DOSSIÊ TEMÁTICO: "RISCOS E DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS"

A pandemia em contexto de vulnerabilidade socioeconômica: algumas considerações sobre Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil

The pandemic in a context of socioeconomic vulnerability: considerations about Campos dos Goytacazes, Brazil

La pandemia en un contexto de vulnerabilidad socioeconómica: algunas consideraciones sobre Campos dos Goytacazes, Brasil

Érica Terezinha Vieira Almeida 1
Universidade Federal Fluminense, Brasil

A pandemia em contexto de vulnerabilidade socioeconômica: algumas considerações sobre Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 1, 2021

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Recepción: 13 Septiembre 2020

Aprobación: 08 Noviembre 2020

Resumo: Considerando a pandemia da Covid-19 e seu espraiamento no país, em especial entre a população residente nas periferias e favelas brasileiras, negra, pobre e precarizada do ponto de vista do trabalho e do acesso aos direitos fundamentais, o artigo propõe uma reflexão sobre o conjunto de desafios postos ao enfrentamento desta pandemia no município de Campos dos Goytacazes/RJ. Sob a perspectiva dos desafios, o artigo procura enfatizar o contexto socioeconômico e político no qual o país e o município se encontram, destacando o crescimento do desemprego e da precarização do trabalho e, paradoxalmente, o desmonte dos direitos sociais e da Política de Seguridade Social com as contrarreformas neoliberais, que não só agravaram a desigualdade social, como vêm dificultando a implementação das respostas necessárias ao enfrentamento dessa pandemia.

Palavras-chave: Covid-19, Campos dos Goytacazes, Desemprego, Direitos.

Abstract: Considering the Covid-19 pandemic and its spread in the country, especially among the population living in the Brazilian peripheries and slums, black, poor and precarious from the perspective of work and access to fundamental rights, the article proposes a discussion of the challenges posed by the confrontation of this pandemic in the municipality of Campos dos Goytacazes, Brazil. Taking these challenges into account, the article emphasizes the current socioeconomic and political context of the country and the municipality, highlighting the growth of unemployment and precariousness. Paradoxically, the dismantling of social rights and social security policies promoted by neoliberal counter-reforms have not only aggravated social inequality but also hindered the implementation of the necessary responses to face this pandemic.

Keywords: Covid-19, Campos dos Goytacazes, Unemployment, Rights.

Resumen: Teniendo en cuenta la pandemia covid-19 y su propagación en el país, especialmente entre la población que vive en las periferias y barrios marginales brasileños, negros, pobres y precarios desde el punto de vista del trabajo y el acceso a los derechos fundamentales, el artículo propone una reflexión sobre el conjunto de desafíos planteados a la confrontación de esta pandemia en el municipio de Campos dos Goytacazes, Brasil. Desde la perspectiva de los desafíos, el artículo busca enfatizar el contexto socioeconómico y político en el que se encuentran el país y el municipio, destacando el crecimiento del desempleo y la precariedad del trabajo y, paradójicamente, el desmantelamiento de los derechos sociales y la política de seguridad social, con contrarreformas neoliberales, que no sólo han agravado la desigualdad social, sino que han obstaculizado la aplicación de las respuestas necesarias para hacer frente a esta pandemia.

Palabras clave: Covid-19, Campos dos Goytacazes, Desempleo, Derechos.

1 Introdução

Considerando o contexto de pandemia da Covid-19 e seu espraiamento em todo o território nacional, nas metrópoles e no interior, vem se fazendo cada vez mais necessária a articulação das diversas instituições e organizações governamentais e não governamentais tanto do campo da pesquisa quanto das práticas sociais no que se refere à prevenção, contenção e ao tratamento dessa pandemia. Desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus, em São Paulo; em março do mesmo ano as tensões e os conflitos próprios da pandemia se acumulam com aqueles gerados pela conjuntura política nacional, em virtude, particularmente, da ação beligerante do Presidente da República, bem como da sua visão negacionista e desqualificadora com relação à ciência e às organizações e movimentos de defesa dos direitos humanos.

A letalidade do vírus, que surgiu inicialmente na China, assustou pesquisadores e governantes a partir da experiência italiana, fazendo com que muitos países adotassem o distanciamento social1 como medida profilática necessária para conter o avanço exponencial da doença, enquanto se conhece mais sobre ela, sobretudo no que se refere ao seu processo de contaminação. Todavia, essas medidas sofreram muitas resistências por parte dos governos conservadores, como o dos EUA, da Inglaterra e do Brasil.

De contágio mais tardio2, o Brasil ganhou um pouco mais de tempo para se organizar e planejar as ações de prevenção e de contenção da doença. Mesmo em meio a uma conjuntura de conflitos entre setores produtivos e da saúde pública e de desentendimentos entre o Presidente da República e o Ministro da Saúde, o país conseguiu implementar o distanciamento social, que, segundo pesquisa do Data Folha, contava com o apoio de 76% da população (ZANINI, 2020), mesmo com as manifestações presidenciais de que a Covid-19 se tratava de uma “gripezinha” e com sua posição favorável à abertura do comércio.

Representando teses e interesses distintos, Presidente e Ministro da Saúde, em plena crise sanitária, defenderam publicamente agendas antagônicas. Enquanto o Ministro da Saúde defendia a agenda da OMS e se pautava nos estudos científicos, o Presidente da República, em ações midiáticas, negava não apenas a gravidade da pandemia como também as recomendações da OMS e das demais instituições de pesquisa e organizações médicas. As tensões atingiram o seu ponto máximo com a demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e sua substituição pelo também médico Nelson Teich, que não ficou sequer um mês à frente do Ministério. Cabe salientar que desde a saída de Teich, o Ministério da Saúde, em plena agudização da crise sanitária não tem ministro. Num período de mais de um mês, reponde pela pasta, como ministro interino, o general Eduardo Pazuello e sua “tropa” de indicados para os cargos mais importantes, em uma ação estratégica de “ocupação” militar do ministério, à revelia das legislações, diretrizes e programas do SUS3.

Criticado por um conjunto de atores econômicos, o distanciamento social no país não chegou a atingir os níveis desejados. Mesmo com a redução da jornada de trabalho com a redução da remuneração, das férias coletivas e demissões, muitos trabalhadores formais continuaram trabalhando, colocando em risco a própria saúde e a dos seus familiares. Segundo pesquisa sobre a mobilidade urbana durante o período da pandemia em São Paulo e sua relação com a difusão da pandemia, demonstrou uma forte associação entre os locais que mais concentraram as origens das viagens com as manchas de concentração do local de residência de pessoas hospitalizadas com Covid-19 e Síndrome Respiratória Grave (SRAG) sem identificação, possivelmente casos de Covid-19. A conclusão foi a de que as pessoas que tiveram que sair para trabalhar utilizando transporte coletivo foram as mais afetadas pelo coronavírus (ZIEGLER, 2020).

Na outra ponta, a dos segmentos mais vulneráveis da classe trabalhadora, assalariados informais, autônomos precarizados, empregadas domésticas e faxineiras, ambulantes, motoboys e catadores de recicláveis, as demissões, a ausência dos direitos, das condições de trabalho fundamentais e de um mínimo de proteção social impôs uma decisão nada nobre: “ou eu trabalho ou eu não como”.

Em março do mesmo ano, pressionado politicamente em função da agudização da crise, o governo federal envia uma proposta de benefício emergencial à Câmara dos Deputados. Segundo Felipe Betim (2020), “o ministro da Economia, Paulo Guedes, previa inicialmente um voucher de 200 reais mensais por um período de três meses para 38 milhões de trabalhadores que estão na informalidade. A proposta foi considerada tímida e insuficiente, o que fez o Governo considerar um valor de até 300 reais”. Ainda segundo Betim (2020),

uma coalizão de partidos de oposição de esquerda colocou uma nova proposta na mesa, com a possibilidade de conceder um salário mínimo de benefício e alcançar 100 milhões de pessoas, metade da população brasileira […] O projeto costurado na Câmara, e ao qual o Governo acabou embarcando, finalmente chegou a um valor de 600 reais por adulto, ou 1.200 reais para famílias, incluindo as com mães solteiras.

Ratificada pelas lideranças do Senado, o benefício do auxílio emergencial é sancionado pelo Presidente da República (Lei nº 13.982, de 02/04/2020), para ser pago em três parcelas. Têm direito a esse benefício os maiores de 18 anos; aqueles que não têm emprego formal; os que não recebem nenhum outro benefício, como aposentadoria, BPC, seguro desemprego, auxílio doença, entre outros (exceto Bolsa Família); as famílias com renda por pessoa de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou com renda total de até 3 salários mínimos (R$ 3.135), em 2018; aqueles que não receberam rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70, ou seja, não houve necessidade de declarar Imposto de Renda e, ainda, os microempreendedores individuais (MEI), os contribuintes individuais ou trabalhadores informais, sejam eles, empregados, autônomos ou desempregados4.

Concebido inicialmente para durar três meses, o auxílio emergencial foi prorrogado por mais dois meses (julho e agosto) com o mesmo valor. No entanto, considerando as previsões nada animadoras com relação à duração da pandemia e as suas sequelas nos indicadores econômicos nacionais, particularmente na elevação da taxa de desemprego, o governo institui o Decreto nº 10.488, que regulamenta a Medida Provisória nº 1.000, que cria o auxílio emergencial residual por mais quatro meses, até 31 de dezembro de 2020, com o valor de R$300,00 (trezentos reais). Extremamente relevante, o benefício do auxílio emergencial teve um impacto positivo não apenas na renda das famílias, mas também nas economias locais, sobretudo nos estados das regiões Norte e Nordeste. Todavia, sua natureza emergencial e provisória, em um contexto de aprofundamento da crise econômica, tem mobilizado diversas organizações da sociedade civil não apenas em favor de uma política de geração de emprego, mas também de um programa nacional de renda básica de cidadania, assegurado constitucionalmente e de caráter universal.

Antes de propor uma análise da pandemia per se, ou seja, do ponto de vista das suas manifestações na vida social, este artigo pretende apresentar os desafios do ponto de vista da reprodução social das famílias, particularmente aquelas mais vulneráveis social e economicamente, antes mesmo da chegada do Corona vírus. Além disso, interessa problematizar as escolhas governamentais antes e depois da pandemia no que se refere às ações de proteção social, particularmente aquelas vinculadas à proteção do trabalho e dos direitos sociais. Nessa perspectiva, pretende-se demonstrar, com a contribuição dos autores e dos dados estatísticos, que a emergência da pandemia no Brasil se dá em um contexto de agravamento da crise do emprego e de regressão no campo dos direitos, o que implica considerar: i) o avanço do desemprego e da precarização do trabalho, experimentados pelo país desde 2015 e o seu agravamento com a crise sanitária; ii) o contexto de desregulamentação e de flexibilização do trabalho com a aprovação das Reformas Trabalhista e da Terceirização; e iii) o contexto de desmonte dos direitos sociais e de desproteção social com a aprovação da Lei do Teto dos Gastos e da Reforma da Previdência, acompanhada da redução dos orçamentos da Educação, da Saúde e da Assistência Social. Nesta perspectiva, é impossível pensar o enfrentamento da Covid-19 no país sem levar em consideração o processo recente de (des)cidadanização da sociedade brasileira, levado a cabo por um conjunto de PEC (Projetos de Emenda Constitucional) que não tiveram outra intenção senão a de destruir o Sistema de Proteção Social conquistado, a duras penas, na Constituinte de 1988. Duramente criticada pelas suas limitações e assimetrias, o que não é inverdade, a Seguridade Social continuou, nesses 30 anos, a ser objeto de disputa entre as diferentes forças políticas e agentes econômicos e corporativos no Congresso e fora dele. Alvo dos neoliberais, que justificam o enxugamento dos gastos sociais em favor dos investimentos para o capital, foram inúmeras as mutilações na Seguridade Social, antes mesmo que ela se realizasse plenamente.

Para além do número de infectados e mortos pela pandemia da Covid-195 e dos indicadores referentes ao desemprego e à precarização do trabalho, as recentes manifestações dos trabalhadores da saúde, em várias localidades, contra o não pagamento de salários, a precarização dos vínculos e das condições de trabalho e a primeira mobilização nacional dos motoboys contra a desumanidade nas suas relações de trabalho expõem a grave crise dos direitos no país. E mais, a pandemia revela os efeitos perversos da desigualdade socioespacial e étnico-racial, enfatizando as opressões de gênero e étnico-racial e chamando a atenção para a incapacidade do neoliberalismo, entendido como forma de governo da burguesia financeira mundial, para responder aos determinantes da pandemia e não apenas às suas sequelas.

2 Algumas considerações sobre o contexto nacional mais recente e seus desafios

Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou o seu Plano Estratégico para ampliar o acesso à saúde de qualidade ao redor do mundo. Neste Plano, a OMS apresentou dez problemas de saúde pública que precisam ser enfrentados para evitar o que eles chamam de “mortes desnecessárias”. Entre eles, destacam-se três grupos de doenças diretamente relacionadas às práticas econômicas e suas sequelas: as doenças decorrentes da poluição do ar e da mudança climática; a pandemia global de gripe e a resistência bacteriana. Como se pode observar, não são poucas as ameaças provocadas pela destruição do planeta. Em seu recente ensaio sobre a pandemia da Covid-19, Santos (2020) afirma que, enquanto as crises passageiras tendem a ser explicadas por suas consequências; no caso das crises permanentes, são elas que explicam as suas sequelas, sugerindo que a pandemia atual, também ela, é uma expressão da crise do capitalismo, ou do hipercapitalismo, concebido como a síntese do capitalismo financeiro, do racismo e do patriarcado.

Mais de dois séculos após a Revolução Industrial, as sociedades, de modo desigual e combinado, vêm enfrentando problemas típicos do início do capitalismo, como fome, extrema pobreza, precarização do trabalho, condições de trabalho análogas às da escravidão, aumento das doenças contagiosas, pandemias, falta de saneamento e de infraestrutura urbana e crise da democracia liberal. Como se não bastassem, eles vêm acompanhados de novos problemas associados ao avanço da técnica. Segundo Acselrad,

As práticas dominantes da indústria e da agricultura em grande escala impuseram, de fato, seus usos privados aos espaços comuns do ar e dos cursos d´água […]. Os vírus infecciosos disseminados nas últimas décadas são relacionados, por biólogos e filogeógrafos, ao uso intensivo de antivirais na criação industrial de animais, lócus de reprodução e mutação de vírus resistentes. A revolução na criação de animais transformou a ecologia da gripe, levando especialistas a alertar, desde o surto de Hong Kong em 1977, para a possibilidade de um apocalipse viral. (ACSELRAD, 2020, p. 2).

Contrariando as teses daqueles que pensaram ser possível “colocar o guiso no pescoço da onça”, numa analogia ao processo de regulação social e democratização do capitalismo, o novo regime de acumulação, sob o comando dos rentistas parasitários, demonstrou que o capitalismo está mais autorregulado do que nunca e que assim seguirá se não encontrar resistências.

No Brasil, as mudanças recentes que marcaram a conjuntura socioeconômica e política, em especial, a partir do impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a instalação dos governos Temer e Bolsonaro, não só colocaram fim aos chamados governos progressistas e de preocupação social, como também criaram as condições necessárias para o retorno de governos ultraneoliberais comprometidos com a agenda de privatização, de cortes nos orçamentos das Política Sociais e com a agenda de precarização e de superexploração do trabalho. Passados cinco anos do Golpe que depôs a presidente Dilma Rousseff, o país perdeu posição em quase todos os rankings relacionados aos direitos humanos e ao bem-estar social, indicando uma inflexão na condução da agenda pública, sobretudo no que se refere à criação de empregos e a sua formalização e à expansão da cobertura da proteção social pública, provocando uma forte desconfiança com relação aos motivos e à legalidade do impeachment e de um conjunto de situações que o acompanharam.

Em 1992, 31,4% e 13,6% da população brasileira encontravam-se na condição de pobres e extremamente pobres, respectivamente. Em 2015, esse percentual baixou para 8,3% e 3,1%, uma redução de 73% da pobreza e de 77% da extrema pobreza (OXFAN, 2019), graças ao reconhecimento, em maior ou menor grau, da desigualdade como problema público e da efetivação de uma agenda social mínima, ora assentada em uma assistência social focalizada, como nos governos de FHC, ora ampliando a cobertura dos programas assistenciais e articulando-os à política de geração de emprego e de proteção do salário-mínimo, como nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). No entanto, depois de deixar o Mapa da Fome, em 2014, e de reduzir drasticamente a pobreza extrema, os dados da FAO (agência da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Segurança Alimentar) indicaram que 2,5% da população brasileira, ou seja 5,2 milhões de pessoas, passaram fome em 2017, chamando atenção para a possibilidade de o país retornar ao Mapa da Fome (OXFAN BRASIL, 2017). E mais, a Oxfam Brasil destacou que a redução da desigualdade de renda estacionou no Brasil, pela primeira vez, nos últimos 15 anos, com a diminuição drástica dos gastos sociais no Orçamento Federal, no ano de 2016.

Em consequência do aprofundamento da crise econômica e dos desdobramentos da crise política, a partir de 2016, em 2018 foram registrados 13,5 milhões de pessoas na condição de extrema pobreza, ou seja, com renda mensal per capita inferior a R$145 reais, ou U$S1,9 dólares/dia, atingindo 6,5% da população (IBGE, 2019). Ainda de acordo com o IBGE (2019), ¼ da população brasileira, em 2018, encontrava-se em situação de pobreza, com rendimento mensal per capita inferior a R$420 reais ou US$5,5 dólares/dia, perfazendo um total de 52,5 milhões de pessoas. Desse universo, 38,1 milhões (73%) eram negros e pardos com rendimento domiciliar per capita médio 50% inferior àquele recebido pelos brancos, evidenciando uma desigualdade socioterritorial e racial que não seria superada apenas com políticas assistenciais, ainda que elas fossem necessárias. Em relação às condições de moradia, o IBGE (2019) aponta que 35,7% dos lares brasileiros ainda não contavam com o serviço de esgotamento sanitário, em 2018. A proporção aumentava para 56,2% quando se considerava a população que vivia em condições de pobreza extrema. Quanto à coleta do lixo, apenas 9,7% não eram atendidos com esse serviço, contra 15,1% dos domicílios sem abastecimento da água por rede. Entre os mais pobres, esses índices saltam para 21,1% e 26%, respectivamente. Entre pretos e pardos, 42,8% não são atendidos com coleta de esgoto; 17,9% não têm abastecimento de água por rede; e 12,5% não têm acesso à coleta de lixo.

Com relação à evolução da taxa de desemprego não foi muito diferente. Embora este tenha quase dobrado em 2015, não se pode esquecer de que ele veio diminuindo no período de 2003 a 2014. Em 2005, durante o primeiro governo Lula, essa taxa deixava os dois dígitos, caindo para 9,8%. Ao final do segundo governo Lula, em 2010, a taxa de desemprego atingiu 7%. No governo de Dilma Rousseff, a taxa de desemprego despencou, atingindo os patamares de 5,5% e 4,8%, em 2012 e 2014, respectivamente. Ou seja, no ano anterior à crise de 2015, o Brasil registrou a sua menor taxa de desemprego. Os governos petistas com todas as suas contradições e limites produziram algo inédito na história recente do país mais desigual do mundo – uma situação de “pleno emprego” em contexto de hegemonia mundial do neoliberalismo e do ajuste fiscal.

Impulsionada pelos Grandes Investimentos orientados para as exportações das commodities primárias e semi-industrializadas, a economia brasileira conseguiu gerar mais de 20 milhões de novos postos de trabalho formal nos governos petistas. Ainda que grande parte dos empregos ficasse entre 1 e 2 salários-mínimos, os governos petistas conseguiram responder positivamente à agenda de criação de emprego pelo menos até 2014. Todavia, a crise mundial de 2008 e o fim do ciclo “prosperidade” das economias capitalistas pressionaram a economia brasileira com a redução das exportações e, por conseguinte, do superavit da balança comercial, diminuindo a sua capacidade de investimento.

A partir de março de 2014, o início das operações da “Lava Jato”, com as prisões e delações premiadas denunciando a natureza corrupta dos contratos de grande parte dos investimentos, particularmente, nos setores do petróleo e gás e da construção civil (PAC 1 e 2), azedou o ambiente político e contaminou gravemente a economia nacional. A “Lava Jato” com seumodus operandi 6 e o aumento do desemprego forneceram o argumento que faltava aos adversários do PT e da sua agenda social. Para Campos (2019, p. 3), “sob o pretexto de combater a corrupção, a operação (referindo-se à Lava Jato) paralisou empresas, consumiu milhares de empregos e atrofiou a cadeia produtiva do ramo econômico a uma fração ínfima do que subsistia anteriormente”. Continuando, Campos (2019, p. 3) afirma que “nesse mesmo período, a construção pesada fechou um milhão de postos de trabalho no país, o equivalente a 40% das vagas de emprego perdidas na economia”.

Na mesma direção, Paula e Moura (2019) acreditam que a desestruturação dos setores de construção civil e petróleo/gás contribuiu significativamente para o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015 e levou à desarticulação de alguns dos poucos setores em que o capital doméstico era competitivo a nível internacional. Para os autores,

A retração aguda da atuação da empresa reverberou no corpo de funcionários e em inúmeros projetos junto a outras firmas, contribuindo para uma redução dos trabalhadores empregados formalmente no Sistema Petrobras de 86.108 para 68.829 entre 2013 e 2016, e de 360.180 para 117.555 entre os terceirizados no período equivalente […]. Em síntese, o segmento de petróleo e gás foi a ponta de lança do processo de desestruturação econômica e desmonte da engenharia e infraestrutura do Brasil; acentuando uma tendência grave de desnacionalização de nossas atividades produtivas no geral. (PAULA; MOURA, 2019, p. 6).

Não se pode negligenciar, também nesse contexto, as mobilizações de 2013, conhecidas como “Jornadas de Junho”, que sacudiram o país cobrando respostas dos governos em geral no campo da efetivação universal dos direitos sociais e foram violentamente reprimidas pela ação policial. A ausência de respostas mais dialogadas com os movimentos sociais, situação que foi evitada durante os dois mandatos do governo Lula,7 acabou acirrando as contradições no campo “progressista”, abrindo espaço para o protagonismo dos movimentos conservadores, que souberam usar politicamente esses conflitos para iniciarem a sua pseudo “cruzada contra a corrupção”. Associada aos impactos socioambientais dos Grandes Investimentos junto às Comunidades Tradicionais, essas experiências acabaram contribuindo para afastar os movimentos sociais e organizações sociais e sindicais do governo Dilma Rousseff, deixando as ruas livres para os movimentos conservadores articulados sob o manto da luta contra a corrupção.

Mais tarde, a prisão de Lula, principal liderança do PT e candidato à presidência da República em 2018, embaralhou a sucessão de Temer, fragmentando o campo progressista, que assistiu atônito ao crescimento da candidatura do então deputado federal Jair Bolsonaro, que contou com o apoio maciço da burguesia agrária, empresarial e financeira, assim como da classe média tradicional composta majoritariamente por profissionais liberais e, como não poderia deixar de ser, das lideranças mais conservadoras de diferentes religiões.

Para um conjunto de autores, a urbanização apressada no fim dos anos de 1960 em decorrência do ciclo de expropriações no campo e a ausência de respostas públicas com relação à demanda social por moradia e por infraestrutura urbana nos anos que se seguiram provocaram, nas palavras de Kowarick (1979), um processo de “espoliação urbana”, que associava, de modo perverso, a integração subalterna da força de trabalho empobrecida ao mercado de trabalho urbano, graças às péssimas condições de reprodução social nas periferias das cidades. Relegados às áreas desvalorizadas e distantes do centro, sem os bens e serviços públicos fundamentais, essa parcela mais empobrecida da classe-que-vive-do-trabalho foi sendo modelada pela segregação socioespacial e pela fragmentação social.

O fim do ciclo de prosperidade econômica, em 2015, e a quebra do compromisso político do PT com o processo de integração social pelo trabalho não foram suficientes para se compreender a crise do governo Dilma Rousseff. Mesmo antes de 2013, as parcelas mais empobrecidas, beneficiárias ou não do Programa Bolsa Família, já manifestavam suas expectativas com relação à educação profissional e universitária e com a possibilidade de se integrar no mercado de trabalho em melhores condições, o que foi frustrado em 2015. Mesmo com os avanços conquistados via política de cotas sociais e raciais nas Universidades8, entre outros importantes programas, a persistência de uma lógica residual e focalista nas políticas públicas, em detrimento da sua efetivação universal, contribuiu muito para a construção de uma representação e narrativa sobre os limites dos governos do PT, ainda que muitas delas desarticuladas e sem consciência.

Mesmo depois do golpe contra Dilma Rousseff, o desemprego continuou a crescer e, em 2019, atingiu 13 milhões de trabalhadores. Além dos desempregados, foram 6,8 milhões de subocupados e quase 5 milhões de trabalhadores em situação de desalento. E mais, negociada como a “salvadora do emprego”, a Reforma Trabalhista (2018) não cumpriu as promessas daqueles que a defenderam, acirrando ainda mais as desigualdades no mercado de trabalho e retirando direitos de uma classe que já vivia em condições bastante precárias. A informalidade cresceu atingindo 44% ou seja, 41 milhões de trabalhadores e trabalhadoras, jovens e adultos, sem nenhum direito trabalhista e previdenciário.

A agudização da desigualdade social crônica no país não se dá apenas em função do desemprego crescente, mas também pela ausência de políticas de proteção social universal que atendam às necessidades sociais das famílias brasileiras e a sua reprodução social em condições de bem-estar. Mesmo com limites na sua cobertura, abrangência e articulação, o Programa Bolsa Família (PBF) conseguiu garantir, ainda que minimamente, a reprodução social das famílias mais empobrecidas, permitindo-lhes alguns direitos fundamentais negados pelas relações de mercado. Em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff, o PBF atingiu 13.980 milhões. Em 2017, com Temer, esse número baixou para 13.560 milhões, mantendo-se em 13.500 durante todo o ano de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Em 2020, ele voltou a diminuir, atingindo 13.070 milhões, mas, diante das pressões da pandemia, o governo decidiu pela inclusão dos 1.220 mil beneficiários que aguardavam, e o PBF pagou 14.280 milhões de famílias, segundo informações do Ministério da Cidadania (BRASIL, 2020).

Com relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), embora os governos Temer e Bolsonaro tenham tentado reformá-lo durante a Reforma da Previdência, reduzindo a idade mínima para 60 anos e desvinculando-o do salário mínimo, houve uma rejeição do Congresso Nacional à proposta, que seguiu como estava. Mais tarde, o próprio Congresso voltou a propor alterações no benefício, modificando o critério de renda per capita para a inclusão no benefício, que agora é de ½ salário-mínimo de renda mensal per capita e não mais de ¼ do salário mínimo. Atualmente, o BPC cobre 3,6% dos domicílios do país. Com a mudança da per capita, essa cobertura tende a aumentar e a fazer um pouco mais de justiça social para com os idosos que, em virtude da ausência da carteira assinada, não conseguiram ter a sua aposentadoria, e para as famílias com pessoas com deficiências em situação de pobreza. Importante salientar que, assim como a aposentadoria rural, o BPC tem sido um benefício extremamente importante no que se refere à distribuição de renda e ao enfrentamento da pobreza no país.

Tendo à frente o rentista Paulo Guedes e assentado na aprovação da PEC 95, também conhecida como PEC do “Teto do Gasto”, que condiciona, por 20 anos, os investimentos públicos ao reajuste da inflação, com exceção dos gastos com a dívida pública, as sequelas não poderiam ser outra. A elevação do índice de Gini sintetiza a tendência dos dois últimos governos ultraneoliberais com relação à concentração da riqueza e da renda. Segundo o IBGE (PNAD, 2020), o índice de Gini, que mede a desigualdade social, voltou a crescer depois de alcançar a sua menor taxa em 2014 e 2015, com 0,51 e 0,52 respectivamente. Em 2017, ele alcança 0,53, crescendo para 0,54 nos anos de 2018 e 2019. Em 2020, o índice de Gini chega a atingir 0,56, ratificando a tendência de escalada do Gini e, portanto, de um movimento de concentração da renda iniciado a partir de 2016.

Cabe destacar que o pagamento do auxílio emergencial, já salientado neste artigo, contribuiu para atenuar o Gini de 2020, depois de vários anos de alta. Com o auxílio, o índice de Gini de 2020 recua e atinge o seu menor patamar, caindo para 0,49. Essa queda tem uma relação direta com o benefício e, portanto, com o seu impacto na renda das famílias, indicando o potencial distributivo dos programas de transferência de renda, sobretudo em países com altas taxas de concentração de renda, como é o caso do Brasil. Segundo os técnicos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil/UNAFISCO, no caso brasileiro, não se deve falar em 1% dos mais ricos para apresentar a concentração de renda nacional. Para os auditores, no Brasil há uma hiperconcentração da renda nacional, onde apenas 0,1% da população é responsável por 30% de toda a riqueza nacional9.

Ora, se o contexto atual já indicava um cenário crescente de dificuldades e de tensões em função da persistência e/ou aprofundamento do quadro de desigualdade socioterritorial, a chegada da Covid-19 no país revelou o que já não era novidade: a profunda irresponsabilidade política do Palácio do Planalto que, diante da pandemia, optou pelo “fazer morrer e deixar viver” (AGAMBEN, 2002). Aqui, mais uma vez, a ação do Estado brasileiro se aproxima do “estado de exceção” descrito por Agamben (2002), ou seja, de um estado que, embora exista à revelia do ordenamento jurídico existente, está presente nas decisões do poder soberano sobre a “vida nua”, aquela que, desprovida de valor político, pode ser matável sem que isso seja considerado homicídio/genocídio. Em síntese, a politização da vida como tecnologia de poder e de controle das populações tem permitido aos Estado Modernos, num contexto cada vez mais marcado pelas exceções, decidir sobre qual vida é “digna de ser vivida”; uma decisão mais político-instrumental do que ética.

Na compreensão de Lúcio Kowarick (2009), não é outra a situação de milhões de brasileiros e brasileiras em situação de vulnerabilidade socioeconômica e civil, trabalhadores precarizados, empobrecidos, negros e periféricos.10

Para Santos (2020), o hipercapitalismo não tem nada a oferecer à sociedade do ponto de vista da cidadania e dos interesses públicos como interesses compartilhados e comuns. Daí a sua afirmação de que a crise que se vive atualmente não se restringe a uma crise sanitária; ela é muito mais do que isso. Ela articula elementos históricos de negação de direitos e, portanto, de reconhecimento de uma imensa parcela da população, invisibilizada politicamente e desumanizada pelo Estado. Nesse sentido, pode-se afirmar que a atual pandemia vem desafiando a “democracia” brasileira sobre a sua capacidade de produzir consenso em torno do enfrentamento do processo de politização da vida, no qual a vida, privada do seu valor, é julgada pela sua utilidade e pelos cálculos políticos mais convenientes, desmanchando qualquer perspectiva de tratamento igualitário da população, independente da sua classe social, gênero, cor/etnia, orientação sexual, religião e, mais recentemente, se civil ou militar.

Os indicadores relativos à contaminação e mortes pela Covid-19 sugerem uma imensa assimetria no que se refere às classes sociais e também às etnias, com destaque para os negros e indígenas11. Segundo o boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, em maio as pessoas brancas eram a maioria entre os internados (51,4%) por Covid-19, porém, 54,8% dos óbitos registrados eram de pessoas pretas e pardas (SANDES, 2020). Dados da PNAD Contínua (IBGE, 2020) demonstram que as pessoas pretas ou pardas representaram 70% dos que apresentaram algum dos sintomas conjugados e que as mulheres retrataram 57,4%. Entre as pessoas que apresentaram sintomas conjugados, 31,3% (ou 1,3 milhões de pessoas) procuraram atendimento em estabelecimento de saúde; 78% deles buscaram atendimento em estabelecimentos públicos de saúde (postos de saúde, equipe de saúde da família, UPA, Pronto Socorro ou Hospital do SUS), demonstrando a importância do SUS para os brasileiros e da resistência à privatização da saúde pública.

No que se refere aos dados do mercado de trabalho durante a pandemia, os dados da PNAD Contínua (IBGE, 2020) relativa ao conjunto dos meses de março, abril e maio de 2020 apontam uma população ocupada, de 85,9 milhões, com queda de 8,3% com relação ao trimestre anterior, e uma população desocupada de 12,7 milhões de pessoas, um aumento de 3% com relação ao trimestre anterior. O número de empregados com carteira de trabalho assinada, no setor privado (exclusive trabalhadores domésticos), caiu 7,5% com relação ao último registro, e a taxa de informalidade registrou 37,6% da população ocupada, uma taxa inferior àquela registrada anteriormente, de 40,6%, em virtude das dificuldades trazidas pela pandemia no que se refere à mobilidade dos trabalhadores em tempos de distanciamento social e de crise de alguns setores como a construção civil e do emprego doméstico, como indicam os dados a seguir. Três setores se destacam entre aqueles que foram mais afetados pela pandemia, de acordo com a PNAD Contínua (IBGE, 2020): alojamento e alimentação (-22,1%); serviços domésticos (-18,7%) e construção (16,4%). Vale registrar que esses setores, mais sensíveis à crise sanitária, são também os que mais empregam, especialmente, a força de trabalho de baixa renda, que já vem sendo penalizada nos últimos cinco anos.

3 Um breve perfil das famílias em situação de pobreza em Campos dos Goytacazes

Tendo em vista os indicadores locais provenientes de diversas pesquisas, como o Censo (IBGE, 2010)12, a pesquisa do NETRAD realizada nos anos de 2009, 201013 e apresentada nos artigos de Almeida; Monteiro (2011) e Almeida; Rangel (2014), o Plano Municipal de Assistência Social (PEREIRA; OLIVEIRA; AZEREDO, 2018) e o Diagnóstico Vulnerabilidade Social presente nos Territórios no município de Campos dos Goytacazes – contexto da pandemia do coronavírus (CORDEIRO; GARCIA, 2020a), pretende-se problematizar alguns aspectos relativos às condições de vida e de trabalho das famílias em situação de pobreza, chamando atenção para os desafios no que se refere ao enfrentamento das expressões da questão social, também em escala local.

No entanto, considerando o espaço do artigo, ganharam destaque, nesta análise, as informações que contribuíram mais diretamente para a reflexão sobre os atuais desafios frente à situação de pandemia, o que implicou em deixar de fora o processo histórico mais recente do município e suas implicações sociais e políticas, assim como a recente integração subalterna da Região Norte Fluminense, onde o município de Campos dos Goytacazes se encontra, à economia mundializada, sob um novo regime de acumulação hegemonizado pela finanças e sua nova arquitetura institucional mundial.

Os dados do CadÚnico de Campos (março de 2020) relativos às famílias com cadastro atualizado nos últimos 24 meses, registraram 58.792 mil famílias (ou 160.012 mil pessoas), das quais 5% são consideradas pobres e 68% extremamente pobres14. Somadas, essas famílias representam 73% do CadÚnico local, ou seja, 116.809 mil pessoas15. O Gráfico 1 apresenta o crescimento da população extremamente pobre, assim como o declínio da população pobre credenciada pelo CadÚnico local, indicando, ao contrário do que se deseja, não a saída da condição de pobreza, mas a sua inclusão no rol das famílias com renda abaixo da linha da pobreza, aquelas nomeadas de extremamente pobres.

Famílias pobres e extremamente pobres, na base do Cadastro Único, 2017 (dez.), 2018 (dez.), 2019 (dez.) e 2020 (março)
Gráfico 1.
Famílias pobres e extremamente pobres, na base do Cadastro Único, 2017 (dez.), 2018 (dez.), 2019 (dez.) e 2020 (março)
Fonte: Vigilância Socioassistencial da SMDHS, Cecad – Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico, 2017, 2018, 2019 e 2020.

Além disso, mesmo se limitando às famílias atualizadas do CadÚnico local, se comparados aos indicadores de população pobre e extremamente pobre do município nos anos anteriores, esses dados sugerem um retorno aos anos de 1980 no que se refere à agudização das condições de pobreza, o que já era previsto em virtude da crise do emprego e das contrarreformas neoliberais vigentes. As informações sobre a tendência de crescimento do índice de Gini, que mede a desigualdade social no país, a partir de 2016 já apontava para este agravamento do quadro social16.

Somados, os pobres e extremamente pobres do CadÚnico (16.809 mil pessoas) atingem 23% da população total do município, considerando a projeção do IBGE para 2020, de 507.548 mil pessoas. Segundo dados do Ministério da Cidadania, em junho de 2020 a cobertura do programa Bolsa Família em Campos foi de 120% em relação à estimativa de famílias pobres no município, totalizando 25% da população (ver nota de rodapé 14). Sendo assim, ainda que não se possa afirmar que os percentuais do CadÚnico representam todos os pobres e extremamente pobres do município, eles são representativos para esse universo, considerando a cobertura do Programa Bolsa Família em Campos, uma das melhores do país. Além disso, na ausência de informações atualizadas sobre renda, considerando a situação do Censo 2020, o CadÚnico pode representar um importante instrumento de análise sobre a parcela mais empobrecida da população, considerando a sua faixa de renda e a sua capilaridade.

Assim, se fossem considerados apenas aqueles que se encontram em situação de extrema pobreza, ou seja, os pertencentes às famílias com renda mensal por cabeça de até 89,00 (108.808 mil pessoas), estes atingiriam 21,43% da população. Em 1991, eles eram 15,66% da população; em 2000, 6,47% e, em 2010, 3,67%, segundo os dados do Censo (1991, 2000 e 2010). Em 2020, o índice dos extremamente pobres atingiu quase sete vezes a taxa de 2010, sendo bem superior àquela de 1991. Mais uma vez, faz-se necessário salientar que o fato de nem todas as pessoas extremamente pobres, em 2020, estarem registradas no CadÚnico e atualizadas só indica a piora do quadro local, indicando que pode haver uma taxa ainda maior. Merecem considerações, nessa problematização, além do contexto de agravamento do desemprego e da extrema pobreza em nível nacional, os impactos da crise no setor de petróleo e gás desde o final de 2014, principal motor da economia local e seus desdobramentos no que se refere ao desemprego e redução de investimentos na economia regional e, particularmente, no orçamento municipal.

Continuando, ainda que os dados relativos ao ano de 2020 apontem para o recrudescimento da extrema pobreza no município, o Mapa abaixo com a distribuição socioterritorial das famílias em função da renda familiar, com base nos dados do Censo de 2010 (IBGE, 2010), continua funcionando como uma referência de espacialização da pobreza local na cidade de Campos, onde residem 90,29% da população (IBGE, 2010), segundo dados do CadÚnico do município (março de 2020).

Distribuição espacial das famílias com renda familiar de até 2 salários mínimos, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ)
Mapa 1.
Distribuição espacial das famílias com renda familiar de até 2 salários mínimos, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ)
Fonte: NETRAD/UFF CAMPOS. Elaboração e Organização de Florence Marcolino e Manuelli Ramos, a partir de dados do IBGE (2010).

Comparando os Mapas 1 e 2, pode-se observar que a distribuição espacial da população mais empobrecida coincide com a distribuição da população negra (pretos e pardos). Observa-se, também, que são as margens da cidade, as periferias urbanas, aquelas que concentram uma grande parte dos trabalhadores pobres e negros da cidade, sujeitos submetidos cotidianamente ao racismo estrutural e institucional (ALMEIDA, 2020).

Percentual da população autodeclarada preta ou parda, por bairros, Campos dos Goytacazes, 2010
Mapa 2.
Percentual da população autodeclarada preta ou parda, por bairros, Campos dos Goytacazes, 2010
Fonte: NETRAD/UFF CAMPOS. Elaboração e Organização de Florence Marcolino e Manuelli Ramos, a partir de dados do IBGE (2010).

Além dos mapas acima, que têm como referência os dados do Censo (IBGE, 2010), informações mais recentes da Vigilância Socioassistencial da Secretaria Municipal de Promoção e Desenvolvimento Social (CORDEIRO, GARCIA, 2020a), com base no CadÚnico municipal de março de 2020, demonstram que ainda são os bairros periféricos e distritos com concentração de pessoas negras os que mais concentram as famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no município. Sobre o marcador cor/etnia, tomando como referência as informações relativas às famílias cadastradas nos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), Vieira e Araújo (2020) indicam que

as pessoas negras seguem compondo maioria do subgrupo que vive com renda entre R$ 178,00 a ¹/2 Salário Mínimo, (24.446 pessoas) e do subgrupo que vive com renda superior a ⅟2 Salário Mínimo, (11.624) pessoas. Estes números correspondem, respectivamente, a 64% e 56% dos referidos subgrupos.

Ainda que de forma breve, não se pode deixar de registrar que o município foi um importante produtor de cana-de-açúcar e dos seus principais subprodutos, o açúcar e o álcool, assentado na monocultura e no latifúndio e sustentado pelo trabalho escravo. Com o fim da escravidão e, mais tarde, com a modernização do campo, o município deu início ao processo de expropriação dos colonos, parceiros e moradores do campo, a partir de 1950, e se intensificando no final dos anos de 1960. Nas palavras de Silva e Almeida (2017, p. 220),

As mudanças operadas pelo Estatuto da Terra no que se refere à concessão dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais contratados por empresas, neste caso, pela agroindústria sucroalcooleira, já que grande parte dos trabalhadores rurais da Região Norte Fluminense trabalhava nas lavouras das usinas de açúcar e de álcool e não apenas para os fazendeiros fornecedores de cana para as empresas, paradoxalmente, acabou atendendo aos empresários do setor ao transferirem para o próprio trabalhador rural e para o Estado as responsabilidades para com a reprodução da força de trabalho deste segmento, permitindo à fração do capital agrário maior controle sobre o trabalho, expresso não só nos mecanismos de seleção dos trabalhadores pelos empreiteiros ou “gatos” mas, também, na intensificação da exploração com a introdução do pagamento por produtividade, isto é, por tonelada cortada.

Transformados em moradores das periferias urbanas e trabalhando apenas durante as safras, os trabalhadores rurais poderão vender a sua força de trabalho, durante a entressafra, por uma quantia irrisória e, quase sempre, sem vínculo empregatício e proteção social. Nessa nova relação contratual, “existirá o salário […]. Nem teto, nem alimento, nem terra de subsistência farão parte da relação contratual” (BENETTI, 1986, p. 65). Mais tarde, a combinação da crise nacional com a crise da agroindústria sucroalcooleira da Região de Campos vai contribuir para o agravamento do desemprego no município. Segundo estudos de CRUZ (1992), entre 1980 e 2001, houve uma redução de cerca de 50 mil para cerca de 15 mil trabalhadores das Usinas; uma perda de 35 mil postos de trabalho, deslocando mais um imenso contingente de trabalhadores para o mercado de trabalho urbano e para as margens da cidade.

Como se observa, o legado da escravidão, associado à monocultura da cana-de-açúcar e da sua sociabilidade, assentada na superexploração da força de trabalho e na negação dos direitos trabalhistas e sociais (BENETTI, 1996; CRUZ, 1992), vem sendo reatualizado pelos processos contemporâneos de racismo estrutural na medida em que as desigualdades étnico-raciais ainda constituem valores fundantes da sociabilidade contemporânea e da ação do Estado (ALMEIDA, 2020). Assim como nos dados nacionais, também em nível local, observa-se a desigualdade no acesso aos bens e serviços públicos fundamentais, como se verá a seguir na apresentação dos dados sobre infraestrutura urbana e outros.

Em 2010, segundo Almeida e Rangel (2014), as mulheres foram apontadas como responsáveis por 97,5% das famílias que recebiam o Programa de Transferência de Renda Bolsa Família. Tal fato pode ser explicado pelo aumento dos arranjos monoparentais femininos entre as famílias mais pobres, como veremos a seguir. Ainda sobre as responsáveis, a pesquisa aponta que 63% delas possuíam entre 30 e 49 anos e 24% eram jovens com idade entre 18 e 29 anos. Quase metade dos responsáveis (49,4%) respondeu que não possuía companheiro para dividir as responsabilidades com a reprodução social do grupo familiar. Chama atenção o fato de que, do total de pessoas na condição de responsáveis pela família, 66,7% eram do sexo feminino, contra apenas 33,3% do sexo masculino. Essa assimetria entre o número de homens e mulheres responsáveis pela família demonstra, mais uma vez, o crescimento dos arranjos monoparentais femininos e do esgarçamento dos vínculos familiares entre os casais empobrecidos, entre eles, os mais jovens, por inúmeros motivos, com destaque para a violência doméstica, resultado de um conjunto de fatores articulados, no qual a desocupação e as péssimas condições de trabalho tendem a ganhar relevância. Entre os responsáveis jovens, com idade entre 18 e 29 anos, o percentual daqueles que não viviam com o(a) companheiro(a) era de 44,32%. Desses responsáveis, 99% eram do sexo feminino.

Do total de mulheres sem companheiros e com filhos, 30% possuíam filhos com idade inferior aos 10 anos de idade, dificultando ainda mais as estratégias defensivas e a inserção das mulheres no mercado de trabalho formal. Entre aquelas sem companheiros e com filhos, 64% não estavam trabalhando. Os motivos apresentados, em ordem decrescente, eram: problemas de saúde; porque não encontravam trabalho e porque não tinham onde e com quem deixar os filhos, expondo a insuficiente rede de proteção à família e a ausência de políticas de apoio às jovens mães, que precocemente eram obrigadas a abandonar os estudos, mesmo quando elas e a família não desejavam. Aliás, é preciso avançar nesse debate, de maneira a desvinculá-lo da perspectiva moralista que o encobre e que impede que as políticas públicas de educação avancem nesse campo e garanta o direito às adolescentes de terem os seus filhos e continuarem na escola para que concluam os seus estudos e se profissionalizem.

Em junho de 2020, de acordo com as informações do Ministério da Cidadania, as mulheres são responsáveis por 88,7% das famílias beneficiárias do PBF. Segundo Cordeiro e Garcia (2020a), baseadas em dados do CadÚnico local (março de 2020), 53,7% dos núcleos chefiados apenas pelas mulheres chegam a 53,7% do total dos arranjos familiares. Destes, em 54% há a presença de ao menos um filho menor de 18 anos. Ainda segundo as autoras, “é possível verificar que 86% destas estão em situação de extrema pobreza” (CORDEIRO; GARCIA, 2020a, p. 19). Os dados do CadÚnico (2020) não confirmam uma tendência, desde 2010, com relação aos arranjos monoparentais e, mais, eles expõem a dependência dessas famílias ao programa de transferência de renda. Almeida e Rangel (2014) salientam essa relação ao chamar a atenção para a importância atribuída ao “Bolsa Família” exatamente pelas mulheres pertencentes aos arranjos monoparentais femininos com filhos. O “Bolsa Família” assim como o programa de transferência de renda municipal vem contribuindo para que essas mulheres possam continuar se dedicando às atividades do cuidado com os filhos e com a reprodução da família em virtude da ausência e/ou insuficiência de políticas públicas ou da sua incompatibilidade com as necessidades dessas mulheres. Inúmeras mulheres responderam que os programas socioassistenciais as auxiliam a recusar os trabalhos penosos e insalubres, principalmente durante a gravidez, a amamentação e a primeira infância. Não se pode ignorar que essas mulheres têm muitas dificuldades de se inserir no mercado formal, sobretudo se não puderem contar com a solidariedade da sua rede de proteção familiar e comunitária.

Sobre a média de pessoas por domicílio, dado importante na prevenção e contenção da pandemia, a pesquisa do Netrad/UFF (2010) indicava uma taxa média de 4,78, sendo 4,65 para os domicílios urbanos e 4,96 para os domicílios da zona rural. Como se pode observar, mesmo com a redução no que se refere ao número de filhos (média de 2 filhos), ainda é bastante alta a densidade por domicílio, sobretudo em contexto de necessidade de distanciamento social. Em 2020, os dados indicam que 27% (15.861 mil famílias) do total de famílias inscritas no CadÚnico podem ser consideradas famílias numerosas, com quatro membros ou mais (CORDEIRO; GARCIA, 2020a). Ainda segundo as autoras, 5.376 mil idosos moravam sozinhos; 68% tinham mais de 65 anos de idade, demandando uma atenção especial da política de assistência social e de saúde. Em 2010, 3% dos responsáveis do PBF eram de idosos (mais de 60 anos); desses, 82% eram mulheres e 18% homens. Segundo estes, 35% ainda trabalhavam, todos homens. As ocupações variavam entre biscateiros, trabalhadores rurais, ajudantes de pedreiro e ambulantes.

De acordo com Almeida e Monteiro (2011), em 2010, 57% dos responsáveis do CadÚnico responderam que seus domicílios eram próprios, contra 38% que eram alugados ou cedidos. Quanto ao acesso ao saneamento básico, item essencial no combate à pandemia, em 2010, 56% dos domicílios tinham acesso à água distribuída pela rede pública e aos serviços de esgoto e fossa séptica. Em 2020, 66,6% dos responsáveis do CadÚnico responderam que possuem água diretamente da rede de distribuição, contra 27,6% que ainda dependem de poços ou nascentes e 5,8% de outras formas (CORDEIRO; GARCIA, 2020c). O acesso é ainda pior nos Distritos. Apenas 54% dos responsáveis pelo CadÚnico na região do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) de Goytacazes têm acesso à água tratada da rede, na região de Travessão essa taxa é de 25%, em Ururaí 56%, Morro do Coco, 38%. Como se não bastasse o abandono dos Distritos, os territórios que compõem o CRAS de Custodópolis e que inclui, além deste, os bairros de Santa Rosa, Parque Bandeirantes, Santa Clara e Novo Mundo, no Subdistrito de Guarus, 62% dos domicílios do CadÚnico não estão ligados à rede.

Considerando as informações do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (BRASIL, 2018), embora 95% dos domicílios do município estejam cobertos pelo serviço de água encanada e 81,26% ligados à rede de esgoto, sua distribuição espacial guarda uma íntima relação com a questão de classe e a racial, penalizando os domicílios de menor renda, majoritariamente a população negra. Nesse sentido, as informações do CadÚnico (2020) não apenas contribuem para a desmistificação das médias estatísticas, como também para a problematização das assimetrias entre ricos e pobres, brancos e negros no acesso aos direitos fundamentais. No que se refere ao acesso à rede coletora de esgoto ou pluvial, apenas 50% dos responsáveis do CadÚnico responderam positivamente. Os demais, 30% utilizam fossa rudimentar, 18% fossa séptica. O restante (2%) respondeu outras formas, entre elas o despejo nos rios e lagos ou em valas a céu aberto.

Observando mais atentamente os dados do CadÚnico, verifica-se que os maiores deficit relacionados ao acesso ao serviço de esgoto encontram-se nos núcleos urbanos dos Distritos e nas periferias urbanas, com destaque, mais uma vez, para os territórios vinculados ao CRAS de Goytacazes, onde só 17% dos domicílios do CadÚnico estão ligados à rede; do CRAS de Travessão, com apenas 7%; do CRAS de Ururaí, com 48%, e do CRAS de Morro do Coco com 43%. Na cidade, apenas 40% dos responsáveis do CadÚnico residentes nos bairros de Custodópolis, Santa Rosa, Novo Mundo e Parque Bandeirantes e adjacências responderam que estão ligados à rede coletora de esgoto. Na vizinha Codin, esse índice cresce para 69%, ou seja, taxas bem abaixo da média apresentada pelo SNIS (BRASIL, 2018) para o município. As melhorias nas periferias da cidade estão associadas às intervenções do Programa Morar Feliz17, que, embora tenha trazido inúmeros problemas relativos à efetivação de outros serviços públicos, à mobilidade e na sociabilidade dos seus moradores, com ênfase no crescimento da violência e da fragmentação social do território, não se pode negar ter atendido às expectativas no que se refere à casa própria e ao saneamento básico.

Sobre o trabalho e a desocupação, Almeida e Rangel (2014) destacam que mais da metade dos entrevistados responsáveis pelo PBF responderam que não trabalhavam em 2010. Os motivos para não trabalhar, já apresentados, revelam a associação entre o desemprego e a insuficiência/inadequação das políticas sociais, além do adoecimento, principalmente das mulheres. Destaca-se o alto índice de desemprego entre as mulheres adultas que deixaram de estudar em virtude da gravidez na adolescência ou em função do trabalho infanto-juvenil, restando a elas o subemprego e a precarização da sua força de trabalho, com jornadas mais extensas, remunerações menores e a completa ausência de proteção social.

Quanto ao público que respondeu que não estava trabalhando por conta de problemas de saúde, verifica-se que 88% eram mulheres, com média de idade de 43 anos de idade. A pesquisa mostra que todas as mulheres que desistiram de procurar emprego por motivo de doença já trabalharam antes como empregada doméstica, faxineira ou como trabalhadora rural no corte da cana. O trabalho exaustivo sob condições desumanas faz com que as doenças apareçam antes dos 40 anos de idade. As mais citadas são diabetes, hipertensão e problemas relativos ao campo da saúde mental, a chamada “doença dos nervos”. Quanto aos ocupados, as atividades eram (em ordem decrescente): faxineira/diarista; pedreiro e ajudante de pedreiro; servente/auxiliar de serviços gerais; empregada doméstica; biscateiro; trabalhador rural; manicure; catador de recicláveis; motorista; cozinheira e ambulante. Como se vê, atividades ligadas ao universo popular, precarizadas, mal remuneradas e marcadas pelas relações de subalternidade. Do total dos ocupados, 62% afirmaram não ter carteira de trabalho.

Considerando o recorte de gênero, segundo o IBGE (2010), os serviços e comércio constituem os principais setores de ocupação da força de trabalho feminina em Campos dos Goytacazes. Ainda segundo o IBGE (2010), 51% da população economicamente ativa era de mulheres pretas e pardas. Dessas, a maioria encontrava-se ocupada como empregada doméstica, faxineira e nas demais ocupações ligadas à atividade do cuidado e comércio, obedecendo uma tendência nacional.

Se a situação já era muito difícil para essas famílias antes da crise sanitária, a Covid-19 e as medidas de distanciamento social, como já apresentado no item anterior, trouxeram um conjunto de restrições a esse segmento, sobretudo aos trabalhadores ligados à construção civil, ao serviço doméstico e outros serviços pessoais, comércio, em especial restaurantes, e coleta de recicláveis. Aliás, cabe destacar que a primeira morte da covid-19 no país foi de uma empregada doméstica. As atividades do cuidado (empregadas domésticas, babás, cuidadoras e acompanhantes, enfermeiras, assistentes sociais), entre outras exercidas prioritariamente por mulheres, têm exigido uma atenção especial no que se refere à proteção dos seus trabalhadores. Por outro lado, a crise sanitária fez com que muitos dispensassem suas empregadas e faxineiras, demitindo-as ou deixando-as sem remuneração durante o período dispensado18.

Uma outra questão que não será desenvolvida, mas que merece aprofundamento, são os impactos do distanciamento social no cotidiano das famílias, com destaque para o fechamento das escolas e suas repercussões na segurança alimentar das crianças e adolescentes, no caso das famílias mais empobrecidas, e para a violência doméstica19 e abuso e violência sexual (MENDES, 2020), que penalizam, em sua grande maioria, as mulheres, sejam elas crianças, jovens ou adultas. Em Campos, no início deste ano, foram notificados 34 novos casos de violência sexual, cinco deles entre os meses de março e maio. Considerando que tal prática acontece em sua maioria (65%) dentro de casa e por pessoas da família ou ligadas a ela, cabe uma atenção especial por parte dos programas socioassistenciais e de saúde, mas, principalmente, da escola com a experiência da educação sexual como ferramenta de prevenção e de autodefesa dessas crianças e adolescentes. Com relação à violência doméstica contra as mulheres, em Campos, a Secretaria de SDHS (Secretaria de Desenvolvimento Humano e Social) identificou

expressivo decréscimo de aproximadamente 56% de casos recebidos nos meses de 2020, sobretudo em relação aos meses de março, abril e maio, sendo que em abril, nenhum caso foi recebido nos três CREAS do município, enquanto no ano anterior foi o mês de maior incidência de casos no referido período. Tal situação nos indica que nos meses em que adentramos no contexto da pandemia (março e maio) - ainda que estudos reafirmem a ampliação dos casos de violência doméstica à mulher em função do isolamento - estes casos não estão chegando aos equipamentos da assistência social, tal razão pode se dar em função de uma ampliação da coerção a qual essas mulheres estão submetidas, resultando na ampliação da subnotificação. (CORDEIRO; GARCIA, 2020b, p. 5).

Como já assinalado, o auxílio-emergencial, embora relevante, não atende às necessidades sociais desse grupo, que tem recorrido à filantropia e à solidariedade social na ausência de políticas sociais mais robustas, demonstrando que os bilhões do Orçamento Municipal com a adição dos royalties e participações especiais20 não têm sido objeto de debate político em arenas realmente públicas e, tampouco, vêm observando as prioridades da classe-que-vive-do-trabalho, particularmente da sua fração mais precarizada e que já se encontrava em situação de vulnerabilidade socioeconômica mesmo antes da pandemia do corona vírus.

4 Considerações finais

Como anunciado na introdução, este texto não teve a finalidade de apresentar propostas ao enfrentamento da Covid-19 no município, tampouco de avaliar as ações voltadas para a mitigação da crise sanitária no campo da saúde e da prevenção. A intenção foi a de trazer alguns elementos anteriores à crise sanitária, exatamente para evidenciar que não se trata de uma crise apenas no âmbito da saúde. As informações apresentadas são importantes na medida em que permitem traçar um perfil das famílias em situação de vulnerabilidade social, sobretudo no que se refere à maneira como elas se relacionam com o mundo do trabalho e também no que se refere ao acesso aos bens e serviços públicos, demandando a ação urgente do Estado brasileiro de modo a protegê-las das ameaças dessa pandemia e no sentido de implementar as ações necessárias ao enfrentamento do que está por vir e que penalizará ainda mais os grupos sociais mais vulneráveis.

O distanciamento social, uma das principais estratégias de enfrentamento à Covid-19 é necessário, mas também impõe um conjunto de desafios, demandando ações diferenciadas e particulares em contextos de desigualdade social. Além disso, o acesso à saúde também não é universal e igualitário. Não é nenhuma novidade a situação da saúde pública, os ataques dirigidos ao SUS com os cortes nos seus orçamentos, com a ausência de concursos públicos e de substituição dos quadros, com os contratos precários e, mais recentemente, com a expansão da gestão privada do SUS, com as Organizações Sociais (OS) fortemente criticadas por corrupção e gestão clientelista.

Em Campos, embora a pandemia chegue em um contexto de dificuldades orçamentárias, segundo o discurso oficial, e de problemas acumulados de governos anteriores, desde a sua posse, em 2016, o chefe do executivo optou por uma ação política de corte nas ações de assistencial social, mesmo em conjuntura de crescimento do desemprego, de precarização do trabalhador e queda no rendimento das famílias trabalhadoras mais empobrecidas. Entre as suas primeiras ações de governo, a mais criticada foi o encerramento de programas sociais como o Programa Municipal de Transferência de Renda e o fechamento do Restaurante Popular, além da paralisação das obras do Programa Morar Feliz e o aumento da passagem social. Justificando a presença de clientelismo político no Programa de Transferência de Renda, o governo, à revelia do Conselho Municipal de Assistência Social, pôs fim a um Programa com mais de duas décadas de existência e que atravessou diferentes governos pela sua função protetiva às famílias mais vulneráveis social e economicamente, sobretudo em épocas de crise do emprego no país e na região. Os motivos apresentados não justificam o impacto gerado nas condições de vida desses trabalhadores e suas famílias. Encerrado, as famílias não puderam contar com essa complementação de renda durante a pandemia e nem com nenhuma outra modalidade com cobertura universal.

O fechamento do restaurante popular também contribuiu para agravar o problema da fome durante a pandemia, atingindo em cheio a população em situação de rua e outros grupos de trabalhadores subalternos e estudantes oriundos da periferia e da zona rural que tiveram que recorrer à filantropia e à caridade da sociedade civil, particularmente dos grupos religiosos e outras organizações como sindicatos, partidos, grupos profissionais, entre outros. O aumento do preço da passagem do transporte público urbano e intermunicipal, que subiu de R$1,00 para R$2,75, também impactou o orçamento das famílias mais empobrecidas, interditando a mobilidade daqueles que precisam de um novo trabalho.

Como se pode observar o acesso à saúde não é o único problema enfrentado pelos trabalhadores mais empobrecidos; somam-se a ele os problemas relativos à renda, à água potável, ao tratamento adequado do esgoto e à mobilidade, entre outros. Tais adversidades vêm motivando a mobilização de diversos grupos contra a omissão e o descaso do poder público local, ainda que muitas delas não superem a sua imediaticidade, ou seja, o sentimento de indignação e de injustiça que os motivaram. Em contrapartida, encontramos um espaço público cada vez mais privatizado, menos democrático e menos representativo do ponto de vista dos interesses dos diferentes segmentos que compõem a sociedade civil, em nível local, demonstrando uma profunda assimetria no acesso dos “de baixo” aos recursos dos Orçamentos Públicos e, consequentemente, aos direitos sociais.

Referências

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Notas

1 Embora nem sempre essas noções sejam usadas respeitando o seu significado, seja pelos governos, seja pela mídia em geral, distanciamento social é a diminuição de interação entre as pessoas de uma comunidade para diminuir a velocidade de transmissão do vírus; isolamento é uma medida que visa separar as pessoas doentes (sintomáticos respiratórios, casos suspeitos ou confirmados de infecção por coronavírus) das não doentes, para evitar a propagação do vírus, e quarentena é a restrição de atividades ou separação de pessoas que foram presumivelmente expostas a uma doença contagiosa, mas que não estão doentes (porque não foram infectadas ou porque estão no período de incubação) (TelessaúdeRS, 2020).
2 Segundo o Instituto Oswaldo Cruz, o novo coronavírus começou a se espalhar no Brasil por volta da primeira semana de fevereiro. Ou seja, mais de 20 dias antes do primeiro caso ser diagnosticado em São Paulo, em 26 de fevereiro de 2020 (MENEZES, 2020). Mais tarde, uma pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) coloca mais uma peça no quebra-cabeças da pandemia, ao afirmar que pesquisadores encontraram partículas de SARS-CoV-2 em amostras do esgoto de Florianópolis colhidas em 27 de novembro de 2019. Trata-se da amostra mais antiga do novo coronavírus encontrada nas Américas até o momento, explicou em coletiva de imprensa a pesquisadora Gislaine Fongaro, do Laboratório de Virologia Aplicada da UFSC (BETIM, 2020).
3 As substituições de técnicos por militares começaram no fim de abril de 2020, quando o general Pazuello ainda assumia o cargo de secretário-executivo do então ministro Nelson Teich. No total, são pelo menos 18 militares do Exército nomeados para cargos estratégicos como orçamento, planejamento, logística, contabilidade, avaliação de programas e assessorias especiais. Sindicatos de servidores públicos criticam a falta de experiência dos militares em gestão de saúde, inclusive do próprio ministro interino. Para Oton P. Neves, do SINDSEP, “substituir técnicos com formação e experiência de décadas na área de saúde pública por militares que certamente não têm a mesma experiência, especialmente no momento da pandemia, é uma temeridade, é uma irresponsabilidade com a saúde do povo brasileiro”. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/05/19/ministro-da-saude-interino-general-nomeia-nove-militares-para-o-segundo-escalao.ghtml. Acesso em: 25 jun. 2020. Para Adriano Massuda, ex-secretário de Saúde de Curitiba e professor da FGV, “nem o pior ministro da Saúde fez o que Exército está fazendo, desmontando a engrenagem do SUS” (MARREIRO, 2020).
4 Ver Ministério da Cidadania, Auxílio Emergencial – Tutorial de Acesso. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/cidadania/publicacoes/Aux%C3%ADlio%20Emergencial.pdf. Acesso em: 28 out. 2020.
5 O número de contaminados e mortos pela Covid-19 cresce diariamente no país, por esse motivo não contabilizaremos esse número neste artigo. No entanto, cabe salientar a criação do Consórcio de Veículos de Imprensa em razão das divergências dos secretários de saúde dos estados e especialistas com relação às mudanças operadas pelos militares no Ministério da Saúde, em especial, na forma de contabilizar os casos.
6 A colaboração do FBI com a Lava Jato teve início em 2014 e foi fortalecida em 2015 e 2016, quando o foco da operação eram Odebrecht e Petrobras. Em 2016, a Odebrecht aceitou pagar a maior multa global de corrupção até então: US$ 2,6 bilhões ao Brasil, à Suíça e aos EUA. A parcela devida às autoridades americanas, no valor total de US$ 93 milhões, foi paga à vista. Hoje, a empresa está em processo de recuperação judicial. Em 2018, a Petrobras aceitou pagar a maior multa cobrada de uma empresa pelo Departamento de Justiça americano: US$ 1,78 bilhão. É proibido a qualquer polícia estrangeira realizar investigações em solo brasileiro sem autorização expressa do governo brasileiro, já que polícias estrangeiras não têm jurisdição no território de outros países (VIANA; NEVES, 2020).
7 Ver: BRAGA, R. Pulsão plebeia: trabalho, precariedade e rebeliões sociais. 1. ed. São Paulo: Ed. Alameda, 2015. 232 p.
8 Dados do INEP (2018) indicavam que as matrículas nas instituições federais de ensino superior cresceram 97% de 2003 a 2014. Em 2003, elas eram 600.000 mil; em 2014, elas atingiram 1.180.000 milhão. O percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3% em 2017, mais de 300%. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br. Acesso em: 20 ago. 2019.
9 Segundo a UNAFISCO Nacional, a concentração de renda no Brasil não pode ser entendida olhando o 1% da população. Disponível em: http://unafisconacional.org.br/default.aspx?section=13&articleId=8590. Acesso em: 30 jul. 2020.
10 O conceito de vulnerabilidade e risco pessoal/social vem sendo alvo de inúmeras polêmicas entre vários autores e disciplinas. Presente no texto da nova Política de Assistência Social vigente (PNAS/SUAS, 2004), a concepção de vulnerabilidade social vem substituindo as noções de pobreza e de desigualdade, com o pretexto de incorporar ao debate a multidimensionalidade da pobreza e as assimetrias no que se refere às respostas dos indivíduos e famílias ao seu cotidiano de dificuldades. No entanto, neste artigo, optou-se por trabalhar com a noção de vulnerabilidade socioeconômica em uma direção crítica à perspectiva da responsabilização individual da pobreza, assim como das análises que recusam a centralidade dos processos socioeconômicos e políticos-culturais na produção da desigualdade brasileira em favor de leituras mais individualizantes e moralizadoras, indo ao encontro da compreensão de Kowarick. Para o autor, a vulnerabilidade socioeconômica e civil “refere-se à situação de desproteção a que vasta camadas pobres encontram-se submetidas no que concerne às garantias de trabalho, saúde, saneamento, educação e outros componentes que caracterizam os direitos sociais básicos de cidadania. […] O outro lado da vulnerabilidade, o civil, diz respeito “à integridade física das pessoas, ou seja, do fato de vastos segmentos da população estarem desprotegidos da violência praticada por bandidos e pela polícia” (KOWARICK, 2009, p. 19).
11 Segundo a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena), em 07/07/20, foram 8.098 casos de indígenas contaminados com Covid-19 e 184 óbitos. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a SESAI não contabiliza os indígenas urbanos contaminados, do que a ABIP discorda (CASOS..., 2020).
12 Cabe lembrar que, em decorrência da pandemia do Coronavírus, o IBGE adiou a realização da pesquisa do Censo 2020.
13 Intitulada de Assistência Social: universalização do direito ou assistencialização? - problematizando o significado atual da Assistência Social no enfrentamento da “questão social” no município de Campos dos Goytacazes/RJ, esta pesquisa foi realizada pelo NETRAD, núcleo de pesquisa da UFF Campos, nos anos de 2009 e 2010. Dentre outras, esta pesquisa realizou uma pesquisa de campo com os beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) do município de Campos/RJ, que contou com o apoio de bolsistas de IC (FAPERJ) e de Desenvolvimento Acadêmico da UFF. A pesquisa de campo foi realizada em 2010, com a aplicação de 401 formulários, o equivalente a uma amostra de 2% das famílias beneficiadas pelo referido Programa em 2009. As famílias foram escolhidas de modo aleatório a partir do CadÚnico do município, respeitando os percentuais relativos à distribuição espacial dos beneficiários (71% na cidade e 29% na área rural) e ao sexo.
14 O credenciamento no Cadastro Único do Governo Federal está voltado para as famílias com renda mensal de até meio salário mínimo per capita e para as famílias com renda mensal total de até 3 salários mínimos. Além do Programa Bolsa Família (PBF), o cadastro no CAD é obrigatório também para o acesso aos Programas Tarifa Social de Energia Elétrica, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Minha Casa Minha Vida. Em junho de 2020, o total de famílias beneficiadas pelo PBF, no município, chegou a 44.558 mil, ou 130.883 mil pessoas beneficiadas, o equivalente a 25% da população do município. O BPC atingiu 10.058 pessoas no mesmo mês de 2020. Disponível em: http://www.mds.gov.br/mds-sigpbf-web/ Acesso em: 15 jul. 2020.
15 Entre os cadastrados no CadÚnico, encontram-se “os pobres” (com renda mensal familiar per capita de até R$ 178,00) e os “extremamente pobres” (com renda mensal familiar per capita até R$ 89,00).
16 Os dados referentes aos anos de 1991, 2000 e 2010 são dados dos Censos respectivos do IBGE. Ver: PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/campos-dos-goytacazes_rj#caracterizacao. Acesso em: 28 jun. 2020.
17 O Programa de Habitação Popular Morar Feliz (Decreto Municipal no 55/2011) foi criado pela então prefeita Rosinha Garotinho no primeiro ano do seu primeiro mandato, de 2009 a 2016. Mesmo com o Programa Minha Casa, Mina Vida do governo federal, o governo municipal criou o seu próprio programa com a proposta de construir 10 mil moradias, considerando o deficit local de 11.511 unidades, em 2005, segundo a Fundação João Pinheiro. Até o final do mandato, o governo da prefeita Rosinha Garotinho entregou 6.920 casas, deslocando mais de 20 mil pessoas, tanto nas periferias urbanas quanto nos núcleos urbanos da zona rural e removendo favelas inteiras.
18 Segundo o Portal da Transparência do Governo Federal, em junho de 2020, 146.691 mil pessoas foram beneficiadas pelo “auxílio-emergencial” (BRASIL, 2020).
19 No Brasil, segundo o Atlas da Violência (2019), em 2017, 4.936 mil mulheres foram assassinadas, o que significa 13 assassinatos por dia. Essa taxa foi a mais alta registrada desde 2007, apontando o crescimento de 30,7% no número de feminicídios entre 2007 e 2017. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência doméstica contra a mulher cresceu em regime de quarentena. Em uma comparação entre os meses de março de 2019 e março de 2020, o número de pedidos de socorro passou de 6.775 para 9.817, respectivamente. Um aumento de 13 para 19 casos/dia, ou seja, de 45%. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&id=34784&Itemid=432. Acesso em: 20 jul. 2020.
20 Em 1997 foi sancionada a Lei nº 9.478, conhecida como Lei do Petróleo, que extinguiu o monopólio estatal da Petrobras na exploração e produção de petróleo e gás e, em contrapartida, dobrou o percentual dos royalties e instituiu as participações especiais. Essa Lei aumentou os orçamentos de um conjunto de municípios da Região Norte Fluminense em virtude da Bacia de Campos, com destaque para Campos dos Goytacazes. Para o ano de 2020 foram previstos “R$ 1.887 bilhão, enquanto o do anterior era de R$ 1.985 bilhão” (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2019).

Notas de autor

1 Doutora (2006) pela Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Associada do Departamento de Serviço Social de Campos, do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal Fluminense (UFF) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: ericalmeida@uol.com.br.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): ALMEIDA, É. T. V. A pandemia em contexto de vulnerabilidade socioeconômica: algumas considerações sobre Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 1, p. 325-350, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p325-350. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15871.

COMO CITAR (APA): Almeida, É. T. V. (2021). A pandemia em contexto de vulnerabilidade socioeconômica: algumas considerações sobre Campos dos Goytacazes/RJ, Brasil. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(1), 325-350. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p325-350.

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