DOSSIÊ TEMÁTICO: "QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL"
Os novos e velhos problemas do “Novo Fundeb”: análise da Emenda Constitucional 108/2020
The new and old problems of the “New Fundeb”: analyzing the Constitutional Amendment 108/2020
Los nuevos y viejos problemas del “Nuevo Fundeb”: análisis de la Enmienda Constitucional 108/2020
Os novos e velhos problemas do “Novo Fundeb”: análise da Emenda Constitucional 108/2020
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 3, 2021
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 30 Septiembre 2020
Aprobación: 06 Enero 2021
Resumo: Este artigo traz uma pesquisa cujo método se baseia no materialismo histórico e no dialético e objetiva esgotar as determinações do objeto de análise desvelando sua pseudoconcreticidade até chegar a sua essência. A proposta do Novo Fundeb, promulgada no Congresso Nacional (EC 108/20), apresenta-se como panaceia para os males do financiamento da educação básica no país. Contudo, os problemas do Fundeb criados pela EC 53/06 se acentuam com a nova EC 108/20. A capitalização da educação básica pública encontrou terreno fértil no novo mecanismo permanente de financiamento. Entre os elementos mais questionáveis, estão: a lógica mercantil na repartição do ICMS (quota-municipal) e da complementação do Fundeb (2,5%); a centralidade na elevação dos índices de aprendizagem – que pode gerar disputa injusta entre as redes com maior disponibilidade de recursos e as com menor; a consolidação da meritocracia e de possíveis fraudes nos indicadores; a inviabilização do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) diante da nada generosa complementação do ente que mais arrecada tributos no país. Embora recheado de termos progressistas, do ponto de vista prático, o Novo Fundeb, provavelmente, não universalizará com qualidade a educação básica brasileira, assim como ocorreu com seu antecessor.
Palavras-chave: Fundeb, Emenda Constitucional 108/2020, Novo Fundeb, CAQ.
Abstract: This article brings a research whose method is based on historical materialism and dialectic and aims to exhaust the determinations of the object of analysis revealing its pseudo-concreticity until reaching its essence. The proposal of the New Fundeb, promulgated in the National Congress (EC 108/20), presents itself as a panacea for the ills of financing basic education in the country. However, the problems of Fundeb created by EC 53/06 are accentuated with the new EC 108/20. The capitalization of public basic education has found fertile ground in the new permanent funding mechanism. Among the most questionable elements are: the mercantile logic in the distribution of the ICMS (municipal tax) and the complementation of Fundeb (2.5%); the centrality in the elevation of the learning indexes – that can generate unfair dispute between networks with greater availability of resources and those with less; the consolidation of the meritocracy and of possible frauds in the indicators; the impracticability of the CAQ in face of the not generous complementation of the entity that collects more taxes in the country. Although filled with progressive terms, from a practical point of view, the New Fundeb will probably not universalize with quality the Brazilian basic education, as it happened with its predecessor.
Keywords: Fundeb, Constitutional Amendment 108/2020, New Fundeb, CAQ.
Resumen: Este artículo presenta una investigación cuyo método se basa en el materialismo histórico y en el dialéctico y tiene como objetivo agotar las determinaciones del objeto de análisis desvelando su pseudoconcreticidad hasta alcanzar su esencia. La propuesta del Nuevo Fundeb, promulgada en el Congreso Nacional (EC 108/20), se presenta como una panacea para los males de la financiación de la educación básica en el país. Sin embargo, los problemas de Fundeb creados por la EC 53/06 se acentúan con la nueva EC 108/20. La capitalización de la educación básica pública ha encontrado un terreno fértil en el nuevo mecanismo de financiación permanente. Entre los elementos más cuestionables se encuentran: la lógica mercantil en la distribución del ICMS (cuota municipal) y la complementación de Fundeb (2,5%); la centralidad en la elevación de los índices de aprendizaje - que puede generar una disputa injusta entre las redes con mayor disponibilidad de recursos y las que tienen menos; la consolidación de la meritocracia y de posibles fraudes en los indicadores; la impracticabilidad del Costo de Calidad Estudiantil (CAQ) ante la complementación poco generosa de la entidad que recauda más impuestos en el país. Aunque lleno de términos progresivos, desde un punto de vista práctico, el Nuevo Fundeb probablemente no universalizará con calidad la educación básica brasileña, como ocurrió con su predecesor.
Palabras clave: Fundeb, Enmienda constitucional 108/2020, Nuevo Fundeb, CAQ.
1 Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar uma pesquisa que analisa criticamente a Emenda Constitucional 108, de 2020 (EC 108/20), que, entre outras propostas, pretende tornar o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) uma política permanente de financiamento da educação básica.
Em 2015, deputados federais apresentaram uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – instrumento que altera ou adiciona dispositivos à Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 (BRASIL. CRFB, 1988). Trata-se da PEC 15/2015. Com o fim da legislatura (1/2/2015 a 31/1/2019), a PEC 15/15 foi arquivada, mas, em 2019, uma de suas signatárias, a deputada federal Dorinha Seabra, do Partido Democratas (Tocantins), requereu o desarquivamento, e a PEC voltou a tramitar como PEC 15-A. Muitas alterações foram feitas a partir de debates realizados no Congresso Nacional e, poucos dias antes da votação do relatório final, o governo federal apresentou sugestões de alterações na redação do texto a ser aprovado na Câmara dos Deputados.
Contudo, a maioria das propostas foi rechaçada pelos deputados federais, que aprovaram a PEC 15-A em julho de 2020 (499 votos a favor e 7 votos contra) e enviaram ao Senado Federal tramitando como PEC 26/2020. Em agosto de 2020, foi aprovada integralmente no Senado Federal e promulgada no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), em sessão solene, sem alterações no texto que veio da Câmara dos Deputados.
O texto da EC 108/20 apresenta avanços e recuos em relação à proposta de criação de um mecanismo permanente de financiamento da educação básica cujo objetivo é a universalização do ensino e a garantia de um padrão de qualidade que permita, por exemplo, alcançar plenamente as metas e estratégias para a educação básica traçadas na Lei 13.005/2014 (BRASIL, 2014), que institui o Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024).
2 Abordagem ontológica da pesquisa
Este artigo traz uma pesquisa que analisa os possíveis efeitos da EC 108/2020 no financiamento dos sistemas de ensino da educação básica brasileira. A ontologia marxiana concebe a realidade como uma articulação entre particularidade, singularidade e universalidade. Nesse sentido os elementos do objeto estão articulados a uma totalidade maior (TONET, 2013). Entendendo a orientação concreta do pensamento em direção à conexão total dos fenômenos, é possível compreender que o financiamento da educação no Brasil está diretamente ligado aos interesses hegemônicos das classes dominantes.
Dito isso, é importante compreender como as políticas públicas ao serem desenhadas são “envernizadas” com tons progressistas, sobretudo para dar impressão de que estão atendendo às demandas da classe trabalhadora. Impossível acreditar que o governo brasileiro poderá estruturar uma política de financiamento público da educação pública que a universalize com um alto padrão de qualidade já que essa medida vai de encontro ao processo de alienação da força de trabalho promovido pelas classes dominantes. Nesse sentido, se a aparência do objeto ou do fenômeno social não é revelada a priori, é necessário desvelar sua pseudoconcreticidade, saturando suas determinações para alcançar sua essência (KOSIK, 1976). Para Marx (1975, p. 16):
A investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão íntima que há entre elas. Só depois de concluído esse trabalho, é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real. Se isto se consegue, ficará espelhada, no plano ideal, a vida da realidade pesquisada […].
Desse modo, é fundamental analisar criticamente a EC 108/2020 para dissolver o que é imediatamente aparente e compreender a essência que lhe confere o seu verdadeiro sentido. O movimento, para isso, é de capturar a lógica que já existe na própria realidade. É necessário lançar mão das mais diversas técnicas de pesquisa (quantitativa e qualitativa) à luz do materialismo histórico e do materialismo dialético para conseguir esgotar as determinações do objeto.
Ainda, segundo Marx (1982, p. 158): “As verdades científicas serão sempre paradoxais se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas”. A visão salvacionista acerca do Novo Fundeb em relação à educação básica, pelas instituições e pessoas tanto do campo da esquerda quanto da direita indicam que suas análises se sustentam apenas na aparência do Novo Fundo. Diante disso, faz-se necessária uma análise que busque revelar a essência da EC 108/20 que cria o Novo Fundeb para que, assim, possam ser revelados os reais interesses dessa política. Esta pesquisa, contudo, nem de longe pretende esgotar todas as determinações desse objeto, haja vista que o processo de sua implementação será longo, o que demandará novas análises críticas para revelar as determinações dessa que é a mais importante e abrangente política de financiamento da educação básica no país.
3 Análise Crítica da EC 108/2020
O primeiro aspecto analisado da EC 108/2020 se refere aos critérios de distribuição da cota municipal do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Cabe ressaltar que, antes da promulgação da EC 108/20, o ICMS deveria ser distribuído da seguinte maneira, segundo a CRFB/88 (BRASIL, 1988): 75% ficariam com os estados e 25% com os municípios; do percentual que vai para os municípios, 75%, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, ou seja, ligada diretamente à dinâmica da economia municipal, e 25% de acordo com o que dispusesse a lei de cada estado.
A EC 108/20 determina uma alteração na distribuição da cota municipal do ICMS: 65%, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços e 35% de acordo com o que dispuser a lei estadual, sendo que, obrigatoriamente, no mínimo 10% serão distribuídos com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.
Reservar parte dos recursos do principal imposto nacional, em nível de arrecadação, para distribuí-lo a partir de aspectos meritocráticos é uma decisão que deve ser analisada com muita cautela, sobretudo porque pode acentuar a desigualdade em vez de diminuí-la (FREITAS, 2015). No Brasil, em 2019, segundo o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), do Ministério da Economia (BRASIL, 2019), R$ 603 bilhões foram arrecadados pelos estados e Distrito Federal (DF) com ICMS. Isso significa que em torno de R$ 452 bilhões ficaram com os estados e R$ 151 bilhões com os municípios. De acordo com a EC 108/20, levando em consideração os valores de 2019, cerca de R$ 21 bilhões, no mínimo, obrigatoriamente deverão ser distribuídos com base na melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade.
A distribuição do ICMS, através da dinâmica econômica, prioriza os municípios economicamente fortes, ou seja, capitais e grandes cidades (BRANDÃO, 2014). A distribuição do ICMS é a favor dos locais que concentram os empreendimentos econômicos e contra aqueles que concentram os consumidores, que normalmente demandam mais presença dos serviços públicos (ORAIR; GOBETTI, 2019). A EC 108/20 poderia atenuar essa desigualdade ao retirar 10% dos 75% e condicioná-los a uma distribuição que privilegiasse os municípios mais pobres e com necessidades de expansão de sua rede de ensino. Contudo, lançou mão de uma lógica redistributiva que poderá ir ao encontro da mesma lógica praticada atualmente, pois são os municípios com maior disponibilidade de recursos que, via de regra, poderão aumentar seus índices de resultado de aprendizagem aumentando, desse modo, suas receitas através dos 10% reservados aos indicadores de aprendizagem.
É importante considerar que redes públicas da educação básica com significativo número de estudantes com pais analfabetos, com escolas sem infraestrutura adequada, com docentes recebendo remuneração pífia, entre outros limitadores, provavelmente não conseguirão aumentar seus índices. Além disso, o dispositivo da EC 108/20 estimula a busca por soluções para o alcance do aumento do índice de aprendizagem por parte dos governantes municipais, o que poderá gerar a busca pelo setor privado com seus “mirabolantes” serviços (projetos, consultorias, palestras…) para aumentar esses índices, o que resultará em recursos públicos aplicados no setor privado – ou simplesmente os governos podem recorrer às fraudes nas estatísticas, o que não tem sido incomum no cenário educacional brasileiro.
Segundo a EC 108/20, os estados terão dois anos a partir da promulgação da emenda para aprovar lei estadual que discipline a distribuição dos recursos do ICMS para os municípios. Cabe salientar que esse mecanismo meritocrático afeta somente as redes municipais e não as estaduais, já que o percentual e a forma de distribuição do ICMS não se modificam para governos estaduais, o que significa uma injustiça já que muitas redes estaduais têm níveis de aprendizagem inferiores à de muitos municípios.
A EC 108/20 propõe um dispositivo aditivo (163-A) com a finalidade de publicização de informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais divulgados em meio eletrônico por parte de todos os entes federados. Indubitavelmente a divulgação ampla de dados contábeis, orçamentários e fiscais é importante, sobretudo referente às políticas sociais – dispositivo que pode permitir o controle e o acompanhamento social dos recursos da educação; contudo, cabe destacar que esta deve ser acompanhada de outros instrumentos que permitam que os cidadãos entendam e interpretem os dados, pois sem isso se torna uma medida inócua revestida de uma pseudodemocratização.
Outro dispositivo que a proposta prevê é mudar o parágrafo 4º e incluir os § 6º e § 7º do artigo 211, que dispõe sobre a organização do regime de colaboração entre os sistemas de ensino. A proposta do § 4º é inserir os termos “a qualidade e a equidade do ensino obrigatório”. Contudo, o termo qualidade é polissêmico e não há regulamentação clara do que seria uma educação de qualidade. O Ministério da Educação (MEC), baseado em normas internacionais, superdimensiona a avaliação da aprendizagem dos estudantes dando ênfase aos testes padronizados e com isso estimula os governantes a avançarem nesse único indicador, reduzindo a qualidade a esse critério. Já o termo equidade (que admite desigualdades no desenvolvimento), desde 1980, tem substituído o conceito de igualdade. É importante ressaltar que a desigualdade é inexorável ao sistema econômico capitalista, que, para se expandir, tem como princípio a acumulação do capital não permitindo a sustentabilidade econômica, sobretudo de países subdesenvolvidos (MÉSZÁROS, 2002). O dispositivo usa “mantras” do Banco Mundial, mas em termos práticos pouco ou em nada colabora para a melhoria da educação pública através do financiamento.
A ideia de associar custo/aluno/qualidade olhando para a questão federativa se intensificou com as discussões de Ediruald Mello (MELLO, 1989). Anos depois se tornou consenso para a maioria dos pesquisadores de financiamento da educação que esse seria o caminho para se desenhar uma política de financiamento da educação básica no país. No entanto, nem a Lei federal 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) nem as leis que instituíram os Planos Nacionais de Educação (PNE) (Leis 10.172/2001 e 13.005/2014) conseguiram que fosse implementada, para além do plano legal, uma política de melhoria da qualidade da educação através de condições de infraestrutura e funcionamento, valorização dos profissionais, acesso e permanência, da gestão democrática, entre outros. Além disso, o atual PNE (2014-2024) determinou que a definição do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) deveria ser feita até junho de 2017 para se tornar parâmetro para o financiamento da educação de todas as etapas e modalidades da educação básica; porém, até a presente data, isso não ocorreu.
Embora o § 7º do art. 211 da EC 108/20 determine que o CAQ será a referência para um padrão mínimo de qualidade para a educação básica, regulamentada através de Lei Complementar, é importante destacar que, segundo estudos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), seria necessária uma complementação federal de 50% do total do Fundeb para alcançar um valor aluno capaz de melhorar as condições das escolas públicas no país. A EC 108/20 determina uma complementação de 23% que não se dará plenamente nos primeiros anos de vigência do Fundo, mas sim progressivamente, sendo totalizada após 6 anos da sua implementação.
Segundo o documento Education at a Glance da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), desconsiderando a taxa cambial, a média do gasto por aluno/ano do ensino fundamental no Brasil é de US$ 3.750. A média dos países da OCDE é de US$ 9.400 (OECD, 2019). Isso significa que o país deveria convergir seus esforços para aumentar o valor investido por aluno/ano. Contudo, com a complementação ao Novo Fundeb aquém da necessidade das demandas educacionais do país, provavelmente o custo aluno/ano do país continuará figurando entre os mais baixos do mundo.
Três dispositivos serão adicionados ao artigo 212, que trata da vinculação de percentual mínimo de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE). O primeiro é o § 7º, que proíbe o uso dos recursos da MDE e do salário-educação para o pagamento de aposentadorias e pensões – um inegável avanço, pois bilhões de reais do ensino anualmente são gastos com essa despesa. Segundo Souza (2019), em 2016, o governo estadual do Rio Grande do Sul aplicou ilegalmente em torno de R$ 1,4 bilhão do Fundeb com pagamento de aposentadorias e pensões.
Cabe destacar que o novo dispositivo poderia ser mais abrangente e proibir o uso dos recursos da MDE e da educação com a despesa citada, pois, além do percentual mínimo de impostos e o salário-educação, há outras fontes de recursos que devem ser aplicadas no ensino como, por exemplo, as compensações financeiras com a exploração e produção do petróleo e do gás natural do Pré-sal e os recursos do Fundo Social previstos na Lei 12.858/2013.
O segundo dispositivo é o § 8º, que prevê a redefinição de percentuais para a MDE e para o Fundeb caso ocorra a extinção ou substituição de impostos. Nesse caso não haverá perda de receitas caso seja promulgada uma reforma tributária que acabe ou unifique algum(uns) imposto(s). Importante ressaltar que há duas PECs (45/2019 e 110/2019) no Congresso Nacional que propõem a reforma tributária. Ambas admitem que a mudança tributária poderá gerar perdas de arrecadação e de autonomia para alguns entes e como solução adotam propostas para compensar tais perdas através de medidas compensatórias.
Cabe destacar que a Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, denominada Lei Kandir, que deveria compensar as perdas dos estados e municípios (por partilha) por ausência de regulamentação, impõe ano a ano vultosos prejuízos financeiros a esses entes federativos. Além disso, há 15 anos os estados lutam para que a União compense os prejuízos culminados pela eliminação do ICMS-Exportação promovida pela EC 42/03. Essas mudanças, em consequência, trouxeram prejuízos para o financiamento da educação. Isso significa que o dispositivo poderá ser inócuo caso seja implementada uma reforma tributária que mude as regras do sistema tributário.
O terceiro é o § 9º, que trata da criação de lei que posteriormente regulamentará a fiscalização, a avaliação e o controle das despesas com educação nas esferas estadual, distrital e municipal. O dispositivo deixa de fora a União, o que é um equívoco, visto seu papel fundamental na coordenação da política nacional de educação e no financiamento da educação no país (BRASIL, 1988, 1996).
O próximo dispositivo da emenda é o artigo 212-A – que será acrescido ao texto constitucional e, por isso, recebe a letra maiúscula no final, pois não se pode renumerar artigos (BRASIL, 1998), que constitucionaliza o Fundeb e mantém basicamente as mesmas regras do Fundo vigente. Não houve alteração na alíquota que estados, DF e municípios devem aportar para a composição do Fundo, ou seja, continuam os 20% de alguns impostos e transferências, e também não foi adicionado nenhum imposto novo, pelo contrário, foi retirado o recurso da Lei Kandir.
Um problema não enfrentado pela emenda, mas que poderá estar na lei regulamentadora, refere-se à fiscalização dos entes que não contribuírem com a totalidade dos recursos obrigatórios para compor o Fundeb, ou seja, os 20% de impostos e transferências, seus juros e multas, e da Dívida Ativa de Impostos, seus juros e multas, determinados pela lei 11.494/07. Em 2018, o governo estadual do Rio de Janeiro, ilegalmente, não contabilizou os 20%, fato que resultou na não contribuição de quase R$ 1 bilhão ao Fundeb (RIO DE JANEIRO. TCE-RJ, 2018) – provavelmente, essa manobra não acontece somente no governo estadual do Rio de Janeiro.
Uma das críticas ao Fundeb é justamente o fato de não ser composto por todos os impostos e transferências aplicados na MDE e por não ser composto pelo percentual de 25%, no mínimo, obrigatórios na MDE. Caso fossem aplicados, forçariam o aumento da complementação federal, que tem como limite mínimo a somatória de todos os fundos estaduais e distrital. Isso culminaria em receitas novas para os estados, DF e municípios (BASSI, 2018). Além de não prever a inclusão de mais impostos, a compensação da União pela desoneração das exportações prevista na Lei Kandir não entrará no cômputo do Fundeb permanente. Isso culminará na redução dos valores recolhidos e consequentemente em um valor menor da complementação da União.
Atualmente há uma discussão no Congresso Nacional acerca do ressarcimento da União aos estados, ao DF e aos municípios da Lei Kandir. Criada no início da gestão Fernando Henrique Cardoso, em setembro de 1996, foi instituída pela Lei Complementar 87 com o objetivo de estimular a competitividade dos produtos brasileiros no exterior por meio da isenção do ICMS de produtos primários e semielaborados. Contudo, segundo o Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do DF (Comsefaz), as perdas líquidas dos entes subnacionais oriundas da não compensação da União chegam a mais de R$ 700 bilhões em valores reais.
O governo federal propôs, através da PEC 188/19, que os entes perdoem a dívida, inclusive judicialmente, e em contrapartida irá compensá-los com R$ 65 bilhões. Como essa transferência não está incluída no rol que compõe o “Novo Fundeb”, logo o Fundo não contará com esses recursos. Um dos argumentos para a exclusão é de que há uma portaria da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) que determina que a Lei Kandir componha o Fundeb. O argumento é frágil, pois a portaria se refere ao Fundeb criado pela EC 53/06 e não ao novo (EC 108/20) – o que pode trazer insegurança jurídica e culminar na não contabilização desses recursos ao novo Fundo.
A EC 108/20 também não enfrentou outro sério problema do Fundeb que é a sua distribuição para os entes federados. Ela mantém a distribuição entre os estados e seus municípios, o que reduz o poder redistributivo, pois poderia ser entre os estados, aumentando assim seu efeito equalizador e fortalecendo o regime de colaboração previsto na CRFB/88. Em que pese a presença do Valor Aluno/Ano Total (VAAT) na distribuição da complementação federal, ele por si só não conseguirá atender a todas as redes carentes de arrecadação tributária capaz de consolidar um financiamento da educação que contemple um padrão de qualidade que permita a universalização e os insumos necessários das escolas brasileiras, bem como a remuneração condigna dos profissionais da educação.
Outro aspecto importante se refere aos fatores de ponderação. Atualmente são 19 segmentos da educação básica com ponderações que variam de 0,80 a 1,30. Isso significa que as matrículas que valem 0,80 (80% da matrícula referência – anos iniciais do ensino fundamental urbano) expressam um valor 20% abaixo do valor mínimo aluno/ano referência. O ensino de jovens e adultos (EJA) com avaliação no processo é um dos segmentos que têm o valor citado, o que traduz uma injustiça para essa modalidade que tem desafios importantes para superar. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, dos 50 milhões de jovens de 14 a 29 anos no país, 10,1 milhões (20,2%) não completaram a educação básica (BRASIL, 2020).
O aspecto importante é que os fatores de ponderação serão definidos pela lei que regulamentar o Fundo e deverão levar em consideração os custos dos tipos de segmentos e não uma disputa política entre redes estaduais, municipais e setor privado (instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas) para ver quem “abocanha” mais recursos através da valorização do valor das matrículas que estão sob sua responsabilidade (BASSI, 2018).
Além disso, a lei regulamentadora do “Novo Fundeb” deveria compor a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade (instância que, entre outras funções, define os fatores de ponderação) com representantes de sindicatos, universidades, grêmios estudantis, união dos estudantes e demais instituições de defesa da educação básica pública para que dessa maneira fosse permitida uma democratização desse espaço de decisões, já que a gestão democrática na educação é um princípio constitucional. Hoje, segundo a Lei do Fundeb, a comissão é composta apenas por representantes do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Educação (Consed), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do MEC, o que a torna exclusivamente estatal, ou seja, constituída apenas por secretários estaduais, municipais (um de cada região) e pelo ministro da educação.
O principal aspecto que norteou as discussões do “Novo Fundeb” é a complementação da União ao Fundo. A EC 108/20 determina aumento de 13% além do percentual já praticado, ou seja, mais que o dobro do atual. Entretanto, essa complementação só será aplicada integralmente depois de meia década! A emenda prevê que, dos 23% de complementação, 10% seguirão a regra do atual Fundeb, ou seja, distribuídos para os Fundos que não alcançarem o valor mínimo aluno/ano definido nacionalmente.
É importante lembrar que o governo federal calcula o valor mínimo nacional aluno/ano (o segmento de referência é o do ensino fundamental anos iniciais urbano, pois é onde se concentra o maior volume de matrículas dos 19 segmentos) com base na estimativa da receita dos 27 entes dividida pelo total de matrículas (do ano anterior) dos 19 segmentos da educação básica multiplicados pelo seu fator de ponderação. Já o valor aluno/ano de cada um dos 27 Fundos leva em consideração a estimativa de receita total dos estados e de seus municípios dividida pelo total de matrículas (do ano anterior) dos 19 segmentos da educação básica multiplicadas pelo seu fator de ponderação. Essa conta resultará no valor aluno/ano dos Fundos que não pode ser menor que o valor mínimo nacional aluno/ano. Sendo assim os Fundos que ficam com valor abaixo no valor nacional recebem a complementação federal.
Observa-se que, ao contrário do que é propalado, o repasse dos recursos do Fundeb é determinado por outras variantes além das matrículas, tais como os fatores de ponderação e a estimativa de receitas. Isso significa que, mesmo não aumentando o número de matrículas, os entes podem ter aumento de receita com o Fundo. Esse fato aliado à política de avaliação da aprendizagem estimula a redução das matrículas e, portanto, isso se torna um impedimento para a universalização da educação básica.
Por exemplo, em 2007, a rede estadual do Rio de Janeiro contava com 1.189.781 matrículas (que contabilizam para o Fundeb). Em 2020, conta com 670.950; por outro lado, as receitas com o Fundeb passaram de R$ 1 bilhão, em 2007, para R$ 2,9 bilhões, em 2020. A rede estadual saltou da penúltima posição do ranking nacional do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do ensino médio, em 2009, para a 5ª posição em 2015. São necessários estudos mais aprofundados para analisar essa correlação entre matrículas, receitas e indicadores de avaliação da aprendizagem. Contudo, as políticas gerencialistas adotadas pelo governo estadual dão fortes indícios de que a redução da rede de ensino da educação básica está diretamente ligada à melhora dos resultados de aprendizagem medidos pelo Ideb nacional. A EC 108/20 não supera essa questão e até a aprofunda quando reserva parte da cota municipal do ICMS e da complementação (2,5%) para as redes de ensino da educação básica que aumentarem seus indicadores de aprendizagem.
A segunda parte da complementação se refere ao percentual de 10,5% que, segundo a emenda, será distribuída com base no VAAT, cujo cálculo levará em consideração, pelo menos, os recursos do Fundeb, os 5% dos demais recursos da MDE que não entram no cálculo do Fundeb, as quotas estaduais e municipais do salário-educação, e a complementação federal ao Fundeb (10%), além de outras receitas e de transferências vinculadas à educação. É importante notar que, segundo a EC 108/20, demais receitas vinculadas à educação, e não somente à MDE, podem compor o cálculo do VAAT.
Sendo assim, é importante que a lei regulamentadora abranja os demais recursos como, por exemplo, as compensações financeiras da produção e exploração de recursos naturais. No estado do Rio de Janeiro, somente a receita oriunda das compensações do Pré-sal gerou, em 2018, um montante de recursos de aproximadamente R$ 1,9 bilhão distribuído entre os governos estadual e municipais, do qual R$ 1,4 bilhão deveria ter sido aplicado na MDE, segundo a Lei federal 12.858/2013 (RIO DE JANEIRO. TCE-RJ, 2019).
Outra dificuldade que a lei regulamentadora do Fundeb enfrentará, em relação ao VAAT, refere-se às variantes do fator de ponderação para seu cálculo: nível socioeconômico dos educandos, indicadores de disponibilidade de recursos vinculados à educação e potencial de arrecadação tributária. Atualmente, no país, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a Prova Brasil e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) utilizam questionários contextuais que são preenchidos pelos educandos para auferir informações acerca de seu nível socioeconômico.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) criou, a partir de dados acerca da renda familiar, da posse de bens e contratação de serviços de empregados domésticos pela família dos estudantes e do nível de escolaridade de seus pais ou responsáveis, o Indicador de Nível Socioeconômico (Inse), mas a discussão e a implementação do índice não avançaram.
Embora esse possa ser um caminho para calcular o nível socioeconômico dos estudantes, é necessário lembrar que os questionários não são uniformes e apenas alguns alunos das etapas finais (5º, 9º e 3º ano do ensino médio) respondem. O fato de serem respondidos pelos alunos também é um problema, pois eles podem marcar questões sem retratar a realidade, responder parcialmente ou mesmo não nos responderem. É importante ressaltar que os questionários não são aplicados em escolas com número baixo de estudantes. Além disso, esse instrumento não foi planejado com a finalidade de se criar um indicador, o que dificulta elaborar uma fórmula de cálculo (ALVES; SOARES; XAVIER, 2014). Por fim, mas não menos importante, fraudar e maquiar dados é uma prática utilizada por muitos governantes (haja vista o que ocorre com o Ideb), o que pode ser ainda mais intenso com os dados do VAAT, por se tratar de recursos que entrarão nos cofres dos governos, caso alcancem metas dos índices supracitados.
O segundo índice trata da disponibilidade de recursos vinculados à educação que poderá ser um instrumento útil caso sejam contabilizados todos os recursos para a educação e não somente alguns, pois muitos entes federados dispõem de recursos a mais para a educação em seus orçamentos. Um deles é o da compensação por produção e exploração de recursos naturais, como foi destacado acima.
O terceiro índice do potencial de arrecadação tributária é um aspecto muito importante, sobretudo por permitir que cada ente se esforce para aumentar suas receitas tributárias, porém isso não melhora um dos maiores entraves tributários que é a evasão fiscal. Além disso, os governos poderão aumentar a arrecadação tributária através do aumento de alíquotas, o que poderá prejudicar a classe trabalhadora, haja vista que 65% dos tributos no país incidem sobre bens e consumo e que essa é a classe que mais consome, embora, proporcionalmente, seja a que tem uma menor renda.
Segundo o § 3º, do art. 212-A, 5,25% da complementação de 10,5% deverão ser destinados à educação infantil. Contudo, a EC 108/202 não determinou que tal percentual seja apenas para a educação infantil pública. Consequentemente, esses recursos vão, provavelmente, parar no bolso dos empresários do setor privado declarado sem fins lucrativos (confessionais, filantrópicos e comunitários) e/ou do terceiro setor (organizações não governamentais, organizações sociais de educação, fundações, institutos…). Em 2020, só na creche há mais de 560 mil matrículas conveniadas que recebem recursos através do Fundeb.
Por fim, a complementação federal reserva 2,5% para as redes públicas que, cumpridas condicionalidades de melhoria de gestão previstas em lei, alcançarem evolução de indicadores a serem definidos, de atendimento e melhoria da aprendizagem com redução das desigualdades, nos termos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb). Contudo, a distribuição desses recursos só ocorrerá três anos após o início do “Novo Fundeb”.
Esse percentual exclusivo para redes que aumentarem os índices de aprendizagem vai gerar uma disputa injusta, pois os sistemas com mais possibilidade de arrecadação terão mais recursos para investir em suas redes. Além disso, as medidas mirabolantes de setor privado para aumentar índices podem gerar uma contratação desse setor e com isso recursos públicos irão direto para o bolso dos empresários. Outro efeito é que tal medida poderá intensificar as fraudes e desestimular a universalização do ensino, pois menos matrículas representarão uma rede menor e mais fácil de melhorar os indicadores.
Outra medida controversa da EC 108/20 se refere à reserva de 70%, no mínimo, da receita do Fundeb para o pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício, sendo que da parte da complementação de 10,5%, um mínimo de 15% deverá ser aplicado em despesas de capital (investimentos destinados ao planejamento e à execução de obras públicas, aquisição de instalações, equipamentos e material permanente, inversões financeiras, transferências de capital e amortizações da dívida pública) e que a complementação de 2,5% não poderá ser utilizada para pagamento dos profissionais da educação. Assim, para aqueles entes que receberão a complementação, somente 19% (23% [total da complementação] – 2,5% [complementação federal com distribuição baseada em melhoria de indicadores de aprendizagem] – 1,5% [15% de 10,5% reservados à despesa de capital]) poderão ser utilizados com o pagamento dos profissionais da educação. Cabe destacar que muitos entes subnacionais utilizam algo próximo de 100% dos recursos do Fundeb para pagamento dos profissionais do magistério e dos demais profissionais da educação.
Além disso, a EC 53/06, que criou o Fundeb no seu art. 60, VI (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT), reservava 10% do valor da complementação federal para o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), já a EC 108/2020 não tem essa reserva. O inciso XII do art. 212-A determina que lei específica disporá sobre o PSPN para os profissionais do magistério da educação básica pública. Contudo, a atual lei 11.738/2008 dispõe do PSPN que determina o reajuste anual do piso através do percentual de crescimento do valor mínimo anual por aluno (VAA) estendido para os aposentados e pensionistas e de que um terço da carga horária dos profissionais sejam em atividades não diretas com educandos (BRASIL, 2008). A nova lei regulamentadora poderá não contemplar esses mecanismos de valorização que representam conquistas históricas dos profissionais do magistério.
4 Aspectos conclusivos
É bem verdade que o Fundeb não universalizou a educação básica e tampouco elevou o padrão de qualidade a um alto nível. As matrículas diminuíram na maioria das redes de educação básica e, segundo o Censo da Educação Básica de 2018, das mais de 141 mil escolas, aproximadamente 10% não têm banheiro, 30% não têm água potável, 60% não têm esgotamento sanitário e 70% não têm quadra poliesportiva e biblioteca. Além disso, somos um dos países que pior pagam seus professores. Dessa maneira, o que se deve esperar do “Novo Fundeb”?
A EC 108/20 apresenta muitos aspectos que devem ser analisados de forma crítica para que se possa entender quais os reais interesses que se ocultam nesse novo mecanismo de financiamento permanente da educação. A alteração dos critérios de distribuição da cota municipal do ICMS com base em aspectos meritocráticos terá efeitos para além dos desejados pelos defensores de tal medida, destacando o TPE e políticos do partido NOVO que defenderam tal mudança. A medida beneficiará municípios que tem recursos disponíveis para melhorar seus indicadores – o que não significa necessariamente a melhoria da qualidade do ensino –, além de intensificar as fraudes para o aumento desses indicadores, bem como a aquisição de medidas mirabolantes – nem sempre adequadas – de organizações privadas para o aumento dos índices supramencionados.
O CAQ, tão propagandeado pela CNDE e por muitos políticos progressistas, está fadado ao mesmo destino que está tendo na Lei do PNE (2014-2024), ou seja, sua limitação apenas ao plano legal. Sua viabilização só seria possível com um aporte de recursos do governo federal que vai além do determinado pela EC 108/20 – 23% depois de quase uma década.
Embora seja um avanço a medida de proibir o uso dos recursos da MDE e do salário-educação com aposentadorias e pensões, o texto da EC 108/20 poderia ser mais abrangente e proibir quaisquer recursos da educação com essa despesa. Outro aspecto controverso da emenda é de deixar de fora os recursos da Lei Kandir para a composição do Fundeb, pois dessa forma os 27 Fundos contarão com menos recursos tanto para sua composição quanto da complementação federal.
A EC 108/20 não enfrentou problemas relevantes do desenho institucional do atual Fundeb, tais como: a contribuição dos entes com um percentual acima dos 20% dos impostos e transferências; a inclusão de novos impostos ou até mesmo de outros tributos; sua distribuição entre os entes federados estaduais e distrital; e a composição da Comissão Intergovernamental do Fundeb. Além dos velhos problemas (desenho institucional do Fundo), o “Novo Fundeb” aprofunda a capitalização do ensino e permite maior entrega de recursos públicos ao setor privado (organizações não governamentais, organizações sociais, fundações, instituições filantrópicas, confessionais e comunitárias…), além de acentuar a meritocracia através do condicionamento de repasse de recursos para aumento de índices de aprendizagem.
A complementação federal passa de no mínimo 10% para 23% com a EC 108/20. Desse novo percentual, 10% será distribuído conforme as atuais regras do Fundeb. Para a implantação do VAAT é reservado um percentual de 10,5% da complementação federal. O VAAT aparece no discurso dos defensores da EC 108/20 como a panaceia para os entraves, sobretudo dos municípios com baixa arrecadação tributária.
Contudo, somente a lei regulamentadora poderá especificar os detalhes da distribuição da cota de 10,5% da complementação federal para os entes. Como citado nesta pesquisa, o potencial de arrecadação tributária poderá ter um contra efeito ao estimular o aumento de alíquota de impostos. Além disso, metade desse percentual deverá ser destinado à educação infantil. A EC 108/20 não especifica qual o percentual disponibilizado para financiar apenas as vagas ofertadas pelo poder público, o que pode fazer com que parte desse recurso seja encaminhado para o setor privado. Os 2,5% restantes da complementação endossam a prática meritocrática de beneficiar entes através do aumento de indicadores de aprendizagem, como ocorrerá com o percentual reservado do ICMS municipal.
Com relação à aplicação dos recursos, há uma mudança questionável na EC 108/20, pois ela reserva 70% dos recursos para pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. Contudo, nem todo o percentual da complementação federal (dinheiro novo) deverá ir para pagamento dos profissionais da educação. Além disso, o atual Fundo reserva 10% da complementação para programas direcionados para a melhoria da qualidade da educação básica, que, no caso do atual Fundo, é distribuído para contribuir com o PSPN, não havendo a EC 108/20 mantido essa importante reserva, o que poderá dificultar o cumprimento da Lei n. 11.738/08.
Por fim, apesar de o país não ter atingido mais de 80% das metas e estratégias do PNE (2014-2024) após seis anos de sua implementação, o “‘Velho’ Novo Fundeb’’ em pouco contribuirá para que nestes últimos quatro anos de plano se consiga avançar no cumprimento pleno das metas e das estratégias tão fundamentais para o avanço na qualidade da educação brasileira.
Referências
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Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): SOUZA, F. A. Os novos e velhos problemas do “Novo Fundeb”: análise da Emenda Constitucional 108/2020. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 3, p. 788-802, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p788-802. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15888.
COMO CITAR (APA): Souza, F. A. (2021). Os novos e velhos problemas do “Novo Fundeb”: análise da Emenda Constitucional 108/2020. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(3), 788-802. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p788-802.