DOSSIÊ TEMÁTICO: "RISCOS E DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS"
Tinha uma casa no meio do caminho: inundações e remoções em Ururaí, Campos dos Goytacazes/RJ
There was a house in the halfway: floods and removals in Ururaí, Campos dos Goytacazes, Brazil
Había una casa en medio del camino: inundaciones y desalojos en Ururaí, Campos dos Goytacazes, Brasil
Tinha uma casa no meio do caminho: inundações e remoções em Ururaí, Campos dos Goytacazes/RJ
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 1, 2021
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 09 Septiembre 2020
Aprobación: 25 Enero 2021
Resumo: O presente artigo se propõe a discutir aspectos centrais dos processos de remoções, por meio do Programa .Morar Feliz”, que foram impostos aos moradores de Ururaí, sob a justificativa do risco das inundações. Desse modo, apresentamos as contradições de um dos mais expressivos programas habitacionais desenvolvidos no interior do Brasil. Partimos da premissa que a centralidade do “Morar Feliz” não está em garantir moradia em condições dignas aos sujeitos reassentados, conquanto o objetivo fulcral foi promover processos de expropriação, que permitiram a revalorização do espaço urbano e a abertura de novos nichos de valorização para o capital, ao passo que exasperou a condição de vida dos reassentados, que passaram a conviver com um quadro de sucessivas expropriações e negações de direitos. Para tanto, a discussão apresentada teve como referência de análise o banco de dados do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais da Universidade Federal Fluminense (NESA/UFF Campos). Constatamos que o programa atua em similitude com a trajetória histórica da materialização da política habitacional brasileira, que é a de remover sujeitos que se encontram nos arcos de valorização fundiária, destacando-se a manufatura do consenso pelo discurso do risco.
Palavras-chave: Habitação de interesse social, Expropriação, Remoção.
Abstract: This article aims to discuss central aspects of the removal processes, through the “Morar Feliz” Program, to which the residents of Ururaí, were imposed, under the justification of the “risk” of floods. In this way, we present the contradictions of one of the largest housing programs developed in the countryside of Brazil. We start from the premise that the centrality of “Morar Feliz” isn’t to ensure housing in worthy conditions for resettled subjects, however, the main objective was to promote processes of expropriation, that allowed the revaluation of urban space and the opening of new valuation niches for capital, while exasperated living condition of the resettled people, who came to live with a framework of successive expropriations and denials of rights. For this, the discussion presented has as reference of the analysis database of the Núcleo de Pesquisa e Estudos Socioambientais of the Universidade Federal Fluminense (NESA/UFF Campos). We have noted that the program operates in a similar way to the historical trajectory of the materialization of Brazilian housing policy, which is to remove the subjects who are found in arches of land valuation, highlighting the manufacture of consensus by the “risk” discourse.
Keywords: Social interest housing, Expropriation, Removal.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo discutir aspectos centrales de los procesos de desalojo, a través del Programa “Morar Feliz”, a los que fueron susceptibles los vecinos de Ururaí, bajo la justificación del “riesgo” de inundaciones. De esta manera, presentamos las contradicciones del mayor programa habitacional desarrollado em el interior de Brasil. Partimos de la premisa de que la centralidad de “Morar Feliz” no está em garantizar una vivienda digna para los sujetos reasentados, aunque el objetivo principal fue impulsar procesos de expropiación, que permitieron la revalorización del espacio urbano y la abertura de nuevos nichos de valoración para capital, al mismo tiempo que exasperaba las condiciones de vida de las personas reasentadas, que empezaron a vivir em un marco de sucesivas expropiaciones y negaciones de derechos. Para ello, la discusión presentada tuvo como referencia para el análisis la base de datos del Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais de la Universidade Federal Fluminense (NESA/UFF Campos). Nosotros constatamos que el programa trabaja de manera similar con la trayectoria histórica de la materialización de la política habitacional brasileña, que consiste en remover sujetos que se encuentran en los arcos de la valoración territorial, destacándose la construcción del consenso a través del discurso del “riesgo”.
Palabras clave: Vivienda de interés social, Expropriación, Remoción.
1 Introdução
Nas primeiras décadas do século XXI, a problemática habitacional continua a se apresentar de modo muito evidenciado, configurando-se enquanto uma das expressões da “questão social”1. No Brasil, a sua forma de enfrentamento, pela via da política habitacional, historicamente se construiu tendo como prioridade a remoção das classes subalternizadas dos arcos de valorização do capital, espoliando-as para a chamada periferia da periferia, conforme inferência de Maricato (2011).
A retórica do risco tem sido instrumental ao modo de produção capitalista para a construção da manufatura do consenso dos sujeitos removidos, uma vez que permite a obtenção da legitimidade desses processos, por meio da possibilidade do fetiche da saída de uma área de risco, permitindo o acesso à casa própria, através da política de habitação.
Assim, são invisibilizados os reais objetivos das remoções, dado que a política habitacional não objetiva exclusivamente garantir o acesso à habitação em condições dignas, conforme preconizado no artigo 6º, do capítulo II, da Constituição Federal de 1988. Todavia, em grande medida, a construção da habitação de interesse social no Brasil funciona com um duplo objetivo, posto que, ao mesmo tempo em que garante o acesso à habitação, contribui para remover famílias das áreas de interesse do capital financeiro. Por conseguinte, favorece o processo de acumulação e de centralização do capital por meio da abertura de novos nichos de valorização e de atuação do capital sobreacumulado, através do setor da construção civil, como vêm demonstrando Rolnik2 (2015) e Harvey (2014).
Ao ampliarmos os horizontes das nossas reflexões sobre o Programa Habitacional “Morar Feliz” do município de Campos dos Goytacazes, mais especificamente a partir dos processos de remoções a que foi sujeitada parte da população de Ururaí, evidenciamos que tal projeto atua em similitude com a política habitacional brasileira. O Programa buscou obter o consenso da população, a partir da tragédia das inundações que foram recorrentes durante os anos de 2007 a 2013 (SIQUEIRA; MALAGODI, 2012). Dessa forma, inúmeros sujeitos de Ururaí foram removidos da sua localidade de origem e reassentados nos conjuntos habitacionais do “Morar Feliz”.
Isto posto, temos como hipótese, que guia as nossas atividades reflexivas, que os reassentamentos na localidade de Ururaí se constituem processos de expropriações, isto é, como denominado por Marx (2013), processos de transformação dos meios de vida em capital. A nossa hipótese se sustentou na medida em que foi possível averiguar que, ao serem reassentados, além de perderem a terra, enquanto espaço destinado à moradia, esses sujeitos também foram espoliados da sua base material de subsistência, uma vez que parte significativa dos moradores tinha no rio e na terra o seu meio de vida (SIQUEIRA; MALAGODI, 2012; MENDES, 2015; UFF, 2016).
Com os processos de remoções, essa parcela da população, que perdeu o quintal das suas casas no qual cultivava a pequena agricultura ou onde criava animais de pequeno porte, se viu obrigada a buscar inserção no chamado “mundo do trabalho” de forma muito mais precarizada, já que as casas do “Morar Feliz” possuem pequenos quintais, não disponibilizando espaço suficiente para a agricultura e para a criação de animais. Os pescadores também perderam o seu meio de vida ou tiveram que enfrentar novos riscos para acessar o rio, tendo que pedalar diariamente pela BR-101, que possui grande fluxo de carros e caminhões, para cortar a cidade e retornar à localidade de Ururaí. Outros comprometeram parte dos seus salários para pagar a passagem3 para transitar do bairro atual ao bairro de origem. Sem contar aqueles que, assim como os agricultores, passaram a buscar novas formas de trabalho para subsistirem no pós-reassentamento, já que alternativas de trabalho, emprego e renda não foram implementadas junto ao programa habitacional em questão.
Após as remoções, a localidade passou por um processo de revalorização e de especulação fundiária, processo fundamental à mercadorização e ao empresariamento da cidade, de modo que, no mesmo território, hoje estão sendo construídas e comercializadas residências destinadas à classe média. Isto é, por meio do discurso do risco das inundações, as classes subalternizadas de Ururaí foram expropriadas, potencializando a acumulação do capital à custa da desgraça alheia.
Nesta medida, o presente artigo4 tem como objetivo discutir aspectos centrais dos processos de remoções a que foram suscetíveis os moradores de Ururaí. Isso nos permitirá elucidar a lógica do Programa “Morar Feliz”, que aprofunda os elementos permanentes da expropriação na política habitacional brasileira.
Para tanto, sustentamos a nossa investigação em dados da pesquisa quanti-qualitativa, do “Projeto Cartografias Socioambientais e Mapeamento de Áreas de Risco de Inundações no Norte Fluminense: subsídios para a implementação de sistemas de alerta”, realizada pelo Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA/UFF Campos). A metodologia empregada consiste em uma pesquisa de survey por meio da aplicação de questionários à população da localidade de Ururaí, que reside, de acordo com o diagnóstico realizado pela Defesa Civil, em áreas de risco, em função da proximidade com o rio Ururaí, sendo, por isso, suscetível às inundações. Os entrevistados tinham, em suas casas, marcada com tinta vermelha, a sigla SMFAS, cujo significado é Secretaria Municipal de Família e Assistência Social de Campos dos Goytacazes, que coordenou o “Morar Feliz”. O objetivo era sinalizar que os moradores daqueles domicílios deveriam ser reassentados para os conjuntos habitacionais, o que até hoje não ocorreu, pois as obras do programa encontram-se suspensas desde novembro5 de 2016.
Cabe destacar que a referida pesquisa realizada pelo NESA tinha como objetivo traçar o perfil socioeconômico e histórico da população de Ururaí. Nessa medida, buscava-se realizar a pesquisa em 301 residências que se encontravam nas condições destacadas. Contudo, foi possível realizar a pesquisa em 232 residências, totalizando 77% do total pretendido. Para os limites deste artigo, destacamos algumas questões do questionário que nos forneceram elementos de análise imprescindíveis para vislumbrarmos a expropriação nesses processos de remoções. Assim, destacamos, sobretudo, as questões relacionadas à percepção do risco por parte dos moradores e a relação deles com o “Morar Feliz”.
Além disso, buscamos um aprofundamento teórico-crítico, por meio de pesquisa bibliográfica, que nos permitiu capturar os elementos que se apresentam como intrínsecos à política habitacional brasileira. À vista disso, reconhecemos a centralidade da categoria expropriação e optamos por trazê-la para debate no presente artigo. Esse caminho metodológico foi fundamental para que buscássemos aclarar a complexidade com a qual a questão habitacional vem sendo materializada, principalmente no município de Campos, que é o lócus privilegiado da nossa pesquisa. Porém, apesar de se tratar de um estudo de caso, demonstra a totalidade da política habitacional brasileira.
2 O “Morar Feliz” e o discurso do risco: a face persistente da expropriação na política de habitação
Neste artigo, buscamos trazer elementos para a compreensão da centralidade que o discurso do risco tem na trajetória da construção de medidas, de programas e de projetos destinados à promoção do acesso à habitação de interesse social no Brasil. Desta forma, é importante destacarmos que o risco vem sendo apropriado e ressignificado pelo Estado para garantir processos de remoções das classes subalternizadas, quando localizadas nas áreas centrais da cidade ou em outros espaços que, em determinado contexto, passam a ser de interesse do capital financeiro e imobiliário.
2.1 Habitação de Interesse Social e Discurso do Risco: um breve resgate
Historicamente a política habitacional brasileira tem se mostrado uma importante aliada do capital imobiliário, visto que seu objetivo elementar tem sido o de promover contínuos processos de remoções dos espaços destinados às classes subalternas para revalorização e reurbanização desses territórios, quando localizados nos novos arcos de valorização fundiária, favorecendo o processo de acumulação do capital. Para tanto, esses processos vêm sendo sustentados na justificativa do risco, a fim da obtenção da manufatura do consenso por parte dos sujeitos removidos, o que permite invisibilizar e camuflar os reais interesses das remoções forçadas.
Se estendermos nossos estudos, é possível notar que, no século XIX, período anterior ao processo de urbanização do Brasil, o país vivenciou o agravamento das expressões da “questão social”, que notadamente pode ser visto pelo empobrecimento da sua população, como resultado do fim da escravidão, tendo como consequência a emergência do trabalho livre somado ao êxodo rural e à industrialização do país, o que corroborou para a expansão desordenada das cidades. Assim, o acesso já precário à moradia se deteriorou de forma veemente ao passo que as classes subalternizadas passaram a se amontoar em vilas e cortiços, que, a partir dos anos de 1875, começaram a ser demolidos ou queimados sob a justificativa do risco dos surtos endêmicos, em decorrência da poluição do ar.
Entretanto, cabe considerar que as primeiras medidas relacionadas à habitação no Brasil realizadas nesse período não tinham como único objetivo melhorar o acesso à habitação, minorando os riscos dos surtos endêmicos. A priori, tais medidas marcam as remoções forçadas das classes subalternas que residiam na malha urbana com a sua consequente expulsão para os “morros” e para as “franjas” da cidade. Nesse sentido, foi possível promover o controle, a reestruturação e a revalorização do espaço urbano, a fim de atender aos interesses da burguesia agrário-industrial que se projetava no Brasil ao mesmo tempo em que promoveu a segregação socioespacial (BONDUKI, 2011).
Desta feita, é possível depreender que tais medidas tiveram como objetivo fulcral o que teoricamente discutimos como processos de expropriação, os quais são responsáveis pela transformação da habitação enquanto meio de vida necessário à reprodução social, em capital, como analisado por Marx (2013). Isso decorre uma vez que, no período supracitado, a intervenção realizada destinava-se a embelezar as cidades brasileiras “para inglês ver”, de acordo com Souza (2017), resultando num urbanismo “à moda da periferia” (MARICATO, 2011), que aprofundou a desigualdade socioespacial e as condições em que se dá o acesso à moradia das classes subalternas.
A lógica segregacionista e expropriatória foi mantida no século XX, quando se aprofundou a reorganização do espaço urbano a partir do processo de urbanização brasileiro. Para tanto, buscava-se por meio de grandes obras infraestruturais um aburguesamento da malha urbana à medida que se afastava a cidade real – composta majoritariamente por trabalhadores subalternizados, marcada pela pobreza e pelas desigualdades sociais – dos centros urbanos por meio dos processos de remoções, que, sob a justificativa do risco, continuava empurrando as classes subalternas para terrenos cada vez mais distantes e longínquos do centro da cidade (AZEVEDO, 2003).
É mister destacar, além disso, que o século XX também foi marcado por importantes inflexões no que se refere ao acesso à moradia no Brasil. A principal delas data de 17 de dezembro de 1930, quando os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) receberam a atribuição de reverter parte dos seus recursos para a construção de habitação para os seus beneficiários. No entanto, o objetivo de tal medida não foi o de garantir o acesso à habitação, mas sim o de promover a capitalização dos recursos dos IAPs, destinados à habitação, contribuindo para a atuação na lógica da financeirização.
Outrossim, é elementar destacar que os IAPs não eram destinados para toda a população, havendo, além do mais, diferenciação por categorias profissionais. Tal conjuntura demonstra a fragilidade das medidas relativas à habitação durante esse período, posto que se centrava mais especificamente no atendimento das demandas dos segmentos com maior poder aquisitivo, já que tinha como condicionalidade o acesso ao trabalho formal, isto é, com carteira assinada e direitos trabalhistas, excluindo, portanto, parte significativa da população brasileira e agravando a desigualdade socioespacial.
No período da ditadura militar, que representa o salto da revolução modernizadora brasileira, sob a ausência dos direitos civis e políticos, tem-se a concessão de alguns direitos sociais. Nessa medida, há novas inflexões com a criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1964, que utilizava recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para financiar o acesso à moradia das classes médias. Foi apenas na década de 1970 que o BNH abarcou as classes subalternizadas por meio da intervenção de empresas privadas que construíram prédios verticais nas periferias dos municípios brasileiros reconfigurando outra vez o espaço urbano, de acordo com os destaques de Rolnik (2015).
Apesar do significativo avanço da questão habitacional no Brasil durante a ditadura militar por meio da instauração do BNH e do SFH, é nítido que, mais uma vez, o compromisso não era efetivar o acesso à moradia. A centralidade da intervenção na habitação nesse período estava, ao contrário, na reconfiguração das cidades com vista a atender às requisições impostas pelo capitalismo monopolista.
Nessa direção, ainda é importante destacar que elementarmente buscava-se favorecer os interesses do capital financeiro, já que o acesso à habitação se dava pela lógica da financeirização das políticas sociais. Ademais, é indispensável ressaltar que o BNH atendia essencialmente à classe média e à classe média alta. Ao longo da história do BNH, apenas 20% do total das casas produzidas foram destinadas às classes subalternas.
Para as outras parcelas das classes subalternizadas que não conseguiram inserção no BNH, restou o ocaso da política urbana, isto é, as remoções forçadas, corriqueiramente amparadas na justificativa dos riscos dos surtos endêmicos, que sustentavam as medidas higienistas e segregatórias que são características centrais da política urbana brasileira. Deste modo, ampliaram-se as periferias dos municípios brasileiros, que deram lugar às autoconstruções erguidas sob a ajuda e o favor dos familiares e vizinhos (MARICATO, 2011). Isto posto, é perceptível que o BNH contribuiu para agravar a problemática habitacional, pois corroborou para aumentar a especulação imobiliária, potencializando a segregação e as desigualdades socioespaciais.
No ano de 1986, pouco após a abertura das vias democráticas brasileiras, o BNH foi extinto. É a partir da efervescência dos movimentos sociais que pulsavam por melhores condições de acesso à habitação que se tem, nas letras da Constituição Federal de 1988, a garantia da habitação enquanto um direito social, conforme já mencionado. É especialmente no artigo 182, do capítulo II, que se tem a atribuição da política urbana destinada aos municípios, alterando substancialmente a materialização da política de habitação em todo o território nacional (MARICATO, 2013).
Dessa forma, os municípios passaram a intervir de modo mais contundente na problemática da habitação, para além dos expressivos programas federais como o Projeto Moradia, durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso e o Minha Casa Minha Vida, lançado no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva. É indispensável ressaltarmos que os programas supracitados contribuíram significativamente para potencializar a financeirização da habitação em fins do século XX e início do século XXI, em decorrência da
mercantilização da moradia, bem como o uso crescente da habitação como um ativo integrado a um mercado financeiro globalizado, o que afetou profundamente o exercício do direito à moradia adequada pelo mundo […] na nova economia política centrada na habitação como um meio de acesso à riqueza, a casa transforma-se de bem de uso em capital fixo – cujo valor é a expectativa de gerar mais-valor no futuro. (ROLNIK, 2015, p. 32) [grifos da autora].
Em outras palavras, a maior financeirização nesse período ocorreu em razão de a política de habitação continuar a ter como objetivo central a satisfação dos interesses do capital. São políticas que historicamente exigem a contrapartida do pagamento para o acesso à habitação, sendo fundamental em tempos de capital fetiche e de crise, dado que serviram enquanto escoadouro lucrativo para atuação do capital sobreacumulado (HARVEY, 2014).
Foi possível, por meio da construção de imóveis, movimentar a indústria da construção civil, além de contribuir, por meio das reformas urbanas, para propiciar uma maior especulação imobiliária. Nessa medida, merece atenção6 o Programa Minha Casa Minha Vida, que foi iniciado como medida anticíclica em função do novo ciclo recessivo iniciado em 2007 nos Estados Unidos da América com o estouro da bolha imobiliária, conforme as análises de Rolnik (2015).
Entre as inúmeras políticas habitacionais materializadas nos municípios deste país de dimensões continentais desde 1988, tem-se o Programa “Morar Feliz”, desenvolvido no município de Campos dos Goytacazes, localizado no interior do estado do Rio de Janeiro, que ainda sustenta as suas ações sob o discurso do risco. Com o desenvolvimento da ciência e da medicina, porém, a utilização do risco hoje, em pleno século XXI, está acoplado aos fatores ambientais, representados pelas inundações, pelos desmoronamentos, pelas mudanças climáticas e pelos desastres naturais em geral, como testificam Valencio (2009), Siqueira e Malagodi (2012), Mendes (2015) e Gonçalves (2018).
2.2 Entre Riscos: o “Morar Feliz” em Campos dos Goytacazes
Seguindo a tendência brasileira, o município de Campos dos Goytacazes construiu o seu mais recente programa de habitação, não apenas com o objetivo de proporcionar o acesso à habitação daquela parcela da população que não possui meios próprios para adquiri-la no mercado, mas também de atender aos interesses do capital financeiro e imobiliário, havendo promovido a remoção de famílias que residiam em localidades que hoje se encontram no novo corredor logístico do município. Para tanto, aproveitou-se do risco que aqueles antigos territórios ofereciam, exacerbando-os para obter a manufatura do consenso dos sujeitos reassentados.
Nas eleições de 2008, a então candidata à prefeitura da cidade, Rosinha Garotinho (PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro), se aproveitou da recorrência das inundações naquela época (2007-2013) e do expresso deficit habitacional do município para prometer, em campanha eleitoral, que construiria 10 mil unidades habitacionais por meio do Programa “Morar Feliz”. Essas residências seriam destinadas sobretudo àquelas famílias que haviam perdido as suas casas durante as enchentes ou às famílias que estavam com as suas habitações marcadas pela Defesa Civil para serem demolidas em ocasião do risco em potencial das inundações. Além disso, também sob a justificativa do risco7, o programa foi destinado aos sujeitos que residiam às margens de rodovias e ferrovias.
Dessa feita, angariou votos e obteve a manufatura do consenso por parte dos sujeitos que foram removidos sob a justificativa de que iriam residir em melhores condições e longe do risco das inundações, como no caso de Ururaí, mais especificamente. Aos olhos de parcela da população parecia um programa formidável, já que iria garantir o acesso à habitação gratuita para muitos sujeitos que residiam em habitações precarizadas, nas denominadas autoconstruções de materiais não convencionais para a construção de habitação em condições dignas, tais como taipa, forro PVC, entre outros.
Logo após assumir a prefeitura de Campos, Rosinha Garotinho publicou no Diário Oficial, em 28 de janeiro de 2009, uma autorização para a construção de 5.100 unidades habitacionais sem que fosse realizado pela prefeitura qualquer estudo que embasasse o real deficit habitacional do município àquela época. A prefeitura utilizou os estudos realizados em 2005 pela Fundação João Pinheiro, nos quais constava que o deficit habitacional era de 11.079 casas na área urbana. Entretanto, com a recorrência das chuvas a partir de 2007, período posterior à realização do estudo, estima-se que a demanda pela habitação social tenha aumentado, posto que muitos sujeitos que outrora tinham residência perderam-nas pelo transbordo do rio. Nessa perspectiva, cabe ainda sinalizar que o Programa só foi instituído dois anos após o início das obras por meio do Decreto 055/2011.
Esse programa de grande envergadura8, que, inclusive, já teve notoriedade internacional ao ganhar o selo do programa de maior relevância social e impacto regional no 60º Fórum Nacional de Habitação de Interesse Social9, foi responsável pela criação de 5.426 unidades habitacionais, em sua primeira etapa. Essas casas foram especializadas em 14 conjuntos habitacionais, distribuídos nos seguintes bairros: Tapera I, Tapera II, Penha, Novo Jóquei, Santa Rosa, Lagoa das Pedras, Eldorado I, Eldorado II, Eldorado III, Parque Aldeia, Parque Esplanada, Travessão, Parque Prazeres I e Parque Prazeres II.
No Mapa 1 é possível visualizar a espacialização dos conjuntos habitacionais.
Todos esses bairros nos quais as unidades habitacionais foram construídas estão localizados na periferia campista, em locais desprovidos da rede de urbanização ou com a má qualidade da execução desses serviços essenciais à vida na urbe, como o acesso ao transporte, ao esgoto, à luz, à água e afins. Das 14 localidades nas quais os conjuntos foram construídos, 10 delas estão localizadas à margem esquerda do rio Paraíba do Sul, no subdistrito de Guarus. De acordo com Mendes (2015, p. 128), a espacialização do Programa foi construída “reforçando o investimento no campo habitacional nessa localidade, adensando-a e promovendo sua expansão, fora do eixo do vetor de valorização da cidade”.
Isto é, o “Morar Feliz”, assim como grande parte dos outros programas e projetos habitacionais desenvolvidos no Brasil, contribuiu para o acirramento da desigualdade socioespacial. Ao longo da história, a política habitacional brasileira vem construindo unidades habitacionais baratas, construídas em larga escala, atendendo aos interesses do capital, uma vez que alavanca a economia, por meio do setor da construção civil, ao mesmo tempo em que também é utilizada para o controle das classes subalternas, designando quais espaços podem ser acessados por este segmento da sociedade que não tem como, por meios próprios, ter acesso à habitação. Dessa forma, reforça a segregação socioespacial que
é o resultado de processos heterogêneos, que separam grupos sociais e os concentram em determinados espaços geográficos específicos, repercutindo em seu meio as desigualdades sociais comuns aos novos moradores, quais sejam, baixa renda, baixa organização social e a incapacidade de reconhecer na obtenção da nova moradia um direito e não uma benesse do governo municipal. (AZEVEDO; TIMÓTEO; ARRUDA, 2013, p. 7).
Ainda no que se refere às especificidades do “Morar Feliz”, cabe sinalizar que o programa foi financiado por recursos próprios da prefeitura de Campos, provenientes dos royalties petrolíferos10 arrecadados pelo município. Cada casa foi construída por aproximadamente R$ 100.000,00 (cem mil reais), como sinalizado pelo subsecretário de Obras da cidade, em entrevista concedida a Mendes (2015) em sua tese de doutoramento.
As casas foram construídas pela empresa Odebrecht, que também ficou responsável pela urbanização dos territórios, por meio da construção das redes de drenagem pluvial, da pavimentação de vias e de calçadas e do acesso à água e ao esgoto. As casas são unifamiliares e geminadas, edificadas num espaço de 43,09 m², nos quais há dois quartos de piso cerâmico, um banheiro de azulejos, uma sala com piso cerâmico e uma cozinha com piso cerâmico. As residências são edificadas em um lote de 140 m², parcialmente gramado.
Com a construção dessas unidades habitacionais, ao todo, mais de 5 mil famílias foram reassentadas. Parte delas, sob a justificativa do risco da inundação, dentre as quais, compete-nos destacar, os reassentamentos a que foram suscetíveis a população da localidade de Ururaí, que se constitui no estudo de caso da nossa análise, mas que demonstra a totalidade do programa habitacional campista.
Ururaí tem profunda relação com o apogeu da indústria sucroalcooleira, assim como todo o município de Campos, que já foi reconhecido nacional e internacionalmente por ser uma das maiores cidades produtoras de cana-de-açúcar (SMIDERLE, 2009). Dessa forma, a localidade começou a ser ocupada em função da Usina de Açúcar e Álcool Cupim. Os terrenos mais bem localizados foram destinados à instalação da usina, ao cultivo e plantio da cana-de-açúcar e à residência dos funcionários que tinham altos cargos. Muitos trabalhadores da usina, que tinham baixos salários, começaram a ocupar outros terrenos da localidade, seja por meio da compra, da posse, do empréstimo ou da ocupação. Entretanto, esses foram os terrenos que sobraram do ocaso da usina, nos quais as classes subalternizadas pelo capital construíram as suas residências, sendo terrenos baixos, úmidos e próximos ao rio Ururaí e ao seu afluente, o canal Cacomanga (SIQUEIRA; MALAGODI, 2012).
Em função da espacialidade desses terrenos, em momentos de chuva intensa, como as chamadas “chuvas de verão”, essa localidade convive com o transbordo do rio. As inundações de maiores proporções ocorreram em 1943 e em 1966. Mas em período recente, como nos anos de 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013, as águas também invadiram as casas, as objetividades e as subjetividades dessa população, em função dos processos traumáticos das inundações, que ocasionaram a perda de móveis, documentos, objetos afetivos, entes queridos e das próprias residências, em casos mais extremados.
Foi em função do risco da inundação, que havia ocorrido com intensidade e recorrência no período anterior e no período da construção das unidades habitacionais, que essas famílias foram removidas. É importante destacarmos que os moradores de Ururaí foram os primeiros a serem reassentados nos conjuntos do “Morar Feliz”, pois estavam com as suas casas marcadas como área de risco em função do laudo emitido pela Defesa Civil. Por esse motivo, foram também os mais sensíveis às contradições do Programa, principalmente no que se refere à espacialização, dado que foram para as primeiras unidades a ficarem prontas, não respeitando a dinâmica espacial da população. As famílias foram para os bairros do Novo Jockey, que fica a 17 km de Ururaí, para a Penha que fica a 16,5 km e para a Tapera, localizada a 5,3 km.
2.2.1 As remoções em Ururaí: elementos imprescindíveis para a apreensão da expropriação
Outras questões cruciais precisam ser sinalizadas a partir das remoções forçadas a que foram suscetíveis os moradores de Ururaí, uma vez que esses processos não só contribuíram para mudar o lugar da moradia como também para transformar radicalmente toda a dinâmica de vida dessa população. Essas questões são imprescindíveis para a compreensão dos elementos expropriatórios constituintes do programa habitacional “Morar Feliz”.
Em primeiro lugar é necessário salientar que os reassentamentos não respeitaram os laços de vizinhança e os laços familiares que existiam no bairro de origem. Assim os sujeitos foram para diferentes ruas num mesmo conjunto habitacional, sem contar aqueles que foram para outros conjuntos habitacionais. Isso agravou a condição de vida desses sujeitos, pois contribuiu para fragilizar ou desfazer as redes de confiança, amizade e solidariedade. Nessa medida, concordamos com Mendes (2015, p. 212), quando destacou que “as pessoas ganharam uma moradia, mas perderam sua morada. Perderam aquilo que dava sentido e significado ao seu habitar e que lhes permitia uma relação de pertencimento e identificação com o lugar de morar”.
Esses processos de rompimento dos laços pessoais e sociais foram ainda mais traumáticos para os adolescentes e os jovens, porque para além de terem perdido a sua rede interpessoal, também ficaram à mercê para a construção de novos laços de identificação e de pertencimento na nova localidade, uma vez que não foram construídos espaços destinados ao lazer, ao esporte e a atividades religiosas nos conjuntos habitacionais. Dessa maneira, muitos adolescentes e jovens passaram a se inserir em episódios violentos a fim de se integrarem aos moradores do novo bairro.
É indispensável ressaltarmos, além disso, uma terceira contradição do programa, que se dá em função da exposição dos moradores reassentados a locais que evidenciam um novo tipo de risco, o risco da violência. Alguns pesquisadores, como Mendes (2015) e Cortes (2016), demonstram que o aumento da violência se deu em função dos conjuntos habitacionais abarcarem moradores de distintos pontos da cidade sem que fosse observada a rivalidade territorial concernente ao tráfico de drogas. Portanto, o tráfico se apossou dos conjuntos, iniciando constantes conflitos, agudizando as expressões da violência nos conjuntos habitacionais, o que corroborou, inclusive, o retorno de muitos moradores para o seu bairro de origem, como evidenciaremos em dados mais a frente (UFF, 2016).
Uma quarta questão que merece atenção ao analisarmos o “Morar Feliz” se refere ao fato de que as remoções alteraram significativamente o chamado “mundo do trabalho” dos sujeitos reassentados, o que merece especial atenção, uma vez que a composição da renda e o acesso ao emprego são determinantes para a produção e a reprodução social.
Parcela da população que trabalhava no próprio bairro ou em bairros próximos tiveram seus vínculos de trabalho interrompidos ou tiveram que se submeter ao precário, irregular e caro transporte público campista, que, cabe ressaltar, é muito pior nos conjuntos habitacionais, já que, por não serem áreas urbanizadas, não possuíam linhas de ônibus em circulação. Outros, para não comprometerem ainda mais os seus baixos salários, passaram a se locomover de bicicleta, sendo muito mais expostos ao risco para ter como subsistir, já que tiveram que trafegar pela BR-101, sem contar aqueles que procuraram inserção em novas atividades ou ficaram expostos ao desemprego e a desalentos em função da política habitacional campista, que não se atentou para a articulação com políticas complementares destinadas, por exemplo, à geração de emprego e de renda.
As dificuldades de manutenção da renda dos trabalhadores foram agravadas em virtude de que, nos conjuntos habitacionais, não houve espaços destinados ao comércio, o que comprometeu sobremaneira os trabalhadores que tinham o pequeno comércio no quintal das suas casas (MOTA, 2012). Após pressão popular, a prefeitura concedeu autorização para realização de pequenas obras para adaptação de comércios (MENDES, 2015). Apesar disso, há de se ressaltar que, com os reassentamentos, os pequenos comerciantes, cabelereiros, manicures, revendedores de revista, dentre outros, perderam parte da sua clientela, já que os laços de vizinhança não foram respeitados nos processos de reassentamentos.
Além disso, há de se destacar ainda as dificuldades enfrentadas pelos pequenos agricultores que produziam alimentos e criavam animais domésticos nos quintais das suas casas para serem vendidos às margens da BR 101, que é contígua à localidade de Ururaí, e também pelos pescadores que realizavam as suas atividades no rio Ururaí, de acordo com os dados da pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais. Isso nos leva a identificar que os moradores de Ururaí foram separados da terra e do rio, enquanto elementos essenciais a sua subsistência, constituindo-se em verdadeiros processos de expropriação, que, não por acaso, são designados por Marx (2013, p. 961) como “processo histórico de separação entre produtor e meio de produção”.
2.2.2 A potenciação da expropriação na atualidade: o risco da inundação como legitimador da remoção
Reconhecendo a centralidade da categoria expropriação nos processos de reassentamentos promovidos pela política habitacional de Campos, a partir do discurso do risco, torna-se fundamental revisitarmos as análises de Marx (2013). Ao descrever os cercamentos ocorridos a partir do século XV na Inglaterra, o autor supracitado destaca que esses processos foram responsáveis pela “assim chamada acumulação primitiva do capital”, constituindo-se como a base do modo de produção capitalista.
Ao narrar a separação dos camponeses do seu meio de produção, isto é, da terra, Marx (2013) assinala que eles deixaram de produzir simplesmente para a satisfação das suas necessidades sociais, tendo, portanto, que trocar o cultivo, a terra, a enxada e a vida no campo pelas cidades. Nessa medida, passaram a se inserir nas indústrias nascentes, já que precisavam vender a sua força de trabalho para ter como subsistir naquele período que marcou a transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista.
Ao passo que os camponeses eram violentamente expulsos de suas terras, servindo de mão de obra barata, favorecendo o processo de acumulação “nos trilhos convenientes às necessidades de valorização do capital” (MARX, 2013, p. 983), elas foram reacessadas pelos detentores dos meios de produção como forma de ampliar a valorização do capital. Disso resultaram os processos de “clareamento” dos campos, que passaram a servir para a criação de ovelhas com o intuito da extração de lã, que era uma atividade em ascensão e altamente lucrativa naquele período.
Esses processos que “varreram” os camponeses dos campos, nos termos do pensador supramencionado, marcam as expropriações da terra e do trabalho, constituindo-se nas expropriações originárias ou nas expropriações primárias, como tão bem denominado por Fontes (2012). No entanto, mesmo que seis séculos nos separem dos eventos analisados por Marx (2013), pôde-se evidenciar, a partir das remoções em Ururaí, que esses processos permanecem, dado que a expropriação é a base do modo de produção capitalista, conforme já ressaltado.
Reconhecemos que a expropriação é a “condição inicial, meio e resultado da exploração capitalista” (FONTES, 2012, p. 22), que necessita continuamente de trabalhadores separados da terra e do rio, como no caso de Ururaí, para que, assim, aceitem trabalhar sob quaisquer condições e salários a fim de terem como subsistir. Em consequência, propiciam-se condições favoráveis ao capital no que concerne à ampliação da extração da mais-valia, uma vez que a exploração da força de trabalho é ineliminável para a valorização do valor, segundo Marx (2009).
Ao mesmo tempo, como foi possível evidenciar, as expropriações primárias são responsáveis por propiciar a reapropriação e a revalorização do espaço. Se no século XV as expropriações resultaram na reutilização dos campos para a pastagem de ovelhas, as expropriações do século XIX até os dias atuais no Brasil ocorreram com o intuito de remover as classes subalternas do espaço urbano, que saltava aos olhos do capital imobiliário a fim de que fossem “entregues ao mercado para que o capital sobreacumulado pudesse investir neles, valorizá-los e especular com eles. Novos campos de atividade lucrativa foram abertos e isso ajudou a sanar o problema da sobreacumulação, ao menos por um tempo.” (HARVEY, 2014, p. 130).
Em síntese e objetivamente, as remoções em Ururaí a partir do “Morar Feliz” tratam-se de processos de expropriação, pois, ao mesmo tempo em que os sujeitos foram reassentados para os conjuntos habitacionais em função do risco da inundação da sua localidade de origem, um novo empreendimento destinado à classe média está sendo construído naquele território, sendo, inclusive, vendido como uma alternativa para se viver bem, com uma vista para o rio, que outrora significava risco.
Risco para quem? Essa é uma indagação que deve ser feita, afinal, trata-se de risco apenas para as classes subalternizadas pelo capital, que, pela lógica burguesa, não podem conviver no mesmo espaço em que as classes altas, que passaram a ocupar o entorno da região de Ururaí, a partir da especulação imobiliária, em função da construção do novo corredor logístico do município de Campos. Portanto, as remoções, ou melhor, as expropriações oriundas da política habitacional campista corroboraram para a revalorização do espaço, permitindo a abertura de novos nichos para a valorização do capital por intermédio da construção civil.
É necessário destacarmos que esse fenômeno consiste na acumulação por espoliação (HARVEY, 2014). Para o autor supracitado, a acumulação por espoliação ocorre todas as vezes que sujeitos são espoliados dos seus bens ou direitos para que, posteriormente, um novo processo de valorização ocorra. De acordo com o geógrafo britânico David Harvey (2014), a acumulação por espoliação constitui-se na reprodução expandida do capital na atualidade. Nesta medida, a partir da década de 1970, como resposta ao quadro da crise estrutural do capital,
a privatização e a liberalização do mercado foram o mantra do movimento neoliberal, o resultado foi transformar em objetivo das políticas do Estado a “expropriação das terras comuns”. Ativos de propriedade do Estado ou destinado ao uso partilhado da população em geral foram entregues ao mercado para que o capital sobreacumulado pudesse investir neles, valorizá-los e especular com eles. Novos campos de atividade lucrativa foram abertos e isso ajudou a sanar o problema da sobreacumulação, ao menos por um tempo (HARVEY, 2014, p. 130).
Isto posto, queremos salientar que, as remoções em Ururaí consistem numa forma de acumulação por espoliação, uma vez que, sob o discurso do risco, as famílias foram removidas para a promoção da especulação e da valorização desse território, que, conforme já destacado, vem sendo reapropriado pelo capital financeiro e imobiliário.
É notável que o discurso do risco continua sendo elementar para a manipulação das classes subalternas, que ainda hoje precisam ser removidas para a revalorização do espaço urbano, como no século XV, como aferimos. E, para que se obtenha a manufatura do consenso, o “Morar Feliz” foi utilizado como uma forma de indenizar esses sujeitos sob o “fetiche” do acesso à casa própria, sonho de muitos brasileiros, e longe do risco da inundação, que, para alguns teve proporções mais traumáticas. Isto é, o “Morar Feliz” foi uma alternativa encontrada pelo poder local com o intuito de mascarar o fenômeno da expropriação, que objetiva salvaguardar os interesses do capital, dado que propiciou a abertura de novos e diversificados nichos para que o capital sobreacumulado pudesse ter destino lucrativo.
Ainda nesse sentido, é necessário frisar que, para buscar o consentimento da população reassentada, a prefeitura manipulou a possibilidade do risco da inundação, que àquela época era recorrente. Para tanto, “porta-vozes” da prefeitura foram até os bairros que estavam convivendo com as remoções forçadas, utilizando-se da violência moral11 e da pressão psicológica, para que a população cedesse às remoções, conforme evidenciam os relatos de antigos moradores de Ururaí que foram reassentados para casas do “Morar Feliz” (MENDES, 2015).
É importante destacar que o risco da inundação é uma possibilidade real em função dos aspectos geobiofísicos. Entretanto, as remoções forçadas não teriam sido necessárias, caso o poder público tivesse ofertado alternativas para amenizar os danos causados pela chuva mediante a urbanização da localidade de Ururaí, ou caso os reassentamentos fossem realizados na própria localidade ou em áreas vizinhas (TAVARES, et al, 2017). Tais desdobramentos não ocorreram dado o interesse da especulação imobiliária nesse território, ou seja, o de promover uma acumulação por espoliação (HARVEY, 2014).
2.2.3 Risco para quem? a percepção dos moradores de Ururaí
Ao considerarmos a centralidade do discurso do risco para a legitimação das expropriações da população de Ururaí, buscamos identificar alguns elementos da pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA/UFF Campos) com parte da população que ainda reside na localidade, cujas casas se encontram marcadas pela Defesa Civil como sendo áreas de risco.
Para tanto, buscamos averiguar se os sujeitos já haviam sido notificados de que as suas casas se encontram em áreas de risco. Do total dos 232 entrevistados, 48,7% afirmaram já terem sido notificados especialmente pela Defesa Civil, que marcou com tinta vermelha a sigla SMFAS, com a data da demarcação.
Já que parcela significativa da população sinalizou ter sido notificada por residir em área de risco de inundação, é importante identificarmos com que recorrência essa população foi atingida pelo transbordo do rio. A pesquisa realizada pelo NESA constatou que 67,2%12 dos entrevistados foram atingidos pelas inundações em uma única ocasião, das quais, merece destaque a enchente de 2008, quando 123 entrevistados, isto é, 53% das famílias haviam tido as suas casas atingidas. Além desses, 14,3% afirmaram que foram atingidos três vezes ou mais. Isto é, mais uma vez, é possível destacar que o “Morar Feliz” buscou oficializar a expropriação, visto que a localidade não é atingida em totalidade e com reincidência pelas inundações. Portanto, para que a população não precisasse conviver com processos tão deletérios, que não podem ser dimensionáveis, a partir dos reassentamentos, Ururaí poderia ter passado por uma reestruturação e por obras na rede pluviométrica que permitissem um melhor escoamento.
Neste segmento, é notável reconhecermos qual é a percepção do risco para os sujeitos ainda residentes na localidade. Para tanto, nos apoiamos mais uma vez nos dados da pesquisa do NESA, que demonstrou que, ao serem questionados sobre residirem em área de risco ou não, 51,7% dos entrevistados responderam “não” por considerarem que a possibilidade de serem atingidos novamente pelas cheias do rio é muito remota. Para eles, essa possibilidade é quase inexistente, pois, segundo relatos, eles vivem a vida toda nesse território e só foram atingidos pelas cheias do rio uma vez. Consideraram residir em área de risco 47,4% dos entrevistados, especialmente pela fragilidade das suas casas, que apresentam rachaduras. Ou seja, para parte significativa da população, sua casa não representa risco em razão da proximidade com o rio, mas, sim, em função da precariedade com a qual foram construídas.
É importante ressaltar que compreendemos as rachaduras e a precariedade da construção das casas como a possibilidade de um risco real e concreto, principalmente se, por ventura, as casas vierem a ser atingidas pelas inundações em outros momentos. Há de se destacar que a prefeitura se utiliza de riscos reais, buscando o consenso da população, para promover processos de remoções que garantam a efetivação do empresariamento da cidade, como podemos verificar nos reassentamentos do “Morar Feliz” da localidade de Ururaí, que, conforme já destacado, se encontra no entorno de uma área do município de Campos que está sendo reurbanizada para atender aos objetivos do capital financeiro e imobiliário (MENDES, et al., 2013), isto é, há a manipulação do risco para a promoção da acumulação por espoliação, como observado por Harvey (2014).
Ainda no que se refere à precariedade das casas, é importante notar que os moradores relataram ter receio de mexerem na estrutura das suas casas, realizando obras de adequação e melhoramento, pois estariam gastando as suas economias sem saber se serão ou não reassentados para os conjuntos habitacionais do “Morar Feliz”, já que estão com as suas residências marcadas como sendo de área de risco pela Defesa Civil em conjunto com a Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes (UFF, 2016).
Já que a possibilidade de remoção é real, como pudemos averiguar, é relevante verificar se os sujeitos desejam se mudar de Ururaí por conta da possibilidade de inundação. Foi possível evidenciar que 71 dos 232 entrevistados pretendem mudar de Ururaí. No entanto, desse total, apenas oito disseram desejar ir para os conjuntos habitacionais do “Morar Feliz”, havendo 157 entrevistados afirmado não desejarem sair de Ururaí. Esses dados demonstram que a remoção oficializada pelo “Morar Feliz” é contrária à vontade popular.
É justamente pelo fato de a maior parte da população não querer sair dessa localidade que atualmente interessa ao capital que o Estado se utilize de um discurso de risco de inundação muito mais potencializado, a fim de conseguir a legitimação dos processos de remoções. Como demonstra Rolnik (2015, p. 240), “os desastres oferecem grandes oportunidades para se lançarem reformas de larga escala e projetos de desenvolvimento ambiciosos”, isto é, para oficializar os processos de expropriações contemporâneas pela via da política de habitação.
2.3 A expropriação como elemento disjuntivo do capital
Como temos buscado demonstrar, a expropriação é uma das características centrais da política de habitação em todo o território nacional. Mas ao mesmo tempo em que as expropriações da terra são fundamentais para o capital, porque funcionam como um “fundamental remédio” para a crise estrutural, nos termos de Mészáros (1989), concorrem para exasperar a condição de vida das classes subalternas, que, para além de serem atingidas pelas cheias do rio em todas as dimensões da sua vida, são também despojadas do seu direito de morar e perdem todas as suas memórias e afetividades com a sua localidade de origem. Conforme sinalizado por Mendes (2015. p. 229), é possível “percebemos que as referências simbólico-subjetivas ainda estavam associadas às antigas moradias, pois nelas estavam expressas as relações de vizinhança e a vida em comunidade”.
Isso nos leva a testificar, de acordo com Netto (2013), que o modo de produção capitalista não tem qualquer limite civilizatório, ao contrário, é assentado na barbárie, de forma que
não pode separar “avanço” de destruição, nem “progresso” de desperdício – ainda que as resultantes sejam catastróficas. Quanto mais o sistema destrava os poderes de produtividade, mais libera os poderes de destruição; e quanto mais dilata o volume da produção tanto mais tem de sepultar tudo sob montanhas de lixo asfixiante. (MÉSZÁROS, 2009, p. 73).
Isto é, para que haja possíveis alternativas para a diminuição do ônus da crise estrutural do capital, por meio da abertura de novos nichos de valorização e de acumulação do capital, pela via da articulação entre mercado fundiário, imobiliário e capital financeiro, os sujeitos precisam ser expropriados não só da sua base territorial, mas de todas as suas objetividades e subjetividades, afinal a expropriação se trata de um fenômeno social (FONTES, 2012). As expropriações contemporâneas demonstram que, no atual contexto da nossa história denominado tardo-capitalismo,
o capital é totalmente desprovido de medida e de um quadro de orientação humanamente significativos, enquanto que seu impulso interior pela auto-expansão é a priori incompatível com os conceitos de controle e limite, e desde logo com uma auto-transcendência positiva. É por isto que corresponde à linha de menor resistência do capital levar as práticas materiais da destrutiva auto-reprodução ampliada ao ponto em que fazem surgir o espectro da destruição global, em lugar de aceitar as requeridas restrições positivas no interesse da produção para a satisfação das necessidades humanas (MÉSZÁROS, 1989, p. 102).
Desta feita, é possível testificar que a expropriação, a partir da década de 1970, que marca o tardo-capitalismo, deixou de ser a face secundária do capital para tornar-se a sua contraface necessária, conforme salientado por Fontes (2012) e por Harvey (2014). Disso, constatamos que, desde então, para além da expropriação da terra e do sobretrabalho, isto é, da permanência das expropriações originárias ou primárias, tem-se novas e potencializadas formas de expropriação, como a dos direitos, as quais reconhecemos como sendo as expropriações secundárias (FONTES, 2012).
De modo distintivo, é necessário sinalizar que as expropriações ocasionadas pela política habitacional campista, para além de retirar a base territorial e os meios de trabalho e os transformar em capital, potencializou uma série de negação de direitos. À vista disso, a perda da posse da terra concorreu para que a população convivesse com um quadro de expropriação permanente, em função do aprofundamento das expropriações dos direitos sociais.
No caso específico das remoções da população de Ururaí, foi possível constatar que os sujeitos foram reassentados para bairros da periferia que não tinham estrutura para receber grande contingente habitacional, o que ocasionou o inchaço dos equipamentos públicos, como de assistência social, de saúde e de educação.
Da negação do direito à educação, por exemplo, perdeu-se o direito ao Programa Bolsa Família, que tem como condicionalidade a inserção escolar (MENDES, 2015). Isto posto, é possível aferir que o “Morar Feliz” até pode ter garantido o direito à habitação, apesar de todas as contradições elencadas, mas negou o acesso a outros direitos justamente em função da não articulação com uma política em rede, o que fez emergir outras expressões da “questão social” na vida dos removidos.
Além da perda dos direitos, cabe-nos destacar outras penalizações a que foram expostos. Nesse sentido, é indispensável evidenciarmos que os reassentamentos aprofundaram ainda mais as condições de sobrevivência dessa parcela da população, dado que passaram a ter que arcar com uma série de taxas e despesas pelas quais anteriormente não pagavam para ter acesso, como água, luz e esgoto.
Dito isto, mais uma vez é preciso depreender que o “Morar Feliz” se constitui em processo de expropriação, porquanto confluiu para a transformação de todos os meios de vida em capital. A água, a luz e o esgoto foram transformados em capital, abrindo novos nichos de valorização para empresas privadas. Como consequência, o programa destituiu os baixos salários recebidos por esses trabalhadores, os quais, vale lembrar, foram, além do mais, separados dos seus meios de trabalho. Assim, tem-se a total subsunção do trabalho ao capital, ao passo que esses trabalhadores passarão a aceitar trabalhar sob quaisquer condições e salários para terem como acessar o que antes obtinham por meio da sua relação com a terra e com o rio, como por exemplo, os alimentos, e também para que pudessem arcar com os novos tributos e taxas, que causaram grande impacto no já escasso orçamento familiar.
Tem-se, portanto, a partir da política habitacional campista, uma despossessão bárbara, que retirou toda a base de vida das classes subalternas que foram expropriadas da sua terra e do seu modo de vida. Dessa despossessão bárbara, posteriormente foi possível promover a maior acumulação daqueles que já detêm os meios de produção, proporcionando uma acumulação por espoliação (HARVEY, 2014).
Em perspectiva, é de suma importância que o conjunto das classes subalternas se organize para confrontar o poder público quanto ao retorno da construção das obras do “Morar Feliz”, porque, como já dito, as ações foram suspensas. É imprescindível que se tenha especial atenção e articulação para que os reassentamentos não se deem sem a participação dos sujeitos envolvidos nesses processos, a fim de que sejam o menos traumático possível e possam de fato conferir a condição de acesso à moradia em condição digna a essa população.
Para tanto, é necessário ainda que se questione a materialização do Programa, que não tem cumprido os postulados do Decreto 055/2011, que dispõe ser o seu objetivo “atenuar as disparidades sociais e o flagelo das famílias campistas”, pois, na realidade, o que ocorreu foi justamente o contrário, já que o “Morar Feliz” contribuiu para o agravamento das disparidades socioespaciais a partir da sua execução, como foi possível testificar. Faz-se mister apontar que o objetivo do Programa só pode ser minimamente alcançável à medida que haja a articulação dos serviços em rede destinados a essa população, com destaque às políticas de geração de emprego e de renda.
3 Considerações finais
Buscamos, ao longo do presente artigo, demonstrar aspectos centrais dos processos de remoções a que ficou suscetível a população de Ururaí, reassentada para as unidades habitacionais do “Morar Feliz”, a partir do discurso do risco da inundação. Disso, testificamos que o Programa não objetivou apenas garantir moradia enquanto direito humano imprescindível à reprodução social, mas também buscou assegurar os interesses do capital imobiliário, ao passo que permitiu reassentar os sujeitos que se encontravam no novo corredor logístico do município de Campos, como no caso de Ururaí e da Comunidade da Margem da Linha.
Destarte, evidenciamos que o Programa campista atua em similitude com a trajetória da política habitacional brasileira, donde destacam-se como características centrais a espoliação, a segregação e a expropriação, pela manufatura do discurso do risco, que historicamente vem sendo reapropriado. Indelevelmente, a política habitacional centra-se em promover processos que confluem para a financeirização, para a acumulação e para a centralização do capital, e não para a garantia da habitação como direito social humano e fundamental. Especialmente, porque a garantia dos direitos humanos se confronta cotidianamente com os interesses do capital (FREIRE, 2014), que, como evidenciamos, não é comprometido com qualquer limite civilizatório e é sustentado na barbárie, como demonstram Netto (2013) e Mészáros (1989, 2009).
É por essa razão que as políticas habitacionais construídas até o tempo presente são baseadas em processos excludentes de civilização, como vem apontando Freire (2014). E, nessa perspectiva, tem-se uma inclusão excludente, porque inclui a população no acesso à habitação, mas de forma excludente, já que potencializa a segregação socioespacial e a manifestação de novas expressões da “Questão Social” na vida dos sujeitos contemplados com as unidades habitacionais do Programa.
Em suma, é necessário fazermos a crítica pela raiz. É, portanto, indispensável ressaltar que o “Morar Feliz” realmente removeu as famílias campistas, considerando-as como “pedras” que havia no “meio do caminho” e que comprometiam os interesses do Estado e do capital imobiliário, financeiro e rentista. Dessa maneira, mistificou-se o discurso do risco das inundações, para que os moradores de Ururaí fossem removidos e retirados de toda a sua história de vida, para propiciar novos usos lucrativos para esse território, que se constitui hoje nos novos arcos de valorização fundiária da cidade de Campos.
É preciso que se tenha a percepção de que o “Morar Feliz” se constitui em processos de expropriação, dado que permitiu a revalorização da terra, a partir da sua reestruturação, ou, nos termos de Harvey (2014), propiciou uma acumulação por espoliação. E também por concorrer para a capitalização de todas as esferas da vida dos sujeitos removidos, já que a expropriação da terra e do trabalho concorreu para potencializar uma série de despossessões bárbaras, expressas na negação dos direitos sociais, que são vislumbradas como formas contemporâneas de expropriações, como registraram Fontes (2012) e Harvey (2014), confirmando a nossa hipótese de pesquisa.
Por isso, sinalizamos ser imprescindível a compreensão acerca do que Mészáros (1989) denominou como sendo o sociometabolismo destrutivo do capital, que se apossa da tragédia alheia para buscar novos nichos de valorização e de acumulação. Análises totalizadoras podem nos permitir contribuir junto aos demais segmentos das classes subalternas para o questionamento da materialização da política habitacional, em especial, do “Morar Feliz”, para que, assim, possa-se promover, conjuntamente com outros setores progressistas, propostas de luta, de resistência e de alternativas que sejam mais plausíveis de serem efetivadas junto ao poder público e que atendam às reais necessidades da população que demanda a habitação popular.
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Notas
Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): CORTES, T. L. Tinha uma casa no meio do caminho: inundações e remoções em Ururaí, Campos dos Goytacazes/RJ. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 1, p. 129-150, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p129-150. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15870.
COMO CITAR (APA): Cortes, T. L. (2021). Tinha uma casa no meio do caminho: inundações e remoções em Ururaí, Campos dos Goytacazes/RJ. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(1), 129-150. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p129-150.