégio Estadual Dom Pedro II e à professora Carla Pinto, por permitir que seus alunos participassem da pesquisa.

Aos alunos que contribuíram com o estudo.

Referências

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Notas de autor

1 Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: leticia.paschoaletto@gmail.com.
2 Doutor em Modelagem Computacional de Sistemas Biológicos pelo Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC). Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: gregkappaun@gmail.com.
3 Doutora em Biologia Parasitária pela Fundação Oswaldo Cruz. Pós-Doutora pelo Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA USA (2003). Pesquisadora Titular do Instituto Oswaldo Cruz - Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro/RJ – Brasil. E-mail: janecostabio@gmail.com.
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