DOSSIÊ TEMÁTICO: "RISCOS E DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS"

O risco construído: reflexões sobre o desastre ocorrido em Mariana, estado de Minas Gerais, em 2015

The constructed risk: reflections on the disaster that occurred in Mariana, Minas Gerais State, in 2015

El riesgo construido: reflexiones sobre el desastre ocurrido en Mariana, Estado de Minas Gerais, en 2015

Tathiane Mayumi Anazawa 1
Brasil
Roberto Luiz do Carmo 2
Universidade Estadual de Campinas, Brasil

O risco construído: reflexões sobre o desastre ocorrido em Mariana, estado de Minas Gerais, em 2015

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 1, 2021

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2021 pelos Autores.

Recepción: 02 Septiembre 2020

Aprobación: 21 Diciembre 2020

Resumo: O risco é formado pela interação tempo-território específica de dois fatores, que consiste nas ameaças e nas vulnerabilidades sociais. Nessa perspectiva, este trabalho analisa o rompimento da barragem de rejeitos de mineração, localizada no município de Mariana, em Minas Gerais, a partir de uma discussão teórica sobre os desastres. A abordagem parte da concepção de construção social, bem como da reflexão sobre um risco construído historicamente, e as implicações de defini-los como tal. A metodologia utilizada foi de análise dos riscos implícitos, da distribuição espacial da população e das estimativas de população atingida, empregando os dados disponibilizados em grades regulares pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao Censo Demográfico (2010). Através da utilização dessas células regulares realizaram-se estimativas da população atingida, informação importante para o momento pós-desastre. Também foram estimados os potenciais impactos, considerando diferentes distâncias em relação aos cursos d´água que foram afetados pelo desastre.

Palavras-chave: Desastre, Rompimento de barragens, Grade estatística, Vulnerabilidade, Distribuição espacial.

Abstract: Risk is constructed by the specific time-territory interaction of two factors – threats and social vulnerabilities. From this perspective, this article analyzes the failure of the mining tailings dam located in the municipality of Mariana, in Minas Gerais, based on a theoretical discussion on disasters. This approach starts with the concept of social construction as well as considerations on the historically constructed risk and the implications of defining them as such. The methodology used in the study proposes the analysis of the inherent risks, the spatial distribution of the population, as well as the estimation of the affected population by analyzing the data available in regular grids determined by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), in reference to the Demographic Census (2010). Using grid cells, we estimate the affected population, an aspect that may be an important contribution to the post-disaster moment. Potential impacts were also estimated considering different distances related to water courses that were affected by the disaster.

Keywords: Disaster, Dam collapse, Statistical grid, Vulnerability, Spatial distribution.

Resumen: El riesgo se construye por la interacción tiempo-territorio específica de dos factores, que consisten en las amenazas y las vulnerabilidades sociales. De esa manera, este artículo analiza la rotura de la presa de relaves mineros, ubicada en el municipio de Mariana, en Minas Gerais, a partir de una discusión teórica sobre los desastres. El enfoque parte del concepto de construcción social, así como pensar el riesgo históricamente construido y las implicaciones de definirlos como tales. La metodología utilizada fue el análisis de los riesgos implicados, de la distribución espacial de la población y de la estimación de la población afectada a partir del análisis de los datos disponibles en cuadrículas regulares, determinadas por el Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE), en referencia al Censo Demográfico (2010). Mediante el uso de celdas cuadriculares, se realizaron estimaciones de la población afectada, como una importante información al momento después del desastre. También se estimaron los impactos potenciales, considerando las diferentes distancias relacionadas con cursos de agua que fueron afectados por el desastre.

Palabras clave: Desastre, Rotura de la presa, Cuadrícula estadística, Vulnerabilidad, Distribución espacial.

1 Introdução

Vivemos na “Sociedade do Risco”, conforme definiu Ulrick Beck em seu livro já clássico (BECK, 2011). E os desastres que se configuram de tempos em tempos nos trazem de volta essa realidade. Imersos em nosso cotidiano, os riscos parecem não nos atingir. Mas casos como o ocorrido em Mariana, Minas Gerais, com o rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração, nos despertam para uma realidade preocupante.

Um desastre é produzido através da combinação de fenômenos naturais perigosos e situações vulneráveis (ROMERO; MASKREY, 1993). Partimos da necessidade de refletir sobre este conceito por uma abordagem social. O desastre consiste na materialização do risco. Este, por sua vez, refere-se à probabilidade de que se manifestem certas ocorrências, as quais estão relacionadas com o grau de exposição aos elementos submetidos apenas à vulnerabilidade desses elementos afetados pelo evento. Pode ser entendido também como a probabilidade de realização de um perigo (CARDONA, 1993). O risco é formado pela interação tempo-território específicos de dois fatores, que consistem nas ameaças e nas vulnerabilidades sociais (LAVELL THOMAS, 2000). Portanto, há um alto risco de desastre se um ou mais fenômenos naturais perigosos acontecerem em situações vulneráveis (ROMERO; MASKREY, 1993).

A ideia de risco baseada nos estudos de vulnerabilidade, nos últimos anos, tem sido amplamente difundida e explorada, sendo enfocada como o cerne de muitas pesquisas. Marandola Jr. e D’Antona (2014) identificam determinados motivos que evidenciaram os estudos de risco, como por exemplo, a discussão dos sociólogos contemporâneos como base para a análise dos riscos em um novo contexto, a partir da teoria da sociedade de risco difundida por Ulrich Beck, e da modernidade reflexiva, de Anthony Giddens. Outro motivo consiste nos estudos sobre as mudanças ambientais que permitiram a análise dos riscos e perigos relacionados com as diferenças regionais, locais e de grupos populacionais e o seu enfrentamento. Por fim, os autores destacam as limitações e o esgotamento dos estudos sobre pobreza, cujo enfoque nas capacidades tornou-se importante para entender como pessoas em diferentes situações de exclusão e segregação são expostas e respondem de modo diferenciado aos mesmos riscos.

Outro elemento intimamente relacionado com os desastres é a vulnerabilidade. Segundo Cardona (1993), a vulnerabilidade pode ser entendida como a predisposição intrínseca de um sujeito ou elemento de sofrer dano devido a possíveis ações externas. Sendo assim, contribui para o conhecimento do risco a partir da interação do elemento suscetível com o ambiente perigoso.

Para caracterizar e identificar a população exposta ao risco e suas vulnerabilidades, é necessário analisar a evolução da população em termos de volume, mas também sua composição etária, que determina, por exemplo, quais as características da população mais vulnerável aos desastres. Além de conhecer as características da população, é importante analisar como ocorreu a redistribuição espacial da população ao longo do tempo, configurando situações de vulnerabilidade e não acessibilidade (CARMO, 2015). Nesse sentido, destacam-se os processos migratórios e a intensa e rápida urbanização brasileira, que resulta na concentração da população em diferentes localidades espaciais, com diversas formas de ocupação, revelando assim diferentes graus de exposição aos riscos de desastres.

Segundo Carmo (2015), nos estudos sobre desastres, há que se considerar a distribuição espacial da população sob duas perspectivas: i) a forma com que a população ocupa historicamente o espaço pode levar a situações de risco de desastre; ii) as características dessa distribuição, podendo ocupar áreas com maior ou menor dificuldade de acesso, implicando nas situações pós-desastre, como por exemplo, o socorro. Essas perspectivas ficam claras ao se pensar em um desastre de grande impacto, como é o caso de enchentes e deslizamentos (as populações que ocupam áreas próximas a corpos d´água e em locais com alta declividade encontram-se mais vulneráveis aos desastres relacionados), e o rompimento de barragens (as populações que se localizam em áreas mais remotas e distantes das sedes municipais, encontram-se mais vulneráveis a este tipo de desastre).

Os estudos que consideram a distribuição espacial da população têm se valido do uso de geotecnologias para a desagregação dos dados censitários, com a finalidade de aumentar sua resolução (D’ANTONA; BUENO; DAGNINO, 2011; DEICHMANN; BALK; YETMAN, 2001; DOBSON et al., 2000). Em 2015, as informações do Censo Demográfico 2010 foram dispostas em uma nova unidade de análise: a grade estatística. O sistema de grades trata-se de um sistema de células regulares, dispostas em forma de grade, utilizado para a geração de um suporte geográfico estável para a disseminação de dados (IBGE, 2016). A utilização da grade estatística já se fez presente no estudo de D’Antona, Bueno e Dagnino (2013), que buscou estimar o volume de população em unidades de conservação baseados em dados censitários dispostos em uma grade regular; e, no estudo de Anazawa (2017), com a construção de indicadores de segurança hídrica da população frente à crise hídrica entendida como um desastre socialmente construído, utilizando a grade estatística como unidade de análise e integração de diferentes dados.

Nessa perspectiva, são importantes as reflexões que revisitam o conceito de desastre, propondo sua discussão no âmbito dos desastres socialmente construídos a partir da reflexão de risco construído historicamente, e as implicações de defini-los como tal. Frente a essa discussão teórica, o presente trabalho analisa o rompimento da barragem de rejeitos de mineração de Fundão, localizada no município de Mariana, em Minas Gerais, considerado um dos maiores desastres da história brasileira. São analisadas a distribuição espacial da população, bem como estimativas de população atingida nos municípios localizados no estado de Minas Gerais, às margens do Rio Doce, a partir da análise dos dados obtidos junto ao Censo Demográfico (2010), disponibilizados em grades regulares pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

2 Os riscos e desastres socialmente construídos

O rompimento da barragem de Mariana (MG) foi classificado pelo Governo Federal como um desastre tecnológico (desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens – BRASIL, 2015). Por outro lado, muitas vezes a mídia o tratou como um desastre ambiental, ou natural. Afinal, qual seria a diferença entre um desastre tecnológico e ambiental? Quais as implicações de classificar o rompimento como tecnológico ou ambiental?

A Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade) estabelece as regras de classificação dos desastres para decretos de estado de emergência e calamidade, podendo ser de dois tipos: naturais e tecnológicos. Quanto aos desastres naturais, a Cobrade os classifica como geológicos, hidrológicos, meteorológicos, climatológicos e biológicos. Já os desastres tecnológicos são classificados de acordo com sua relação a substâncias radioativas, a produtos perigosos, a incêndios urbanos, a obras civis e a transporte de passageiros e cargas não perigosas (BRASIL, 2012).

Segundo Lieber e Romano-Lieber (2005), os desastres são classificados na literatura tradicional como: desastres naturais e desastres provocados pelo homem (man-made disaster), muitas vezes confundidos com o desastre tecnológico. Essas classificações só enfatizam o evento deflagrador do desastre: um terremoto, uma guerra ou um choque entre aeronaves, respectivamente (LIBER; ROMANO-LIEBER, 2005). Para Hodgkinson (1989), no entanto, o desastre tecnológico é apresentado como um desastre provocado pelo homem, ou seja, um fenômeno da sociedade tecnológica. Tanto os desastres naturais quanto os tecnológicos apresentam diferenças para o autor, mesmo que tais desastres possam envolver simultaneamente fenômenos da natureza e erro humano. As diferenças entre esses dois tipos de desastre referem-se principalmente aos impactos, uma vez que um desastre natural tem seus efeitos sentidos em um dado momento específico (como por exemplo, as consequências de uma enchente), e os impactos de um desastre tecnológico podem manifestar-se em momentos diferentes para cada pessoa, como por exemplo, num caso de intoxicação. A outra diferença refere-se ao controle, pois o desastre natural não é visto como algo controlável. Já o desastre tecnológico é tido como uma perda de controle do homem (HODGKINSON, 1989).

No entanto, é possível perceber que a imputação de responsabilidades, a partir da descrição das classificações técnicas, não é clara: um desastre natural é causado por forças da natureza, enquanto um desastre tecnológico é decorrente da perda de controle do homem. O trabalho de Zhouri e colaboradores (2016) evidencia a “armadilha” que a conceituação do desastre enquanto ambiental traz, buscando a atenção pelo momento pós-colapso de barragens como pós-desastre, invisibilizando os agentes causais do desastre. Nesse sentido, o rompimento da barragem da Samarco poderia ser classificado como um desastre tecnológico com implicações ambientais de grande extensão espacial e com decorrências previstas para um longo período temporal. No entanto, a classificação desconsidera os indivíduos que foram impactados e suas vulnerabilidades. Desconsideram também que o risco ali existente foi construído historicamente.

As barragens de rejeitos são provavelmente as maiores estruturas do planeta feitas pelo homem. Tendo isso em vista, a gestão da segurança nas operações de mineração deve ter como ponto fundamental os cuidados com a vida e o ambiente (ICOLD, 2001).

Entretanto, em um levantamento realizado pela International Commission on Large Dams (ICOLD), 2001, verificou-se que as principais causas de acidentes com barragens de rejeitos são relacionadas à falta de controle do balanço hídrico e falta de compreensão das características que tornam seguras as operações realizadas nessas barragens. Poucos casos foram identificados como resultantes da ocorrência de eventos climáticos ou sísmicos inesperados, o que, também segundo a ICOLD (2001), frente ao conhecimento atual sobre tais circunstâncias, deveria contar com ações de controle premeditadas.

Para contextualizar a problematização dos desastres que envolvem barragens, destacam-se alguns exemplos ocorridos pelo mundo e seus impactos, segundo informações do ICOLD (2001): (i) Martin Country Coal Corporation, Kentucky, EUA – 2000, com a liberação de 0,95 milhões de m³ de lodo de resíduos de carvão em córregos locais, causando morte de peixes e tornando a água imprópria para o consumo; (ii) Borsa, Romênia – 2000, com o vazamento de 22 mil toneladas de rejeitos contaminados por metais pesados; (iii) Haelva, Espanha – 1998, com o vazamento de 50.000m³ de ácido e água contaminada; Omai, Guiana – 1995, com o vazamento de 4,2 milhões de m³ de lodo de cianeto.

No Brasil, destacam-se, segundo Duarte (2008), quatro desastres com barragens no estado de Minas Gerais na década de 2000: (i) Mineração Rio Verde Ltda., Nova Lima, MG – 2001, com o rompimento da barragem que resultou em cinco óbitos, danos ao ambiente, às estruturas de abastecimento; (ii) Indústria Cataguases de Papel. Cataguases, MG – 2003, com a liberação de lama que causou interrupção no serviço de abastecimento de água no município; (iii) Rio Pomba Mineração Cataguases. Miraí, MG – 2006, com o vazamento de lama que causou danos ambientais e interrupção no abastecimento de água em municípios dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais; e (iv) Rio Pomba Mineração Cataguases. Miraí, MG – 2007, com o rompimento da barragem, causando danos ao ambiente e interrupção no fornecimento de água, além de ter deixado 500 desabrigados.

Minas Gerais concentra um número significante de barragens. Iniciou-se em 2006, nesse estado, o Programa de Fiscalização de Barragens, quando haviam sido registradas 606 estruturas, número que tem evoluído desde então, chegando a 754 estruturas registradas em 2014, com pequena queda em 2015, apresentando 730 estruturas cadastradas. A bacia do Rio São Francisco é a que possui maior quantidade de estruturas, em função da concentração de empreendimentos de mineração (MINAS GERAIS, 2016).

Das estruturas cadastradas, 713 possuíam em 2015 a Declaração de Condição de Estabilidade. Destas, 675 estavam enquadradas no grupo A, com estabilidade aferida pelo auditor; 16 pertenciam ao grupo B, sobre as quais não houve conclusão sobre a estabilidade por falta de dados ou documentos técnicos; por fim, 19 estruturas pertenciam ao grupo C, as quais não possuíam estabilidade aferida pelo auditor. Houve ainda o rompimento de uma estrutura (Barragem de Fundão) e outras duas que haviam sido cadastradas anteriormente como parte do Sistema de Rejeitos do Fundão (MINAS GERAIS, 2016). A condição de estabilidade aponta, no momento da aferição, se há risco iminente de rompimento da barragem. Em documento apresentado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais, em 2014, não há indicativo da presença da Barragem de Fundão na listagem referente às barragens com “Estabilidade Não Garantida pelo Auditor” ou que o “Auditor não conclui sobre a situação de estabilidade por falta de dados ou documentos técnicos” (MINAS GERAIS, 2015, p. 32-33).

Visto os antecedentes de acidentes com barragens e a existência do risco de rompimento da barragem de Fundão, este trabalho faz a leitura desse desastre enquanto um processo, construído socialmente. As abordagens sobre as discussões dos desastres são pautadas em diferentes disciplinas e escopos teóricos, marcados pela determinação de um desastre como evento ou processo. Caracterizar o desastre com tal, evento ou processo, implica reposicionar o próprio conceito de desastre.

Segundo Lavell Thomas e Franco (1996), tratar o desastre como evento é posicioná-lo como imprevisível, ingovernável e inevitável. Os autores também enfatizam que as ciências da terra e as engenharias, ao se consolidarem como disciplinas, fortaleceram os estudos dos desastres como eventos. Como resposta a esse recorte teórico, os estudos tiveram foco na prevenção e previsibilidade dos desastres, uma vez que os eventos físicos foram considerados os principais responsáveis pelos desastres por serem considerados anormais e imprevisíveis. Essa mesma visão do desastre como inevitável e incontrolável apresenta a questão da organização da sociedade em função do enfrentamento do desastre e a forma de conduzi-la ao seu estado de “normalidade” (LAVELL THOMAS; FRANCO, 1996).

Nesse contexto, cabe discutir e definir os desastres baseados na abordagem social, cujos estudos têm início na década de 1940 e ganham força e estrutura a partir de 1960. Destacam-se os estudos conduzidos na América Latina, no final da década de 1980, concentrados na Red de Estudios Sociales en Prevención de Desastres en América Latina (LA RED), formada em 1992. Ao discutir a aproximação da abordagem dos desastres e das ciências sociais verifica-se que, ao engessar o conceito de desastre como um evento pontual, suas causas não são relacionadas (LAVELL THOMAS, 1993). Dessa forma, o desastre socialmente construído pode ser entendido como:

[…] una ocasión de crisis o stress social, observable en el tiempo y el espacio, en que sociedades o sus componentes (comunidades, regiones, etc.) sufren daños o perdidas físicas y alteraciones en su funcionamiento rutinario. Tanto las causas como las consecuencias de los desastres son producto de procesos sociales que existen en el interior de la sociedad (LAVELL THOMAS, 1993, p. 120).

O desastre pode, então, ser considerado como produto, mas também como resultado de processos sociais nos âmbitos histórico e territorial (LAVELL THOMAS, 1993). Valencio (2013, p. 11) enfatiza que no estudo dos desastres sob a abordagem sociológica, é necessário considerar que “um desastre pode ser descrito como um acontecimento social trágico e pontual sem que, com isso, seja preciso sonegar sua definição como um tipo de crise crônica na esfera social, ou seja, é possível convergir analiticamente situação e processo”.

3 O caso da barragem de Fundão

O município de Mariana em Minas Gerais, localizado a 122 km da capital Belo Horizonte e situado na Zona Metalúrgica do estado, conhecido como Quadrilátero Ferrífero, sofreu com o rompimento, no dia 5 de novembro de 2015, da barragem de Fundão, utilizada pela empresa Samarco Mineração S.A., mineradora controlada pela empresa brasileira Vale e pela empresa anglo-australiana BHP Billiton. O rompimento da barragem ocasionou a liberação de lama e rejeitos de minério de ferro provindos da mineradora, os quais afetaram 38 municípios1 no estado de Minas Gerais, que abrigavam uma população de cerca de 1,1 milhão de pessoas, 5,3% do contingente populacional do estado de Minas Gerais (IBGE, 2015). No entanto, a extensão da onda de rejeitos terminou na foz do rio Doce, em Linhares, estado do Espírito Santo, percorrendo mais de 650 km (ANA, 2016).

A onda de rejeitos acompanhou os rios Gualaxo do Norte, Carmo e Doce, impactando os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. No entanto, este trabalho terá como foco apenas os municípios atingidos no estado de Minas Gerais. Para compor a área de estudo e posterior análise de impactos do desastre, foram considerados os 38 municípios mineiros relatados como impactados pelo Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres – CENAD2, e também todos os que estavam próximos aos rios, como mostra a Figura 1. O rompimento da barragem ocasionou a morte de 18 pessoas e 1 desaparecimento (A TRAGÉDIA…, 2016).

Localização da área do desastre e os municípios atingidos no estado de Minas Gerais
Figura 1.
Localização da área do desastre e os municípios atingidos no estado de Minas Gerais
Fonte: Elaborado pelos autores

A sequência dos impactos tem seu início no distrito de Bento Rodrigues, localizado a cerca de 2,5 km do dique, atingido após 15 minutos do rompimento da barragem. Paracatu de Baixo, outro distrito de Mariana, também foi fortemente atingido, com parte das casas soterradas. Os rejeitos foram drenados pelo Rio Gualaxo do Norte, desaguando no Rio do Carmo, atingindo posteriormente o Rio Doce. Nesse percurso, o município de Barra Longa sofreu com inundações do trecho urbano decorrentes da onda causada pelos rejeitos. Em 21 de novembro de 2015, os rejeitos alcançaram o Oceano Atlântico, com extensão de espalhamento superior a 10 km no litoral do Espírito Santo (A TRAGÉDIA…, 2016). A Figura 2 mostra um desenho esquemático das localizações do complexo minerário, do município de Mariana e distrito de Bento Rodrigues.

Localização do complexo minerário, município de Mariana e distrito de Bento Rodrigues
Figura 2.
Localização do complexo minerário, município de Mariana e distrito de Bento Rodrigues
Fonte: Elaborada pelos autores

A perda de vidas humanas é a característica fundamental desse desastre e exige que seja tratado de maneira específica. A impressionante destruição material do distrito de Bento Rodrigues sinaliza que o número de mortes poderia ter sido maior caso o rompimento da barragem tivesse ocorrido em um momento de maior presença de pessoas em suas casas. Ficou evidente que um aspecto fundamental nesses momentos, que é a comunicação imediata do desastre, funcionou de maneira precária.

Passado o momento crítico, as atenções foram voltadas para as perdas ambientais. Segundo informações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA, 2015), a barragem de Fundão continha 50 milhões de metros cúbicos (m³) de rejeitos de mineração de ferro, sendo que foram lançados ao meio ambiente 34 milhões de m³, e 16 milhões de m³ continuaram sendo liberados, o que significa que o desastre “continuou em curso” por um período considerável. O impacto do carreamento dos rejeitos afetou diretamente, em todo seu percurso, 663,2 km de corpos hídricos (IBAMA, 2015).

O Ibama, em conjunto com a Diretoria de Proteção Ambiental (DIPRO) e a Coordenação Geral de Emergências Ambientais (CGEMA), elaborou um laudo técnico preliminar em novembro de 2015 sobre os “Impactos ambientais decorrentes do desastre envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais”, ocorrido no dia 11 de novembro de 2015 (IBAMA, 2015). Segundo o relatório, o desastre ocorrido em Mariana foi classificado como sendo de nível IV – “desastre de muito grande porte” – conforme classificação da Defesa Civil, sendo esses “não suportáveis e superáveis pelas comunidades afetadas” (IBAMA, 2015, p. 2-3). O reestabelecimento das condições, nesse caso, depende de ação coordenada dos governos nas instâncias municipal, estadual e federal e, em alguns casos, inclusive através de ajuda internacional. E a evolução do acontecimento foi caracterizada como “súbita”, dada a velocidade em que ocorreu o rompimento da barragem e a violência dos eventos causadores (IBAMA, 2015).

O rompimento da barragem de Fundão, segundo o Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, “causou a destruição de 1.469 hectares ao longo de 77 km de cursos d’agua, incluindo áreas de preservação permanente” (IBAMA, 2015), devastando matas ciliares remanescentes, soterrando espécies arbóreas de menor porte, além do risco de contaminação do solo potencializado pelos rejeitos de minério de ferro. Em diversos trechos atingidos, a recuperação da mata afetada dependerá de ações de recuperação para além da recuperação natural, dada as diferentes capacidades de resiliência, além da necessidade de constante monitoramento ambiental.

Em termos dos impactos socioeconômicos, segundo o Ibama (2015), todos os municípios banhados pelos Rios Gualaxo do Norte, Carmo e Rio Doce, foram afetados de maneira distinta, tendo em vista que os municípios mais próximos à barragem, como foi o caso do distrito de Bento Rodrigues, foram os que mais tiveram danos em função da lama e dos rejeitos liberados. Porém, comum a todos, estava a impossibilidade da utilização da água, tanto no meio rural quanto no urbano, ainda que os municípios que possuem fontes de captação alternativa fossem menos afetados. Segundo a análise de qualidade da água descrita no relatório da Agência Nacional das Águas (ANA, 2016), houve a necessidade de interrupção no fornecimento de água para os municípios mineiros de Alpercata, Governador Valadares, Tumiritinga, Galiléia, Resplendor, Itueta e distrito de Aimorés. Os municípios citados apresentaram seus sistemas de abastecimento de água diretamente do rio Doce.

Para além da questão do abastecimento, houve destruição de edificações e estruturas públicas e privadas. Culturas agrícolas e agropecuárias ao longo do Rio Doce foram destruídas, de modo que a subsistência através dessas culturas e também do turismo na região não seja mais passível de ser retomada a curto prazo. Outro modo de produção de subsistência bastante afetado foi o da pesca artesanal profissional, que terá redução de sua receita por tempo ainda inestimado. O desastre gera inclusive uma perda da identidade das comunidades, dada a separação dos grupos afetados, deturpando valores intrínsecos a estes, referentes à cultura, religião, referências de lugar, costumes tradicionais entre outros danos sociais, sem falar dos óbitos ocorridos e dos desaparecidos (IBAMA, 2015).

Após o desastre, foram vários os estudos de acompanhamento e análise em diversas dimensões, principalmente da população atingida pelo desastre. O Governo do Estado de Minas Gerais instituiu o Grupo Força-Tarefa, constituído pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil, pela Advocacia Geral do Estado, pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), pelo Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam), pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e por prefeitos de alguns municípios atingidos, que avaliaram os efeitos e desdobramentos do desastre (GRUPO FORÇA-TAREFA, 2016). Estes permanecem em processo de acompanhamento, ilustrados em uma linha do tempo de atuação do Ministério Público Federal (MPF), sintetizando os principais eventos ocorridos na região (BRASIL, 2020).

Já no âmbito da saúde, Freitas et al. (2019) destacaram os desafios enfrentados pela saúde coletiva, cujos estudos envolvendo o pós-desastre relatam o aumento de internações e excesso de mortalidade até seis meses após os eventos. Outra dimensão de análise foi abordada por Zhouri et al. (2016), referente ao “sofrimento social”, ampliando o escopo do entendimento do sofrimento dos atingidos pelo desastre, abarcando a compreensão de aspectos socioculturais que influenciam diretamente os atingidos, como por exemplo, as incertezas acerca da contaminação de suas terras e fontes de água e a falta de retomada do seu cotidiano (ZHOURI et al., 2016, p. 38). No âmbito das incertezas para a população, Espindola, Nodari e Santos (2019) evidenciaram aspectos a curto, médio e longo prazos, desde a potabilidade da água até o abastecimento de água em comunidades rurais, os reais impactos do desastre e a possibilidade de ocorrência de desastres futuros.

Em termos de análise quantitativa, Silveira et al. (2017) analisaram os impactos do desastre a partir da detecção de mudanças na cobertura da terra, com dados de sensoriamento remoto (imagens de satélite Landsat 8), utilizando índices NDVI (Normalized Difference Vegetation Index). Segundo os autores, os dados e índices construídos a partir de imagens de satélite, permitiram analisar o desastre sob a ótica de áreas inundadas afetadas pelo desastre, sua rápida detecção e possibilidades de monitoramento das mudanças ocorridas nos territórios atingidos.

4 Abordagem Metodológica

A proximidade à rede de drenagem, no caso, os rios Doce, do Carmo e Gualaxo do Norte, indica uma potencial exposição de um grupo populacional residente ao perigo de uma enchente e assim aos riscos de alagamento dos imóveis, interrupção de transportes e serviços e de doenças de veiculação hídrica pelo contato direto com a água que pode estar contaminada. No caso do desastre de Mariana, a população que estava exposta a outros riscos e perigos citados anteriormente sofreu, em maior ou menor grau, com o impacto do rompimento da barragem de Fundão. Reitera-se que este trabalho observou apenas uma dimensão de análise para identificar potenciais impactos do desastre, dimensão que, em um primeiro olhar, possa buscar pela visibilização da população exposta ao risco.

Para analisar os impactos potencialmente diferentes referentes à localização da população no território, foi construída uma proxy de análise de impacto. Esse indicador refere-se à distância do corpo d’água: quanto mais próximo ao corpo d’água, maior foi considerado o risco do impacto antes do desastre e, consequentemente, maior o impacto sentido pela população que se localizava próximo a esses corpos d’água.

Os dados utilizados são provenientes de fontes distintas: dados do Censo Demográfico de 2010, disponibilizados em grades regulares (total de população, domicílios permanentes ocupados, total de população feminina e masculina) e dados vetoriais dos rios, obtidos junto à Agência Nacional das Águas (ANA), a partir de uma atualização da base cartográfica de 2012. Dessa forma, a análise proposta teve caráter exploratório, para verificar a localização da população, observando o potencial grau de impacto do desastre. O diferencial dessa análise consiste na apresentação dos dados do Censo Demográfico em grades regulares, disponibilizados pelo IBGE em 2015.

Os dados referentes às características da população são disponibilizados, muitas vezes, em suportes exclusivamente operacionais. Isso significa que não observam a distribuição espacial da população, uma vez que a ocupação humana do território não obedece a limites administrativos e aos limites das unidades de coleta. Sendo assim, a criação do sistema de grades parte da necessidade de integrar dados de diversas origens, agregados em unidades geográficas incompatíveis, além de agregar dados em unidades pequenas. O sistema de grades disponibilizado e elaborado pelo IBGE consiste em um conjunto de células regulares, dispostas em forma de grade, dividindo o território em células de 200 m x 200 m (áreas urbanas) e 1 km x 1 km (áreas rurais) (IBGE, 2016).

As vantagens apresentadas pelo sistema de grades são: estabilidade espaço-temporal, adaptação a recortes espaciais, hierarquia e flexibilidade, e versatilidade. A principal desvantagem consiste na difícil equação entre suprimir ou liberar dados referentes a pequenas áreas, por risco de quebra de sigilo estatístico. Para evitar a quebra de sigilo, é utilizada a técnica de supressão de dados, que pode ocasionar alterações nos resultados (IBGE, 2016).

Para delimitar o grau de impacto, foram consideradas duas divisões de análises de impacto: buffer de proximidade a cada 200 m e a cada 1 km, pensando na compatibilização entre a distância do buffer e o tamanho das células da grade estatística do IBGE. Para cada análise foram gerados 10 níveis de buffers, no software Terraview 4.2.2, totalizando 10 zonas de impacto (Tabela 1 e Figura 3), o que significa que a primeira análise consegue atingir uma população localizada numa extensão de 2 km a partir do rio considerado, e que, na segunda análise, a extensão totaliza 10 km.

Tabela 1.
Delimitação das zonas de impacto e respectivos buffers de proximidade
Zonas de impactoBuffers de proximidade do corpo d’água
Análise 1Análise 2
Z10 a 200m0 a 1km
Z2200 a 400m1 a 2km
Z3400 a 600m2 a 3km
Z4600 a 800m3 a 4km
Z5800 a 1000m4 a 5km
Z61000 a 1200m5 a 6km
Z71200 a 1400m6 a 7km
Z81400 a 1600m7 a 8km
Z91600 a 1800m8 a 9km
Z101800 a 2000m9 a 10km
Fonte: Elaborada pelos autores

Esquema gráfico da distribuição das zonas de impacto, buffers de distância e extensão total das análises
Figura 3.
Esquema gráfico da distribuição das zonas de impacto, buffers de distância e extensão total das análises
Fonte: Elaborada pelos autores

5 Resultados e Discussões

Para a análise de impactos foram considerados 38 municípios no estado de Minas Gerais (relatados como impactados pela CENAD e também todos os que estavam próximos aos rios)3. As divisões político-administrativas dos municípios foram utilizadas para delimitar o espaço celular correspondente à área de estudo, totalizando 51.651 células, sendo 19.088 células localizadas em áreas rurais (com dimensões de 1km x 1 km) e 32.563 células em áreas urbanas (com dimensões de 200 m x 200 m). Para verificar a distribuição espacial da população, foram selecionadas apenas as células com pelo menos um indivíduo, que correspondeu a um total de 17.039 células, representando, assim, 33% do total de células na área de estudo. A Figura 4 mostra a distribuição espacial da população na área de estudo, e a Figura 5 traz como destaque o município de Mariana, o distrito de Bento Rodrigues e a distribuição espacial da população ao longo do rio Gualaxo do Norte, que foi a mais atingida inicialmente.

Distribuição espacial das células com população para os municípios do estado de Minas Gerais
Figura 4.
Distribuição espacial das células com população para os municípios do estado de Minas Gerais
Fonte: Elaborada pelos autores

Distribuição espacial das células com população no município de Mariana
Figura 5.
Distribuição espacial das células com população no município de Mariana
Fonte: Elaborada pelos autores

Segundo os dados dispostos na grade regular, o universo de análise estimado deste trabalho apresentou 1.101.701 habitantes (em 2010)4 referentes aos 38 municípios considerados, todos localizados no estado de Minas Gerais. Destes, 89% estavam localizados nas áreas urbanas (982.267 habitantes) e 11% nas áreas rurais (119.434 habitantes). Em relação aos domicílios ocupados, dos 336.659 domicílios existentes na área de estudo, 90% estavam localizados nas áreas urbanas (301.335 domicílios ocupados) e 10% em áreas rurais (35.324 domicílios ocupados).

A extensão do buffer de proximidade da análise 1, abrangeu um total de 3.066 células com população correspondendo a 18% do total de células com população na área de estudo. De outro lado, a extensão do buffer de proximidade da análise 2 abrangeu um total de 8.496 células com população, o que corresponde a 50% do total de células com população na área de estudo.

Com relação à análise 1, verificou-se que todas as células analisadas se localizavam em área urbana, em decorrência da escolha da distância do buffer, de níveis de 200 m, coincidindo com o tamanho da célula urbana. A Tabela 2 mostra que as informações foram obtidas para cada zona de impacto, e a Figura 6 traz a distribuição espacial da população considerada na análise 1. A Z1, de maior impacto, concentrou um total de 18.251 pessoas e 5.734 domicílios, correspondendo a 98,2% do total de população e domicílios ocupados considerados na análise 1. Foi possível observar também que algumas zonas de impacto não apresentaram nenhuma célula com população e domicílio (Z6, Z7 e Z10).

Tabela 2.
Total de população e domicílios por zona de impacto dos municípios do estado de Minas Gerais atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão – Análise 1
Zona deImpactoPopulaçãoDomicílios
Total(%)Total(%)
Z118.25198,25.73498,2
Z2130,140,1
Z3460,2130,2
Z4570,3170,3
Z5580,3170,3
Z6----
Z7----
Z8810,4240,4
Z9880,5300,5
Z10----
Total18.5945.839
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados do Censo Demográfico (IBGE, 2010)

Distribuição espacial das células com população nos municípios do estado de Minas Gerais – Análise 1 (buffer 200m)
Figura 6.
Distribuição espacial das células com população nos municípios do estado de Minas Gerais – Análise 1 (buffer 200m)
Fonte: Elaborada pelos autores

Ao aumentar a extensão das zonas de impacto, coincidindo com o tamanho das células localizadas em área rural (com dimensão de 1 km x 1 km), observou-se a distribuição das células em todas as zonas de impacto (Figura 7). Destaque para a população localizada em torno do Rio Gualaxo do Norte, que foi a mais impactada inicialmente.

Distribuição espacial das células com população nos municípios do estado de Minas Gerais – Análise 2 (buffer 1km)
Figura 7.
Distribuição espacial das células com população nos municípios do estado de Minas Gerais – Análise 2 (buffer 1km)
Fonte: Elaborada pelos autores

Nesta análise, a população e os domicílios estavam localizados, em sua maioria, na zona de maior impacto (Z1), totalizando 184.828 pessoas (correspondendo a 34,38% do total de pessoas consideradas na análise 2) e 57.416 domicílios (correspondendo a 35% do total de domicílios considerados na análise 2), como mostra a Tabela 3. Em seguida, a segunda zona de maior impacto (Z2) apresentou a segunda maior concentração de pessoas e domicílios. Já as zonas de menor impacto (Z9 e Z10) apresentaram as menores concentrações de domicílio e de população.

Tabela 3.
Total de população e domicílios por zona de impacto dos municípios do estado de Minas Gerais atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão – Análise 2
Zona de ImpactoPopulaçãoDomicílios
Total(%)Total(%)
Z1184.82834,3857.41635,00
Z285.48515,9026.07315,89
Z355.17210,2616.55510,09
Z423.7564,427.4334,53
Z531.1615,809.5795,84
Z636.8836,8611.3356,91
Z756.59510,5317.01310,37
Z834.9276,5010.2506,25
Z916.6123,094.9463,01
Z1012.2152,273.4612,11
Total537.634164.061
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados do Censo Demográfico (IBGE, 2010)

Determinar a localização dos domicílios e da população, em uma escala intraurbana desagregada, faz com que potenciais análises sejam consideradas, como a distribuição da população em áreas rurais e urbanas. Segundo o relatório do grupo LESTE, Geomorfologia e Recursos Hídricos e Terra (A TRAGÉDIA..., 2016), houve diferenciação no tratamento pós-desastre entre a população urbana e rural. Como por exemplo, no município de Periquitos, o abastecimento de água foi prioridade apenas para a população urbana. A população rural dependeu de seus próprios esforços, fosse para o abastecimento de água, fosse para a dessedentação de animais. Conhecer a localização da população afetada é de suma importância para se estabelecer o grau de impacto e realizar novas ações de caráter emergencial.

Em relação à definição dos atingidos pelo desastre, a utilização da grade estatística permitiu fazer avaliações considerando a distribuição espacial da população, bem como as diversas possibilidades de impacto em função da distância dos cursos d´água. No entanto, destaca-se que os dados utilizados, referentes ao Censo Demográfico do ano de 2010, apresentam uma limitação temporal, uma vez que o desastre ocorreu no ano de 2015. Essa limitação não inviabiliza a análise realizada, mas deve ser considerada ao estimar apenas uma aproximação da população atingida.

Segundo dados obtidos junto ao relatório do Grupo da Força-Tarefa do Governo do Estado de Minas Gerais (GRUPO FORÇA-TAREFA, 2016), o total de atingidos, tanto de forma direta quanto indireta, foi de 321.626 pessoas: 18 mortos, 256 feridos, 380 enfermos, 644 desabrigados, 716 desalojados, 1 desaparecido e 319.565 afetados de outras maneiras. Para se definir um número oficial, os municípios impactados enviaram um formulário ao Grupo Força-Tarefa, o que significa uma demora na estimativa real do número de afetados. Dessa forma, a utilização das grades estatísticas para se avaliar o impacto imediato de um desastre, de caráter exploratório, sob a forma mais desagregada de dados possíveis, mostrou-se satisfatória, pois na análise realizada neste trabalho, o número de afetados subiu para 537.634.

6 Considerações finais

A constatação objetiva é que um desastre, como foi o caso de Mariana, que atingiu proporções gigantescas, com perda e alteração de vidas humanas e com decorrências ambientais gravíssimas, poderia ter sido evitado com o cumprimento efetivo das normas já estabelecidas e reconhecendo a existência de um risco construído socialmente. Isso implica na leitura do rompimento da barragem de Fundão como um desastre socialmente construído, que precisa ser entendido como um processo.

Os impactos do desastre podem ser diferentes dependendo da distância em relação aos cursos d´água que foram por ele atingidos. Através das células dispostas em grade estatística e disponibilizadas pelo IBGE, foram calculadas as estimativas da população atingida, ainda que o dado apresentasse uma limitação temporal, já que sua coleta foi realizada em 2010, havendo o desastre ocorrido em 2015. As análises sobre as estimativas da população potencialmente impactadas, de caráter exploratório, mostraram que cerca de 49% do total de população considerada na área de estudo, que abarca os municípios de Minas Gerais no presente estudo, estava concentrada em uma área com extensão de 10 km para cada lado do corpo hídrico considerado (Análise 2).

Por outro lado, considerando uma área com extensão de 2 km (para cada lado do corpo hídrico), cerca de 2% do total de população na área de estudo foi potencialmente impactada (Análise 1). Apesar do baixo valor apresentado na Análise 1, considerando uma extensão menor de área impactada, foi possível verificar que a população ali existente potencialmente sofreu maiores danos visto o caso do Distrito de Bento Rodrigues, próximo ao complexo minerário.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro concedido durante o doutorado.

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Notas

* NOTA DE TÍTULO: Parte da discussão deste trabalho foi apresentada no VII Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población / XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais em Lima, 2016.
1 MINAS GERAIS. Defesa civil. Dados do Boletim Estadual de Proteção e Defesa Civil, nº 348, 14 de dezembro de 2015. Disponível em: http://www.defesacivil.mg.gov.br/attachments/article/78/348%20DE%2014%20DE%20DEZEMBRO%20DE%202015%20-%20EVD.pdf. Acesso em: 2016.
2 BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. Estado de Minas Gerais, Município de Mariana. 7 nov. 2015. Disponível em: http://www.cbhdoce.org.br/wp-content/uploads/2015/11/Relat%C3%B3rio-MG-Presidencia-151107.pdf. Acesso em: 27 mar. 2016.
3 Reitera-se que este trabalho apresentou como área de estudo apenas os municípios atingidos no estado de Minas Gerais, o que não significa que o impacto do desastre ocorrido se limitou a esse recorte territorial. A extensão da onda de rejeito se deu até a foz do Rio Doce, no estado do Espírito Santo.
4 As análises posteriores foram realizadas tendo como parâmetro o total de população dos 38 municípios do estado de Minas Gerais, estimado na grade regular, a partir do Censo Demográfico em 2010 (1.101.701 habitantes).

Notas de autor

1 Doutora em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisadora em estágio pós-doutoral pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) – São José dos Campos/SP – Brasil. E-mail: tathiane.anazawa@inpe.br.
2 Doutor em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor Livre Docente do Departamento de Demografia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/UNICAMP) e pesquisador do Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (NEPO/UNICAMP) – Campinas/SP – Brasil. E-mail: roberto@nepo.unicamp.br.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): ANAZAWA, T. M.; CARMO, R. L. O risco construído: reflexões sobre o desastre ocorrido em Mariana, estado de Minas Gerais, em 2015. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 1, p. 234-255, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p234-255. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15835.

COMO CITAR (APA): Anazawa, T. M. & Carmo, R. L. (2021). O risco construído: reflexões sobre o desastre ocorrido em Mariana, estado de Minas Gerais, em 2015. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(1), 234-255. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p234-255.

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