DOSSIÊ TEMÁTICO: VIOLÊNCIA DE ESTADO E POLÍTICA SOCIAL: ENTRE O APARATO ASSISTENCIAL E A CRIMINALIZAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL

Assistência e repressão: pilares no enfrentamento da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro

Assistance and repression: pillars in facing “social issues” in Brazilian dependent capitalism

Asistencia y represión: pilares para enfrentar la “cuestión social” en el capitalismo dependiente brasileño

Ana Paula Ornellas Mauriel 1
Universidade Federal Fluminense, Brasil

Assistência e repressão: pilares no enfrentamento da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 22, 2020

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Recepción: 20 Agosto 2020

Aprobación: 03 Noviembre 2020

Resumo: O texto traz como foco a relação entre a repressão à classe trabalhadora e as formas assistenciais conservadoras. Parte-se da hipótese que tal articulação constitui um dos eixos estruturantes das políticas sociais no capitalismo dependente brasileiro. O artigo é um ensaio com revisão bibliográfica que parte da crítica marxista da política social, utilizando a categoria capitalismo dependente como guia de análise. Tomando alguns dos principais fundamentos da formação econômico-social brasileira, busca-se problematizar como os padrões dependentes, embora mudem de forma, se apresentam em elementos estruturantes do Estado e das políticas sociais. A partir disso, busca-se analisar como assistência e repressão interagem sob o neoliberalismo, particularmente a partir do agravamento da crise do capital após 2008. Conclui-se que estamos diante de um novo padrão de enfrentamento da “questão social” no Brasil, onde se acentua o avanço do conservadorismo no campo assistencial e ações mais punitivas e coercitivas via política penal.

Palavras-chave: Capitalismo Dependente, Estado, Assistência Social, Repressão.

Abstract: The text focuses on the relationship between the repression of the working class and conservative forms of assistance. It proposes the hypothesis that such articulation constitutes one of the structuring axes of social policies in Brazilian dependent capitalism. This is an essay with a literature review starting from the Marxist criticism of social policy and using dependent capitalism as the category guide for analysis. Considering some of the main foundations of the Brazilian economic-social formation, we examine how dependent patterns, although they change in shape, are structural elements of the State and social policies. Based on this, we analyze how assistance and repression interact under neoliberalism, particularly from the worsening of the capital crisis after 2008. We conclude that we are facing a new pattern of coping with “social issues” in Brazil, where the advance of conservatism in the assistance field and more punitive as well as coercive actions via criminal policy are accentuated.

Keywords: Dependent Capitalism, State, Social Assistance, Repression.

Resumen: El texto se centra en la relación entre la represión a la clase trabajadora y las formas conservadoras de asistencia. Parte de la hipótesis de que dicha articulación constituye uno de los ejes estructurantes de las políticas sociales en el capitalismo dependiente brasileño. El artículo es un ensayo con revisión bibliográfica que parte de la crítica marxista a la política social, utilizando la categoría capitalismo dependiente como guía para el análisis. A partir de algunos de los principales fundamentos de la formación económico-social brasileña, intentamos problematizar cómo los patrones dependientes, aunque cambian de forma, se presentan en elementos estructurales del Estado y de las políticas sociales. A partir de esto, buscamos analizar cómo la asistencia y la represión interactúan bajo el neoliberalismo, particularmente desde el agravamiento de la crisis del capital a partir de 2008. Se concluye que estamos frente a un nuevo patrón de enfrentamiento de la “cuestión social” en Brasil donde se acentúa el avance del conservadurismo en el campo asistencial y acciones más punitivas y coercitivas vía política criminal.

Palabras clave: Capitalismo Dependiente, Estado, Asistencia Social, Represión.

1 Introdução

O texto tem como foco a relação entre a política de assistência social e ações penais e repressivas no contexto pós-crise 2008. Parte da hipótese de que a relação entre repressão e assistência constitui um eixo estruturante das políticas sociais dirigidas ao enfrentamento da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro, mas que no contexto recente de gestão da crise sinaliza um incremento da repressão ao lado de ações assistenciais de caráter mais individualizadas, moralistas e ultrafocalizadas.

A implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), criado em 2005, trouxe uma nova etapa para a estruturação da Política de Assistência Social (PNAS) no Brasil. Novas orientações legais, normatizações, vários aspectos institucionais e conceitos novos estão presentes na PNAS. Contudo, embora sua consubstanciação no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) possua muitos méritos, as tendências que se apresentaram na assistência social mostram um processo contraditório que, ao mesmo tempo em que apontam a garantia de direitos a toda população pela noção de seguridade social, apresentam tendências neoconservadoras que limitam sua própria estruturação como política de proteção – centralidade da transferência de renda, foco do alívio da pobreza extrema, focalização, paralelismos, sem deixar de vivenciar os velhos dilemas assistencialistas e clientelistas que ainda se fazem presentes, mas reconfigurados e, por vezes, potencializados.

Com relação às ações repressivas, percebe-se uma ampliação do uso da política penal pelo encarceramento (com aumento absoluto do número de pessoas privadas de liberdade ao longo dos últimos anos), mas também o uso da violência generalizada e do genocídio dos segmentos mais pauperizados e oprimidos, como estratégia de regulação social e manutenção da ordem. Tal como afirmam Kilduff e Silva (2019, p. 624), “[…] apesar da violência do Estado contra os trabalhadores ser estrutural, a hipertrofia do sistema penal, [se faz] para responder às crescentes manifestações da questão social […]” diante da crise.

O artigo é um ensaio com revisão de bibliografia que parte da crítica marxista da política social, e que utiliza a categoria capitalismo dependente como guia de análise. A perspectiva crítica marxista para pensar as políticas sociais permite localizar seu papel na complexidade da reprodução capitalista, situando as mediações no circuito de valor, seu papel para as condições de reprodução da classe trabalhadora, reconhecendo as relações de poder e forças políticas das classes sociais, frações de classe e grupos em confronto. O capitalismo dependente aparece como categoria para entendermos a constituição das particularidades histórico-concretas do capitalismo brasileiro e como as políticas sociais ganham especificidades sob essa formação econômico-social.

Para isso, o texto busca aportes em elementos da formação econômico-social brasileira, particularmente nas obras de Ruy Mauro Marini e Florestan Fernandes, para buscar uma correlação entre os fundamentos do Estado e do capitalismo dependente brasileiro, para pensar sua correlação com as políticas sociais, procurando mostrar como a dependência e os traços autocráticos estruturantes do Estado tendem a forjar, historicamente, patamares mínimos de acesso para a classe trabalhadora.

E, embora com as lutas sociais (de classe e dos oprimidos/as) o acesso a serviços e programas tenham se ampliado em diferentes momentos históricos, em contexto de crise e ofensiva das classes dominantes como o atual, o retorno a patamares aviltantes de condições de vida tende a ser predominante. Para isso, o Estado coloca em marcha elementos de coerção e consenso, porém lançando mão de recursos policialescos e militarizados para regulação da vida.

Longe de afirmar que as tendências que se apresentam na relação entre assistência e repressão hoje são uma simples atualização do passado, trata-se de situá-las como parte complexa de um conjunto de contradições que compõe um novo padrão de intervenção sobre a “questão social”1 por parte do Estado na fase imperialista atual diante da financeirização e do neoliberalismo, em que as ações assistenciais, encapsuladas sob a lógica do alívio da pobreza, aparecem cada vez mais conjugadas com elementos repressores, punitivos, de controle e vigilância.

2 Estado, capitalismo dependente e políticas sociais no Brasil: tendências históricas e contradições atuais

Ao pensar o capitalismo dependente no Brasil e o Estado brasileiro, Iasi (2014) parte do entendimento de que não há resquícios a serem superados ou elementos que possam ser enfrentados sendo deixados para trás, mas “[…] permanências no sentido de que tais aspectos seguem funcionais à ordem a qual se associam” (IASI, 2014, p. 81). Ou seja, nós não temos um capitalismo incompleto, cujas particularidades estariam calcadas em restos do passado colonial, pois o Brasil desenvolveu um “[…] capitalismo completo nos marcos de uma inserção subordinada e dependente à ordem imperialista e monopolista” (IASI, 2019, p. 423).

Elementos da formação econômico-social brasileira fornecem fundamentos para mostrar que existe um tipo de Estado que necessariamente precisa de um modo de ser autoritário e violento para poder legitimar a manutenção dessa dependência, desse padrão de desenvolvimento capitalista dependente e heteronômico, pactuado também por meio da perpetuação de condições materiais aviltantes para trabalhadoras e trabalhadoras, em que o assistencialismo conservador não sai de moda.

Para Marini ([1973] 2011), a dependência se conforma a partir da forma contraditória que marca a integração historicamente constituída das economias latino-americanas no mercado mundial, a qual tem como fundamento a transferência de valor porque as relações de produção são desiguais, baseadas no controle do mercado por parte das nações imperialistas, com a transferência de excedente gerada nos países dependentes, na forma de lucros, juros, patentes, royalties, dentre outros, ocasionando a perda de seus próprios recursos por parte de quem transfere valor2.

Essa apropriação de valor por parte dos países centrais não pode ser compensada por uma produção de mais-valia interna baseada na inovação tecnológica, ou pelo desenvolvimento da capacidade produtiva das economias dependentes para competir no mesmo patamar das economias centrais. Essa é a razão pela qual as economias dependentes buscam compensar as perdas resultantes dessas transferências recorrendo à superexploração da força de trabalho3, no âmbito da produção interna, o que se reflete em uma forma particular do ciclo de capital das economias dependentes (MARINI, [1979] 2012)4, que perpetua e reproduz esses mecanismos, mantendo assim a reprodução da própria dependência.

Seguindo Marini ([1979] 2012), Luce (2018) assevera que as várias formas de cisão que se manifestam no ciclo do capital das economias dependentes – cisão entre mercado interno e externo; cisão entre esferas alta e baixa de consumo; não generalização da mais-relativa para todos os ramos e setores da produção; fixação da mais-valia extraordinária no setor produtor de bens suntuários; integração subordinada dos sistemas de produção e industrialização não orgânica5 – provocam um divórcio entre a estrutura produtiva e as necessidades das massas, pois tais particularidades das formações econômico-sociais dependentes agudizam as contradições nas relações entre distribuição e apropriação já imanentes do próprio capitalismo.

Tal divórcio tem sua contraparte na produção, com o estabelecimento do regime de superexploração, pois se nossa classe trabalhadora não tem papel de consumidora, para que ganhos salariais acima do mínimo de subsistência? Nesse sentido, o estabelecimento do trabalho assalariado ocorre sobre essa base. Isso vai estimular uma relação entre Estado e empresariado que vai afiançar o regime de superexploração.

Segundo Marini ([1973] 2011), para aumentar a massa de valor produzida internamente, a superexploração da força de trabalho corresponde a uma situação em que o trabalhador é remunerado abaixo de seu valor sistematicamente, mesmo fora de situações de crise6. Marini considera que, nas economias dependentes, a despeito da classe trabalhadora ser submetida cotidianamente ao prolongamento da jornada e ao aumento da intensidade de seu trabalho, não recebe reajuste de salário que compense esse desgaste.

Essa é uma situação estrutural nas economias dependentes, haja vista que a dialética externo-interno exige que a burguesia local programe políticas que criem condições para a manutenção do imperialismo, cujas condições são reproduzidas pelo Estado, o que requer processos extremamente violentos, para manter os trabalhadores dentro de padrões de vida estruturalmente no limite da sobrevivência ou mesmo abaixo dela, o que não ocorre sem resistências e lutas. Isso conforma o caráter autoritário como um traço particular e estrutural dos Estados nos países dependentes.

Os Estados latino-americanos precisam reproduzir essas condições no campo político e no campo econômico, de modo a atender aos interesses das classes dominantes nos países imperialistas, ao mesmo tempo em que acolhe os interesses das burguesias internas. Uma vez que as relações de poder de diferentes Estados no sistema mundial são desiguais, fazendo com que tenham uma soberania frágil no plano internacional, as burguesias locais operam sempre com base em associação aos capitais imperialistas em diversos momentos históricos (BICHIR, 2018).

Contudo, apesar de uma soberania frágil no plano externo, os Estados dependentes possuem forte poder político local e o utilizam em seus respectivos territórios nacionais a partir dos aparatos do Estado (poderes executivo, legislativo e judiciário, burocracia estatal, poder militar e de polícia), para garantir a dependência, particularmente a partir do controle e da regulação da vida da classe trabalhadora, construindo e gerindo condições políticas, ideológicas e sociais que permitam a perpetuação da superexploração (OSORIO, 2014).

O predomínio da superexploração agudiza a “questão social” e os conflitos, lutas sociais e resistências, o que explicaria para Osorio (2017) a tendência às formas mais autoritárias dos Estados latino-americanos, assim como a dificuldade de manterem de forma mais duradoura padrões políticos mais democráticos. Para o autor, “[…] não é falta de desenvolvimento político a explicação para isso, mas a expressão das formas particulares de reprodução do capitalismo dependente” (OSORIO, 2017, p. 48).

Nos aportes de Florestan Fernandes (1981, 2005) também vemos que o caráter dependente e subordinado do capitalismo brasileiro é base de exclusão da maioria da população, o que leva à persistência dos traços autocráticos do Estado. Na obra Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina, Fernandes (1981) aponta que a transição para o capitalismo dependente na América Latina se caracteriza por um movimento de continuidade e inovações devido a três fatores fundamentais: o controle externo, a debilidade da revolução burguesa e o padrão dual de expropriação do excedente econômico.

Para o autor, a sobre-apropriação e a dependência constituem a substância de uma lógica econômica própria do capitalismo dependente. Nas palavras de Florestan, “[…] os dinamismos econômicos externos e internos não teriam razão de ser […] se não existisse a perspectiva da sobre-apropriação capitalista.” (FERNANDES, 1981, p. 54). Logo, a dependência não é um acidente de percurso, mas uma articulação estrutural de dinamismos econômicos externos e internos, onde a estratégia do lado hegemônico é aceita pelo lado subordinado, garantindo condições desejadas para ambos os parceiros externos e internos. (FERNANDES, 1981, p. 54)

Ou seja, temos uma burguesia parceira do imperialismo como elemento estruturante. Isso quer dizer que a apropriação repartida do excedente econômico não significa que o capitalismo dependente “falhou”, ao contrário, está respondendo muito bem ao padrão de acumulação de capital imperialista. Daí que a burguesia resultante é compósita, pois com a desintegração das oligarquias dá lugar a uma plutocracia, na qual os parceiros externos estão diretamente representados na burguesia interna. Ou seja, nossa burguesia já nasce conservadora (FERNANDES, 1981, p. 57-58).

O capitalismo dependente se organiza e se expande reforçando a concentração de renda, o prestígio social e o poder, mas impondo limites para a classe trabalhadora no que se refere à participação econômica (ao restringir a universalização da própria condição operária), a participação sócio-cultural e política.

Como as classes privilegiadas dominantes têm sua condição burguesa afetada diante das condições externas, são condicionadas a usar aquilo que conhecem historicamente como autoproteção, ou seja, as formas estamentais de cooperação e solidariedade, construindo critérios classificadores de mercado com base em elementos arcaicos de estratificação (FERNANDES, 1981, p. 69-70). Para as classes consideradas “baixas”, as frações que compõem a classe dominante também buscarão referenciais históricos, com base nos elementos étnico-raciais (aqui incluo também os patriarcais) e sócio-econômicos como limitadores de acesso ou como fatores de integração subordinada no mercado. Grandes segmentos de trabalhadores e trabalhadoras encontrarão limitações nas condições de venda da sua força de trabalho, o que gera impedimentos na mobilidade social na ordem capitalista, mantendo-se em condições estruturais restringidas de consumo e acesso a bens públicos.

O padrão de mercantilização do trabalho que se forja a partir desses elementos estruturantes gera massas de trabalhadores que sofrem a apropriação capitalista pelo mercado e a expropriação capitalista quando ficam fora dele (correspondendo àquilo que Marx classificou como superpopulação relativa).

Portanto, a apropriação externa permanente de parte substancial do excedente econômico, associada à ordem capitalista, com a revitalização de relações anacrônicas (incluindo aí o próprio padrão de mercantilização do trabalho e de reprodução de trabalhadores/as em padrões mínimos) cria condições para garantir a reprodução do capitalismo dependente, configurando uma condição de heteronomia permanente. (FERNANDES, 1981, p. 72)

Florestan Fernandes em seu ensaio “A quem serve o Estado” (1977) já destacava que as funções assumidas pelo Estado no capitalismo monopolista são instrumentais para a iniciativa privada, a proteção dos lucros capitalistas e a consolidação de um sistema mundial desigual de poder do capital. Ou seja, a intervenção estatal na economia visa não só garantir a acumulação ampliada, mas intensificá-la e criar vários modos de proteger e manter a segurança do capital.

Ora, se o capitalismo dependente, para Fernandes ([1975], 2005) se organiza e se expande reforçando a concentração de renda, do prestígio social e do poder, impondo limites para a classe trabalhadora no que se refere à participação econômica (ao restringir a universalização da própria condição operária), à participação sócio-cultural e política, o caráter dependente e subordinado do capitalismo brasileiro se faz a partir da pauperização permanente da maioria da população e da manutenção de padrões mínimos, o que leva à persistência dos traços autocráticos do Estado para manutenção da ordem e contenção das lutas que possam surgir para conquistar mais direitos.

Nesse sentido, Fernandes ([1975] 2005) assume que os requisitos do padrão de desenvolvimento inerente ao capitalismo monopolista dependente não são só econômicos, necessitam também de estabilidade política e controle efetivo do poder do Estado por parte da burguesia nativa, haja vista a dupla expropriação do excedente econômico (pela burguesia externa e interna) e a sobre expropriação da classe trabalhadora, que requerem constantes ações de legitimação da ordem com a implementação de políticas públicas, porém dentro de padrões mínimos.

Segundo Paiva, Rocha e Carraro (2010), as políticas sociais nas economias dependentes latino-americanas sempre estiveram na disputa pelo excedente econômico historicamente expropriado das massas trabalhadoras superexploradas, por isso, tradicionalmente desenhadas com o objetivo de minimizar os efeitos da pobreza, funcionando na maioria das vezes com ações fragmentadas, emergenciais, pulverizadas e vinculadas a esquemas meritocráticos e particularistas de acesso ao direito social. Ainda assim, qualquer tipo de política social ou intervenção estatal regulatória que significasse melhoria nas condições de vida foram resultado de conquistas de árduas lutas de classe.

Brettas (2017) sinaliza a superexploração e a herança colonial escravista, ao lado da modernização conservadora, que consolida o capitalismo monopolista no país, como bases estruturantes da política social brasileira, as quais plasmam o enfrentamento das expressões da “questão social” no Brasil, o qual ocorre “[…] permeado de contradições, de modo que a luta pela garantia de direitos se afirma no bojo da cultura do favor e do coronelismo […]” (BRETAS, 2017, p.58). Segundo a autora, “[…] o Estado (dependente) brasileiro combinou políticas sociais fragmentadas e corporativas – assentadas na tutela e no favor – com uma atuação por meio de grandes empresas estatais na produção de bens de capital e infraestrutura” (BRETTAS, 2017, p. 61).

Tais especificidades históricas de nossa política social fizeram com que, distinta de outras formações sociais centrais, não tivéssemos uma rede estruturada de proteção social para ser desmontada quando o neoliberalismo se consolidou no Brasil como estratégia de reconfiguração do poder burguês imperialista e da burguesia interna para responder à crise que se arrolava desde os anos de 1980. Nesse sentido, o neoliberalismo inicia ajustes estruturais na economia e contrarreformas nas políticas sociais em meio a um processo muito inicial e limitado de implementação das conquistas legais inscritas na Carta de 1988 (BRETTAS, 2017).

Diante da crise contemporânea do capital, as contrarreformas implementadas pelo Estado capitalista na transição do século XX para o XXI tiveram um ponto em comum: um acelerado processo de transferência dos custos da crise para os trabalhadores na forma de expropriação de direitos7, os quais nas economias dependentes se combinam com a superexploração da força de trabalho.

Consideramos que as políticas neoliberais vêm sendo implementadas como parte da ofensiva das classes dominantes para restabelecimento das condições de acumulação de capital e de restauração do poder burguês (HARVEY, 2008). Particularmente nas economias dependentes, o movimento de integração recente à economia mundial compõe parte desse projeto de restauração neoliberal. Considerando ainda que houve reconfiguração das classes dominantes e recomposição intraburguesa – com o predomínio de frações rentistas financeirizadas com novas estruturas nas relações comerciais transnacionais, que passam a tensionar os Estados no sentido do aumento de sua dimensão coercitiva (violenta) em seus territórios nacionais, ao mesmo tempo em que ocorre o aumento correspondente da exigência da formação de consensos para levar adiante as contrarreformas necessárias à socialização dos custos da crise (HARVEY, 2008).

Essas políticas neoliberais implicaram em expropriações de bens públicos e comuns, com a venda de empresas rentáveis a preços baixos com condições benéficas ao capital privado e, em muitos casos, estrangeiro, além do desmonte de prestações sociais de várias naturezas, o que para Osorio (2015) significa uma “[…] brutal desapropriação do salário real para milhões de trabalhadores” (OSORIO, 2015, p. 38).

Nesse sentido, concordamos com Gouvêa (2020) para quem o neoliberalismo não é um fenômeno circunstancial, mas se constitui como modo de ser da acumulação capitalista imperialista que teve início como resposta à crise dos anos 1970, e se estende até os dias de hoje. Um sistema que se constitui a partir de três eixos, a saber: a flexibilização das relações e organização da produção; a utilização do capital fictício como elemento central da acumulação; e o aprofundamento das expropriações e da mercantilização em todas as dimensões de reprodução da vida (GOUVEA, 2020, p. 24).

Diante disso, é possível observar que, desde os anos 1990, o neoliberalismo aprofundou a condição de dependência, uma vez que incrementou a transferência de valor produzido nessas economias, ainda que apropriado e acumulado nas economias centrais. Entre essas formas de transferência estão os pagamentos de serviços da dívida (CARCANHOLO, 2018).

Daí que, no centro do sistema imperialista se encontra a disputa por mecanismos de drenagem de riquezas das economias dependentes sob a forma financeira, tendo como um dos principais mecanismos a dívida pública. Nisso se encontra o sentido da disputa pelo fundo público. Uma disputa, diga-se logo, desigual e, muitas vezes, covarde entre capital e o conjunto da classe trabalhadora, haja vista que as instâncias parlamentares e de governo dos Estados nacionais determinam de antemão a supremacia dos interesses do capital pela política econômica e por mecanismos de ajuste fiscal sistemáticos, o que constrange a distribuição do fundo público para políticas e serviços sociais para satisfazer o capital financeiro e os demais segmentos do capital monopolista imperialista.

Ademais, os recursos disponibilizados para atender as demandas mais essenciais das maiorias trabalhadoras acabam sendo capturados pela lógica da financeirização das políticas sociais, o que significa algo para além da privatização, que ocorre quando serviços e estruturas que interessam ao conjunto da sociedade transformam-se em capital a procura das melhores oportunidades de aplicação, das maiores taxas de lucro, das mais profundas medidas para extrair trabalho não pago (GRANEMANN, 2007).

Tais processos mais recentes respondem à ordem monopólica contemporânea, a qual exige um novo papel do Estado diante das necessidades do capital financeiro e do caráter parasitário do capital imperialista em crise, que implicam numa apropriação singular de riqueza socialmente produzida: onde todo o esforço produtivo da força de trabalho é dilapidado para garantir as condições de lucratividade predatória do capital monopolizado, a saúde do capital financeiro e o bem-estar do fluxo de capitais. Diante disso, “[…] a forma política para cumprir tal papel não é a ordem democrática […]”, reatualizando assim “[…] as bases da autocracia burguesa naquilo que lhe é fundamental” (IASI, 2019, p.424).

Os desdobramentos para a política social têm sido deletérios, não só no sentido da regressividade na garantia dos direitos e do princípio da universalidade, ou seja, cada vez menos expansão e qualificação dos serviços coletivos protetivos públicos em políticas estruturantes como saúde, educação, habitação, etc., transfigurando-se cada vez mais em um conjunto de ações focalizadas, imediatas e reduzidas de alívio da pobreza sob o mote da transferência de renda, conjugados com esquemas de ativação para o trabalho precário ou por meio de ações que gerem algum tipo de renda pela via da capacitação ou a partir do (micro)crédito (MAURIEL, 2018).

Mas, e principalmente, a política social tem se tornado miríade de instrumentos úteis, senão necessários e estratégicos, ao padrão de reprodução das relações sociais de produção capitalista, por meio da regulação do valor da força de trabalho a baixo custo (BOSCHETTI, 2012), funcionando diretamente como espaço de garantia da rentabilidade do grande capital ao facilitar a estratégia da dívida pública (BRETTAS, 2013), transferindo recursos para Bancos para gestão de programas de transferência de renda (SILVA, 2012), participando do incremento da rotação do capital como aplicação do fundo público (BEHRING, 2012) sob variadas formas, a exemplo dos fundos de pensão (GRANEMANN, 2012).

É sobre essa base que se ergue uma nova relação entre assistencialização das políticas sociais e ações punitivas de criminalização dos segmentos mais pauperizados da classe trabalhadora, configurando um novo momento do enfrentamento da “questão social” no país.

3 Assistencialização conservadora e criminalização da pobreza: o enfrentamento da “questão social” sob a radicalização neoliberal

Com a manifestação da crise da economia mundial que se abre a partir 2007/2008, o ambiente internacional favorável com taxas de juros baixas que se apresentou entre 2001 e 2007, o qual permitia aumento das reservas e da arrecadação estatais se findou (CARCANHOLO, 2018), levando consigo as poucas margens de manobra que admitiam a implementação de política sociais - ainda que pontuais e focalizadas que minimizassem os efeitos mais agudos da superexploração do trabalho e da miséria absoluta e promovessem melhoras na redistribuição de renda pela base.

Nesse contexto de agravamento da crise na economia mundial, o governo brasileiro vem adotando, para socorrer o capital, o aprofundamento das expropriações de direitos, via medidas de endurecimento do ajuste fiscal, associado a novas contrarreformas nas políticas sociais. Isso ocorre porque as medidas anteriores se tornaram insuficientes para assegurar os recursos (seja pelos superávits primários, seja pela tributação historicamente regressiva) nos patamares necessários para remunerar o capital financeiro e transferir valor para as economias centrais.

Concordamos com Castelo, Ribeiro e Rocamora (2020) que a “questão social”, para além da dimensão mais geral que se situa nas contradições existentes entre capital e trabalho na sociedade capitalista e nas lutas da classe trabalhadora como sujeito histórico, envolve um conjunto de particularidades históricas do desenvolvimento do capitalismo em cada formação social e região.

No capitalismo dependente, as expressões da “questão social” assumem características mais agudas e dramáticas devido às particularidades das formações sociais dependentes, com desdobramentos para as vidas das famílias trabalhadoras que, quando administradas pelo Estado por meio de políticas assistenciais, as quais muitas vezes, pelo seu caráter focalizado, nem sequer possibilitam saídas da pobreza, e acabam por deflagrar medidas de encarceramento, tortura ou extermínio (KILDUFF; SILVA, 2019).

Tal como Kilduff e Silva (2019), assume-se aqui que o crescimento organicamente articulado das ações assistenciais focalizadas e do aparato penal, ambos de forma mais punitiva, compõe parte da ofensiva das classes dominantes para “[…] responder à radicalização das manifestações contemporâneas da questão social, diretamente vinculadas ao aumento do desemprego estrutural e à perda de diretos sociais por parte da classe trabalhadora” (KILDUFF; SILVA, 2019, p.620).

No que se refere à política de Assistência Social, desde o SUAS, esta veio adquirindo uma curiosa centralidade perante as demais políticas sociais (MOTA, 2013), focando sua intervenção na pauperização relativa e no controle de segmentos da classe trabalhadora, em especial aqueles considerados parte da superpopulação relativa estagnada (ou seja, que compõem segmentos com relações de trabalho informais e vínculos precários e instáveis) e os que compõem o pauperismo (BOSCHETTI, 2016).

Por um lado, a ampliação da ponta assistencial significou um obscurecimento da diminuição das outras políticas que compõem a Seguridade (BOSCHETTI; TEIXEIRA; SALVADOR, 2013), ou mesmo a captura de sua lógica pela monetarização por parte da transferência de renda, pela financeirização por parte do acesso ao microcrédito para ações de microempreendedorismo associadas a novas formas de inserção produtiva e capacitação dos segmentos mais pobres para consumo. De outro lado, essas ações mostraram a importância da base material das ações assistenciais para reprodução psicofísica dos estratos mais pauperizados e desprotegidos da classe trabalhadora, justamente os grupos que mais crescem diante da reconfiguração das condições e relações de trabalho como resposta à crise capitalista.

Daí que a Assistência Social na crise não aparece mais como política subsidiária ao trabalho ou às outras políticas sociais, mas vem ganhado a cena como importante política na garantia de rendimento para assegurar o consumo e a reprodução da força de trabalho e recursos para aqueles que não podem trabalhar. Na periferia do capitalismo, a tendência ao crescimento da ponta assistencial foi maior em função do eixo da transferência de renda, que ganha centralidade como uma das únicas saídas para a questão da precarização do trabalho, sendo convocada para ajudar a promover a expropriação e a reprodução ampliada do capital no momento em que se constitui como política pública (BOSCHETTI, 2016a).

Tal tendência tem a ver com o contraditório processo de implementação da Assistência Social como política pública de Seguridade, que neste texto cabem apenas três ponderações consideradas essenciais. Primeiro, a Seguridade nunca foi implementada como projetada, nem do ponto de vista da articulação intersetorial, nem legal – leis orgânicas separadas, nem do ponto de vista da base orçamentária. Um segundo ponto é a implementação tardia da Assistência Social que, apesar da LOAS, veio mantendo a mesma base institucional (rede socioassistencial) após a Constituição de 1988 até a aprovação da PNAS em 2004. A inovação veio com o SUAS, mas com alterações importantes na concepção da política, já incorporando elementos que fogem do padrão da LOAS e hibridizam a noção de proteção presente no projeto Constitucional, aproximando a PNAS de uma política mais voltada para o enfrentamento da pobreza de forma mais direta e menos integrada ao projeto de Seguridade inicial8. E, um terceiro ponto, mas que não finda o conjunto de contradições que se apresentam com a política de Assistência tem a ver com a herança histórica conservadora que nunca foi totalmente superada. O passado, caracterizado pelo clientelismo, pelo patrimonialismo, pelo engessamento burocrático, pela cultura do favor, aparece reatualizado, potencializado. Ou seja, novas contradições se interpõem sob velhos dilemas históricos.

Cabe ressaltar, contudo, que os arranjos assistenciais de alívio da pobreza não se expandem historicamente apenas mediante o aumento da pauperização, mas, sobretudo pelas várias formas de resistência popular que vão se configurando mediante os processos de espoliação da vida (MAURIEL, 2011). Nesse sentido, a expansão da política de assistência social, nesse momento histórico, respondeu a uma determinada estratégia para absorver e disciplinar trabalhadores/as precários/as e informais mediante a expansão do SUAS, por meio de sua estrutura institucional, programas, cadastros de dados, entre outros aspectos.

Daí que a institucionalidade correspondente precisa ter eficiência e eficácia na gestão e regulação do trabalho, que se configura contraditoriamente como acesso a bens que reproduzem a vida material imediata dos/as trabalhadores/as e, ao mesmo tempo, exercem o controle e a vigilância sobre a vida de seus usuários - material e simbolicamente, pois não podemos esquecer a forte dimensão ideológica, moral e ética que a concessão de uma assistência vital pode ter sobre aqueles que têm a precariedade da vida diariamente sob ameaça.

Porém, como o valor da força de trabalho e o seu preço, os salários, além da média social de produtividade nos ramos das provisões que compõem a cesta de bens socialmente reconhecidos como necessários à reprodução das/os trabalhadoras/es, também dependem das lutas de classes (MARX [1867], 2017)9, o Estado não utiliza apenas a expropriação de direitos e a reorganização de esquemas assistenciais para dirigir e controlar contingentes de trabalhadores/as a um novo patamar de organização mais precária de vida e de trabalho, mas tende a aumentar a coerção sobre as lutas e resistências à agudização da exploração, reivindicando a repressão por diversos mecanismos mais (ou menos) violentos.

Se, durante a estratégia de conciliação de classe dos governos PT, sob o intitulado neodesenvolvimentismo, a assistência social compunha um rol de ações que buscavam reconduzir as políticas sociais em direção ao alívio da pobreza, naturalizando e individualizando a pobreza, ampliando a transferência de renda para responder aos processos mais urgentes de precarização da vida daqueles que vendem de forma precária sua força de trabalho, a partir do aprofundamento da crise de 2008, cujos impactos se viram mais visíveis com os movimentos de junho de 2013, novas medidas se tornaram necessárias para garantir patamares ainda “mais mínimos” para esses segmentos.

Alguns dados sobre os recursos para a política de Assistência Social no âmbito nacional são ilustrativos. No que se refere ao corte de benefícios sociais, Salvador (2018) mostra que entre 2016 e 2018 houve cancelamento de benefícios sociais que somam o montante de 10 bilhões de reais (entre eles estão o Bolsa Família, o auxílio doença e auxílio por invalidez). Com isso, 5,7 milhões de pessoas perderam benefícios (dentre esses 5,2 milhões de pessoas perderam o Bolsa Família). Isso se soma aos mais de 1,1 milhão de famílias que foram desligadas do PBF entre maio de 2019 e janeiro de 2020 (NERI, 2020). Já dados de Boschetti e Teixeira (2019) indicam que, no âmbito do Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA), desde 2015, ocorre redução de recursos voltados para o Programa “Bolsa Família”. Entre 2014 e 2017, a redução alcançou 14,4%10.

Já quanto aos serviços socioassistenciais, ocorreu uma nova e negativa tendência de subtração de recursos, o que coloca em xeque um dos eixos estruturantes do SUAS, a rede de atendimento. Os valores transferidos para os serviços tiveram uma diminuição de 38,6%, com queda de R$ 2,6 bilhões em 2012 para R$ 1,6 bilhão em 2018. Mesmo se incluirmos o valor da ação “Apoio Financeiro pela União aos Entes Federativos que recebem o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)” na categoria serviços socioassistenciais, este saltaria de R$ 1,6 bilhão para R$ 2,0 bilhões. Ainda assim, o montante de gastos com serviços seria inferior ao do ano de 2012.

Por outro lado, no ano de 2017, o programa Criança Feliz instituído pelo Governo Temer, consumiu R$ 186,4 milhões, valor superior ao montante destinado a todos os programas, projetos e ações de gestão da Assistência no âmbito do Fundo Nacional de Assistência Social, que equivaleu a R$ 156,4 milhões. E, em 2018, o Programa Criança Feliz teve aumento de 21,8%, apesar do movimento de congelamento de gastos (SILVA, 2020).

O primeiro ano de gestão do governo Bolsonaro também mostrou sérios retrocessos. Além de instituir um programa conservador fora da institucionalidade do SUAS – o Programa Pátria Voluntária, conduzido pela primeira-dama – trouxe uma medida regressiva em direção ao aprofundamento do desfinanciamento: a Portaria nº 2.362/ de 20/12/2019 do Ministério da Cidadania, que, ao limitar o repasse de recursos fundo a fundo ao exercício financeiro vigente - conforme a disponibilidade financeira - torna praticamente inviável a manutenção dos serviços do SUAS em muitos municípios, principalmente os de menor porte (SILVA, 2020).

Nesse sentido, a assistência passa a ser reorganizada para se inserir em uma nova e complexa estratégia de recomposição de poder dominante para reordenar a oferta dos benefícios e hierarquizar o patamar dos seus valores, os quais já historicamente sempre foram mantidos abaixo dos salários mais ínfimos do mercado.

Isso não foi realizado apenas com a mudança nos valores dos benefícios ou no corte dos serviços ofertados, mas se deu associado a um amplo conjunto de contrarreformas e expropriação de direitos, cujos critérios utilizados recuperaram fatores estamentais de estratificação (cf. FERNANDES, 1981) em que determinados grupos como mulheres, negros, negras, populações originárias, imigrantes são cooptados para servir de mão de obra mais barata, reiterando padrões racistas, patriarcais e conservadores de normatividade social incluindo as ações e os programas assistenciais.

Segundo Almeida (2020), isso “[…] cria uma estratificação social que se reverte em inúmeras desvantagens políticas e econômicas […], vivenciadas na forma de pobreza, salários mais baixos, menor acesso aos sistemas de saúde e educação, maiores chances de encarceramento e morte.” (ALMEIDA, 2020, p. 3).

Quando amplos segmentos de trabalhadores/as mal pagos/as são necessários, como na fase atual de reconfiguração das relações de trabalho diante da crise contemporânea do capital, os esquemas assistenciais não só se retraem, mas seguem associados a reformas trabalhistas extremamente regressivas, necessárias para a diminuição dos custos de contratação e demissão e a flexibilidade da jornada de trabalho, criando uma tendência crescente das horas extras trabalhadas não serem socialmente reconhecidas, e, por isso, não serem remuneradas.

A isso se soma um mercado de trabalho historicamente precário, informal, em que prevalece uma inserção laboral intermitente, instável e descontínua, e, em todos os casos, os trabalhadores possuem quase nenhuma ou não possuem proteção social. Cabe inferir que o fundamento do ultraneoliberalismo é a ultraprecarização das condições de vida e trabalho de trabalhadoras e trabalhadores.

Silveira Junior (2019) nos ajuda a ilustrar essas questões ao situar que recentemente houve uma importante recomposição da superpopulação relativa, com vistas a alavancar as taxas de mais valia, tanto a partir de uma escalada exponencial do desemprego como da informalidade. Segundo o autor, a taxa média de desemprego anual dobrou no Brasil em 2017 (12,7%), em relação a 2014 (6,8%) - segundo Pnad Contínua -, o que indica concretamente que existem 13,2 milhões de pessoas sem emprego, um salto de 96,2% desde 2014.

Para Proni e Gomes (2015), como desdobramento da crise, já em 2015, à medida que a recessão econômica passou a afetar diretamente o mercado de trabalho nacional, aumentaram a taxa de desemprego e a porcentagem de ocupações informais, e ao mesmo tempo caiu o rendimento médio dos trabalhadores. Porém, isso não afetou de forma homogênea o conjunto de trabalhadores/as: o desemprego aberto aumentou mais para as mulheres do que para os homens - a taxa de desocupação masculina passou de 4,1% para 6,6%, enquanto a taxa feminina passou de 5,8% para 8,6% entre julho de 2014 e julho de 2015. E, em 2010, a taxa de desemprego total dos trabalhadores negros mantinha-se superior à dos não negros (13,8% contra 10,2%), mas a taxa para mulheres negras era o dobro da taxa para homens não negros (16,8% contra 8,1%). Outro elemento revelador é a proporção de ocupados em “situações de trabalho vulneráveis”11, que é bem maior entre os negros do que entre os não negros, sendo particularmente elevada entre as mulheres negras (PRONI; GOMES, 2015, p. 137).

O principal resultado tem sido a reatualização de velhas formas de relações de trabalho enraizadas nos sistemas de produção tradicionais ou pré-capitalistas – múltiplos empregos dentro da mesma família, sem falarmos na persistência do trabalho infantil, em situações análogas ao escravismo em diversos setores da economia, a crescente expansão do endividamento por crédito, tendência ao prolongamento das jornadas de trabalho e condicionando a um aumento da mais-valia absoluta (VALENCIA, 2010).

Diante disso, infere-se que a política de assistência social participa de um novo padrão de enfrentamento da “questão social” no Brasil, o qual, segundo Castelo (2014), tem início com a chegada dos efeitos da crise de 2008 no país, assumindo como marco as manifestações de junho de 2013, que mostram sinal do esgotamento da estratégia de conciliação de classe12. Esse novo padrão de intervenção na questão social se faz valer de elementos consensuais e coercitivos simultaneamente, com o crescente aumento do uso dos aparatos policiais e, mais recentemente, militares. Nas palavras de Castelo: “Mantidas as velhas estruturas coercitivas, o Estado pode retomá-las no atual momento como uma das formas de manter a ordem diante da crise conjuntural […] reatualizando antigos métodos e erigindo novas estruturas” (CASTELO, 2014, p. 49).

Ora, o ciclo de expropriações de direitos que se apresenta a partir do fim dos governos PT, por ser muito mais agressivo simbólica e materialmente, tende a ser levado por uma expansão do caráter autoritário, seja por meios econômicos diretos (aumento da exploração via reformas trabalhistas), seja por meios extraeconômicos (mediante a criação de legislações, medidas e políticas que ampliam os mecanismos repressivos, punitivos e de controle do Estado) (GONÇALVES, 2019).

Kilduff e Silva (2019, p. 624) alertam para o crescimento ininterrupto do encarceramento no Brasil que desde o início do neoliberalismo, com aumentos vertiginosos: em 1995 o número de pessoas privadas de liberdade somavam cerca de 148 mil, chegando a aproximadamente 726 mil em 2016, alcançando o patamar de 812 mil em 2019. É fundamental alertar para o perfil da população carcerária, majoritariamente composta de jovens, com baixa escolaridade, desempregados/as e moradores/as das periferias das grandes cidades. (KILDUFF; SILVA, 2019).

Outro fator interessante de observar no período recente é o crescimento da população carcerária feminina. Segundo estudos de Kilduff (2020) – com base no relatório INFOPEN/Mulheres (2018), o número de mulheres privadas de liberdade aumentou de 5.601 para 42 mil entre 2000 e 2016, ano em que o Brasil passou a ocupar o quarto lugar em quantidade de mulheres presas no mundo. A pesquisa da autora chama atenção para o perfil das mulheres encarceradas: 80% são mães, jovens (50%), solteiras (57%), negras (68%), com baixa escolaridade (50% com ensino fundamental incompleto), desempregadas ou inseridas em empregos precarizados, em prisão preventiva (32%) ou condenadas principalmente a penas entre 4 e 8 anos (35%), em regime fechado (45%) (KILDUFF, 2020).

Além do aumento do encarceramento, o extermínio também é parte estratégica do enfrentamento histórico da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro. Entre 1980 e 2010, o Brasil registrou 1.091.125 mortos por homicídio, uma média de 4 vidas retiradas por hora, sinalizando um aumento de 124% nesse período (BRITO; VILLAR; BLANK, 2013, p. 215). Só em 2017 ocorreram 65.602 homicídios, um número recorde por ano, segundo o Atlas de Violência (IPEA, 2019), revelando um aumento de 6,7% com relação a 2016 e de 37,5% em relação a 2007. Dentre esses casos ocorridos em 2017, 75,5% das vítimas eram pessoas negras.

Em 2017, 4.936 mulheres foram assassinadas, o maior número em dez anos, o que significa 13 mulheres mortas por dia. De acordo com o Atlas de Violência do IPEA (2019), entre 2012 e 2017, o número de homicídios fora da residência caiu em 3,3%, enquanto os homicídios dentro de casa cresceram em 17,1%. Desses homicídios, observa-se que o número de mulheres mortas por arma de fogo dentro de sua residência cresceu 28,7%, enquanto o número de mulheres mortas por arma de fogo fora de casa foi de 6,2%, podendo significar um aumento dos casos de feminicídio. O documento também revela que entre 2007 e 2017 a taxa de homicídio entre mulheres negras cresceu muito mais (29,9%) do que entre mulheres não negras (4,5%).

Em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTQIA+s) foram mortos em crimes motivados por homofobia. Os dados de 2017 representam um aumento de 30% em relação a 2016, quando foram registrados 343 casos. Em 2015 foram 319 LGBTs assassinados, contra 320 em 2014 e 314 em 2013. O saldo de crimes violentos contra essa população em 2017 é três vezes maior do que o observado há 10 anos, quando foram identificados 142 casos (VALENTE, 2018).

Essa série histórica mostra que os homicídios não são distribuídos igualmente pelo país, mas possuem critérios de seletividade econômicos, étnico-raciais e territoriais. Ou seja, o racismo, o machismo e a LGBTfobia matam diariamente pela violência do Estado, por meio de seus instrumentos policiais, prisionais, mas também pelo aumento da violência nas relações cotidianas.

Tais estratégias políticas por parte do Estado que declaram guerra aos segmentos mais pauperizados, precarizados e oprimidos da classe trabalhadora pretendem impor padrões morais conservadores por meio de medidas repressivas e de regulação armada, com fortes doses de militarismo, que enaltecem o uso da violência, mostrando que o fim da ditadura militar não foi suficiente para assegurar o fim da influência de perspectivas militares em várias dimensões da vida social.

4 Considerações finais

A intervenção repressiva do Estado em nome da segurança, mas que, na verdade, serve como carapaça ideológica para conter as resistências sociais diante do esgarçamento provocado pela gestão ultraneoliberal do capitalismo, precisa de uma forma de governo autocrática, que suprima cada vez mais os canais democráticos, pois a captura do fundo público pelo capital financeiro, via expropriações, precisa estar ilesa de participação popular (ALMEIDA, 2020).

Diante disso, o “[…] minimalismo assistencialista dá o braço à repressão extraeconômica às camadas pauperizadas […]” (NETTO, 2010, p. 30), encontrando uma nova articulação orgânica entre a repressão à classe trabalhadora e as formas assistenciais conservadoras, as quais parecem constituir um eixo estruturante das políticas sociais dirigidas ao enfrentamento da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro, medidas reeditadas e aprofundadas diante da crise que atravessamos desde 2008.

Sob essa perspectiva, conclui-se que as principais ações conduzidas pela ofensiva reacionária da burguesia que se encontra em curso apontam uma nova fase de assistencialização conservadora, mediante o aprofundamento de recursos aos padrões de primeiro-damismo, cultura do favor, meritocracia, aliados à ultrafocalização, à redução dos recursos e reforço de princípios gerencialistas, privatistas e individualistas na gestão e organização da política, para fazer reduzir ainda mais os patamares de proteção, porém sem deixar de fazer a regulação, o controle e a vigilância da força de trabalho com ações cada vez mais violentas e genocidas, materializadas no aumento do encarceramento da população negra e mais pauperizada.

Tais medidas assistencialistas e conservadoras, associadas a tendências repressoras, encontram espaço favorável para seu cultivo e fortalecimento a partir das respostas dadas à crise de 2008, especialmente nas medidas editadas no contexto brasileiro com o golpe de 2016, em que se intensificam discursos de eugenia social, exacerbação do racismo, machismo, xenofobia, homofobia e LGBTfobia, desprezo pela ciência, culto ao obscurantismo e reforço do fundamentalismo religioso.

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Notas

1 Entende-se por “questão social” como resultado das contradições entre capital e trabalho no modo de produção capitalista, cujos diferentes estágios do desenvolvimento capitalista produzem diferentes manifestações da “questão social”; bem como deve ser entendida a partir do ingresso da classe trabalhadora como sujeito político nas lutas por emancipação política e humana (NETTO, 2001).
2 Para mais detalhes acerca da questão da transferência de valor na Teoria Marxista da Dependência ver o capítulo 1, intitulado Transferência de valor como intercâmbio desigual, In: LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias: uma visão histórica. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
3 Para aprofundar o debate acerca da superexploração da força de trabalho ver: CARCANHOLO, M.; CORRÊA, H. F. Uma teoria da superexploração da força de trabalho em Marx? Um Marx que nem mesmo ele tinha percebido. Revista da sociedade brasileira de Economia política, n. 44, p. 10-30, jun./set. 2016; LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias: uma visão histórica. São Paulo: Expressão Popular, 2018. cap. 3; BUENO, Fábio Marvulle. A superexploração do trabalho: polêmicas em torno do conceito na obra de Ruy Mauro Marini e a vigência na década de 2000. 2016. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília, 2016.
4 Originalmente publicado em 1979 no México, foi traduzido e publicado em MARINI, Ruy Mauro. O ciclo do capital na economia dependente. In: FERREIRA, Carla et al. (org.). Padrão de reprodução do capital: contribuições da teoria marxista da dependência. São Paulo: Boitempo, 2012. “Marini discute o problema da cisão entre as fases do ciclo do capital, demonstrando como a dependência nas esferas tecnológica e financeira, assim como a persistência da superexploração da força de trabalho, fazem com que se perpetue a subordinação dos países dependentes à divisão internacional do trabalho” (p.18).
5 Para ver mais sobre as diferentes cisões e fases do ciclo do capital das economias dependentes ver LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da Dependência: problemas e categorias: uma visão histórica. São Paulo: Expressão Popular, 2018. Cap. 2.
6 Vale notar que o recurso à superexploração aparece em regiões dos países centrais em momentos de crise e nos setores mais precarizados dessas economias, normalmente preenchidos com segmentos da classe trabalhadora compostos por segmentos populacionais negros, negras e imigrantes, confirmando que o valor da força de trabalho dessa população é pago abaixo mesmo fora de seus respectivos países. Ver estudos de VALENCIA, Adrian Sotelo. A estruturação do mundo do trabalho: Superexploração e novos paradigmas de organização do trabalho. Uberlândia: EDUFU, 2009.
7 “A expropriação de direitos sociais aqui é compreendida como processo de subtração de condições históricas de reprodução da força de trabalho, mediada pelo Estado Social, por meio da reapropriação, pelo capital, de parte do fundo público antes destinado aos direitos conquistados pela classe trabalhadora” (BOSCHETTI; TEIXEIRA, 2019, p. 81).
8 A Lei no12.435, de 06 de junho de 2011 é um claro exemplo disso. Altera a LOAS em vários aspectos para adaptá-la ao novo padrão do SUAS, mas muda o objetivo da política. Ela deixa de ser um meio para alavancar vários direitos sociais ao lado de outras políticas (Conforme Art. 6º da Constituição de 1988) – caráter fundamental que a liga ao conceito de Seguridade Social - e o enfrentamento da pobreza era um deles, para, na nova Lei, passar a ter como objetivo principal, por meio do enfrentamento da pobreza, realizar a garantia de direitos. Isso dá uma outra conotação à natureza da política (MAURIEL, 2012).
9 Ver especialmente Livro I, o capítulo IV item 3, que trata da compra e venda da força de trabalho e capítulo VIII, sobre a jornada de trabalho.
10 Não é tarefa desse texto discutir o papel da transferência de renda diante das expropriações de direitos, seja na regulação desses segmentos de trabalhadores precários ou no rebaixamento do valor da força de trabalho. Contudo, cabe alertar para o redirecionamento da transferência de renda em direção à remuneração de setores ativos informais e precários da classe trabalhadora e do reforço da tendência ao uso da renda mínima como estratégia política de “gestão da pobreza” por parte dos governos autoritários no contexto de pandemia do Novo Coronavírus. Ver texto BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. Transferência de renda, o teto dos gastos e oportunismo: para uma crítica de esquerda. Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2020/08/18/transferencia-de-renda-teto-de-gastos-e-oportunismo-para-uma-critica-de-esquerda/;. Acesso em: 20 ago. 2020.
11 Trabalhador assalariado sem a carteira assinada, autônomo que trabalha para o público, trabalhador familiar não remunerado e trabalhador doméstico, segundo definição do DIEESE.
12 Para o autor o novo padrão de intervenção sobre a questão social no qual se intensificam a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, levando ao que o autor chama de “militarização da questão social”, veio se forjando desde o final dos anos 1990 diante do enfraquecimento do neoliberalismo na América Latina e do avanço das forças populares na região. Com o apoio do governo dos EUA, várias iniciativas contrarrevolucionárias militarizadas começaram a se formar na Venezuela, Bolívia, Colômbia, entre outras iniciativas, mas sempre com apoio dos EUA. Além do aumento de gastos com investimentos militares a partir dos anos 2000 em vários países da região, sendo liderado pelo Brasil. (CASTELO, 2009)

Notas de autor

1 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2008). Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense, Coordenadora do Grupo de Pesquisa sobre Política Social e Desenvolvimento (GPODE) – Niterói, RJ – Brasil. E-mail: apmauriel@gmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): MAURIEL, A. P. O. Assistência e repressão: pilares no enfrentamento da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 22, n. Especial, p. 706-726, 2020. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v22nEspecial2020p706-726. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15805.

COMO CITAR (APA): Mauriel, A. P. O. (2020). Assistência e repressão: pilares no enfrentamento da “questão social” no capitalismo dependente brasileiro. Vértices (Campos dos Goitacazes), 22(Especial), 706-726. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v22nEspecial2020p706-726.

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