ARTIGOS ORIGINAIS

Cartografias dos conflitos e da ação coletiva em Campos dos Goytacazes/RJ na entrada do século XXI

Cartographies of conflicts and collective action in Campos dos Goytacazes (Brazil) at the beginning of the 21st century

Cartografías de los conflictos y la acción colectiva en Campos dos Goytacazes (Brasil) a principios del siglo XXI

Érica Terezinha Vieira Almeida 1
Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil
Pollyanna de Souza Carvalho 2
Brasil

Cartografias dos conflitos e da ação coletiva em Campos dos Goytacazes/RJ na entrada do século XXI

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 22, núm. 3, 2020

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2020 pelos Autores.

Recepción: 01 Julio 2020

Aprobación: 17 Agosto 2020

Resumo: Baseado em uma pesquisa hemerográfica realizada nas duas primeiras décadas deste século, abrangendo a Região Norte e Noroeste do estado do Rio de Janeiro, este artigo propõe uma análise dos conflitos e da ação coletiva protagonizada, particularmente, no município de Campos dos Goytacazes. Com ênfase nos conflitos, nos sujeitos coletivos e suas reivindicações, o artigo demonstra como os diferentes interesses presentes na sociedade civil local se organizam e a sua relação com o Estado. Observa-se que a primeira década (2000-2009) foi marcada pelas lutas sociais em torno do uso da terra e por aquelas relativas à efetivação universal dos direitos sociais e sua expansão, num contexto de flexibilização dos direitos e de reconfiguração do Estado, considerando o avanço da lógica mercantil sob o neoliberalismo. Já a década seguinte (2010-2017) caracterizou-se pelas resistências ao processo avançado de mercantilização, protagonizadas, especialmente, pelos sindicatos e movimentos populares das periferias urbanas. No caso de Campos, chama à atenção o conjunto de remoções urbanas promovidas pelo Programa “Morar Feliz”, com destaque para a resistência dos subalternos.

Palavras-chave: Ações Coletivas, Conflitos, Resistências, Campos dos Goytacazes.

Abstract: Based on a hemerographic survey carried out in the first two decades of this century, covering the North and Northwest regions of the state of Rio de Janeiro, this article proposes an analysis of conflicts and collective action, especially in the municipality of Campos dos Goytacazes (Brazil). With an emphasis on conflicts, collective subjects and their demands, the article demonstrates how the different interests present in local civil society are organized and their relationship with the State. It is observed that the first decade (2000-2009) was marked by social struggles over land use and those related to the universal realization of social rights and their expansion, in a context of flexible rights and reconfiguration of the State, considering the advance of mercantile logic under neoliberalism. Yet the following decade (2010-2017) was characterized by resistance to the advanced process of commoditization and privatization of cities, led especially by unions and popular action in the urban peripheries. In the case of Campos, the set of urban removals promoted by the “Morar Feliz” program stands out, with emphasis on the resistance of subordinates.

Keywords: Collective Actions, Conflicts, Resistance, Campos dos Goytacazes.

Resumen: Basado en una encuesta hemerográfica llevada a cabo en las dos primeras décadas de este siglo, que abarca la región Norte y Noroeste del estado de Río de Janeiro, este artículo propone un análisis de conflictos y acciones colectivas, particularmente en el municipio de Campos dos Goytacazes (Brasil). Con énfasis en los conflictos, los temas colectivos y sus demandas, el artículo demuestra cómo se organizan los diferentes intereses presentes en la sociedad civil local y su relación con el Estado. Se observa que, mientras que la primera década (2000-2009) estuvo marcada por las luchas sociales sobre el uso de la tierra y las relacionadas con la realización universal de los derechos sociales y su expansión, en un contexto de derechos flexibles y reconfiguración del Estado, considerando el avance de la lógica mercantil bajo el neoliberalismo; la siguiente década (2010-2017) se caracterizó por la resistencia al proceso avanzado de mercantilización y privatización de las ciudades, liderada especialmente por la resistencia de los sindicatos y las acciones populares en las periferias urbanas. En el caso de Campos, destaca el conjunto de mudanzas urbanas promovidas por el programa “Morar Feliz”, con énfasis en la resistencia de los subordinados.

Palabras clave: Acciones colectivas, Conflictos, Resistencias, Campos dos Goytacazes.

1 Introdução

Este artigo teve como motivação a divulgação dos resultados de uma pesquisa sobre os conflitos e mobilizações coletivas na Região Norte (NF) e Noroeste Fluminense (NOF), realizada em jornal local, no período de 2000 a 2017. Embora a pesquisa originária apresente informações sobre as duas regiões, este texto priorizará o município de Campos dos Goytacazes, não só pela sua importância na Região Norte Fluminense (NF)1, mas, também, pela sua complexidade, diversidade e grau de organização da sociedade civil, compreendida como o espaço de organização e representação política dos interesses das classes e frações de classe e, portanto, de disputa pela hegemonia.

Metodologicamente, este artigo fundamenta-se em pesquisa bibliográfica e nos resultados da pesquisa hemerográfica realizada no Jornal Folha da Manhã, sobre as mobilizações coletivas no NF e NOF, no período compreendido entre 2000 e 20172. A escolha do jornal Folha da Manhã como fonte de pesquisa se deu em função da sua cobertura regional e, também, da sua circulação diária durante todo o período da pesquisa3.

A pesquisa hemerográfica identificou um conjunto diferenciado de sujeitos políticos coletivos, combinando aqueles mais tradicionais, como os sindicatos e partidos, com os movimentos sociais4, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o movimento estudantil, o feminista e o movimento negro, bem como as formas mais contemporâneas de organização local, como os coletivos feministas, negros e LGBT5. Sem uma organização formal e desprovidos de uma articulação política mais ampla, assim como de uma agenda nacional, também estiveram presentes no espaço público local os trabalhadores informais, com destaque para os camelôs, os perueiros (motoristas de van) e os catadores de recicláveis do antigo lixão municipal. Ainda no que se refere às ações mais espontâneas dos grupos subalternos, chamam à atenção as mobilizações dos moradores das periferias urbanas e dos Distritos.

Segundo Kowarick (1979), a espoliação urbana, que articula exploração do trabalho com o processo precário de reprodução social, penaliza duplamente o trabalhador morador das periferias urbanas. Em Campos, a espoliação urbana caracteriza o processo de urbanização que tem início a partir dos anos de 1950 e que se acentua a partir do final dos anos de 1960, marcando a experiência dos trabalhadores expulsos do campo e inferiorizando-os no que se refere ao acesso aos bens e serviços públicos fundamentais (RIBEIRO; JUNIOR, 2018). Mais recentemente, os moradores das periferias da cidade voltaram a ser impactados por um conjunto de práticas que afetaram significativamente a sua reprodução social.

Além de apresentar os sujeitos coletivos e suas reivindicações, o artigo pretende problematizar os conflitos a partir da crítica à mundialização do capitalismo e do avanço da lógica neoliberal, sob o comando da burguesia financeira internacional (CHESNAIS, 1996)6, atentando para as mediações presentes entre as diferentes dimensões e escalas em análise. Nesse sentido, o artigo enfatiza tanto a relação dos conflitos com as mudanças societárias recentes impostas pelo novo regime de acumulação capitalista, quanto aquelas relativas ao legado regional, com destaque para a cultura política local, particularmente, sobre a reprodução do clientelismo e do populismo, mediações relevantes na análise da ação coletiva, considerando o seu papel na obstrução das práticas necessárias à construção de sujeitos autônomos e a sua participação nas arenas públicas, quase sempre, refratárias aos interesses dos grupos subalternos.

2 Movimentos Sociais, Sociedade Civil e Hegemonia

Os estudos sobre ação coletiva ganharam maior visibilidade na agenda contemporânea nas Ciências Sociais e Políticas com a emergência dos chamados “novos” movimentos sociais, nos anos de 1960, na Europa e nos EUA. A emergência dos movimentos vinculados às lutas por reconhecimento, tanto na Europa quanto nos EUA, levaram um conjunto de autores a reconhecer a pluralidade da “nova” sociedade civil e a afirmar que a sua “redescoberta”, a partir da década de 1970, estava vinculada ao protagonismo desses “novos” movimentos sociais7, expressando a falência das análises centradas no Estado e nas classes. Referindo-se aos marxistas, que segundo eles, não enxergavam o que havia de “novo” na cena política, os autores desses estudos, entre os quais estão Cohen e Arato (2000), pensam a sociedade civil como uma esfera plural, cuja autonomia é produto do avanço das instituições democráticas, sobretudo do Direito, uma mediação central na organização da nova esfera pública democrática. Tendo como paradigma a experiência de integração sociopolítica e cultural da classe trabalhadora nos países de Welfare-State, os autores decretam a morte da classe como identidade e forma de organização de interesses, e sua substituição pelos movimentos identitários.

Distintos das formas tradicionais representadas pelos partidos e sindicatos e, como aponta Alan Birh (1998)8, caracterizados pela sua desconfiança comum para com o Estado e a sociedade política e ainda pela indiferença e até hostilidade para com os sindicatos e representações profissionais, a análise sobre os “novos” movimentos sociais, na maioria das vezes, operou o desenraizamento destes do contexto da luta de classe. Depois de décadas de debate, é preciso refazer esse itinerário teórico para rever criticamente a miopia de certos autores com relação à concepção de classe trabalhadora e das suas necessidades sociais, nos diferentes tempos históricos. O aprofundamento das análises atuais sobre a nova dinâmica do capitalismo e, por conseguinte, sobre a nova morfologia da classe-que-vive-do-trabalho9 serão de extrema importância na compreensão da metamorfose das necessidades históricas dessa classe.

Como já salientado, os processos acelerados de urbanização, tanto no centro, quanto na periferia do capitalismo, foram marcados por uma profunda segregação socioespacial e fragmentação da classe-que-vive-do trabalho, o que levou Lefebvre (2001) a afirmar que a fábrica/empresa não poderia mais ser pensada como o único e principal espaço da contradição e do conflito de classes, pois toda a sociedade tornou-se lugar de reprodução das relações sociais, isto é, de reprodução da racionalidade mercantil e, portanto, de disputas. Assim, se a cidadania moderna representou uma conquista importante da e para a classe trabalhadora, do ponto de vista do acesso universal aos direitos fundamentais e da socialização da política, paradoxalmente, ela também contribuiu para integrar essa mesma classe à sociedade de consumo, aos seus valores e modos de vida, colocando novos desafios aos sujeitos coletivos e aos seus projetos políticos (COUTINHO, 1997).

Nessa perspectiva, merece maior problematização a introdução de novas tematizações na esfera da sociedade civil, sobretudo aquelas relacionadas às questões de gênero e étnico-raciais. Se de fato elas são legítimas, na medida em que expressam conflitos e opressões históricas, também é verdade, que nem sempre essas relações estão presentes nos autores ligados aos “novos” movimentos sociais, havendo uma carência quanto à problematização das particularidades de um capitalismo “parido” pelo colonialismo racista e patriarcal (QUIJANO, 2005). De fato, não há uma oposição entre as lutas por reconhecimento e por igualdade (FRASER, 2001); elas se complementam, na medida em que as lutas contra a desigualdade de gênero e o racismo estrutural, assim como, as lutas contra os modelos de desenvolvimento que se apoiam na destruição ambiental e dos povos tradicionais, se encontram com as lutas pela igualdade, pela distribuição da renda e acesso igualitário aos bens e serviços públicos, pela democratização radical da esfera pública, pela cidadania plena e, necessariamente, com a luta anticapitalista. Para Castro (2001), o reconhecimento da potencialidade dos “novos” movimentos sociais e da sua contribuição à construção de uma aliança política contra o projeto neoliberal, envolvendo os múltiplos sujeitos sem propriedade, não se confunde com a análise dos autores deslumbrados com a política de identidade que não enxergam a possibilidade de agregação política, apenas uma profunda fragmentação da identidade pós-moderna. Aliás, segundo a autora, aqui reside a tarefa política das esquerdas, qual seja, a de possibilitar a articulação política desses movimentos com os sindicatos, partidos e demais organizações interessadas em construir uma alternativa à globalização capitalista, reivindicando para tanto, uma compreensão da sociedade civil que, ao contrário daquela proposta por Cohen e Arato (2000), não expulse os conflitos de classe desta esfera, o que possibilitou a valorização do pensamento do marxista italiano Antônio Gramsci, antes e agora.

De forma sintética, a concepção gramsciana de sociedade civil, compreendida como o conjunto dos “aparelhos privados de hegemonia”, ou seja, como a esfera dos organismos de participação política aos quais se adere voluntariamente e que são responsáveis pela representação dos interesses dos diferentes grupos sociais, compreende as escolas, os sindicatos, as igrejas, os partidos políticos, as organizações profissionais, os meios de comunicação, as instituições de caráter científico e artístico etc. Para Gramsci, ao lado da sociedade política, a sociedade civil também compõe o Estado ampliado, pois é ela quem garante a legitimidade e o consenso necessários à ação do Estado moderno.

Nessa perspectiva, ela não se opõe ao Estado, antes, constitui uma esfera fundamental na construção e manutenção da hegemonia das classes proprietárias. Ainda de acordo com o marxista, enquanto a primeira (sociedade política) está associada ao Estado, no sentido restrito do termo e, portanto, representa o domínio da coerção e da força, a segunda (a sociedade civil) é definida como o conjunto das diferentes instituições que expressam, organizam e difundem uma determinada concepção de mundo, uma determinada “ideologia”10, constituindo-se no terreno onde se dão as disputas em torno da “direção ético-política e moral” da sociedade, isto é da hegemonia. O equívoco de autores como Cohen e Arato (2000) não está em operar com a pluralidade e a autonomia da sociedade civil moderna, mas de absolutizá-las, desprezando os conflitos de classe e negligenciando o fato de que a sociedade civil mantém uma relação orgânica e dialética com as esferas econômica e política, no processo construção e manutenção da hegemonia (das classes), como aponta Gramsci.

No caso brasileiro, não se pode esquecer de que a crise mundial do capitalismo e a emergência de um novo regime de acumulação sob o comando da burguesia financeira mundial, a partir dos anos de 1970, aconteceu em meio ao processo de redemocratização política do país, levado a cabo por um conjunto de organizações e instituições da sociedade civil vinculadas ao campo democrático e progressista. A emergência dos movimentos populares urbanos chamou a atenção dos pesquisadores para este novo personagem, destacando a sua base social, forma de organização política e suas reivindicações (SADER, 2001). O surgimento de um novo personagem, para além das formas clássicas de representação da agenda da classe trabalhadora, deu início a um intenso debate político e acadêmico, sobre a particularidade desta nova forma de organização dos “de baixo” e sobre os limites da representatividade dos sindicatos e dos partidos “de esquerda” para seguir dando conta das necessidades das classes subalternas, considerando a sua complexidade e as novas questões que elas apresentavam no contexto de urbanização acelerada e precarizada. De acordo com Kowarick (1979), a espoliação urbana era resultado da associação perversa entre a superexploração do trabalho e as péssimas condições de reprodução social desses trabalhadores na cidade, materializada na ausência e/ou precarização dos direitos sociais fundamentais.

Também é importante reconhecer o apoio destes movimentos urbanos e do movimento sindical do ABC paulista ao processo de redemocratização. Eles não só desafiaram a ditadura civil-militar (1964-1985), como também representaram uma inflexão no modo de fazer política no país. Formado por trabalhadores e trabalhadoras informais, moradores das favelas e periferias, os movimentos populares vão experimentar os conflitos de classe mediados pela “questão urbana” (HARVEY, 2005), ou seja, pelo conjunto das expressões da desigualdade de classe no espaço urbano, embora, no início, sejam as necessidades imediatas que irão compor a sua agenda de lutas. Embora limitados do ponto de vista da sua territorialidade (o bairro) e da compreensão das expressões da “questão social” e, portanto, carentes de uma agenda política mais ampla e articulada nacionalmente, esses movimentos foram fundamentais para que, nos anos seguintes, fosse construída uma agenda pública na qual a defesa dos direitos sociais assumiria a centralidade.

Mais tarde, as disputas que envolveram a Constituição de 1988, pressionaram a sociedade civil, em especial, os movimentos sociais, os sindicatos e as organizações sociais em dois sentidos: a dialogarem em torno de uma agenda pública comum em defesa dos direitos de cidadania e a intensificarem o movimento de articulação em níveis nacional e internacional, exigindo, em especial para os movimentos sociais, uma ação política, cada vez mais, interescalar. Nos anos de 1990, em oposição à globalização neoliberal, os movimentos sociais já se encontravam organizados em redes nacionais e internacionais (GOHN, 2003), superando a territorialidade dos anos iniciais. As conferências e os fóruns demonstravam a capilaridade desses movimentos no território nacional e a sua capacidade política, dentro e fora do país, para construir coletivamente pautas e agendas de lutas comuns, sem desconsiderar as desigualdades regionais, nem as diferenças socioculturais.

Considerado pelos movimentos sociais como o seu principal interlocutor, o Estado-nação como o garantidor dos direitos de cidadania, passa a ser concebido como o outro polo da relação, camuflando os interesses das classes e frações de classe hegemônicas que se instalaram na esfera estatal, passando a orientar as suas políticas, assim como as suas decisões, seja no executivo, no legislativo ou no judiciário. A transformação do Estado liberal em Estado social, com a luta protagonizada pela classe operária e a introdução dos direitos sociais, como resposta do capitalismo na sua fase monopolista, embaçou a luta de classe, ao deslocar o conflito para a arena política (POULANTZAS, 1985). Cada vez mais transnacionalizado e tomado pelos interesses da burguesia financeira mundial, o Estado-nação na sua atual configuração, a neoliberal, responde “à condensação material das relações entre as classes e frações de classe” na contemporaneidade, como já afirmou Poulantzas (1985), o que tende a acirrar ainda mais os conflitos em torno não apenas do tamanho do Estado, mas, também, das suas funções.

No que se refere à sociedade brasileira, a sua democratização passa pela disputa do Estado, tanto do seu orçamento, quanto do alargamento das esferas públicas, no sentido do acolhimento das demandas e interesses dos grupos subalternos que sequer chegaram a figurar como direitos. Desse modo, se no contexto da Constituição de 1988, os movimentos sociais protagonizaram as principais lutas pela adoção e efetivação dos direitos sociais, na conjuntura mais recente, dado o avanço do processo de acumulação por despossessão (HARVEY, 2013), os movimentos sociais estão sendo pressionados a assumir uma posição de resistência em defesa das conquistas sociais da CF de 1988.

Segundo Harvey (2013), este novo regime de acumulação comandado pelas finanças, vem se reproduzindo a partir da espoliação/mercantilização da terra, do ar, da água potável, do direito ao trabalho e do trabalho, enfim, de um conjunto de direitos sociais que foram conquistados no último século e que contribuíram para desmercantilizar uma parte do conjunto das relações sociais.

A partir da segunda metade da década de 2000 um conjunto de Grandes Investimentos11 vão aportar no Brasil, viabilizados, em sua maior parte, por recursos federais, isoladamente ou em parcerias com o capital privado, uma vez que se inscrevem na estratégia de inserção do país na economia internacional. Cabe lembrar que o Brasil se tornou um dos maiores exportadores mundiais de commodities agrícolas e minerais, acentuando, ainda mais, o processo de reprimarização da economia e de expansão das fronteiras do capital12. Nas últimas décadas, milhares de famílias foram vítimas de remoções compulsórias, de norte a sul do país, quase sempre, sob o uso da violência e da intimidação, demonstrando a tendência do novo modelo de desenvolvimento e as similitudes quanto aos impactos sociais e ambientais produzidos nos territórios expropriados. Essas ações não se implementaram sem resistências. As insurgências dos movimentos sociais contra essas expropriações e a rápida mercantilização da vida social, têm produzido uma articulação política na sociedade civil, capaz de enfrentar as fragmentações sociais próprias deste novo tempo do mundo e construir solidariedade em torno de um projeto político e societário contra-hegemônico. Nesta perspectiva, cabe registrar as articulações e alianças construídas, no início deste século, entre os diferentes “aparelhos privados de hegemonia” na sociedade civil, dentre eles, sindicatos, partidos, movimentos sociais, movimentos estudantis e organizações não governamentais e que resultaram nas diversas edições do Fórum Social Mundial e, mais recentemente, no Brasil, na criação das frentes de esquerda “Brasil Popular” e “Povo Sem Medo” em defesa da democracia e contra o avanço da desigualdade, das violências e opressões.

3 Conflitos e ações coletivas em Campos dos Goytacazes

Os conflitos constituem uma marca de nascença deste território, desde a chegada dos colonizadores com as suas práticas de pilhagem e de extermínio dos “inimigos”, como eram nomeados aqueles que se opunham ao seu projeto de conquista. Mais tarde, já sob o comando econômico e político das elites ligadas à produção da cana-de-açúcar, a partir do século XVII, e com a utilização da força de trabalho escrava, o que se conhece como o município de Campos alcançou uma importante posição na economia nacional, reproduzindo, no território, práticas e relações socioeconômicas e político-culturais próprias do colonialismo europeu.13Com o fim da escravidão e com as inovações técnicas que transformaram os pequenos engenhos em Usinas de açúcar e, depois, de álcool, o município manteve a sua posição de destaque no cenário nacional, graças ao que CRUZ (2003) chama de “fechamento da região” pelas suas elites agroindustriais. De forma sintética, o conceito de “fechamento da região” se relaciona ao processo de supremacia dos interesses deste grupo social na região, conquistado a partir da associação da hegemonia no campo político, cultural e moral, levado a cabo pelas organizações e instituições da sociedade civil identificadas com este projeto, e o processo de coerção, posto em prática, sempre que necessário, pelas instituições do Estado, como o parlamento, a polícia e as instituições de justiça.

No caso da escravidão, por exemplo, embora alguns historiadores tivessem negligenciado as informações sobre os protestos e resistências negras, a historiografia mais contemporânea tem demonstrado que a contestação da escravidão e das suas práticas mais cruéis não foi tarefa apenas dos homens brancos e letrados (LIMA, 1981), foram inúmeras as manifestações negras contra este sistema, substituído por outro no qual os negros continuaram a ser submetidos a um forte processo de superexploração do trabalho e de racismo estrutural (ALMEIDA, 2018). A superexploração da força de trabalho na produção do açúcar e do álcool, formada em sua maioria por ex-escravos e seus descendentes, vai caracterizar essa cadeia produtiva e suas relações sociais até a sua crise e decadência, no final do século XX. Com a crise do setor sucroalcooleiro, o município voltaria à cena nacional, com a descoberta e exploração do petróleo e gás em águas profundas, na Bacia de Campos, a partir de 1978 e, por conseguinte, pelo crescimento do seu orçamento a partir de 199814.

Como qualquer outro município que tem a sua atividade econômica baseada na monocultura, Campos forjou um processo de modernização “pelo alto” ou conservador, baseado em um projeto de desenvolvimento econômico extremamente elitista e excludente no que se refere aos direitos e às condições decentes de trabalho e, também, no que diz respeito à construção de uma esfera pública democrática e participativa, sobretudo quando se trata do reconhecimento das necessidades e interesses dos subalternos. Vale ressaltar, ainda, o impacto do ciclo de expropriação do campo, iniciado nos anos de 1950 e intensificado nas décadas seguintes, com as mudanças nas relações de trabalho e gradativo predomínio e generalização das relações assalariadas em substituição às antigas formas de parceria e colonato. Na condição de “boias-frias”, esses trabalhadores passam a viver nas favelas e periferias da cidade, geralmente às margens das rodovias e ferrovias ou, ainda, em áreas públicas de conservação ambiental. Esse processo de (des)territorialização dos trabalhadores rurais e de sua (re)territorialização no meio urbano, representou uma nova experiência para a classe trabalhadora oriunda do campo, incluindo a autoconstrução e a sua inserção em atividades ligadas ao mercado de trabalho urbano como a construção civil, a serventia doméstica, ao comércio ambulante, à catação de recicláveis, dentre outras subocupações, marcadas pela desvalorização dos vínculos de trabalho, da remuneração e da proteção social.

Além disso, a vida nas favelas e áreas periféricas os aproximou de uma nova sociabilidade, pautada em novas experiências e, por conseguinte, em novos valores, referências e práticas sociais, mediadas pela ausência de direitos e de acesso aos bens e serviços públicos (materiais e simbólicos). De modo contraditório ao que se afirmava nos discursos durante o processo de redemocratização do país, foi a negação dos direitos fundamentais que se constituiu na medida das relações sociais que forjaram o cotidiano das periferias e não o contrário. Esse processo de urbanização incompleto, acompanhado de uma socialização extremamente perversa, vão marcar o cotidiano dos trabalhadores mais empobrecidos, alimentando os conflitos que, na maioria das vezes, ficavam circunscritos às relações interpessoais e comunitárias, não atingindo nem a sociedade civil e, nem, tampouco, as esferas públicas.

No caso aqui tratado, a análise da cartografia dos conflitos e das ações coletivas, a partir da pesquisa hemerográfica, se limitará ao município de Campos dos Goytacazes, pela sua importância e complexidade. Como se pode observar na Figura 1, a seguir, numa perspectiva espacialmente abrangente, a espacialização dos conflitos demonstra, ainda que “en passant”, os fortes vínculos entre os conflitos e seus territórios, compreendido aqui como o espaço de construção e organização dos interesses de classe e das suas práticas sociais. E mais, como lugar de construção de hegemonia e, também, de contestação dessa hegemonia. Como afirma Ramos (2003),

O conflito social nos oferece a possibilidade empírica de abordar as contradições sociais. Ele é a manifestação concreta dos antagonismos de grupos e classes e por meio deles se evidencia a experiência concreta de construção e sujeitos sociais, onde se configuram a construção de identidades coletivas, de motivações e interesses compartilhados, estratégias de luta, assim como formas de organização e manifestação. Assim, o conflito não é um outro das relações sociais e, sim, parte constitutiva delas. (p. 2-3).

Conflitos por Municípios da Região Norte e Noroeste Fluminense (2000-2017)
Figura 1.
Conflitos por Municípios da Região Norte e Noroeste Fluminense (2000-2017)
Fonte: Núcleo de Pesquisa em Dinâmica Capitalista e Ação Política. Universidade Federal Fluminense (NETRAD/UFF) (2018)

Os conflitos se diferenciam espacialmente, com maior concentração nos municípios com mais diversidade econômica e social e, também, naqueles com maior impacto dos grandes projetos de investimentos (GI), fruto da integração subordinada do NF à economia mundial. Protagonizado por diferentes sujeitos coletivos, a cartografia sugere uma forte conexão entre as ações coletivas e as novas formas de expropriação dos meios de vida da classe trabalhadora, sob a forma do desemprego estrutural, da superexploração do trabalho, da expropriação dos direitos sociais e, por fim, de um movimento crescente de mercantilização da vida social e privatização da cidade; processos que vêm caracterizando o novo regime de acumulação capitalista, e que, por isso mesmo, conferem um sentido aos conflitos e resistências.

O mapeamento dos conflitos pela pesquisa hemerográfica identificou os sujeitos políticos coletivos que protagonizaram as ações coletivas, classificando-os em sete grupos: - a) movimento sindical; b) movimento pela reforma agrária, com destaque para o MST; c) movimentos feministas, negros e LGBT; d) movimento estudantil; e) grupos de moradores das periferias urbanas e dos Distritos; f) trabalhadores informais (camelôs, perueiros e catadores de recicláveis) e, mais recentemente, g) movimentos políticos “progressistas” e “conservadores”15. Considerando a impossibilidade de aprofundar a participação de cada um desses grupos, o artigo propõe tratar, de modo geral, o protagonismo político no município, com destaque para os grupos subalternos (ALMEIDA; CARVALHO, 2019).

Num contexto de crise do capitalismo, a acumulação por despossessão, na concepção de Harvey (2013), visa resolver o problema da sobreacumulação, permitindo a liberação de um conjunto de ativos, incluindo o barateamento da força de trabalho para que o “excedente de capital possa apossar-se desses ativos e dar-lhes imediatamente um uso lucrativo” (HARVEY, 2013, p. 124). Neste regime de acumulação, o sistema de crédito e o capital financeiro desempenham um papel relevante, comandando o processo de valorização sustentado na superexploração da força de trabalho e na transferência direta de grandes parcelas da produção para a esfera da especulação. O aprofundamento deste modelo, sob a hegemonia das finanças, combina de modo perverso, a diminuição dos custos do trabalho com a mercantilização dos direitos, desresponsabilizando o Estado no que se refere ao enfrentamento da questão social, via oferta de políticas públicas universais.

No Brasil, logo após a aprovação da CF de 1988, também denominada Constituição Cidadã pelos seus avanços no campo dos direitos de cidadania, os governos de orientação neoliberal que se seguiram e, mesmo os governos progressistas do PT, foram agentes de inúmeros Projetos de Emendas Constitucionais (PECs), que desfiguraram o texto de 1988. A desconstrução da cidadania existente avançou com as contrarreformas aprovadas a parir do ano de 2016 (Reforma Trabalhista, da Terceirização e do Teto dos Gastos) e, no ano de 2019, com a Reforma da Previdência. Principal vítima do projeto neoliberal, a política de Seguridade Social assiste à transformação do seu escopo, assim como da sua lógica de proteção social, deixando explícito o seu papel estratégico no atual regime de acumulação, no qual os fundos de pensão vêm substituindo os sistemas públicos de seguridade social.

Em Campos, as manifestações, greves e paralisações realizadas pelos sindicatos dos trabalhadores, públicos e privados e, em particular, pelos terceirizados, como indica a pesquisa hemerográfica, acusam o avanço das formas de precarização do trabalho e a substituição dos concursos pelas contratações temporárias, geralmente, pela via das seleções simplificadas ou por processos de terceirizações, sobretudo nos serviços públicos. Essas mobilizações cobriram toda a primeira década do século XXI, demonstrando que, mesmo nos governos do PT, as contrarreformas neoliberais tiveram prosseguimento, ainda que em menor grau que os anteriores e posteriores. Seu alvo preferencial foram os servidores públicos.

Nesse sentido, merece destaque a resistência dos servidores públicos municipais, estaduais e federais e, dentre eles, dos servidores da educação contra o desmonte da Política Pública de Educação nos três níveis de governo, representado pelos contratos precarizados e pela ausência de investimento tanto na estrutura material, quanto nas carreiras, além de uma política salarial adequada, sobretudo nos níveis municipal e estadual. Cabe salientar a particularidade da luta dos docentes, técnicos e estudantes da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) contra os governos do estado do Rio de Janeiro. Com uma pauta inicial por autonomia e contra a intervenção da FENORTE (Fundação controlada pelo governo do estado do RJ) na Universidade, a comunidade acadêmica da UENF passou uma década protestando por reposição salarial, contra o atraso no pagamento dos salários, por melhores condições de trabalho e dos laboratórios, contra a demissão de professores e prestadores de serviços, por bandejão, por segurança, contra o atraso das bolsas de pesquisa, dentre outros. Assim como a UENF, o Sindicato dos Profissionais da Educação (SEPE), também, liderou as greves e paralisações e comandou os profissionais da educação em seus protestos nas ruas e praças contra o descaso dos governos estaduais com a educação pública.

Ainda referente à luta sindical, merece destaque o protagonismo dos petroleiros, bancários e rodoviários. Enquanto os petroleiros denunciam a precarização do trabalho nas plataformas, o processo de terceirização, os acidentes e a insegurança no trabalho na Bacia de Campos; os bancários protestam contra a ausência de reajuste salarial e de contratação de pessoal, denunciando a rentabilidade do setor em detrimento do atendimento e das condições de trabalho.

Além dos estudantes universitários, os estudantes secundaristas representados pela Federação dos Estudantes de Campos (FEC) e pela União da Juventude Socialista (UJS), também se manifestaram, contra a degradação do ensino e por mais recursos para a educação pública. Destacam-se os inúmeros protestos dos estudantes contra as empresas de transporte coletivo em virtude da não aceitação da gratuidade estudantil, dentre eles, a dos estudantes universitários dos Distritos, contra a falta de transporte público para que eles pudessem estudar na sede do município. Essa questão intensificou a luta pelo passe livre e colocou o transporte público e gratuito na agenda dos estudantes.

Embora o declínio do setor sucroalcooleiro tenha início nos anos de 1980, a atividade permanece até a entrada deste século, quando poucas usinas ainda permaneciam em funcionamento, sendo motivo de protestos por parte dos seus trabalhadores (do campo e da indústria), representados pelos seus sindicatos. Estes protestos denunciavam a ausência do reajuste salarial e do pagamento dos direitos trabalhistas, o atraso no pagamento dos salários que, em alguns casos, chegava a quatro meses e, também, a prática do trabalho em condições análogas à escravidão, geralmente, envolvendo trabalhadores do norte de Minas Gerais e do Nordeste. Cabe lembrar, que o protagonismo dos trabalhadores rurais de Campos alcançou o seu ápice em 1984, com a greve do setor, que denunciava “a demissão em massa […], o trabalho em regime de semi-escravidão, a condição de total clandestinidade […]; o regime de exploração nas tarefas da lavoura […]; a exploração do trabalho da mulher e do menor; insalubridade e periculosidade do trabalho […] e a proliferação das empreiteiras” (CRUZ, 1995, p. 53-54).

Como se não bastassem os conflitos oriundos dos processos gerais de expropriação dos direitos sociais, em particular, dos direitos do trabalho e ao trabalho, Campos experimentou, também, no período aqui analisado, os conflitos envolvendo o uso da terra, protagonizado pelo MST como bem aponta a cartografia. Cabe lembrar, no entanto, que em 1984, a cidade presenciou inúmeras manifestações do sindicato dos trabalhadores rurais denunciando a situação dos trabalhadores das usinas em face do fechamento das mesmas e do não pagamento dos seus salários e direitos trabalhistas. Uma delas, foi a dos trabalhadores da Usina Novo Horizonte, que depois de muita negociação por parte do sindicato local, articulado com a Federação dos Trabalhadores da Agricultura (FETAG/RJ) e com a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), conquistaram, em 1985, sob o governo Sarney, a desapropriação da Usina para fins de Reforma Agrária. Diferente dos demais projetos de assentamento do INCRA, a primeira Reforma Agrária do município e a única na década de 1980, não nasce a partir de uma ocupação, mas da pressão sindical em torno das dívidas da Usina com o Estado e com os seus trabalhadores, que ganharão o direito de fazerem parte do Assentamento de Reforma Agrária de Novo Horizonte.

A perda da competitividade do Complexo Sucroalcooleiro da Região com relação aos demais estados, deixou extensas áreas ociosas e improdutivas. Segundo Barcelos (2015), o período compreendido entre 1996 e 2006 foi de intensos conflitos pela terra, com a ocupação de terras abandonadas e improdutivas das usinas, protagonizadas pelo MST, num primeiro momento e, depois, pela Federação Estadual dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG).

Em 1997, doze anos depois de Novo Horizonte, aconteceria a primeira ocupação do MST nas terras improdutivas da Usina São João. Depois desta, o MST protagonizaria, inúmeras outras ocupações na Região, que se transformaram ou não em assentamentos de Reforma Agrária. Além das ocupações, o MST liderou outras manifestações reivindicando as políticas públicas básicas para os assentamentos, como moradia, escola, água potável, dentre outras.

Os trabalhadores da região protagonizaram uma verdadeira primavera agrária no Norte Fluminense, ao que se deu origem aos mais diversos assentamentos da região, cerca de 24. Foram quase 31.500 hectares recuperados das usinas e destinados a novos usos. Foram mais de 2.200 famílias assentadas, moradias construídas, políticas públicas vividas, alimentos produzidos. As terras do Norte Fluminense voltaram a florir, depois de anos e anos sedentárias, com pouca ou nenhuma vida para além da cultura da cana. (BARCELOS, 2015, p. 20).

Atualmente Campos conta com 11 assentamentos, perfazendo uma área total de 13.607 ha. Todavia, merecem atenção as sentenças judiciais favoráveis aos latifundiários, no sentido da retomada das terras ocupadas, no que se refere aos processos envolvendo as terras ociosas e improdutivas do município, sobretudo se considerarmos o valor estratégico dessa “mercadoria”.

Experiências recentes no país e em Campos, demonstram que o Estado tem se constituído em mais do que um parceiro econômico, considerando as altas montas investidas nesses negócios via bancos públicos e fundos de pensão controlados pelos governos de plantão, além dos pacotes de isenção fiscal. Nos últimos anos, o Estado vem atuando fortemente em favor desses investimentos do capital, pela ação do executivo, do legislativo ou do próprio judiciário. Capturado pela racionalidade neoliberal, o Estado vem operando a agenda do capital, em especial, da sua fração rentista, mesmo que para isso, sejam utilizadas práticas estranhas à Constituição e ao Estado de Direito, ou no entendimento de Agamben (2002), do “estado de exceção”. De forma breve, o autor italiano chama a atenção para o uso, cada vez mais recorrente nas democracias modernas, de lógicas e práticas externas ao ordenamento jurídico, prioritariamente, quando se trata de grupos não reconhecidos politicamente. Segundo Agamben (2002), os Estados modernos governam, cada vez mais, a partir da lógica da exceção, atingindo a vida de milhões de pessoas, consideradas do ponto de vista dos cálculos econômicos, indesejáveis, ou seja, vidas que não merecem ser vividas. Para o autor o processo de politização da vida é também a produção da “vida nua”, da vida “matável”, exposta à morte, sem que isso seja tratado como homicídio.

Continuando, outros atores, que também estiveram presentes no espaço público local, foram os movimentos e coletivos LGBT, negro e feminista. Ainda que essas manifestações fossem minoritárias, se comparadas às demais, elas vêm compondo o conjunto das ações coletivas no município a partir da segunda década deste século, articulando a luta por direitos sociais com as denúncias contra o racismo e as múltiplas violências contra a mulher e a comunidade LGBT e, mais recentemente, contra a violência religiosa praticada, majoritariamente, contra as religiões de terreiro como a umbanda e o candomblé.

Bastante frequentes nas ruas da cidade, três grupos de trabalhadores classificados como “informais”, por conta de um conceito mais preciso que os aglutine, merecem destaque: - os motoristas de van ou perueiros, reivindicando a regularização do transporte alternativo ao sistema empresarial; os camelôs, protestando contra a falta de espaço e de condições adequadas para a comercialização dos seus produtos, sobretudo após o início das obras no camelódromo, em 2009, e os catadores de materiais recicláveis do lixão, lugar onde mais de 400 trabalhadores sobreviviam da cata de recicláveis e que perderam seu trabalho e sua renda com o seu encerramento em 201216.

Segundo a pesquisa, a primeira manifestação dos motoristas de van foi em 2001 e a última em 2017, ou seja, 16 anos sem uma proposta para um setor que enfrenta dificuldades e que tem se ampliado nos últimos anos, em virtude das péssimas condições do transporte público e do crescimento do desemprego. Embora seja de conhecimento público que a nova proposta do governo municipal para o setor tenha incluído o transporte alternativo, sabe-se, também, dos inúmeros problemas que o atual sistema vem gerando para a população, sobretudo para aquelas das periferias urbanas e dos Distritos. Sobre a mobilização dos catadores de recicláveis, iniciada em 2012, ela vai se estender pelos anos seguintes, demonstrando que mesmo depois do seu movimento conquistar as quatro cooperativas e a doação, por parte da prefeitura, dos resíduos da coleta seletiva municipal, o governo local ainda não conseguiu responder às reivindicações do grupo sobre a contratação das cooperativas para a realização da coleta seletiva em substituição à empresa concessionária.

Foram muitas e diferentes as manifestações dos grupos subalternos, principalmente, aquelas protagonizadas pelos moradores das periferias, embora os repertórios utilizados guardem semelhanças entre si. As ações coletivas resultam, quase sempre, de uma insatisfação com a ação ou omissão do poder público local, de uma indignação e sentimento de injustiça. De modo geral, são realizadas nas localidades de moradia dos manifestantes ou nas rodovias próximas, a partir de práticas como a queima de pneus e galhos com a intenção de interromper o tráfico e chamar atenção para as suas reivindicações. Por se constituírem em movimentos espontâneos e pontuais, como apresenta a bibliografia especializada, esses movimentos carecem de uma organização que possa ir além da imediaticidade da indignação; falta a eles uma intenção, uma articulação com um projeto político que os mobilize para além da manifestação do dia e que os interpele sobre sua condição e interesse comuns. Todavia, Ribeiro (2009) chama atenção para a necessidade de se acompanhar o processo de ressignificação da experiência urbana por atores sociais com diversas culturas políticas, considerando que o espaço urbano vem sendo ocupado, cada vez mais, por velhos e novos atores sociais e políticos com diferentes interesses, mas, também, com orientações culturais e experiências políticas diversas. Essa dinâmica, afirma a autora, vem demandando um olhar mais atento às ações coletivas mobilizadas por movimentos menos visíveis, valorizando cada gesto em que seja possível reconhecer a luta pela afirmação de sujeitos sociais autônomos, conforme ilustrado na Figura 2, sobre as mobilizações dos moradores.

Cartografia sobre as mobilizações de moradores por direitos sociais nos bairros de Campos dos Goytacazes (2000-2017)
Figura 2.
Cartografia sobre as mobilizações de moradores por direitos sociais nos bairros de Campos dos Goytacazes (2000-2017)
Fonte: NETRAD/UFF (2018)

A cartografia dos conflitos protagonizados pelos moradores (Figura 2) oferece importantes pistas sobre a relação entre tais conflitos e o processo avançado de urbanização sem direitos, a partir do final dos anos de 1960, quando milhares de famílias expropriadas do campo se dirigiram às favelas e periferias da cidade. Tendo como referência os dados do Censo de 1991 (IBGE), verifica-se que a população urbana de Campos, no final da década de 1980, atingiu 84,46% da população total, um crescimento bastante acentuado e que tem uma relação direta com o ciclo de expropriação do campo e, mais tarde, com o declínio do setor sucroalcooleiro. Mais tarde, as remoções de favelas17, iniciadas no final dos anos de 1990 e que se estenderam até o Morar Feliz,18 vão operar mudanças significativas na vida urbana, não só no que tange ao processo de valorização e especulação imobiliária, mas, sobretudo, na vida desses grupos subalternos.

Como se pode observar na Figura 2, as mobilizações periféricas se realizam em torno dos direitos mais fundamentais e que ainda hoje estão ausentes ou se apresentam de modo insatisfatório e precário no cotidiano dos subalternos. Destacam-se os protestos contra o atendimento médico precário nas Unidades Básicas de Saúde, às escolas precárias e com número insuficiente de professores, ao transporte público precário e com poucos horários, ao alto preço das passagens (após o fim da passagem a R$1,00), à insegurança nas vias públicas e ao alto índice de atropelamentos próximo às rodovias, à insuficiente iluminação pública, à falta de infraestrutura urbana, como calçamento, rede de esgoto, coleta de lixo, água potável, dentre outros.

Embora a moradia não apareça como uma reivindicação das lutas populares em Campos, no período da pesquisa, o deficit habitacional do município indica uma herança de ausência e/ou precariedade das mesmas. A hipótese é a de que a ação dos governos locais, com relação a essa pauta, se antecipou às reivindicações da população, transformando o direito à moradia em “moeda de troca” eleitoral. Nessa direção, destacam-se as manifestações denunciando o atraso na entrega das casas do Morar Feliz, os critérios de seleção das famílias beneficiadas, a insuficiência de moradias com relação ao cadastramento e às necessidades, o aumento nas contas de energia elétrica nos conjuntos do Morar Feliz, a ausência e/ou insuficiência dos equipamentos públicos coletivos no/ ou próximo ao conjunto, distância do centro e ausência do transporte público e, por fim, a violência, expressa no aumento dos homicídios em alguns conjuntos, vinculados à disputa dos grupos pelo controle do comércio “de varejo” da droga.

Não é por acaso que, segundo a cartografia, o maior número de mobilizações dos moradores encontra-se nos bairros do subdistrito de Guarus. Situado à margem esquerda do Rio Paraíba do Sul, Guarus recebeu um grande contingente de trabalhadores rurais expropriados do campo nos anos de 1960/70, identificando-se como o lugar de moradia da classe trabalhadora, em especial, daquela fração mais precarizada e empobrecida ligada ao corte da cana e outras atividades intermitentes e mal remuneradas. Além de registrar os piores indicadores socioeconômicos e de urbanização, ainda que venham sendo realizadas importantes ações de infraestrutura urbana, alguns bairros do subdistrito registram um alto índice de homicídios, carregando o estigma de lugar de pobreza e de insegurança na representação simbólica da cidade e dos próprios moradores dos bairros tradicionais de Guarus, que acabam por reproduzir a lógica discriminatória da “margem direita”.

Segundo Mota e Mamani (2012), a “nova” sociabilidade nos conjuntos habitacionais acabou criando oposições e hierarquias morais, contribuindo para aprofundar a fragmentação social no interior dos grupos populares e para construir no imaginário popular uma associação entre os moradores das “casinhas” do Morar Feliz e a violência. A violência não produzirá apenas mobilizações coletivas, mas, também, ações individuais, como o comércio e a troca das “casinhas”, indicando que os programas de habitação popular, de modo geral, embora tenham eliminado alguns problemas, contribuíram para que outros emergissem e/ou fossem aprofundados, pela ausência de um planejamento participativo na condução do projeto, desde a sua origem (OLIVEIRA; PEDLOWSKI, 2012).

Para Gramsci (2004, p. 103),

O homem ativo de massa tem uma atividade prática, mas não tem consciência teórica da sua atividade prática; esta não obstante, envolve um entendimento do mundo no processo mesmo de transformação. Sua consciência teórica pode mesmo estar historicamente em oposição à sua atividade prática. Podemos quase dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma está implícita na sua atividade e em realidade o une a seus companheiros – trabalhadores na transformação prática do mundo real; a outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e absorveu de forma acrítica.

Para Green (2016, p. 60), “Gramsci não repudiou os movimentos espontâneos. Ele simplesmente enfatizou qual era seu significado, sua função e suas limitações no processo político”. Nesse sentido, o fato das ações coletivas protagonizadas pelos grupos subalternos não se constituírem em movimentos organizados e de não possuírem uma função política relevante na construção de uma agenda contra-hegemônica não significa que ela deva ser desprezada como objeto de investigação e, muito menos, como ação política. Além disso, cabe destacar algumas experiências vivenciadas pelos trabalhadores rurais e suas famílias nas periferias da cidade e que tem sido centrais na construção de uma sociabilidade permeada de conflitos e negociações. Dentre elas, destacam-se a educação formal, considerando o crescimento dos indicadores de escolarização dos adolescentes nas últimas décadas, a relação cotidiana com o tráfico de drogas e a forte influência das igrejas neopentecostais (CABANES et al., 2011).

Aproveitando-se do fim da Ditadura civil-militar no país e do processo de redemocratização política, nos anos de 1980, e da crise da agroindústria local do ponto de vista econômico e, também, de representação política, o município de Campos elege uma nova coalizão de centro-esquerda para o governo local em 1988, rompendo com o mandonismo das elites agroindustriais que caracterizou o “fechamento da Região” (CRUZ, 2003). Sob a liderança de um ex-radialista, o jovem Anthony Garotinho, do PDT de Brizola, em parceria com o PSB e com o apoio do PT, a Frente “Muda Campos” sai vitoriosa nas eleições e Garotinho conquista a prefeitura de Campos, sendo sucedido por “afilhados políticos” e, também, pela sua esposa, Rosinha Garotinho (2009-2016)19, totalizando três décadas de hegemonia do seu grupo político, graças a sua habilidade política, do seu carisma e ao crescimento do orçamento local com a injeção das rendas petrolíferas, sobretudo a partir de 1997. É preciso destacar que o crescimento dos orçamentos dos municípios produtores de petróleo do NF contribuiu para reforçar a cultura política clientelista tradicionalmente praticada pelos políticos locais, reatualizando a figura dos coronéis, hoje representada pelo poder conferido aos prefeitos, fazendo com que o poder político transitasse da porteira das fazendas e das usinas para a porta da Prefeitura (CRUZ, 2003).

Nas últimas duas décadas, os prefeitos de Campos geriram o orçamento local com ampla liberdade, considerando as alianças eleitorais e o baixo controle social do uso dos recursos públicos. Isso não significa que os recursos tenham sido mal aplicados. Embora seja impossível realizar tal debate neste artigo, pode-se afirmar que foram inúmeras as intervenções na cidade, em especial, na vida cotidiana das classes subalternas, com os programas de moradia popular e de infraestrutura, com os programas socioassistenciais, com destaque para os programas de transferência de renda, os subsídios na passagem urbana, as obras de saneamento, construção de hospitais, dentre outras. Todavia, a ausência de democratização das esferas públicas e de um debate público com participação efetiva dos segmentos da sociedade civil, acabam por colocar em “xeque” as ações governamentais, pela ausência das perspectivas e interesses dos setores populares na construção e efetivação das políticas públicas. Aliás, a principal marca do populismo20 não é o seu elitismo e, nem, tampouco, a exclusão das demandas dos setores subalternos, mas a forma centralizadora e autoritária de representá-los, ao incluir parte das suas necessidades, mas excluir o seu protagonismo político.

Além disso, a condução do clientelismo local demandou a criação de um sistema articulado de mediadores (cabos eleitorais, vereadores, representantes do partido nos bairros), com o papel de manter e reproduzir essa relação21. Voltadas para eliminar qualquer experiência de autonomia e de organização política popular, as práticas clientelistas combinam, quase sempre, cooptação e coerção e/ou perseguição e, tem um alto custo do ponto de vista da criação de novas lideranças e de práticas mais democráticas e de oposição à cultura política vigente22. Em “O espaço do cidadão”, Santos (1998), afirma que o populismo emudece o cidadão e paralisa a ampliação da consciência possível, na medida em que oferece resposta apenas às necessidades imediatas, mas não propõe nenhuma mudança além das mesmas, reproduzindo um vínculo extremamente perverso entre governo e os sujeitos demandantes, em contextos de cidadania incompleta, parcial e limitada.

Depois de trinta anos de práticas clientelistas em Campos, os grupos subalternos, em sua maioria, continuam sem interlocução com o Estado, em uma posição que não ultrapassa o denuncismo, o que não significa afirmar que alguns não venham tentando, como é o caso dos catadores de recicláveis e dos moradores da Favela da Margem da Linha que resistiram ao projeto autoritário imposto pelo governo local, em 2012 e 2014, respectivamente23. Segundo a pesquisa hemerográfica apenas esses dois movimentos, inicialmente espontâneos, conseguiram ir além do imediatismo e construir uma interlocução crítica com o governo local e as instituições de justiça em torno do reconhecimento dos seus direitos. Uma hipótese é a de que essa ação é consequência das articulações políticas e parcerias institucionais realizadas, em especial, com as instituições públicas de ensino superior da cidade e as organizações sociais.

A organização e a articulação política destes grupos foram fundamentais não só para a incorporação de parte dos seus interesses na agenda pública, mas, sobretudo, do ponto de vista de uma nova relação dos subalternos com o Estado. No entanto, a nova dinâmica socioeconômica e cultural aprofundada pelo neoliberalismo tende a reconfigurar o padrão de conflitividade tanto na Região, quanto em Campos, trazendo com ela, novos desafios ao enfrentamento dos novos arranjos do poder local, na construção da solidariedade social e democratização dos espaços públicos.

4 Considerações finais

Este artigo buscou reunir alguns elementos relacionados à ação coletiva no município de Campos dos Goytacazes/RJ, nas últimas duas décadas, destacando a heterogeneidade dos sujeitos políticos coletivos e também a diversidade das suas reivindicações e interlocutores, num contexto econômico-social e político-cultural sob o governo do neoliberalismo. Apresentado ora como sinônimo de mundialização do capitalismo, ora como modelo de Estado mínimo, o neoliberalismo representa um conjunto de princípios, valores, modos de vida, comportamentos individuais e práticas sociais articulados em torno da racionalidade mercantil e seus subprodutos, como o individualismo, a competitividade, o empreendedorismo e o consumismo; ideias-chaves que vem sendo difundidas em larga escala, especialmente, na esfera da sociedade civil. Ao mesmo tempo, merece atenção o processo de (des)sindicalização que fragiliza a representação dos interesses da classe-que-vive-do-trabalho e sua resistência às contrarreformas neoliberais e o processo de restrição dos direitos sociais que penaliza ainda mais, as condições de reprodução social dessa mesma classe.

Associada à hegemonia do neoliberalismo que, no Brasil, retorna de modo quase naturalizado, depois de 2016, em Campos, ainda se enfrenta uma cultura clientelista que tenta anular o protagonismo políticos dos subalternos, impedindo-os de se organizarem para além dos protestos e reivindicações pontuais.

Assim, num contexto de deficit de cidadania social, política e civil, avançam os processos de segregação socioespacial e racial e com eles, os processos de fragmentação social e de hierarquização moral no interior dos grupos populares. Como resultado, temos as saídas de emergência; as soluções individuais e de curtíssimo prazo em resposta à ausência de políticas públicas no campo do trabalho (CABANES et al., 2011), dentre outras. Além disso, a ausência do acesso dos grupos subalternos aos equipamentos de educação e cultura críticos vem impondo sérios limites ao modo de se representar politicamente, esvaziando o sentido do comum/coletivo nas suas experiências e despolitizando o seu cotidiano o que, por sua vez, restringe as possibilidades da unidade política das classes subalternas com vistas às transformações das relações sociais nas suas diferentes escalas.

O antídoto está em Lefebvre (2001), para quem as pressões da classe operária foram e continuam sendo necessárias, embora não suficiente, para o reconhecimento dos seus direitos (e criação de outros). É nesse contexto que o “direito à cidade” afirma-se como uma exigência. E apenas a classe-que-vive-do-trabalho, em sua versão mais contemporânea, pode se tornar o agente, o portador ou o suporte social dessa realização.

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Notas

1 Com uma população com mais de 500 mil habitantes, o município de Campos dos Goytacazes, teve sua importância econômica reconhecida em virtude da monocultura da cana e da produção industrial do açúcar e do álcool e, mais tarde, pela descoberta e produção do petróleo e gás na Bacia de Campos, nos anos de 1970. Com a perda da centralidade da agroindústria sucroalcooleira, o município, mais recentemente, se consolidou como um importante centro de comércio e serviços na Região, com destaque para a educação pública e privada. Com as rendas petrolíferas, a partir da Lei do Petróleo (1997), Campos passou a ter um dos maiores orçamentos do país, considerando a sua população. Além disso, não se pode negligenciar a sua localização geográfica e a sua infraestrutura. Mais recentemente, com a instalação do Porto do Açu em São João da Barra, o município de Campos vem sendo fortemente impactado pelo setor imobiliário.
2 De 2000 a 2012, a pesquisa foi realizada na versão impressa do jornal Folha da Manhã, no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. Todavia, a ausência do mesmo a partir de janeiro de 2013, obrigou os pesquisadores a utilizarem a versão on-line do mesmo jornal para o período compreendido entre 2013 e 2017. Para tal, foram digitados na ferramenta de busca os termos: protestos, mobilizações, manifestações, greves e paralisações. Depois de coletadas, essas informações foram analisadas e classificadas para posterior produção das cartografias, gráficos e tabelas.
3 Criado em 1978, o jornal Folha da Manhã, durante mais de quatro décadas, constituiu-se em um importante “aparelho privado de hegemonia”, no sentido atribuído por Gramsci, dos interesses da agroindústria sucroalcooleira regional. Portador dos interesses econômicos e das concepções político-culturais que sustentam o processo de hegemonia local ou “fechamento da região (CRUZ, 2003), este jornal, com o declínio da agroindústria ligada à cana, tem buscado novas alianças políticas com os novos setores da burguesia local e sua associação com o capital “de fora”. Mesmo com a crise das mídias impressas e a consolidação das redes sociais, blogs, jornais on-line, o jornal Folha da Manhã é o único veículo de comunicação local que se manteve até os dias de hoje. Além disso, cabe ressaltar que a intenção da pesquisa hemerográfica é a de apenas registrar os conflitos e as mobilizações sociais apresentados pelo referido veículo, não tendo a pretensão de analisar o ponto de vista do mesmo sobre os eventos.
4 Os Movimentos Sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construídas por atores sociais pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demandas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva ao movimento, a partir de interesses em comum (GOHN, 2003).
5 Segundo informações da pesquisa hemerográfica, os grupos vinculados às lutas feministas, LGBT e contra o racismo vêm se apresentando sob novas formas de organização. Nomeados pelos seus protagonistas como “coletivos”, eles integram, em sua maioria, os estudantes ligados às Instituições Públicas de Ensino Superior, como a UFF e a UENF e, também, ao IFF. Além disso, muitos desses coletivos têm forte relação com os grupos de pesquisa e extensão destas instituições e se organizaram para atuar, prioritariamente, na democratização destes espaços. Os “coletivos” se distinguem dos movimentos sociais por vários aspectos, dentre eles, a ausência de coordenações e/ou outras formas de relação mais vertical e de uma agenda nacional, já que eles não têm a pretensão de representação política para além do espaço local, muitas vezes, restrito à universidade e/ou à cidade. Sobre a sigla LGBT, preferiu-se manter conforme ela foi citada pelo Jornal Folha da Manhã. Esta sigla vem sendo utilizada desde os anos de 1990 para denominar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros.
6 Segundo Chesnais (1996), quando se fala em mundialização do capital se está designando bem mais do que apenas outra etapa no processo de internacionalização. Fala-se, na verdade, numa nova configuração do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regulação. Para o autor, a fase atual do capitalismo mundializado pode ser caracterizada pela hegemonia planetária do capitalismo e do pensamento único, pela crescente financeirização, pela ação das agências multilaterais na preservação da credibilidade do sistema financeiro mundial e sob forte hegemonia dos EUA, pela formação dos grandes oligopólios mundiais (centralização do capital), pela imposição dos ajustes estruturais tendo em vista a consecução de uma política monetária austera e atrativa para os investidores financeiros internacionais e pela reconcentração da renda mundial, ampliando ainda mais as distâncias entre ricos e pobres e entre os países do Norte e do Sul.
7 Os “novos” movimentos sociais são aqueles cujas demandas encontram-se fora da esfera do trabalho e da produção. Embora bastante heterogêneos (movimentos feministas, de direitos humanos, pacifistas, ecológicos, etc.), os “novos’ movimentos sociais caracterizam-se por se diferenciar dos movimentos tradicionais organizados a partir dos interesses de classe, o que os caracterizam como movimentos transclassistas.
8 Bihr (1998) chama atenção para os limites do movimento operário social – democrata no que diz respeito à sua relação com os “novos” movimentos sociais e vice-versa. Para ele, se, por um lado, os novos movimentos sociais isolaram a luta de classe do proletariado, desconsiderando-a e menosprezando-a, por outro lado, os sindicatos também não foram capazes de reconhecer a novidade expressa por esses novos movimentos que, mesmo específicos, devem ser articulados politicamente numa reação anticapitalista.
9 Para Antunes e Alves (2004), a classe-que-vive-do-trabalho compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda da sua força de trabalho, não se restringindo aos trabalhadores manuais diretos. No seu entendimento, ela integra os trabalhadores produtivos e improdutivos; aqueles que exercem trabalho material e imaterial; os trabalhadores desempregados e precarizados e o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Implica entender o conjunto de seres sociais que vivem da venda da sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção.
10 A ideologia é compreendida por Gramsci “como concepção de mundo que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da vida individual e coletiva” (BUCI-GLUKSMANN, 1980, p. 84). As ideologias “organizam as massas humanas, formam o terreno onde elas se movem, onde elas adquirem consciência de sua posição, onde elas lutam, etc. (BUCI-GLUKSMANN, 1980, p. 85).
11 Os Grandes Investimentos (GI) são investimentos públicos e privados de grande porte, em termos de capital, da área e da importância, em valores absolutos e relativos, no segmento a que estão ligados, e da capacidade de impacto no ambiente natural e construído (VAINER, 2007).
12 Ver: SAMPAIO JR, P. de A. Desenvolvimentismo e neodesenvolvimentismo: tragédia e farsa. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 112, p. 672-688, out./dez. 2012.
13 Para Quijano (2005), a ideia de raça na América foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista […]. A expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziu à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não europeus.
14 Posteriormente, a Lei do Petróleo (1997) aumentou as alíquotas correspondentes aos royalties e criou as participações especiais.
15 Em junho de 2013, as ruas do centro da cidade também foram ocupadas pelas mobilizações que tomaram o país de norte a sul e que ficaram conhecidas como “Jornadas de Junho”, embora, em Campos, ganhasse o nome de “Cabruncos Livres”. Mais tarde, a partir da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, a cidade foi palco de diversas manifestações públicas vinculadas especificamente a dois campos políticos distintos e adversários, pelo menos nesta conjuntura. De um lado, os favoráveis à continuidade do governo do PT e da sua agenda política e social, e do outro, aqueles que defendiam o impeachment da presidente, em nome da moralidade. No seio deste grupo, destacam-se os defensores da Ditadura de 1964.
16 Ver: ALMEIDA et al. Protagonismo e esfera pública em Campos dos Goytacazes: a trajetória recente dos catadores do lixão da Codin. In: PEREIRA, B. C. J.; GOES, F. L. (org.). Catadores de materiais recicláveis: um encontro nacional. Rio de Janeiro: IPEA, 2016. p. 293-308.
17 Ver: FARIA, T. J. P., POHLMANN, M. A. R. O. Remoção, resistência e permanência da favela no quadro urbano brasileiro: o programa habitacional Morar Feliz, em Campos dos Goytacazes-RJ. Revista do Programa de Pós Graduação em Geografia e do Departamento de Geografia da UFES, Vitória/ES, v. 1, n. 22, p. 122-135, jul./dez. 2016.
18 O Programa de Habitação Popular Morar Feliz (Decreto Municipal n. 55/2011), foi criado com a expectativa de construir 10 mil moradias no período de 2009 a 2016, considerando o déficit local de 11.511 unidades, em 2005, segundo a Fundação João Pinheiro. Até o final do mandato, o governo da prefeita Rosinha Garotinho entregou 6.920 casas.
19 Cabe registrar que a força política do grupo de Garotinho não se restringiu aos domínios locais, ele e Rosinha Garotinho foram governadores do estado do Rio de Janeiro e seus filhos, atualmente, são deputados federais também pelo estado do Rio de Janeiro.
20 O conceito de populismo, como tantos outros, é polêmico e o seu uso mais recente para caracterizar os governos de direita e de esquerda contemporâneos, vem provocando uma nova rodada de discussões entre os autores sobre o seu significado. Neste artigo, a compreensão de populismo está assentada no trabalho de Ianni (1975) para quem o populismo no Brasil, compreendia, prioritariamente, o período entre 1945 a 1964. Para o autor, trata-se de um sistema político que caracteriza a transição da sociedade de base agrária para uma sociedade urbana-industrial e pela presença de um Estado intervencionista com liderança carismática e que busca legitimar-se através de uma política de massas, que segundo o autor, seria uma forma de se utilizar da força política dos trabalhadores de origem rural, dispersos e sem consciência de classe e unidade política, o mesmo que “grupos subalternos”, no sentido atribuído por Gramsci.
21 Após um primeiro mandato em que se articulou com os movimentos de bairros e lideranças populares, os “Garotinhos”, aos poucos, substituíram os vínculos com as lideranças populares por cabos eleitorais ligados a vereadores, “clientes” importantes para sua reprodução enquanto grupo governante, nos bairros, como elementos de ligação com o (a) Prefeito(a).
22 Ver: SOUZA, R. B. de. Clientelismo e voto em Campos dos Goytacazes. 2004. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais) – CCH/UENF, Campos dos Goytacazes/RJ, 2004.
23 Sobre o protagonismo dos catadores do lixão da Codin, ver: ALMEIDA, E. et al. Protagonismo e esfera pública em Campos dos Goytacazes: a trajetória recente dos catadores do lixão da Codin. In: PEREIRA, B. C. P.; GOES, F. L. (org.). Catadores de materiais recicláveis: um encontro nacional. Rio de Janeiro: IPEA, 2016. p. 293-308. E sobre a resistência dos moradores da Favela Margem da Linha, ver: GODOY, A. L. C.; OLIVEIRA, D. B. B..; ALIPRANDI, D. C. Da margem à luta por direitos: a Comunidade da Margem da Linha. Terceiro Milênio, Revista Crítica de Sociologia e Política, v. 5, n. 2, p. 113- 134, jul./dez. 2015.

Notas de autor

1 Doutora (2006) pela Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Associada do Departamento de Serviço Social de Campos, do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense (UFF) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: ericalmeida@uol.com.br.
2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF Campos). Mestranda em Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ESS/UFRJ) – Rio de Janeiro/RJ – Brasil. E-mail: pollyannacecf@gmail.com.
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