DOSSIÊ TEMÁTICO: "RISCOS E DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS"
A nova ordem social sob decretação de emergência: riscos à gestão pública e à vida democrática
The new social order under emergency decrees: risks to the public management and to the democratic life
El nuevo orden social bajo decreto de emergencia: riesgos para la gestión pública y la vida democrática
A nova ordem social sob decretação de emergência: riscos à gestão pública e à vida democrática
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 1, 2021
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 13 Octubre 2020
Aprobación: 29 Marzo 2021
Resumo: A decretação de emergência tem sido uma prática recorrente da administração pública, a qual anuncia a existência de uma crise não manejável dentro das rotinas de gestão. Tal anúncio gera um lastro legal para a alteração do modo de captação e utilização dos recursos públicos bem como do tipo de relação sociopolítica entre a autoridade governamental e os cidadãos. Quando a decretação de emergência deixa de ser uma prática excepcional e se normaliza, a despeito de quais sejam os desastres que a justifiquem, abre-se uma preocupante brecha passível de ameaçar os pilares da vida democrática. Este ensaio sociológico focaliza a problemática acima analisando os principais aspectos salientados no debate internacional no assunto e ilustra com aspectos da dinâmica de desastres no Brasil. Os resultados apontam para os riscos que os dispositivos legais de emergência oferecem como mecanismo tríptico – ético, prático e lógico-operativo – passível de reorientar as instituições públicas para finalidades antidemocráticas.
Palavras-chave: Crise, Emergências, Democracia, Cidadania, Direitos Humanos.
Abstract: The emergency decree has been a recurring practice in the public administration which announces the existence of an unmanageable crisis within the management routines. Such an announcement generates legal backing for changing the method of capturing and using public resources as well as the type of socio-political relationship between government authority and the citizens. When the emergency decree ceases to be an exceptional practice and normalizes, regardless of the disasters that justify it, a worrying breach opens that could threaten the pillars of democratic life. This sociological essay focuses on the above problem by analyzing the main aspects highlighted in the recent international debate on the subject. And it illustrates aspects of the dynamics of emergency decrees in Brazil. The results point to the risks that the emergency legislation offers as a triptych mechanism – ethical, practical, and logical-operative – liable to reorient public institutions towards anti-democratic purposes.
Keywords: Crisis, Emergencies, Democracy, Citizenship, Human Rights.
Resumen: El decreto de emergencia ha sido una práctica recurrente en la administración pública que anuncia la existencia de una crisis inmanejable dentro de las rutinas de gestión. Tal anuncio genera respaldo legal para cambiar el método de captura y uso de los recursos públicos, así como el tipo de relación sociopolítica entre la autoridad gubernamental y los ciudadanos. Cuando el decreto de emergencia deja de ser una práctica excepcional y se normaliza, independientemente de los desastres que lo justifiquen, se abre una brecha preocupante que podría amenazar los pilares de la vida democrática. Este ensayo sociológico se centra en esa problemática analizando los principales aspectos destacados en el reciente debate internacional sobre el tema. E ilustra aspectos de la dinámica de los decretos de emergencia en Brasil. Los resultados apuntan a los riesgos que ofrecen los dispositivos legales de emergencia como mecanismo tríptico – ético, práctico y lógico-operativo –, susceptibles de reorientar las instituciones públicas hacia fines antidemocráticos.
Palabras clave: Crisis, Emergencias, Democracia, Ciudadanía, Derechos Humanos.
1 Introdução
Quando observadas de muito perto, as crises que contemporaneamente eclodem e se manifestam nas várias localidades do mundo aparentam ter sido deflagradas por eventos e atores singulares, constituindo tramas diferenciadas entre si bem como com relação a todas as demais crises anteriormente vivenciadas. O exame detido das particularidades de uma dada crise por vezes não permite dar a atenção devida a alguns dos elementos-chave do seu desenrolar, os quais possam ter nexos com outros contextos de crise, na forma de regularidades. Se examinadas numa perspectiva associativa, as crises revelam componentes comuns que trafegam entre elas, sejam nas que ocorrem numa mesma localidade, nas que se originam ou vão se replicar alhures ou, ainda, nas que se manifestam simultaneamente, porém em escalas espaciais distintas. Noutras vezes, crises que se repetem num dado espaço se transmutam ao longo do tempo ou se articulam umas às outras de modo a produzir reações noutro solo que não naquele onde originalmente frutificaram e, desde aí, formam novos elos, amplificados, resultando noutra escala de enfrentamento.
Com frequência, crises sociais emergem de, são incrementadas por ou desembocam em abalos aos alicerces do regime político do espaço onde se situam; assim, para além da necessária reflexão social acerca dos propósitos e rumos de um dado governo e da filosofia de gestão pública que as nutrem, há que se inquerir sobre quais os limites da pactuação entre o Estado e a sociedade civil que essas situações testam. Tais limites são inspecionáveis por meio da capacidade resolutiva que as instituições públicas, em suas competências setoriais entretecidas, demonstrem ter ou não para lidar com o problema.
Crises sistêmicas articulam diversificados componentes conjunturais e estruturais extraídos da experiência social múltipla, daqui e de acolá, e são diacrônicas e não lineares, mantendo-se num borbulhar contínuo enquanto o fogo estiver acesso, qual seja, o dos motivos profundos que as animam. Dentre eles, o das tessituras desumanizantes entre injustiças sociais, iniquidades distributivas da riqueza, dilapidação ambiental e extremismo político, os quais constituem fartas razões para provocar situações-limite, as quais favorecem a passagem de um estado para outro de dada ordem social. Há crises que evoluem de maneira gradativa, devido a um balanço dinâmico entre forças sociais antagônicas, as quais reconhecem mutuamente a legitimidade de suas demandas e de seus conflitos, até um dado ponto, mas tardam em reconhecer a proximidade de um ponto-limite que exija a ultrapassagem do estado de tensões palidamente equacionadas para outra forma mais desafiadora de ajuste e acomodação. Há aquelas, entretanto, nas quais o desbalanço considerável entre as forças sociais em embate define rapidamente a ordem social que se imporá no curto prazo devido à predominância de uma delas, embora essa demarcação seja aquilo próprio que adicione elementos novos de resistência que reverta a situação impositiva. A dinâmica das crises contemporâneas, conforme acima mencionado, é meramente didática, pois um exame crítico do turbilhão delas tem revelado novos e inusitados enredos e não há uma receita fácil de gestão pública para evitá-las ou contê-las.
Dentre as crises sociais, há aquelas que, ao surgirem e evoluírem de um modo súbito, espargindo perturbações multifacetadas (danos e prejuízos) para diferentes setores e camadas da sociedade – embora que com intensidades e características diferenciadas –, produzem um ambiente social aparentemente distensionado e propenso a assentir com os rearranjos circunstanciais e excepcionais que a autoridade pública competente venha a propor para lidar com a situação. Esse é o caso das crises denominadas como desastres, onde a comoção pública dos primeiros momentos de um dado drama coletivo de envergadura é passível de amainar tensões sociopolíticas prévias e propiciar intensa coesão social para legitimar as ações de resposta emergencial deflagradas; contudo, quanto mais este tipo de crise se estenda, cronologicamente e/ou espacialmente, indicando as falhas nas providências de sua contenção, mais provável é que as tensões prévias reapareçam ou surjam noutra configuração, fundindo questões estruturais e circunstanciais numa crise mais ampla.
Desastre é uma crise aguda – a qual, no entanto, pode se tornar crônica, assim como pode conter subcrises –, correntemente definida como um acontecimento social adverso e inesperado desencadeado por um determinado fator físico. Esse fator pode ir de um escorregamento de massa à proliferação de um agente biológico ameaçador à vida humana, de um ataque terrorista a um colapso de barragem. Portanto, desastres não geram impactos, porque aquilo que o senso comum – e até mesmo o meio técnico e científico – denomina como impactos ou consequências de um desastre é a sua própria essência, qual seja, uma experiência de sofrimento social inigualável (DAS, 1995; HEWITT, 1998). Por se caracterizar como um estresse coletivo, envolvendo perdas e danos substanciais, multidimensionais e imprevistos, desastres exigem das autoridades competentes ligeiras providências de interrupção, atenuação e reparação do processo de sofrimento social deflagrado (DAS, 1995; FRITZ, 1961; QUARANTELLI, 1998). Da mesma forma que uma boa política institucional de prevenção e preparação aos desastres tem uma relação intrínseca com sua evitação, também a política institucional de gestão de desastre, no tocante às ações de resposta e recuperação, cobra o seu quinhão quanto à configuração da crise. Uma vez deflagrado, um desastre é prova inconteste da falha da prevenção, mas encontra ainda na omissão, na insuficiência ou na inadequação das providências de resposta e recuperação um aspecto igualmente constituinte da extensão e magnitude do sofrimento social havido. Integradas – políticas de prevenção e preparação, de resposta e recuperação –, delimitam a gênese e a evolução dos desastres, não sendo exterioridades ao mesmo.
Quarantelli (2006) denominará como catástrofe o lamentável e frustrante desencontro entre as expectativas dos grupos sociais afetados, os quais anseiam obter resposta pública condizente com o acontecimento trágico que experenciam, e aquela que efetivamente as autoridades competentes e demais atores lhes fornecem. Ou seja, o referido autor define catástrofe como uma relação sociopolítica perversa. Em seu bojo, constata-se que as autoridades olvidaram tomar as providências preventivas e preparativas pertinentes, ao que se soma uma resposta institucional retardatária, pífia ou desconectada com o real quadro do sofrimento social e com o suporte demandado. Por vezes, aquilo que se apresenta como forma de atendimento público ao desastre o incrementa; isso ocorre quando os grupos sociais afetados se veem surpreendidos com práticas de violência material, física, moral ou simbólica por parte daqueles que os atendem ou com os quais se veem impelidos a se relacionar. A dor moral produzida nesse desencontro se origina de um compósito de humilhações e silenciamentos, quando esses grupos são retirados de suas moradias interditadas e levados para abrigos provisórios mal geridos; são destratados pelos gestores locais, que se mostram indisponíveis para recebê-los e legitimar as suas demandas de cuidado e reparação; tem a sua autoimagem arruinada, ao ver os seus dramas sendo apropriados pela grande mídia para reforçar estigmas e preconceitos contra eles, formas estas de desumanização que compõem um conjunto do que Valencio e Valencio (2018) denominaram como assédio em nome do bem.
Tierney, Bevc e Kuligowski (2006) ilustraram com propriedade uma situação-limite de catástrofe, na crueldade imbuída na resposta federal ao desastre relacionado ao furacão Katrina, ocorrido no ano de 2005, nos Estados Unidos. Muitos dias após a ocorrência de uma avassaladora onda de mortes, desabrigados, feridos e doentes, decorrente da passagem do Katrina pelo sul do país, e apesar de apelos desesperados de prefeitos municipais e governadores por suporte federal, as letárgicas instituições neste nível reagiram. Além da tardança, enviou soldados armados para conter os clamores dos milhares de pessoas esfomeadas, sedentas e doentes que tinham perdido familiares, amigos, moradia e locais de trabalho nos eventos sinérgicos relacionados à passagem do referido furacão, que foram do colapso de diques à inoperabilidade de infrassistemas e serviços de saneamento, eletricidade, comunicação e saúde; da danificação de estruturas residenciais à destruição dos bens móveis ali contidos; do enfrentamento direto de enxurradas e de inundações à ingestão de água contaminada; entre outros. Sem condições mínimas de higiene, de alimentação e de descanso, confinados num lugar deteriorado, devido em parte à destruição de vias e noutra aos obstáculos logísticos criados para dali serem evacuados, sujeitos a depositar provisoriamente os corpos de seus familiares, e demais pessoas de sua rede próxima, nas ruas – espacialmente daqueles que, sendo mais fragilizados, especialmente idosos, não resistiram aos dias seguidos de abandono –, receberam em troca a prática institucional desumanizada de resposta, lenta e inapropriada, como vários documentários à época reportaram. A referida catástrofe foi ainda demarcada, nas ações de recuperação, por uma sucessão de injustiças socioeconômicas e espaciais no processo de recomposição urbana de localidades como Nova Orleans, cidade na qual Bullard (2006) identificou um emblemático processo de racismo ambiental, indo desde o incremento de relações de vizinhança antissolidárias movidas por preconceito de raça e de classe, na aversão aos negros e pobres alojados em contêineres nas praças ao derredor, à adoção de critérios racistas na política de crédito às famílias que necessitavam se recompor materialmente.
Se nos voltarmos, também ilustrativamente, para o contexto brasileiro do desastre tipificado tecnicamente como crise de saúde pública de importância internacional, relacionado à pandemia de Covid-19 e deflagrado no início do ano de 2020, vários foram os elementos indicativos de sua transmutação de crise aguda para crise crônica e, de ambas, em catástrofe. A má gestão pública do problema, cujo formato inicial súbito e localizado não foi contido o suficiente, criou condições para convertê-lo num processo generalizado e de gravidade social desmedida, exigindo maior complexidade de providências do poder público nos três níveis de governo, com articulação interinstitucional e ações intersetoriais em alta sintonia. Porém, o contexto político não foi favorável ao cumprimento dessa exigência e, uma vez que os tensionamentos entre autoridades competentes, em diferentes níveis de governo, foram levados ao paroxismo, o efeito logrado foi o de expansão da crise e consequente desorientação social, particularmente daqueles segmentos sociais excluídos, os quais se sentiram ainda mais desamparados e com dificuldades em levar adiante os seus modos autônomos, e já precários, de enfrentamento do problema. A característica catastrófica desta crise esteve patente não apenas na ausência ou na inefetividade de políticas de prevenção/preparação frente ao fator imediato de ameaça, o coronavírus e seu modo específico de propagação, mas nos sucessivos desencontros e insucessos das visões institucionais empregadas, somado à corrosão do ambiente de diálogo interinstitucional. Esse conjunto de fracassos suscitou inquietações quanto aos rumos do próprio regime democrático, conforme veremos adiante.
Antes disso, nessa problematização introdutória, é oportuno demarcar que um desastre abre sempre dois caminhos de escolha aos governantes, nos três níveis de governo. O primeiro, é o de preparar antecipadamente as instituições sob o seu controle para operar e coordenar as medidas de resposta e recuperação requeridas pelas circunstâncias trágicas através do acionamento de estratégias já planejadas e logisticamente viáveis no escopo das rotinas técnicas e administrativas dos setores implicados. O segundo, o de identificar e admitir a existência de insuficiências setoriais para responder a contento no padrão prévio e, então, criar o anteparo legal para instaurar um modo não rotineiro de funcionamento institucional a fim de prestar o atendimento público requerido aos grupos sociais afetados bem como para proceder à reparação/reforçamento dos equipamentos e serviços públicos no espaço atingido ou naquele de acolhimento emergencial. Este último caminho, adotado quando o primeiro é entendido como sendo um obstáculo à resposta eficaz ao desastre, tem sido legalmente respaldado por dispositivos legais que configuram a situação/estado de emergência ou de calamidade pública. Dentre estes, se destacam os decretos de emergência. Mas, um conjunto mais vasto de atos legais é possível de ser acionado para acompanhar a evolução dos acontecimentos e aos mesmos dar embasamento legal e orientação para aquilo que as instituições públicas e demais setores da sociedade necessitam para se enquadrarem e viabilizarem a resposta à crise. No caso de desastres catastróficos de âmbito nacional, uma miríade de leis, decretos, resoluções, portarias, ordens de serviços e instrumentos afins são acionados, pelos três níveis de governo, por vezes, contradizendo uns aos outros. Dispositivo é aqui tomado no sentido foucaultiano do termo, qual seja, refere-se a um conjunto de mecanismos legais e tecno-operacionais, conhecimentos e práticas, empregados por instituições para confrontarem uma dada urgência, derivada de alguma fratura social, com o propósito de lograr um efeito de restauração de controle público sobre aspectos da vida social, ou seja, é uma demonstração de poder (FOUCAULT, 1999). Adota-se, em complemento, a visão ampliada de Agamben (2005, p. 13), que considera como dispositivo “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”, ao que o referido autor acrescenta que, na atual fase do capitalismo, os dispositivos de governo exigem a sua subjetivação, para não se reduzirem a mero exercício de violência ao mesmo tempo que estão direcionados a tornar os seres viventes em figuras espectrais, cujos processos tanto de subjetivação quanto de dessubjetivação inviabilizam a construção de um novo sujeito. De modo geral, os dispositivos legais de emergência demarcam uma nova temporalidade na gestão pública. Essa temporalidade excepcional, estabelecida no limite de 180 dias e passível de prorrogação, respalda a proliferação de ações oficiais incomuns a serem tomadas especialmente pelo poder executivo – municipal, estadual ou federal –, no referente à reorientação do uso de recursos ordinários e na captação e utilização de recursos extraordinários, além de ajustar as rotinas e as regras de funcionamento da máquina pública, objetivando que a mesma se coadune, em agilidade e efetividade, com as circunstâncias excepcionais com as quais se depara; e, por vezes, o dispositivo cessa – restabelecendo as rotinas da máquina pública – alheia ao fato de que o desastre continua, situação que caracteriza que os grupos afetados ficaram à sua própria sorte (VALENCIO; VALENCIO, 2018). Dito de outro modo, a instauração da emergência, por tais ou quais dispositivos legais, anuncia a existência de uma crise não manejável dentro das rotinas de gestão pública, anúncio este que altera o tipo de relação sociopolítica estabelecida entre a autoridade governamental, que a instaura, deste com os gestores das instituições públicas sob o seu controle, que são instados a promover uma ação setorial e técnica coadunada com a visão política da liderança e de ambos com os cidadãos. Frente a um processo de proliferação desse tipo de crise, uma questão sociopolítica que nos parece pertinente é: o que decretações de emergência e dispositivos afins sinalizam em relação aos riscos à gestão pública e à qualidade da vida democrática de um país?
Sob uma perspectiva sociológica, focalizando o contexto brasileiro, este ensaio visa trazer elementos para a construção de respostas tentativas. Isto é, não tenciona formular uma resposta acabada à questão supramencionada, mas objetiva fornecer elementos considerados essenciais para uma reflexão sobre o assunto. Os desastres têm sido um tipo de crise, cujo foco predominante das discussões científicas e do apelo midiático tem estado no detalhamento dos hazards aos quais o acontecimento social trágico está associado – tais como, fenômenos meteorológicos, hidrológicos, geológicos, epidemiológicos e afins –, o que secundariza insistentemente os seus nexos econômicos, sociais, políticos e institucionais, invisibilizando muitos dos fatores que os poderiam explicar. Esse é o mote pelo qual nos parece oportuno realizar exercícios de reflexão em Ciências Socais que resgatem esses nexos, tal como proposto nesse texto e no dossiê do qual faz parte.
2 Metodologia
Este texto se apresenta como um exercício sociológico preliminar de aproximação entre os temas de desastres, gestão pública e democracia os quais, no âmbito da literatura científica, têm caminhado relativamente dissociados. Buscou-se interseccioná-los tendo em conta perspectivas da teoria social crítica. Por um lado, nessa vertente, vê-se o Estado contemporâneo como um conjunto de forças políticas e coercitivas, cujos arranjos hierárquicos específicos instrumentalizam as exigências da acumulação por despossessão. Estas, no contexto neoliberal contemporâneo, se expressam através de diferentes formas de violência que, por meio da ação econômica ou governamental, produzem crises, as quais, por seu turno, suscitam diferentes vetores de luta orientadas para o bem-estar coletivo, a justiça social e objetivos humanitários (HARVEY, 2004). Por outro lado, essa perspectiva também favorece o esforço de identificação do encontro entre duas ou mais crises e seus potenciais modos inovadores de se desenrolar. Por exemplo, auxilia na análise crítica das estruturas reguladoras e protetivas ao bem-estar social que estão prestes a colapsar, mal-ajambradas ao se inserirem ambiguamente em governos neoliberais, e a compreender como, nessa configuração política, tais estruturas têm sido incapazes de dar durabilidade aos pactos sociais relativos à garantia de alguns dos direitos humanos, que dirá de todos aqueles que, em diferentes gerações de lutas, foram sendo reivindicados. Em continuidade, auxilia a identificar as lutas emancipatórias orientadas para a construção de um projeto plural de proteção à dignidade humana, em oposição à dominância de concepções alienadas de mundo (SANTOS, 1997; TOURAINE, 2011), assim como a caracterizar o ambiente político desafiador no qual vicejam forças que propendem ao autoritarismo, as quais menosprezam direitos humanos anteriormente pactuados (MARQUES, 2020) e propícios à lógica de rapinagem econômica (SOUZA, 2019). No quadro sociopolítico específico brasileiro, esse foco teórico contribui para a compreensão de arranjos políticos que têm levado o regime democrático à agonia nas últimas décadas; por exemplo, aqueles arranjos que, aos sinais auspiciosos de que projetos oriundos de clamor popular e de setores historicamente marginalizados possam vir a ser abarcados e consolidados pelo Estado Democrático de Direito, através de instituições públicas que os estruturem e de políticas sociais que os dinamizem, se articulam como contraforças que, através da associação entre a mentira e o medo, emitem sinais ainda mais claros de recuos de conquistas sociais. E, então, do entendimento da lógica desses arranjos, por esta perspectiva, se torna possível ter pistas interessantes acerca do fenômeno de incremento da desconfiança social na capacidade de a democracia ser uma ponte válida para a materialização de práticas de igualdade social e de resolução de demandas coletivas prementes e, assim, dos motivos de desestímulo do cidadão a aquiescer com as leis e demais mecanismos de regulação do comportamento social e de obediência à ordem social instituída (MOISÉS, 2005, 2019). Tendo em conta, de modo apenas ilustrativo e pontuado ao longo do texto, o contexto brasileiro de uma das maiores catástrofes de nossos tempos, aquela relacionada à pandemia de Covid-19 – tipificada pelo Código Brasileiro de Desastres (COBRADE) como um desastre relacionado a um evento de origem biológica –, este ensaio parte da referida perspectiva teórica para, em última análise, reafirmar o espaço das Ciências Sociais na problematização científica sobre emergências e desastres (VALENCIO; VALENCIO, 2020).
No que tange à revisão de literatura, o estudo inicia pela contribuição de autores basilares das ciências sociais no tema supramencionado e segue através de uma síntese dos principais contributos recentes do debate internacional. Sem pretender se configurar num esforço bibliométrico sistemático, tais contributos foram buscados nas produções científicas mais recentes disponíveis em reputáveis plataformas eletrônicas científicas. Foram consultadas obras nas Plataformas científicas Emerald (https://www.emerald.com/insight/) e Wiley Online Library (https://onlinelibrary.wiley.com), ambas acessadas via Portal de Periódicos CAPES (https://www.periodicos.capes.gov.br/), através da Comunidade Acadêmica Federada (Café), provida pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Paralelamente, consulta similar foi conduzida junto à Plataforma Scielo (www.scielo.org). Em ambas, a partir da especificação de um recorte temporal dos últimos cinco anos (2016-2020), fez-se uso de termos de busca, em inglês, associados entre si de um modo triangulado, para abarcar conexões entre os termos “crise”, “gestão pública”, “democracia” e termos correlatos. Os termos “crisis”, “democracy” e “disasters”; “citizenship”, “disasters” e “public management”; “civil protection”, “humanitarian crisis” e “human rights” e associações afins foram utilizados.
Do conjunto de pouco mais de trezentos estudos que resultou desse levantamento preliminar, procedeu-se à leitura dos resumos e das referências utilizadas pelos autores a fim de identificar a afinidade ou dessemelhança do texto com a problemática central supramencionada e essa orientação teórica. O resultado dessa filtragem foi o de identificação de quarenta textos completos com contribuições recentes relevantes ao debate, cujas ideias-chave de dez deles foram articuladas entre si para produzir um enquadramento da questão-chave apresentada acima. A resposta provisória que o ensaio apresenta é esmiuçada nos três tópicos elencados no item seguinte. A alusão ao caso brasileiro, referido para ilustrar as reflexões de caráter geral, é respaldada igualmente numa literatura contemporânea das Ciências Sociais e em registros documentais oriundos de diferentes fontes e de documentos oficiais a registros jornalísticos. Para permitir a análise progressiva da complexificação do problema acima elencado, optou-se por integrar a apresentação e a discussão dos resultados.
3 Resultados e Discussão
Para além das singularidades institucionais e dos modos específicos de regulação que as democracias tomam ao longo do tempo, e de acordo com história nacional onde se situam, elas são projetos continuamente testados pelas circunstâncias críticas que surgem na vida social local. Há um amplo espectro de possibilidades de desenrolar de crises da democracia em seu projeto inacabado. Num rumo virtuoso para a sua consolidação, as tensões sociais existentes encontram meios de estabelecer formas organizadas de mobilização, cujos cidadãos são capazes de se escutar mutuamente, por vezes, persuadindo os seus representantes a participarem da construção de um novo pacto suprapartidário orientado para políticas públicas inclusivas e para o alargamento do espaço da política. Numa direção oposta, setores conservadores e reacionários, amedrontados com recentes conquistas sociais e seus desdobramentos para o campo político, se articulam rapidamente para dar legalidade a medidas obstrutivas dos recursos de voz dos recém-incluídos.
Os choques que decorrem entre as partes em disputa podem evoluir para jogos subterrâneos abusivos provenientes da parte que se sente ameaçada em seu projeto de poder. Isso inclui desde a disseminação de narrativas de ódio ao estímulo de ações radicais de violência física contra os oponentes, silenciando-os compulsória, quando não, derradeiramente. Circunstâncias de convergência e naturalização de práticas sociais, políticas e econômicas adversas à garantia de direitos humanos são propícias à ocorrência de desastres catastróficos, sendo as providências inexistentes ou fracas de prevenção e preparação os seus fortes indícios. Se porventura são extintos espaços de participação, estimulando-se o banimento de recursos plurais de voz, e um tom político dominante passa a ser monocórdio e servil a concepções de mundo do mandatário; se lutas sociais e ambientais são crescentemente criminalizadas e cientistas são intimidados (ACSERALD, 2014; MARTINS, 2021; PEDLOWSKI, 2017; VALENCIO; VALENCIO, 2017) e, se autoridades públicas escarnecem de demandas por justiça social, tal conjunto reforça a sensação de fragilidade de compromisso governamental com a aplicação de princípios constitucionais o que, se tolerado pelos demais poderes, ameaça o próprio regime democrático, o qual estará efetivamente por um triz. A isso se acresça um indício derradeiro ao qual se deva estar atento, qual seja, o de que a autoridade pública, ao invés de resguardar o decoro exigido em sua função pública, passe a se dedicar a miná-lo sob o olhar de todos, escancarando a inautenticidade das feições democráticas estabelecidas no espaço institucional e social sob a sua jurisdição. Tal contexto, de deboche das instituições, favorece a implantação de agendas autoritárias, capazes de renovar alianças entre as elites políticas e econômicas mais predatórias, em proveito ainda maior ao ambiente privatista; por exemplo, fazendo-o no processo de sucateamento de empresas estatais, para que elas estejam artificialmente desvalorizadas quando expostas à venda, por uma bagatela, no mercado global (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012; SOUZA, 2019). É dizer, a pactuação político-econômica corrosiva das instituições públicas leva a nação à beira de um abismo, na conjunção entre o uso corrompido de certos mecanismos democráticos, para criar bases legais que anteparam tal saque à coisa pública (SOUZA, 2019), e o desmantelamento simbólico da esperança difusa da sociedade de que as leis sirvam para assegurar aos cidadãos um ambiente comum que propenda à proteção da dignidade humana.
Quando governantes enveredam pelo caminho da trivialização de gestos que abalem os princípios democráticos regentes do funcionamento das estruturas públicas, a qualidade e o tempo da reação institucional a esse constrangimento apontam a durabilidade e robustez da vida democrática. Eis o ponto crítico onde a ruptura democrática ou o resgate de seus valores, reenquadrando o governante nos termos da lei, se coloca no topo da discussão pública. Observar a distância entre o que se espera da democracia, em seus pressupostos visando ao bem comum, e naquilo em que ela se converte, em termos práticos, minando aspirações socialmente includentes, revela pistas e tráfegos de fluxo invertido. Isto é, quanto mais os marcos ideais são vilipendiados, mais o vilipêndio, dialeticamente, aponta para quais as condições concretamente deterioradas devam ser prioritariamente compensadas para um projeto humanista a ser (re)fundado. Tal projeto pressuporia a simultânea tarefa de articulação de forças progressivas capazes de prover novo perfil de governação, com a reorientação das instituições públicas para um compromisso efetivo com a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, a adoção prioritária de estratégias de garantia de bem-estar coletivo bem como com aquela de aperfeiçoamento das próprias instituições públicas a fim de que os cidadãos se sentissem efetivamente representados e atendidos por elas, aquilo que seria denominado como governança humanista (HAAGH, 2020). Nessa perspectiva, o desenvolvimento humano passaria a ser colocado no centro da agenda pública, com preocupações acerca da efetividade de políticas públicas visando à garantia de dignidade humana num passo adiante nas discussões convencionais sobre participação política e redistribuição de riqueza (HAAG; ROHREGGER, 2019; HAAGH, 2020). Isto é, se colocaria como uma antítese à democracia de fachada, pois as garantias dos direitos de cidadania seriam alvo de representação, discussão e pactuação ao redor da ideia de desenvolvimento humano, perpassando efetivamente ao teor da fala e da ação oficial.
Em temas críticos, como os que envolvem grandes decisões em questões socioambientais – por exemplo, na implantação de grandes projetos hidrelétricos –, a busca de participação democrática não deveria se satisfazer apenas com decisões que refletissem a vontade da maioria, mas aludissem àquelas nas quais houvesse o estabelecimento de consensos entre diferentes setores da sociedade, incorporando minorias, cujas decisões a serem tomadas afetassem diretamente o seu modo de vida, e na escuta atenta aos interesses divergentes (BERMANN, 2009). Isso é tão mais necessário quanto mais expressivos forem os riscos socioambientais derivados das decisões tomadas, os quais, se concretizados na forma de desastres, igualmente demandariam uma gestão participativa, plural e de poder distribuído nas medidas de resposta e recuperação. A discussão sobre governança humanista é um desafio considerável num ambiente político e econômico movido por uma governança predatória e que, em razão disso, suscita uma cadeia de desastres. Em alusão a isso, Zucarelli (2018) esmiuçou etnograficamente as tecnologias de gestão de conflitos e de crises relativos a grandes projetos de mineração e identificou que as estratégias de governança instituídas nas céleres providências de desregulamentação do setor, indicando uma composição articulada do capital minerário com o poder político, engendraram a voracidade da extração socioambiental predatória, cujo efeito imediato foi o de deslegitimação de práticas políticas reivindicativas de direitos por parte das comunidades afetadas desde a implantação dos empreendimentos aos desastres catastróficos a eles associados. Criou-se um novo patamar de desbalanço do poder de negociação entre empresas e moradores no concernente aos custos de reparação frente aos danos humanos, materiais e ambientais provocados pela prática empresarial no terreno, complementa o referido autor. Dentre os casos sobre os quais o mencionado autor se debruçou, estava o do colapso de uma barragem de rejeito de minérios no município de Mariana/MG. E, cinco meses após a conclusão do seu estudo etnográfico, o colapso de outra barragem de rejeitos, no município de Brumadinho/MG (ocorrido em 25 de janeiro de 2019) reiterou a validade e importância dessas análises e conclusões.
3.1 A complexidade do caso brasileiro
Dentre as nações que contemporaneamente se veem às voltas com crises, e cujos modos institucionalmente prescritos para manejá-las acabam por torná-las sistêmicas, encontra-se o Brasil. Todavia, tal como ocorre em outras sociedades, no referido país se convencionou colocar os governantes como que numa redoma, deixando-lhes relativamente infensos a críticas diante o surgimento de crises agudas, especialmente aquelas respaldadas por dispositivos legais de situação/estado de emergência.
Em termos sociológicos, decretos de emergência e atos legais afins são o modo oficial de prover base legal para a repactuação de relações da administração pública, direta e indireta, com a sociedade. Isso abarca desde os atores civis aos militares, promovendo uma reconfiguração do poder de cada qual na modulação dinâmica da ordem social. Os efeitos sociopolíticos imediatamente esperados pelas autoridades competentes que acionam tais dispositivos são os de que o meio social por eles açambarcado os legitime no que concirna aos rumos e prioridades das providências institucionais adotadas, incluindo decisões de gastos públicos. Isto é, independente de qual evento-gatilho a crise venha a ser associada, tais dispositivos são lançados como um marco de reenquadramento das relações sociopolíticas no espaço abarcado pela autoridade governamental. Trata-se, assim, de um novo delimitador de possibilidades de atuação pública, o qual incide numa reinterpretação que as autoridades construídas poderão eventualmente fazer de suas éticas, práticas e lógica no contexto excepcional. Os critérios que o governante adota para interpretar esse novo contexto, remoldando o evento-gatilho para acrescer ou excluir elementos em consonância com as providências que julga ter que tomar ou se eximir, é algo que deveria ser objeto de intensa preocupação, discussão e controle social de um amplo espectro de atores sociais; se esses não o fazem tempestivamente, a autoridade se sente legitimada e blindada de quaisquer críticas, reforçando o seu idílio de lograr uma pactuação coletiva tácita de obediência a demais decisões emanadas durante a crise. Mas, nem sempre esse idílio se cumpre.
Se a decretação de emergência indica que se está sob uma circunstância de crise, diante a qual não há capacidade pública para lidar com a situação no modo normal de funcionamento institucional (BRASIL, 2016), a comoção pública que, eventualmente, contribui para elevar a popularidade do mandatário com as práticas excepcionais adotadas nos primeiros momentos da crise pode, no momento seguinte, tornar-se desapontamento geral, surtindo o efeito contrário. Quanto mais perdure um desastre, mais as crises crônicas antecedentes revelam-se como elementos constituintes e mais a catástrofe se anuncia, caso as suas raízes não sejam identificadas e enfrentadas e a resposta institucional permaneça desencontrada com a realidade de exaspero coletivo. Essas conexões estão sempre presentes nos desastres catastróficos, ainda que sejam teimosamente negadas pelas elites econômicas e políticas, cujo poder e privilégios dependa da manutenção de desigualdades sociais. Até mesmo os anteparos sociais mínimos aventados como medidas de amortecimento da crise – como auxílios emergenciais –, não se descolam do quadro político e econômico a, ainda, das respectivas crises que ali prosperem. Ao contrário, a produção social do desastre e das medidas de resposta que delimitam o seu alcance socioespacial estão alinhados com arranjos de poder antecedentes a tal acontecimento trágico. A maneira como autoridades públicas e gestores institucionais interpretem e se situem no interior do desastre, e desde ali ajam, se subordina ao campo de poder político-econômico instituído em suas diferentes camadas. A teoria dos hazards, dominante nos estudos de desastres, pactua com as forças dominantes desse campo a fim de precipuamente endossar as convenientes narrativas, políticas e técnicas, de que o desastre é uma exterioridade à política, como um cenário ao qual o poder público avalia, quase que como um espectador, tecendo críticas, julgando e tomando providência por mera liberalidade. Ao contrário disso, na sociologia dos desastres tem havido um esforço sistemático em trazer a dinâmica desse campo de poder no centro do desastre, relevando-o como ator protagonista naquele palco. Se tais narrativas prevalecem, sugerindo que o poder público, manifestado pelo conjunto de alianças que o energizam, é apenas um agente atenuador de problemas, e não ente de responsabilidades, essa isenção inicial pode reforçar éticas públicas de descaso com os dramas sociais, incidindo na eclosão de novos desastres, na perda de confiança social nos alicerces institucionais e na aparição de projetos autoritários.
Quanto mais prolongado for o período oficial de duração de uma emergência, inerentemente propício à constituição de modelos de gestão pública herméticas e reticentes à consulta popular – empoderando membros de gabinetes de crise, cujas origem de classe, visões de mundo, concepções técnicas e modos usuais de funcionamento são desatentos aos preceitos democráticos de pactuação participativa –, maior a possibilidade de que os cidadãos sob tais injunções percam o sentido de agência no combate à crise assim como inseguros ficam quanto à condução miúda dos caminhos de sua vida cotidiana. Assim impotentes, se sentem reféns das controversas interpretações da crise emanadas pelas autoridades de diferentes níveis de governo, o que resulta em sua descrença na capacidade institucional em compreender e responder às suas demandas imediatas e de médio e longo prazo. Tal descrença se dá em um contexto de sofrimento decorrente das subcrises relacionadas à crise principal.
Retornando à ilustração do desenrolar da crise da Covid-19 no território brasileiro, que se tornou crônica, esta suscitou uma subcrise econômica, fechando postos de trabalho e fazendo decair da riqueza nacional; uma subcrise do sistema de saúde, envolvendo desde limitações de oferta de equipamentos e medicamentos para uso hospitalar à indisponibilidade de recursos humanos especializados para atuação em UTIs de Covid-19 e subcrises políticas sucessivas, num pulular de mútuas acusações e embates, entre autoridades nos três níveis de governo e com demais atores sociais e poderes, acerca de como os erros alheios refletiam desfavoravelmente no controle da crise. No referente à essa última, assistiu-se a tensões entre organizações sociais e/ou entidades assistenciais e autoridades públicas (BASÍLIO, 2021); tensões entre prefeitos e governadores, quando medidas locais mais restritivas à circulação de pessoas adotadas pelos primeiros, para a contenção do coronavírus, não se coadunaram com a visão do nível estadual, que as consideravam inapropriadas (DORIA…, 2021); entre entidades da sociedade civil e o governo federal, no qual aquelas clamaram pelo fim da visão negacionista que marcava a gestão pública no referido nível de governo e pela adoção de medidas céleres e efetivas (O POVO…, 2021); entre prefeitos municipais e o governo federal, quando os primeiros denunciaram a inércia do segundo, frente a qual pediam um posicionamento federal assertivo para que os entes subnacionais pudessem, eles próprios, consorciados, protagonizar providências inadiáveis, como no relativo à aquisição de vacinas (FRENTE NACIONAL DE PREFEITOS, 2021) e assim por diante.
Ainda com relação à referida catástrofe de saúde pública, assistiu-se, no primeiro trimestre de 2021, a uma subcrise sem precedentes, na histórica contemporânea, do sistema hospitalar brasileiro, o que recrudesceu a subcrise política, calcada em mútuas acusações e providências públicas desencontradas, mas cuja sinergia as elevaram a um patamar diferenciado no campo político, que apontava para um ponto nevrálgico do regime democrático vigente no país. Os embates entre autoridades do poder executivo nos três níveis revelaram séria colisão entre os sistemas de sentidos empregados para interpretar as rígidas medidas de contenção da pandemia adotadas por algumas delas, trombadas que expuseram os limites do exercício democrático de um modo inusitado. A circunstância peculiar de uma pandemia fora de controle, juntamente com os insucessos de medidas de resposta moderadas quanto à circulação de pessoas e exigindo outras mais restritivas, produziu um ambiente de disputa de narrativas com sinais invertidos aos que eram usuais da normalidade democrática e em relação a um conjunto de direitos humanos fundamentais. Com evolução descontrolada do número de casos e de mortes, e sem condições de prover-se atendimento hospitalar adequado aos que desenvolviam a forma grave da doença, as forças de ultradireita calibraram a sua cultura de ódio para produzir jogos espúrios de sentido sobre princípios democráticos basilares, como os do direito à vida e à saúde, do direito ao trabalho e à atividade econômica em geral, do direito à liberdade de expressão e do direito de ir e vir, entre outros. Tais forças políticas anacrônicas, no intuito de insistirem no seu projeto de esgarçamento da credibilidade das instituições democráticas, empenharam-se na inversão de sentidos e relações entre tais direitos suscitando interpretações desencaixadas do componente sanitário da crise e das estratégias cientificamente recomendadas nesse contexto. Por exemplo, em relação à medida de toque de recolher – que, embora impopular, devido aos efeitos limitativos ao exercício de alguns dos diretos acima mencionados a fim de salvaguardar o principal deles, o direito à vida e à saúde, e que ganhou aderência suprapartidária tanto de governadores quanto de prefeitos municipais –, as forças políticas anacrônicas disseminaram sentidos controversos de entendimento. Embasadas em raciocínio negacionista da ciência e do caráter sanitário da crise, protelaram e deslegitimaram medidas preventivas e de resposta o quanto puderam; apelaram para preocupações com a garantia de direitos de ir e vir e direitos econômicos para descumprir medidas legais de restrições de funcionamento de segmentos do comércio e de serviços ou de circulação em vias públicas; por fim, alardearam direitos de liberdade de expressão para estimular práticas sociais desestabilizadoras da ordem constitucional, reivindicando apoio militar a um golpe de Estado e desqualificando e ameaçando autoridades públicas cujas orientações deliberativas fossem divergentes das suas convicções. É nesse caldo que os desastres cronificados produzem sinais de alerta para as instituições democráticas, testando a sua vitalidade. Quaisquer permissividades diante essas forças anacrônicas as levam a um ponto adiante no seu projeto de barbárie.
Nesse contexto, a construção de um projeto de governança humanista precisaria ter em consideração um questionamento imperioso do caráter de subitaneidade de certos acontecimentos trágicos que se tornam repetitivos ou, ainda, que ganham expressão regional ou nacional. Esse tem sido o caso dos desastres relacionados a colapso de barragens no país, cujas raízes econômicas (MANSUR et al., 2016) e efeitos socioambientais diferenciados em relação à distribuição da população no território (ANAZAWA; BONATTI; CARMO, 2016) extravasaram do espaço mais imediato da tragédia para muito além dele. As engrenagens de poder político e econômico multiescalares, que ajustam as bases legais e as políticas públicas locais para viabilizar a inserção territorial de grandes projetos de investimentos, vão colocando em xeque a ideia de subitaneidade dos desastres sociotécnicos que venham provocar e, ademais, explicitam a luta desbalanceada entre os setores técnicos envolvidos e os grupos afetados no referente ao amplo leque de classificações do problema (VAINER; ARAÚJO, 1992; VARGAS, 2013; ZHOURI et al., 2016). Ao se descortinarem as relações sociopolíticas e socioambientais implicadas no contínuo processo de vulnerabilização de um lugar (ACSELRAD, 2006), a natureza real do desastre se torna muito mais complexa do que o evento físico destacado nos decretos de emergência. Assim, frequentemente a narrativa oficial mantém-se no recorte limitado do evento-gatilho para escamotear esses incômodos laços, estratégia de desvencilhamento que sinaliza uma ética de descompromisso efetivo com o problema e que, por vezes, se desdobra num modo ainda mais desumanizado de relacionamento com as vítimas enquanto se mantém tolerante com atores econômicos implicados na causação da tragédia (DOUGLAS, 1994; LOSEKANN et al., 2015; QUARANTELLI, 2006; ZUCARELLI, 2018).
Quando a decretação de emergência passa a ser utilizada como um mecanismo legal que embasa práticas excepcionais na gestão pública e se normaliza, a despeito de quais sejam os desastres que a justifiquem, se banaliza o fechamento dos espaços de controle social para alijar o cidadão do ambiente decisório (VALENCIO, 2019). Assim, a experiência coletiva de sofrimento social não encontra canais de denúncia efetivos para se defender da eventual inoperatividade do gestor público, cujas medidas implementadas não se fazem acompanhar de políticas sociais apropriadas de amortecimento. Se tais canais institucionais desaparecem, os cidadãos seguem esquecidos de que eles são o soberano de primeira ordem, esquecimento que engendra o risco de repactuações sociopolíticas desvirtuadas dos princípios constitucionais.
Há, ao menos, três aspectos a se considerar para viabilizar que o projeto inacabado da vida democrática não perecesse ante tais entrelaçamentos de crises, quais sejam:
Seria requerido um esforço de intenso autoexame da máquina pública, cujas autoridades constituídas se sentissem encorajadas a expor aos cidadãos as falhas e os equívocos de seu funcionamento e lhes apresentassem medidas de combate à sua inoperância/insuficiência para equacionar circunstâncias críticas presentes e evitar futuras crises similares.
Tal esforço implicaria na exposição detalhada das estruturas e dinâmicas instauradas na gestão pública, no referente ao sistema institucionalizado de produção de crises, clarificando as razões de fundo sobre a repetição, espraiamento e agravamento das crises, do que decorreria a necessária apresentação dos mecanismos para desmontar esse sistema.
Por fim, nesse desmonte, propiciar o aumento da transparência pública para se identificarem os canais comunicativos entre interesses particularizados do setor privado e de agentes públicos em posição de poder, a fim de se dar efetividade ao controle social sobre o uso de recursos públicos relacionados ao problema em tela, uma vez que casos de corrupção relacionados à gestão de desastres têm sinalizado a existência de uma crise da ética pública.
Abaixo, nos detemos um pouco mais em cada um desses aspectos.
3.2 Onde a narrativa dominante sobre a crise põe os seus olhos não é exatamente onde as raízes da crise se encontram
Conforme dissemos mais acima, a gestão pública não é apenas confrontada pela ocorrência de um desastre, o qual exige a adoção de medidas excepcionais e ligeiras, mas desastres encontram terreno na dinâmica da gestão pública para evoluírem como uma crise mais robusta; ou seja, o modo de gestão é um fator que tanto pode agir sinergicamente com um dado evento-gatilho quanto com o sofrimento social havido, incrementando ambos. No caso brasileiro, eventos-gatilho como o SARS-CoV-2 e o desastre da pandemia de Covid-19, com milhões de contaminados e centenas de milhares de mortos, ou o colapso de uma barragem e o desastre constituído por pessoas soterradas, desaparecidas e edificações destruídas, são as manifestações mais aparentes e imediatas do problema, a sua exterioridade, mas que, quando atravessadas pela gestão pública, no recorte alargado desde o período precedente ao posterior à decretação da emergência, revela-se emaranhada a crises sistêmicas. Estas são indicadoras de que os remendos operativos, que as decretações de emergência embasam legalmente, já não cumprem os propósitos aos quais esse dispositivo supõe servir. E, nos piores casos, vêm cumprir a outros propósitos, que alimentam as ameaças aos pilares da vida democrática.
Crises sistêmicas são processos que interseccionam e retroalimentam crises e, em alguns casos, as levam a se transmutar em algo diferente e mais grave do que a sua natureza original. Isso está muito claro no processo da chegada do SARS-CoV-2 ao Brasil e sua rápida disseminação, numa catástrofe que chegou a níveis inimagináveis devido à percepção alienada deliberadamente adotadas por autoridades que a deveriam enfrentar. Políticas emergenciais esquálidas e descontínuas frente à dimensão dos agravados riscos sociais, a lentidão de reação dos três poderes e a lógica de exclusão social aplicados pelas autoridades em suas medidas emergenciais demarcaram a prevalência de uma ética de descompromisso político-institucional com o sofrimento social. Medidas retardatárias de reedição de auxílio-emergencial, com valor monetário expressivamente menor que da primeira vez adotadas, a ser distribuído a um grupo menor de pessoas, foram um dos indicativos dessa mentalidade institucional tacanha, que não trata os cidadãos como prioridade, mesmo em questões que lhes sejam cruciais, de vida e de morte (KUPFER, 2021).
Essa tacanhez está no quadro de intensas barganhas entre grupos políticos e econômicos. E ainda, reflete outros tipos de barganhas, como as político-partidárias e aquelas que existem entre Estados federativos, na disputa do controle de postos no Executivo e de agências de governo situadas no âmbito federal, visando extrair o máximo de frutos possíveis, mas deixando o ônus político e financeiro da gestão para o nível superior de governo, conforme adverte Arretche (1999), que complementa que esses custos aumentam quanto maiores aqueles exigidos pela engenharia operacional implicada e o escopo dos beneficiários. Os produtos e serviços de resposta às emergências entram nesse campo de barganhas. No âmbito federal, há consideráveis interesses regionais para controlar direta ou indiretamente os espaços institucionais que viabilizam o acesso aos recursos monetários extraordinários bem como a aquisição e distribuição de itens frequentes de reabilitação dos grupos sociais demandantes – de auxílio-aluguel a colchões, passando por cestas básicas e kits de higiene – a fim de que o repasse desses recursos seja viabilizado e seu recebimento na base política possa ser utilizado como moeda de legitimação de governantes perante a população, e eventualmente utilizada/rememorada no jogo eleitoral (VALENCIO, 2015). Esta é uma das razões pelas quais, mesmo em outros contextos nacionais, uma governança humanista depende da resiliência radical, a que se referiram Jon e Purcell (2018), qual seja, a mudança da orientação do fazer da política pública de recuperação social nos desastres, empoderando as vítimas/comunidades afetadas para que estas decidam quem são os atores que as assessoram e quais as medidas necessárias para viabilizar a restauração/incremento de seu modo de vida nos seus próprios termos.
Não menos importante a uma governança humanista é que a gestão pública esteja preparada tecnicamente para essa mudança do eixo de poder na produção de políticas no assunto. Como salienta Siqueira (2015), ainda são desvalorizadas pelos gestores públicos as contribuições que as Ciências Sociais possam dar ao debate sobre desastres. Esse deliberado modo dos gestores públicos olvidarem essa perspectiva científica, segundo a autora, tem impedido o entendimento das autoridades de que os conflitos são inerentes à sociedade e de que os desastres não nos livram dessas tensões. Porém, a proliferação e agravamento dos desastres clamam por aproximação e diálogo, para se encontrar e se enfrentar as raízes dessa crise. Como afirma a referida autora,
É corrente a negação dos espaços democráticos de diálogos e debates para não ter de lidar e enfrentar as tensões decorrentes de projetos diferentes e/ou antagônicos, mas, sobretudo, as verdadeiras determinações, pois elas, sim, impõem transformações estruturais, mesmo que as mudanças pontuais e emergenciais devam ser implementadas. (SIQUEIRA, 2015, p. 75).
3.3 Crises favorecem o aparecimento de predisposições antidemocráticas ou de instituições solidárias
Quaisquer que sejam as alegações institucionais para a adoção de um modo excepcional de gestão da coisa pública, elas flertam com o pensamento autoritário, pois produzem um desbalanço acentuado das relações de poder entre governantes e governados. Ao produzirem um ambiente legalmente amparado para que deliberações sejam tomadas rapidamente pelo topo do sistema de comando político executivo – prescindindo de consulta ampla no âmbito da sociedade civil, como mesmo em relação aos variados setores técnicos da máquina estatal, alijados igualmente do processo consultivo e decisório –, abre-se caminho para a legitimação do processo de descarte paulatino de mecanismos de gestão pública mais compatíveis com a vida democrática, tais como a consulta e o debate com as diferentes forças e demandas sociais e o aperfeiçoamento de mecanismos de accountability. Por outro lado, os desafios mal equacionados no âmbito de tais crises podem ensejar/incrementar discursos de intolerância e demais efeitos de estigmatização social. Especialmente as catástrofes são demonstrações de uma cidadania descompensada que desvitaliza a democracia. Tais crises assombram inquilinos e prestamistas inadimplentes, temorosos de perder o seu direito de morar; os enfermos, que dependem de perícia médica do INSS para fazerem jus ao respectivo benefício, em tempo e valor justo, mas cujo atendimento público é reiteradamente adiado; os que se perfilam em intermináveis horas à porta de agências bancárias, à espera de uma explicação plausível por ter-lhes sido negado auxílio-emergencial, e não a recebem; os trabalhadores obrigados a utilizar transporte público, cujas condições lamentáveis de oferta ampliam exponencialmente os riscos à sua saúde em casos de epidemias e pandemias; os (i)migrantes, cujas condições de penúria em que chegam ao novo destino suscitam hostilização ao invés de solidariedade.
Por se caracterizar como um ato da administração pública, de iniciativa do poder executivo, a decretação de emergência confere poderes mais centralizados ao gestor local e os que participam do círculo mais próximo de poder os quais podem eventualmente vir a considerar conveniente o período emergencial implantado para cometerem vícios para os quais tenham predisposição. Dispositivos que ensejem um ambiente sociopolítico onde projetos autoritários possam vicejar respaldam práticas opressoras contra os que se encontram sob vida nua (AGAMBEN, 2002). E, ainda, abrem caminho para a deturpação das finalidades do conjunto das instituições públicas até um ponto no qual a autoridade constituída e os aqueles que a cercam já não mais distingam entre a coisa pública e os seus interesses privados. As características precedentes do modo usual de funcionamento das instituições públicas colaboram para ampliar os desacertos a que forem sendo conduzidas, na linha sinuosa dos desmandos, ou para atenuá-los, quando o seu quadro político ou técnico não sucumbe a tais injunções antiéticas.
Outro aspecto a se considerar no referente à gestão pública é o que se refere à rigidez institucional no seu modo de funcionamento diante um problema que exige flexibilidade. Quanto mais o funcionamento institucional dependa do apego de seus membros às rotinas internas, mais difícil se torna para eles lidarem com resolutividade em demandas externas imprevisíveis em sua evolução e serem abertos para a articulação necessária com outras instituições e públicos, de ramos/setores/perfis/perspectivas diferentes dos usuais. Não raro, o ambiente organizacional que produz um emaranhado de regulamentações esvazia a própria missão institucional enquanto delimita de modo muito estreito a atribuição de seus membros, induzindo-os mais a buscarem justificativas para se isentarem de suas responsabilidades do que para demonstrarem agência em contexto de crise. Numa abordagem realista, não alienada frente ao mundo conturbado, as instituições públicas moldadas com maior flexibilidade decisória apresentam capacidade de adaptação a situações críticas, inovando para manter a integridade no cumprimento de sua missão, o que é a essência de um conservantismo dinâmico (ANSELL; BOIN; FARJOUN, 2015). Um exemplo nacional, durante a pandemia de Covid-19, foi dado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Este esforçou-se em demonstrar seu conservantismo dinâmico ao deparar-se com o desafio de mobilização rápida dos recursos humanos disponíveis, de elaboração de novos protocolos de atendimento, de aquisição de novos equipamentos e insumos, de estruturação de novos espaços de consulta e internação, de criação de salas de situação e afins (SILVEIRA; OLIVEIRA, 2020). A adaptabilidade do SUS contribuiu para ressaltar, no extremo oposto, outros sistemas e instituições públicas lentas, e até mesmo indispostas, a realizarem qualquer ajustamento compatível com o status da crise e parecendo indiferentes a quaisquer críticas ao seu enrijecimento. Conforme os mencionados autores:
Da esfera federal às esferas estaduais e municipais, os desafios de operacionalização da resposta à pandemia são inúmeros e multifacetados, especialmente pelas dimensões continentais do país e níveis diferenciados de avanço da pandemia, acesso a estabelecimentos de saúde, disponibilidade de recursos tecnológicos, registros de vigilância, insumos e profissionais de saúde, além das questões de ordem social, política e cultural. Em geral, as crises confrontam os desafios do campo teórico às necessidades práticas da sociedade. Se existem ainda muitos questionamentos sobre a gestão desse desastre biológico entre os cientistas, esses questionamentos são ainda mais agudos para os gestores públicos, que precisam enfrentar a crise propriamente dita e a sobreposição de riscos que ela envolve (…) A pandemia demanda ações de todas as áreas das políticas públicas, e o resultado das ações desenvolvidas não depende apenas do quão efetivas são as ações, mas sobretudo da existência de uma coordenação governamental atuante (…) também a percepção e ação por parte da população e empresas de como esses resultados devem e podem ser alcançados (SILVEIRA; OLIVEIRA, 2020, p. 9-11, grifo nosso).
Se porventura as evidências dessa coordenação governamental tardam a aparecer, as instituições públicas não se enredam como deveriam e, então, não proporcionam o suporte mútuo devido para que consigam lidar com suas circunstanciais ou estruturais descompensações e, assim, cumprirem suas finalidades de garantia ao bem-estar coletivo (PRAINSACK, 2020). Dutra, Ribeiro e Silva (2020) ponderam que a intersetorialidade produziria novas bases de repactuação do Estado com a sociedade civil por meio do aperfeiçoamento dos espaços de controle social sobre a agenda pública. Porém, materializar esse propósito de coesão social é um desafio para o contexto brasileiro, onde o padrão autoritário é difícil de se romper e para refundar as relações sociopolíticas, conforme continuam as referidas autoras:
Uma sociedade com histórico escravocrata, com uma larga população rural, destituída de poder central por três séculos, com predomínio de relações de compadrio e longo histórico de coronelismo. Por aqui, a noção de “direito” é facilmente substituída a todo o tempo pela ideia de “concessão”, e os governantes encarnam uma mistura de repressão, autoritarismo e paternalismo. (…) Esse padrão de relações sociais que se constituiu no Brasil ainda se faz presente, com a reatualização de condutas conservadoras avessas à participação nas várias esferas de governo e na condução das políticas públicas – que sempre sofrem inflexões a cada mudança de legenda político-governamental. Nesse cenário, corre-se o risco de se tornar lugar-comum a constituição de “feudos” no que se refere à condução das políticas públicas – traço que certamente dificulta qualquer tentativa de integração de ações, encontro de saberes ou mesmo o trabalho em equipes multidisciplinares, quando se pensa em desastres. (DUTRA; RIBEIRO; SILVA, 2020, p. 131)
Ao mesmo tempo que desastres possam estimular a solidariedade institucional, esses também são contextos de desnorteamento gerencial, que exige manter a coesão interpessoal, formal e de normas dentro da organização, num alinhamento tal que pode criar pressões significativas em seus membros, traduzindo-se em riscos de inoperância e sensação de incapacidade institucional para estabelecer aderência a inesperadas demandas externas. Porém, naquilo que observou ao longo da crise da Covid-19, Prainsack (2020, p. 130) adverte que
Pelo menos nesse aspecto, as lições são claras. A solidariedade pessoa a pessoa é importante, mas focalizar apenas a solidariedade nesse nível corre o risco de ignorar fatores sistêmicos e estruturais mais importantes. Precisamos abordar as causas da desigualdade e fortalecer as instituições solidárias. Ao longo da pandemia COVID-19, tornou-se abundantemente claro que em países onde existem instrumentos de seguridade social e negociação coletiva, mais pessoas são protegidas dos piores efeitos da crise e mais pessoas passarão pela crise sem perder suas casas, rendas e confiança no governo. Os países com cuidados de saúde devidamente financiados, acessíveis e sem fins lucrativos estão se saindo melhor do que aqueles que não têm. Em meio a toda a conversa e empolgação em torno do aprendizado de sistemas de saúde e sociedades resilientes nos últimos anos e décadas, o que a crise do COVID-19 nos ensinou até agora é que as sociedades mais resilientes não são aquelas que têm as melhores tecnologias ou cidadãos mais obedientes. São aqueles que têm instituições solidárias (tradução livre)1.
3.4 O estreitamento do ambiente decisório sobre o destino dos recursos públicos, em contexto de emergência, oferece tentações de corrupção de agente público
Apesar da miríade de aparatos e regras que intentam ampliar o controle social sobre os recursos públicos, no que concerne às suas finalidades e destino, o estado de exceção que a decretação de emergência cria produz uma velocidade atípica de trânsito dos recursos, que faz com que algumas barreiras existentes sejam retiradas do caminho e outras sejam temerariamente ultrapassadas, a despeito de sua manutenção. O estado de exceção provoca uma alteração do peso entre os poderes constituídos. O poder executivo se torna consideravelmente fortalecido e sombreia o legislativo – que se torna um mero carimbador que medidas emergenciais como, no Brasil, se deu por meio da aprovação açodada do “orçamento de guerra” – e retira protagonismos de outros atores políticos, enfraquecendo-os, o que é uma circunstância sensível para a vitalidade de democracias (MERKEL, 2020). O modo de governar sob a crise transfere poder ao executivo para que ele amplie a sua margem de manobra na adoção de práticas e produção de regras diversas das vigentes em tempos normais, o que abre passagem para que o exercício do poder degringole em um regime com feições autocráticas. Debruçado sobre a crise da Covid-19 nos contextos alemão e norte-americano, Merkel (2020) ponderou que, a questão democrática fundamental colocada é quem é o soberano de fato e como essa soberania se manifesta quando as funções legislativas se tornam anêmicas e subservientes. Analisando o caso norte-americano, o autor considerou que um grupo seleto de infectologistas, virologistas e epidemiologistas assumiu um papel de um semissoberano de quarta ordem o qual, ainda que reduzindo o escopo do problema e dos subsídios científicos ofertados às autoridades do poder executivo, no seu modo centralizado de deliberação, contornou muitas resistências à adoção de comportamentos prudentes, na perspectiva sanitária. Continua Merkel, ponderando:
Na crise do COVID-19, outro ator ocupou o centro do palco: a ciência, especialmente virologistas e epidemiologistas. Quase descaradamente, a ciência assumiu o papel de um semissoberano de quarta ordem (…) Porque o parlamento e o governo têm pouca expertise em questões de saúde e medicina, são altamente dependentes no conselho de especialistas médicos (…) [obtendo] centralidade da "formulação de políticas com base em evidências", como o cientistas tecnocráticos políticos e administrativos assim o chamam. Durante os primeiros dois meses da crise do COVID-19, o país [EUA] foi governado em modo de emergência pelos soberanos de terceira e quarta ordem (…) O soberano de primeira ordem, ou seja, os cidadãos, não foi perturbado por este co-governo pela ciência. Pelo contrário, os cidadãos mostraram uma grande disposição para cumprir vis-à-vis o governo e as estrelas da mídia no cenário da virologia (…) O mais mostrado, fotos horríveis das clínicas de Bergamo e o cadáver caminhões refrigerados nas entradas dos fundos dos hospitais de Nova York, também fez a sua parte (MERKEL, 2020, p. 5).
Tão logo os semissoberanos tenham se tornado objeto de desprezo ou escárnio na narrativa de certos governantes, através da produção e disseminação de fake news, isso sinaliza para que alguns grupos sociais propensos adotem comportamentos inconsequentes em termos dos riscos de contágio. É nesse intento divisionista e desagregador do tecido social – como ocorre também no Brasil –, que o referido autor recorda que soberanos de primeira ordem são os cidadãos e que “Em tempos em que o governo assumiu tanto poder, a função de controle da oposição, do parlamento, do judiciário e da sociedade civil é mais importante do que em tempos normais” (MERKEL, 2020, p. 6)2. Assim, esforços de coesão social, na constituição de um conjunto ampliado de atores, são requeridos para que seja dissipada a impressão de que decretação de emergência confira um “cheque assinado em branco” para a autoridade governamental. Uma pactuação entre diferentes forças democráticas poderia sinalizar o que precisa ser alterado, circunstancial ou definitivamente, na ordem social para seguir qualquer curso que dissipe assombrações autoritárias.
Quando os desastres deixam de ser acontecimentos eventuais e se tornam crises sistêmicas, as quais ambiguamente se tornam o estado normal da sociedade, há um fator mais profundo, de caráter estrutural, que interfere no aparecimento do problema, qual seja, as instituições fracas regendo uma sociedade socioeconomicamente debilitada (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012; DOMBROWVSKY, 1998). Isso suscita um questionamento acerca do enrijecimento na crença institucional numa cultura de segurança falha e contestável, incapacitando o Estado tanto a compreender a natureza efetiva do problema quanto a lidar com as suas causas de fundo, além de ser um elemento propulsor de crises futuras. A simplificação da realidade por uma cultura de segurança míope, baseada em sistemas institucionais viciados em crises, retira a capacidade antecipatória de ação das autoridades constituídas, sendo uma aposta arriscada tanto para a sua legitimidade quanto para a garantia do bem-comum, uma vez que inviabiliza o acesso à compreensão apropriada da natureza do problema e da escala de eventos que precisariam ser enfrentados para se atingir a garantia plena dos princípios constitucionais voltados aos direitos fundamentais da pessoa humana. As emergências que se manifestam, se replicam e se agravam num dado lugar são a prova cabal de que a cultura institucional de proteção ali existente despreza a necessidade de se investigar e lidar a fundo com a complexidade das relações de poder que produzem os desastres, o que deveria começar pelo autoexame institucional (DOMBROWVSKY, 1998), explicando as razões da procrastinação em lidar com as causas estruturais das crises. Se práticas públicas de acionamento de dispositivos de emergência são uma forma legalmente embasada para viabilizar medidas institucionais excepcionais em resposta a uma situação crítica em ocorrência, o aumento da frequência e o espraiamento dessas práticas indicam a normalização de uma cultura de proteção falha e acende um sinal de alerta à democracia. O ambiente sociopolítico permissivo a isso tornar-se-ia potencialmente exposto à apropriação indébita de recursos públicos, para não dizer um palco onde governantes com disposições antidemocráticas exercitariam suas pretensões políticas autocráticas no uso instrumental do continuado sofrimento alheio (BOL et al., 2020; FACCHINI; MELKI, 2019; NILSEN; SKARPENES, 2020; NWOZOR et al., 2020).
No caso brasileiro, em que pese a pertinência das preocupações de Souza (2019) com os rumos das interpretações sobre a crise política crônica, em relação aos quais o autor propõe uma relativização do foco predominante nas práticas de corrupção, aqui temos que argumentar que a corrupção no contexto de desastres, ainda mais nos que adquirem uma dimensão catastrófica, deveria ser objeto não desprezível de inspeção sociológica. O referido autor bem ressalta o cerne do problema, o qual estaria, em parte, nas estruturas de poder econômico concentrado, cujas elites utilizariam as relações políticas para produzir o respaldo legal necessário à apropriação voraz da riqueza coletiva e, noutra parte, estaria no racismo persistente, que hierarquizaria as relações sociais multiníveis – de indivíduos a nações – para legitimar e reafirmar preconceitos e novas formas de dominação da classe trabalhadora precária, além do ódio ao que ele denomina como ralé de novos escravos. Concordamos com centralidade desses aspectos, o que nos leva a pensar que tais raízes da crise crônica encontram terra fértil nas crises agudas, onde as práticas de corrupção possam ser nutridas por dispositivos de emergência que produzem barreiras adicionais ao controle social sobre a máquina pública. Portanto, ao nosso ver, se for possível exercitar a busca de relações multinível entre crises que portam diferentes características, esses objetos de investigação não seriam concorrentes, mas complementares.
A perspectiva aqui adotada é a de que, se desastres ocorrem e, ocorrendo, evoluam para catástrofes, há que se ter em conta o quadro político, econômico e cultural que norteia as estruturas e dinâmicas institucionais públicas implicadas. Uma das peças que conectam as diferentes escalas do problema são as práticas de corrupção de agente público, porquanto intersecciona os riscos imediatos que provocam à vida humana e aqueles que incidem sobre a vitalidade democrática. Há que se considerar os efeitos deletérios irreparáveis provocados pela corrupção no contexto de emergência, não apenas porque incidam diretamente na vida do cidadão exasperado por atendimento público – como os que fraturam a sua rede primária de relações, inviabilizam a sua sobrevivência física e econômica material, deterioram a sua saúde psíquica, obstruem canais de exercício de sua cidadania –, mas porque desgastam setores do próprio meio técnico institucional, quando a sua integridade ética e senso de responsabilidade pública os mova na direção ao atendimento ao cidadão para, em seguida, os paralisar devido à falta de condições materiais e operacionais para viabilizá-lo. Isso é fermento para a transformação de desastres em catástrofes. Ademais, práticas difusas de corrupção que ocorram com certa desenvoltura em contextos de declaração de emergência apontam para a disseminação de acordos tácitos que suplantam a ética pública formal e, então, se somadas a outras arbitrariedades, corroboram com o sentimento de desamparo do cidadão. Ultrajado, destituído de dignidade frente às autoridades públicas e frente a si mesmo, ele segue progressivamente mais incrédulo de que, quando o seu sofrimento for capturado pela esfera pública, o seja na intenção efetiva de atenuá-lo (CHAYES, 2015).
Para além da questão da corrupção, convém reafirmar que, enquanto a lógica ético-política-econômica da desigualdade social se mantiver, a experiência de exclusão social perdurará também intersubjetivamente, como negação contínua da felicidade, especialmente, a de trabalhadores precarizados e das ralés. E é esperado que tal mutilação das emoções, cujo cerco das injustiças sociais naturalizadas estreitam-nas para o sofrimento e a humilhação contínuos, envereda para fraturas sociais ainda mais abissais (SAWAIA, 1999). Estigmatizados e absorvidos com a preocupação cotidiana com a sobrevivência imediata, trabalhadores precarizados e a ralé não encontram espaço para produzir sonhos, aspirações (SOUZA, 2019) e, quando confrontados inigualavelmente com crises intensificadas e entremeadas, essas preocupações cotidianas se potencializam, não deixando espaço para se pensar um amanhã alargado. Suscetíveis ao bombardeamento cotidiano, nas relações presenciais e virtuais, que pregam e incitam a adoção de valores antidemocráticos, por vezes se rendem e, com isso, solapam os projetos de soberania popular dos quais poderiam ter feito parte. Numa dimensão socioespacial, esses projetos de soberania estariam no âmbito, dentre outros, das lutas contra as injustiças socioambientais, as quais se referem aos mecanismos perversos de distribuição desigual de danos ambientais, incidindo sobremaneira nos lugares dos grupos sociais discriminados (HERCULANO; PACHECO, 2006).
4 Considerações finais
Este estudo objetivou produzir uma análise sociológica preliminar sobre aspectos considerados essenciais acerca da relação entre desastres, gestão pública e vida democrática, quais sejam: a indisposição de autoridades constituídas em buscar as raízes das crises agudas com as quais a máquina pública tenha que lidar; os riscos sociopolíticos implicados no emprego de certos dispositivos que dão respaldo legal a uma atuação excepcional das instituições públicas; por fim, o desafio que práticas de corrupção representam nessas circunstâncias críticas.
Independentemente de qual seja o evento-gatilho que acione um dispositivo legal que caracterize situação/estado de emergência – inundações, estiagens prolongadas, secas, colapso de barragens, incêndios florestais, crises sanitárias e outros –, o fato é que esse acionamento altera a qualidade das relações sociopolíticas entre governantes e governados naquela circunscrição. Assim, se torna fina a linha na qual a vida democrática é preservada ou ameaçada nas deliberações do mandatário e dos gestores técnicos sob o seu comando. Isso dependerá do quanto tais deliberações reafirmem compromissos de inclusão social ou, ao contrário, os solapem. Uma vez que as crises denominadas como desastres se replicam com assustadora frequência no mundo, e no Brasil elas se normalizam, tomando formas e entrecruzamentos os mais diversos com outras crises, conviria estimular a discussão acerca de como as estratégias excepcionais adotadas nessas circunstâncias rumam a favor ou contra os pilares de justiça social e como os atores centrais performam no jogo democrático para evitar ou produzir catástrofes. Quanto mais rápido essa discussão amadureça, mais cedo se pode colocar na agenda a construção plural de projetos políticos inovativos de repactuação social para superar tais crises e, assim, enfrentar-se com mais resolutividade as alternativas sombrias, de cunho autocrático, que conquistaram espaço. Quaisquer que sejam as crises, elas convocam uma reflexão coletiva acerca de quais pactos socioeconômicos e políticos as deflagraram e quais aqueles exigidos para superá-las ou incrementá-las.
No espectro sociopolítico e socioeconômico de enfrentamento institucional da maior catástrofe contemporânea brasileira, relacionada à pandemia de Covid-19, a sociedade brasileira se vê confrontada com sinais invertidos de interpretação de medidas restritivas adotadas/rechaçadas pelas autoridades competentes. Enquanto narrativas civilizadas destacam razões sanitárias e de saúde pública para justificar as restrições e sacrifícios impostos à vida cotidiana, apologias à liberdade e ao comportamento social transgressor estimulado por governantes se tornam a barbárie manifesta, esteio do protofascismo regido por pulsões de morte. Nesse contexto, era de se esperar que a crise aguda se tornasse crônica, avolumando a precariedade dos infrassistemas e de acesso aos serviços de saúde pública, de saneamento, de educação, de comunicação e de transporte público, dentre outros. De se esperar também era que forças políticas e econômicas retrógradas estimulassem o comportamento social descompromissado, escarnecendo sistematicamente das instituições públicas que tentavam seguir empenhadas na reversão da crise. Esse entrechoque constante ampliou o rol dos que sentiram convocados à escolha entre projetos de acomodação à barbárie ou de mudança social, que guardam diferentes orientações aos rumos da vida democrática. Essa escolha é imperiosa. Mas, como adverte Souza (2019, p. 9-10), crises convocam a todos para uma tarefa prévia de discernimento: “Na crise, toda legitimação perde sua “naturalidade” e pode ser desconstruída. Mas é necessário que se reconstrua um novo sentido que explique e convença melhor que o anterior. Sem isso, a explicação anterior tende a se perpetuar”.
No Brasil, onde os desastres se repetem e ampliam os seus contornos tridimensionais – sociais, políticos e econômicos – catastróficos, a gestão pública tem sido colocada em xeque. De um lado, os soberanos de primeira ordem, os cidadãos, esperam que as instituições públicas e as políticas que estas elaborem e executem sejam flexíveis, acolhedoras e resolutivas o suficiente para assegurarem condições de bem-estar coletivo. De outro, as instituições públicas se veem controladas por mandatários os quais, por vezes, contestam a soberania dos cidadãos e, assim sendo, tratam-nos com estranhamento e indiferença. Numa circunstância histórica em que houve a quase simultaneidade de reconhecimento de emergência no nível global, nacional e local, relacionada à pandemia de Covid-19, tais instituições foram acionadas nas diferentes fases e particularidades da manifestação da crise e o modo de gestão pública foi, em bloco, colocado em intensa confrontação com cidadãos que se sentiram descompensados em seus direitos. Quanto maiores as manifestações de desprezo dos mandatários aos preceitos democráticos, maiores foram os seus rebatimentos na gestão pública, num círculo vicioso de mal-estar que esgarçou as relações de confiança da sociedade nas instituições públicas e inabilitou-as a responder a contento aos cidadãos, retroalimentando ressentimentos dos quais se aproveitam os disseminadores de uma mentalidade arcaica e antidemocrática.
Ao fim e ao cabo, os dispositivos legais de embasamento de situação/estado de emergência e de estado calamidade pública revelam esse tênue fio, no qual se equilibra uma protocolar legalidade dos atos excepcionais praticados pelas autoridades constituídas e uma retórica defesa incondicional das regras normais da vida democrática. O fio segue pendente ante muitas instabilidades sociopolíticas. Os que nele se equilibram, são sabedores dos desafios de atravessá-lo, de ponta a ponta, sem se esboroarem no chão das relações de barbárie. Ademais, a travessia é um processo que consome tempo e, como lembra Arendt (2009), o tempo que decorre muda o modo de representação e as sequências de pensamento. Debruçada sobre uma parábola de Kafka, intitulada “Ele”, a eminente filósofa descreve a sensação temporal do ego pensante que, num estado interno, de árbitro, renuncia a se deixar mover apenas de um modo inercial, no qual era conduzido por forças externas do passado e do futuro. Assumindo a sua situacionalidade, a do tempo presente, o sujeito pensante compreende-se para além de uma peça inerte num fluxo contínuo e passa a se entender como sujeito de mudança, de produção de novos sentidos e de possibilidades.
Agradecimentos
A autora agradece aos Editores e aos Avaliadores pela oportunidade de publicação bem como pelos preciosos comentários e sugestões na revisão do texto. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, processo 310976/2017-0, e da FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo 17/17224-0.
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Notas
Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): VALENCIO, N. A nova ordem social sob decretação de emergência: riscos à gestão pública e à vida democrática. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 1, p. 69-97, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p69-97. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15903.
COMO CITAR (APA): Valencio, N. (2021). A nova ordem social sob decretação de emergência: riscos à gestão pública e à vida democrática. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(1), 69-97. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n12021p69-97.