ARTIGOS ORIGINAIS

Crise fiscal nos municípios fluminenses da Bacia Petrolífera de Campos entre 2014 e 2018

Fiscal crisis in the municipalities located in the Campos Oil Basin, State of Rio de Janeiro, from 2014 to 2018

Crisis fiscal en los municipios del estado de Rio de Janeiro en la Cuenca Petrolífera de Campos entre el 2014 y el 2018

José Luis Vianna da Cruz 1
Universidade Candido Mendes, Brasil
José Alves de Azevedo Neto 2
Universidade Salgado de Oliveira (Universo), Brasil

Crise fiscal nos municípios fluminenses da Bacia Petrolífera de Campos entre 2014 e 2018

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 22, núm. 3, 2020

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2020 pelos Autores.

Recepción: 18 Marzo 2019

Aprobación: 20 Mayo 2020

Resumo: Este artigo propõe discutir alguns indicadores de ordem fiscal, econômica e social decorrentes da crise mundial no comércio das commodities entre 2014 e 2018, e suas consequências sobre os principais municípios da província petrolífera do estado do Rio de Janeiro ‒ Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras e São João da Barra ‒, quais sejam, os efeitos nas contas municipais, a queda das rendas petrolíferas, a retração do Produto Interno Bruto (PIB) e do mercado formal de trabalho. Os autores demonstram o encadeamento sistêmico entre os impactos, a partir do declínio nos valores recebidos como rendas petrolíferas, e reconhecem a necessidade de novos indicadores gerais e particulares de cada município para ampliar e aprofundar a compreensão da crise.

Palavras-chave: Crise do preço do petróleo, Bacia de Campos, Municípios produtores fluminenses.

Abstract: This article proposes the discussion of some fiscal, economic, and social aspects, namely, impacts on municipal accounts, decrease of oil revenues, retraction of the Gross Domestic Product, and formal labor market, resulting from the global crisis in commodity trade between 2014 and 2018, and their consequences on the main municipalities of the Rio de Janeiro State oil province - Campos dos Goytacazes, Macaé, Rio das Ostras, and S. João da Barra. The authors demonstrate the systemic chain between the impacts, from decline in the values received as oil revenues, and acknowledge that new general and specific indicators for each municipality are necessary to expand and deepen the understanding of the crisis.

Keywords: Oil price crisis, Campos Basin, Rio de Janeiro State producing municipalities.

Resumen: En este artículo se propone tratar el tema de algunos indicadores fiscales, económicos y sociales, resultantes de la crisis mundial del comercio de productos básicos, entre el 2014 y el 2018, y sus consecuencias en los principales municipios de la provincia petrolera del estado de Río de Janeiro ‒ Campos dos Goytacazes, Macaé, Río das Ostras y São João da Barra, que son los efectos en las cuentas municipales, la caída de los ingresos del petróleo, la retracción del PIB y el mercado laboral formal. Los autores demuestran la cadena sistémica entre los impactos, desde la disminución de los valores recibidos como rentas petroleras, y reconocen que son necesarios nuevos indicadores generales y particulares para cada municipio con el fin de expandir y profundizar la comprensión de la crisis.

Palabras clave: Crisis del precio del petróleo, Cuenca de Campos, Municipios productores del estado de Río de Janeiro.

1 Introdução

Este artigo apresenta uma análise da crise fiscal dos municípios petrorrentistas (SERRA; TERRA; PONTES, 2006)1 da Bacia de Campos, a partir da queda do preço internacional do barril do petróleo no ano de 2014.

A análise é feita na perspectiva da crise fiscal, decorrente da queda no volume das transferências financeiras carreadas para os orçamentos desses municípios, correspondentes às rendas petrolíferas. A queda nos preços internacionais do barril de petróleo – que servem de referência para os cálculos dos valores de royalties e participações especiais – foi acompanhada, no caso dos municípios da Bacia de Campos, pela redução gradativa no volume do petróleo produzido, uma vez que, após quarenta anos de atividades, os campos atingiram sua maturidade e iniciaram o ciclo declinante de produção e de queda na produtividade. Isso afetou particularmente as participações especiais, que são um adicional sobre a produtividade dos campos mais rentáveis. Até o momento da crise, as participações especiais chegaram a ser superiores aos valores dos royalties.

Para se obter uma visão panorâmica da crise que se abateu sobre os municípios da bacia petrolífera de Campos, além dos dados sobre a queda nas rendas e seus impactos nos orçamentos municipais e o grau de dependência orçamentária em relação as rendas, foram abordados os movimentos no mercado de trabalho formal e no Produto Interno Bruto (PIB), no período selecionado, para compor um quadro que trouxesse uma visão mais ampla, que abarcasse a repercussão no emprego e na economia.

Como unidades territoriais de análise, foram selecionados os municípios de Macaé, Campos dos Goytacazes, São João da Barra e Rio das Ostras em razão da sua relevância no contexto da indústria petrolífera regional, particularmente no que diz respeito ao recebimento das rendas petrolíferas, constituídas pelos royalties sobre o valor do petróleo extraído e pelos percentuais adicionais sobre a produção dos poços de maior produtividade, constituindo o que se denomina participações especiais.

A escolha de Macaé ocorreu pela sua importância econômica regional, em função de sediar as instalações físicas das estruturas de apoio e das empresas de serviços ao complexo de exploração e produção offshore da Bacia de Campos, além de ser grande recebedor de rendas; no caso de Campos dos Goytacazes, por ser o município de maior extensão territorial e tradicional polo regional, além de ser o mais populoso e o que recebe os maiores valores em rendas petrolíferas. São João da Barra foi selecionado por ser um dos que mais recebe rendas e por sediar o Porto do Açu, que produz grandes impactos na economia regional e possui dimensão internacional, operando crescentemente, desde 2014, como base de apoio às atividades de exploração e produção de petróleo e gás offshore. Finalmente, Rio das Ostras, além de auferir elevadas rendas petrolíferas, possui, por ser vizinho de Macaé, um parque empresarial ligado à economia regional do petróleo, sendo, ainda, um importante município-residência para os trabalhadores de Macaé.

Desde o segundo semestre de 2014, quando se iniciou a crise internacional das commodities, com a queda no volume comercializado, decorrente, em grande parte, da desaceleração do crescimento da China, e a consequente baixa acentuada nos preços internacionais do petróleo, o estado do Rio de Janeiro, assim como os seus municípios produtores de petróleo, de cujas rendas são altamente dependentes, experimentaram impactos fiscais negativos nos seus respectivos orçamentos, deixando evidenciado o que vários estudos realizados por pesquisadores da região já previam. Eles também alertavam para o momento em que se daria o declínio da produção dos campos da Bacia de Campos, o que com efeito passou a ocorrer.

Os estudos e as pesquisas alertavam para o fato de que os municípios do Norte Fluminense eram excessivamente dependentes das rendas do petróleo e que, caso ocorresse uma conjuntura de variação desfavorável no que tange às três variáveis responsáveis pelo cálculo das rendas petrolíferas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), como a taxa de câmbio, o preço do barril do petróleo e a produção, tais municípios seriam afetados frontalmente, o que realmente aconteceu.

É essa conjuntura o que se busca discutir brevemente neste artigo através dos indicadores pesquisados, isto é, dos valores dos repasses das transferências relativas à produção de petróleo, do comportamento do orçamento fiscal municipal e do grau de dependência, do Produto Interno Bruto e do mercado formal de trabalho. Para empreender então uma discussão sobre esses indicadores, buscou-se abordar, na primeira seção, um breve histórico da crise; na seção dois, o comportamento das rendas petrolíferas e o impacto da crise fiscal sobre o orçamento dos municípios; na seção três, os efeitos sobre o mercado formal de trabalho e a evolução do PIB; e, na seção quatro, fazem-se as considerações finais, com uma breve síntese da análise realizada.

O procedimento metodológico consistiu na utilização de dados do Instituto Brasileiro de Pesquisa Geográfica Estatística (IBGE); do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ); do Info Royalties, da Universidade Candido Mendes de Campos dos Goytacazes (RJ); e do Cadastro de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e Emprego.

2 Breve histórico da crise do petróleo nos principais municípios da Bacia de Campos

Os municípios das Regiões Norte Fluminense (NF) e das Baixadas Litorâneas (BL) do Estado do Rio de Janeiro (ERJ) pertencentes à bacia petrolífera de Campos, dependentes das atividades da indústria de extração de petróleo, vêm experimentando, a partir do segundo semestre de 2014, uma das suas maiores crises, do ponto de vista fiscal e financeiro, da história recente.

Ocorreu a queda do preço internacional do barril do petróleo, que acumulou perdas de 60% até o início do ano de 2015, quando comparado ao pico da cotação de US$ 115,00 em junho de 2014, em função, principalmente, do aumento da produção do óleo de xisto por parte dos Estados Unidos e de uma demanda menor do que a esperada na Europa e na Ásia, segundo a matéria do site do jornal O Globo (ENTENDA..., 2015).

Com isso, os reflexos oriundos dessa conjuntura inusitada, embora possível, em se tratando do instável e imprevisível mercado mundial do petróleo, revelaram efetivamente a vulnerabilidade das finanças dos municípios petrorrentistas. Os pesquisadores vinham alertando para o cuidado e eficiência na sua aplicação – numa perspectiva intergeracional – em virtude da iminência da falta ou da diminuição dessas rendas, tendo em vista que elas são objeto de disputa por parte dos outros entes federativos, por resultarem da exploração em alto-mar e pelo fato de que as empresas que proporcionam arrecadação própria para o município e que compõem a base produtiva física onshore estão concentradas em Macaé, estendendo-se mais recentemente para Rio das Ostras (PIQUET; CRUZ; VILANI, 2013). A esses fatores somam-se a exaustão da produção dos poços maduros, que também fora objeto de vaticínio dos estudiosos da matéria, e suas consequências sobre a economia local.

Conjunção de fatores anunciada e que vem se confirmando no contexto aqui descrito. Conforme afirma Ribeiro (apudAZEVEDO NETO, 2015, p. 75-76),

Podemos observar que os municípios produtores de petróleo: Campos dos Goytacazes, Carapebus, Macaé, Quissamã e São João da Barra apresentam substancial concentração de suas riquezas no setor industrial, exatamente em função da atividade petrolífera desenvolvida no mar. Entretanto, como já relatado, os processos ocorrem fora do espaço territorial e esses municípios não exercem nenhum controle sobre a atividade, exceção de Macaé, que conta com uma estrutura produtiva importante em seu território. Os recursos oriundos das indenizações compõem o orçamento municipal, que é gerenciado pelo executivo local, e a única certeza é que um dia esses recursos podem esgotar.

Para agravar o cenário de crise regional, somam-se à conjuntura local os dois anos de recessão econômica no Brasil, 2015 e 2016, combinada com a crise da maior empresa brasileira, a Petrobras – cuja sede das operações no complexo petrolífero da Bacia de Campos está situada em Macaé –, ensejada pela operação de combate à corrupção, denominada Lava Jato, cujas consequências negativas impactaram o mercado de trabalho regional, deixando, no conjunto, como legado, uma massa de desempregados.

Os dados estatísticos que corroboram essas ponderações encontram-se nas seções subsequentes.

3 Comportamento das rendas petrolíferas entre 2014 e 2018 e Crise Fiscal

O primeiro aspecto a ser abordado é o do declínio nos valores das rendas petrolíferas – royalties mais participações especiais – repassados aos municípios selecionados. A evolução das rendas petrolíferas recebidas pelos municípios selecionados está representada no Gráfico 1.

Evolução da transferência dos royalties e participações especiais dos municípios selecionados, em valores constantes (em milhões de reais)
Gráfico 1.
Evolução da transferência dos royalties e participações especiais dos municípios selecionados, em valores constantes (em milhões de reais)
Fonte: Elaboração própria com base no Info Royalties/Ucam-Universidade Candido Mendes

Como se verifica no Gráfico 1, a arrecadação dos royalties e das participações especiais dos principais municípios da Bacia de Campos, a partir do ano de 2014, quando teve início a queda nos preços do petróleo e a crise mundial das commodities, variou negativamente até 2016 e positivamente nos anos de 2017 e 2018, embora ainda extremamente baixos em relação a 2014, com exceção de Macaé. Importa salientar que essa variação positiva se deu por conta da relativa recuperação do preço do barril de petróleo.

As oscilações dessas relevantes receitas nos orçamentos municipais afetaram sobremaneira os respectivos orçamentos fiscais de cada ente federativo aqui analisado, como se verá a seguir.

No caso de Campos, em 2014 o repasse foi de R$ 1,578 bilhão; havendo descido, em 2015, ao valor de R$ 740,556 milhões, numa escala financeira inferior em 53,07 % à de 2014. No exercício fiscal de 2016, as rendas petrolíferas atingiram o numerário de R$ 386,662 milhões. Como se observa, ocorreu uma queda significativa de 47,79%, quando comparado a 2015. Em 2017, as rendas derivadas da extração do petróleo atingiram o patamar de R$ 502,208 milhões, crescendo 29,88% em relação a 2016. Em 2018, tais repasses totalizaram o valor de R$ 698,752 milhões; assim, seu crescimento relativo ao exercício fiscal de 2017 atingiu o percentual de 39,14%, embora nesses dois últimos anos os patamares fossem muito inferiores aos de 2014.

No que diz respeito a Macaé, o volume dos recursos que ingressaram no tesouro municipal foi de R$ 712,743 milhões em 2014 e, em 2015, de R$ 412,549 milhões, apresentando um encolhimento de 42,12% em relação a 2014. Em 2016, o valor arrecadado chegou a R$ 291,664 milhões, constituindo uma diminuição de 29,30% em relação a 2015. Ao longo do exercício financeiro de 2017, tais indenizações atingiram R$ 429,367 milhões, aumentando, nesse ano, 47,21% em relação a 2016. Em 2018, a curva da arrecadação manteve-se numa trajetória ascendente, o que fez com que entrasse no caixa municipal a quantia de R$ 624,213 milhões, ou seja, mais 45,38% em relação a 2017. Nesse movimento ascendente, Macaé foi o município cujos valores, em 2018, embora inferiores, mais se aproximaram dos de 2014.

O município de Rio das Ostras auferiu, em 2014, R$ 406,831 milhões, e, em 2015, apenas R$ 165, 873 milhões, um impacto negativo de 59,23% na sua receita. Em 2016, entrou no caixa da prefeitura o valor de R$ 93,162 milhões, outra perda consecutiva e significativa, de 43,84%. Já no exercício fiscal de 2017, a curva se inverteu em razão do recebimento de R$ 125,498 milhões, sofrendo majoração positiva de 34,71% em relação a 2016. Em 2018, tais valores vieram ainda maiores, totalizando R$ 201,711 milhões, representando 60,73% a mais de recursos em relação ao ano anterior, embora ainda em torno de 50% inferiores aos de 2014.

Quanto a São João da Barra, entraram no caixa municipal R$ 309,228 milhões em 2014 e, em 2015, R$ 190,245 milhões, numa variação negativa de 38,48%. Em 2016, o município recebeu R$ 98,599 milhões, menos 48,17% do que em 2015. Em 2017, recebeu R$ 122,952 milhões, crescendo, com isso, 24,70% em relação a 2016. Em 2018, os repasses financeiros aumentaram 37,48% quando comparados a 2017, alcançando R$ 169,029 milhões, bastante inferior aos valores de 2014.

Em face do exposto, percebe-se que, nos anos de 2015 e de 2016, os repasses das rendas petrolíferas aos municípios produtores sofreram quedas expressivas, principalmente em decorrência da retração do preço do barril do petróleo, que, no ano de 2015, atingiu a cotação média de US$ 54,46 e, em 2016, de US$ 46,00, agravada pelo declínio da produção dos poços maduros.

Em 2017 e 2018, essas rendas voltaram a crescer, embora ainda distantes do nível do ano de 2014 (com exceção de Macaé) – quando o valor do barril se encontrava na casa dos US$100,00 –, em virtude da ligeira recuperação do preço médio internacional do petróleo, que ficou cotado, ao longo dos anos de 2017 e 2018, respectivamente, em US$ 55,19 e US$ 71,65 (INVESTING.COM, 2019).

Considerando-se o conjunto dos municípios, no intervalo analisado – 2014-2018 – Campos foi o que teve maiores perdas, em torno de 56%, em contraste com os 12,5% de Macaé. Rio das Ostras, com perda de 50,5%, aproxima-se de S. João da Barra, com 45,4%. Constata-se que Macaé detém um comportamento diferenciado, sendo o que teve maior recuperação nos dois últimos anos da série, devida, provavelmente, a características dos poços confrontantes. Provavelmente, tenha sido favorecido pelo volume e pela produtividade dos campos com os quais se confronta, o que reforça as participações especiais. Deve-se destacar ainda que, em valores absolutos, Macaé, com menos da metade da população de Campos, chegou em 2018 com rendas próximas às deste município, o que permite avaliar que Campos sofreu os impactos mais graves dessa conjuntura. Além de receber montantes próximos de Campos, Macaé concentra mais da metade dos postos de trabalho desses quatro municípios e mais de 90% das empresas – que, nos últimos anos, vêm também estendendo suas instalações para Rio das Ostras – o que, embora demande maiores gastos com infraestrutura e serviços urbanos, representa uma compensação na arrecadação de ISS e IPTU, mesmo com as perdas decorrentes da diminuição das atividades empresariais e a consequente redução no emprego. Rio das Ostras e S. João da Barra apresentam perdas menores do que Campos, e próximas, o que pode ser amenizado pela arrecadação própria decorrente da existência de empresas no Porto do Açu, em S. João da Barra, e de outras ligadas à exploração de petróleo e gás, em Rio das Ostras.

3.1 Impacto da crise fiscal sobre o orçamento dos municípios

A acentuada queda das rendas recebidas pelos municípios impactou profundamente os orçamentos. Buscando dimensionar a crise fiscal, em reforço à argumentação em torno das evidências da crise que atingiu os municípios selecionados, apresenta-se a evolução do Orçamento Fiscal, ou Receitas Correntes (Gráfico 2).

Orçamento Fiscal* dos municípios selecionados em valores constantes (em milhões de reais)
Gráfico 2.
Orçamento Fiscal* dos municípios selecionados em valores constantes (em milhões de reais)

* Representado pelo conjunto das Receitas Correntes

Fonte: Elaboração própria com base no Tribunal de Contas do Estado, TCE-RJ

No Gráfico 2 estão retratados os respectivos efeitos fiscais provocados pela queda do preço internacional do petróleo e pelos demais componentes da crise, em valores reais, considerando-se que as rendas petrolíferas configuram o item que mais pesa nas Receitas Orçamentárias.

Na análise do Gráfico 2 observa-se uma recuperação geral nos orçamentos de todos os municípios analisados em 2018 com relação a 2017, refletindo não só a relativa recuperação dos preços do petróleo como também a variação da taxa de câmbio. No entanto, comparando-se 2018 com 2014, Campos e Rio das Ostras são os que permanecem com as maiores perdas fiscais, a despeito do maior grau de dependência das rendas ficarem com Campos e São João da Barra. Assim, em 2018, Campos perdeu para Macaé a posição de maior orçamento fiscal que detinha em 2014, mesmo considerando o valor do empréstimo contraído naquele ano, como se verá adiante.

Como se pode observar no Gráfico 1, Macaé foi o que teve a menor perda nas rendas, sendo, ainda, o que detém o monopólio dos investimentos em capital fixo em terra, o que reverte em arrecadação própria de ISS e IPTU, principalmente. Tudo isso, além, provavelmente, das variáveis ligadas ao rendimento dos poços confrontantes, contribui para compreender porque o orçamento de Macaé ultrapassou o de Campos, em 2018, mesmo possuindo menos da metade da população. Rio das Ostras e S. João da Barra, apesar de contar este último com empresas vinculadas ao Porto do Açu, e o primeiro, com algumas ligadas à exploração e produção de petróleo e gás, que contribuem positivamente para o orçamento, com a arrecadação própria municipal, tiveram perdas maiores do que Macaé. Como as perdas nas rendas (Gráfico 1) desses dois municípios foram próximas, a arrecadação oriunda das empresas de S. João da Barra deve ter sido maior no período do que em Rio das Ostras, para explicar uma maior redução percentual no orçamento deste último. Mais uma vez, a pior posição ocupada por Campos pode ser explicada pelo fato de ter tido maiores perdas nas rendas (Gráfico 1) e de não contar com empresas de peso vinculadas, seja ao Açu, seja à exploração e produção de petróleo e gás.

Deve-se registrar que Campos, diante da gravidade das perdas orçamentárias, contraiu três empréstimos no período de 2014 a 2016, denominado pela gestão da época ‒ no intuito de justificar os seus valores perante a opinião pública ‒ de colchão financeiro em face da necessidade de se enfrentar a crise fiscal vigente e codenominado pela mídia local de “Venda do Futuro” devido ao fato de ter comprometido, na contratação dos empréstimos, parte significativa das rendas futuras do petróleo para a amortização da dívida.

Para ilustrar melhor o caso de Campos, importa destacar a seguinte citação, extraída do site oficial da Prefeitura:

O município de Campos, nos anos de 2015 e 2016, pegou junto à Caixa Econômica Federal dois empréstimos: um de cerca de R$ 200 milhões e outro de mais de R$ 762 milhões, sendo que, do segundo empréstimo, ficou com R$ 562 milhões, já que utilizou parte deste segundo empréstimo para quitar o primeiro. E, como forma de garantia de pagamento, incluindo os juros, comprometeu, dos futuros royalties e das participações especiais aproximadamente R$ 1,3 bilhão. (CAMPOS DOS GOYTACAZES, 2019).

Como se observa ainda no Gráfico 2, o município de Campos teve, em 2014, um orçamento de R$ 3,467 bilhões, considerando o empréstimo do Banco do Brasil de R$ 250 milhões, de acordo com Azevedo Neto (2015, p. 85). No ano de 2015, o orçamento campista ficou em R$ 2,311 bilhões; a redução em relação ao ano de 2014 foi de 33,33%, mesmo com o reforço de caixa de R$ 200 milhões do empréstimo junto à Caixa Econômica Federal. Em 2016, cresceu 33,98%, chegando ao patamar de R$ 3,096 bilhões, inflado pelo terceiro empréstimo junto à Caixa Econômica Federal. Em 2017, sem a receita extra de reforço, o orçamento atinge o valor de R$ 1,672 bilhão, sofrendo uma queda de 46%, o que reflete a expressividade da perda real, que seria agravada pela amortização dos empréstimos contraídos. E, em 2018, encerrou o exercício fiscal totalizando o quantitativo financeiro de R$ 2,023 bilhões, crescendo 20,97% em relação a 2017, também sem o empréstimo. Assim, no que diz respeito ao município de Campos, pode-se dizer que, se não fossem os empréstimos contraídos pela gestão da época, as perdas financeiras registradas aqui seriam bem maiores. Até porque sempre foi o município que mais recebeu royalties e participações especiais desde 1999. No entanto, parte de sua arrecadação futura está comprometida com a quitação dos empréstimos.

Quanto a Macaé, no ano de 2014, o orçamento ficou em R$ 2,891 bilhões; em 2015, quando atingiu o valor de R$ 2,521 bilhões, já sob os intensos reflexos da crise, o orçamento acusou o decrescimento de 12,78% em relação a 2014. No exercício financeiro de 2016, com um orçamento de R$ 2,174 bilhões, o município experimentou outra queda, agora de 13,77% em relação a 2015. Em 2017, chegou ao valor de R$ 2,077 bilhões, ocorrendo outra redução, desta vez de 4,66%. E, no exercício fiscal de 2018, ficou em R$ 2,556 bilhões, um crescimento de 23,07% em relação ao ano anterior. Com isso, pode-se dizer que, do ponto de vista das rendas do petróleo, a economia macaense sentiu um pouco menos o impacto da redução do preço do barril de petróleo em relação, por exemplo, a Campos. Deve-se reforçar, como já foi dito, que Macaé, por sediar a quase totalidade das empresas fornecedoras do Complexo Regional de Extração e Produção de Petróleo, possui na arrecadação própria um colchão de amortecimento das perdas com as rendas petrolíferas.

O município de Rio das Ostras, no ano de 2014, teve um orçamento de R$ 952,644 milhões, que, em 2015, chegou a R$ 693,999 milhões, resultando numa queda de 27,15%. Em 2016, o orçamento totalizou R$ 567,380 milhões, reduzido em 22,32% em relação a 2015. Em 2017, o seu aumento foi de 1,12% em relação a 2016, quando atingiu o valor de R$ 573,725 milhões. Em 2018, o orçamento de Rio das Ostras manteve-se em crescimento de 17,86% em relação a 2017, chegando aos valores de R$ 676,209 milhões. Como se constata, a perda chega a quase 1/3 do orçamento de 2014, sendo o município que mais perdeu, depois de Campos, em termos percentuais, em relação a 2014, embora bem abaixo de Campos.

Em grande parte, isso se deve à elevada dependência de Campos e Rio das Ostras em relação às rendas petrolíferas, embora este último sedie algumas empresas do Complexo de Exploração & Produção de Petróleo e Gás regional, o que influencia positivamente no orçamento fiscal. No entanto, o esvaziamento provocado pela queda na atividade econômica do Complexo, com consequências no fechamento de instalações e na demissão de trabalhadores, pode ter afetado o município, que é um dos municípios-dormitório satélites de Macaé, bem como a possível perda de produtividade nos poços confrontantes.

Em relação a São João da Barra, seu orçamento de 2014 foi de R$ 535,526 milhões e, em 2015, de R$ 393,107 milhões. A queda de 2015, em relação a 2014, chegou a 26,59%. Em 2016, o município ostentou um orçamento de R$ 270,067 milhões, com uma redução de 31,30% em relação ao ano anterior. Em 2017, o orçamento ficou em R$ 327,724 milhões, elevando-se, em relação a 2016, em 21,35%. E, em 2018, ele cresceu novamente, desta feita, 32,77% em relação a 2017, quando totalizou R$ 435,122 milhões, constituindo, também, um município que não apresentou maiores perdas financeiras decorrentes da crise do petróleo, entre os quatro analisados. É provável que, com o início das operações do Porto do Açu em 2014 e com o crescimento do número de empresas localizadas na retroárea do Porto entre 2014 e 2018, o crescimento da arrecadação própria tenha influenciado positivamente no orçamento fiscal, neutralizando, em parte, a perda com a transferência das rendas petrolíferas.

Artigo recente comprova a grande dependência desses municípios, em termos de orçamento fiscal, das rendas petrolíferas, expressa no índice Grau de Dependência, desenvolvido por Nazareth, Araújo & Oliveira (2018) e calculado em valores reais (Tabela 1).

Tabela 1.
Grau de dependência dos municípios selecionados da Bacia de Campos
Grau de dependência dos municípios selecionados da Bacia de Campos
* Elaborada pelos autores, a partir do indicador “Grau e Dependência” (Royalties + Participações Especiais/Receita Total), apresentado em Nazareth, Araújo & Oliveira (2018), com dados do Inforoyalties, STN-Secretaria do Tesouro Nacional (Siconfi-Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público brasileiro) e TCE/RJ-Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

Pela Tabela 1 percebem-se dois aspectos importantes. O primeiro evidencia o elevado grau de dependência que fica subtendido no Gráfico 2, apresentando os percentuais relativos ao peso das rendas nas receitas totais dos municípios. O segundo, a diferenciação entre os municípios em virtude, muito provavelmente, dos aspectos particulares que definem a composição das rendas recebidas por cada um. Fica evidenciado que, ao lado da gravidade dos impactos sobre os orçamentos, estes foram bastante diferenciados entre os municípios, o que destaca o papel de outras variáveis, aqui destacadas – o balanço entre os valores dos royalties e das participações especiais, oriundas dos poços mais rentáveis, recebidos por cada um, e o peso da arrecadação própria – no resultado final.

Até 2016 os quatro municípios sofreram redução acentuada no grau de dependência, o que indica que as perdas nos valores das rendas foram maiores que a ocorrida nos valores das demais receitas. Em 2017 e 2018, quando houve uma recuperação relativa nos preços do petróleo, as reações foram diferenciadas. Ao final do período analisado, Campos voltou a apresentar, ao lado de S. João da Barra, grau de dependência superior aos outros dois. Macaé retornou praticamente ao patamar de 2014; e Rio das Ostras, embora apresente um índice próximo do de Macaé, teve uma perda maior em relação a 2014. O que reforça, mais uma vez, que a presença de empresas influenciando na arrecadação própria e as variações relativas à produção e produtividade dos poços confrontantes interferem no comportamento particular do cenário de cada município analisado. A seguir, na tentativa de refinar um pouco mais a análise, são apresentados os dados sobre o emprego e o PIB.

4 Mercado de Trabalho e Produto Interno Bruto

Com o objetivo de buscar mais evidências sobre a amplitude e a profundidade da crise fiscal, bem como sua natureza sistêmica no contexto da crise da economia regional do petróleo, abordam-se, nesta seção, alguns dados sobre a movimentação no mercado de trabalho no período tratado; assim como se observa a existência ou não de impacto no Produto Interno Bruto.

O quadro da evolução do emprego formal através do saldo líquido entre admissões e demissões está apresentado no Gráfico 3.

 Evolução do saldo líquido do emprego de 2014 a 2018
Gráfico 3.
Evolução do saldo líquido do emprego de 2014 a 2018
Fonte: Elaboração própria com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados-CAGED.

Ao se analisarem os dados estatísticos sobre o mercado de trabalho regional apresentados no Gráfico 3, percebe-se uma grande diferenciação entre 2014 e 2018 na dinâmica dos municípios selecionados, o que, na ausência de dados mais detalhados e de outras fontes, pode ser atribuído à influência de fatores próprios da economia de cada município. Em termos gerais, em 2015 e 2016, todos tiveram saldo negativo, o que permite afirmar que a perda de arrecadação com as rendas petrolíferas conjugada à forte recessão desses dois anos influenciaram significativamente na destruição do emprego formal, haja vista que a formalidade predomina nesse segmento. Em 2014, com exceção de S. João da Barra, os demais tiveram saldo positivo, o que parece indicar que os impactos no emprego decorrentes da queda nos preços do barril de petróleo não se manifestaram ainda em 2014, e que S. João da Barra sofria mais com as perdas da crise de 2012, no Porto, do que os ganhos crescentes, a partir do final de 2014, com o início das suas operações. Já, em 2018, só Campos e S. João da Barra apresentaram sinais de recuperação no saldo do emprego formal, assim como as empresas do complexo petrolífero.

Quanto aos aspectos particulares, pode-se identificar dois padrões de comportamento: i) em Macaé e Rio das Ostras, onde se localiza a quase totalidade das empresas ligadas ao segmento, a recuperação do emprego é mais lenta, refletindo o fato de que normalmente as empresas são cautelosas na retomada dos investimentos; e ii) Campos e São João da Barra refletem o grande crescimento das atividades do Porto do Açu, desde o início de operação, em 2014, com cerca de uma dezena de empresas instaladas. Apesar de as instalações físicas estarem em S. João da Barra, Campos concentra a infraestrutura urbana, de moradia e de serviços, em geral, além de alguns especializados.

O primeiro padrão corresponderia ao que se pode denominar como “economia do petróleo”, em razão da presença de investimentos de capital fixo, em empresas e infraestrutura produtiva vinculadas diretamente à exploração e produção de petróleo; o segundo, à denominada “economia dos royalties”, quando o vínculo com a indústria se restringe ao recebimento das rendas decorrentes da atividade de produção, conforme apresenta Pessanha (2015).

Considerando-se os três indicadores até aqui analisados – repasse das rendas petrolíferas, orçamento e mercado de trabalho – percebe-se que, embora de elevada gravidade, a crise decorrente da queda nos preços e na produção de petróleo teve impactos, ao mesmo tempo sistêmicos e diferenciados nos municípios, vinculados ao tamanho do mercado de trabalho de cada um, ao grau de dependência das rendas no orçamento e às características da produtividade dos poços confrontantes com cada município. A título de ilustração, o comportamento do mercado de trabalho em S. João da Barra tende a aproximar-se do de Macaé, resguardadas as devidas proporções, devido, em grande parte, ao número de empresas que vêm se instalando no Porto do Açu.

A seguir, buscando compor um quadro de variáveis que permita uma leitura mais ampla e refinada do objeto deste artigo, apresentam-se alguns dados sobre a movimentação do PIB nos municípios selecionados, de 2014 a 2016 (último ano disponível no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), correspondentes à conjuntura de redução do fluxo de rendas do petróleo aliada às recessões de 2015 e 2016, quando a economia nacional retraiu 3,5% e 3,3%, respectivamente (PIB..., 2018). Apesar de o intervalo não corresponder ao dos demais indicadores, dada a ausência das fontes, a escolha do PIB busca sinalizar o caráter sistêmico dos impactos.

4.1 Evolução recente do Produto Interno Bruto nos municípios analisados

Os dados do valor da produção petrolífera são computados no Produto Interno Bruto desses municípios, embora eles, com exceção de Macaé e parcialmente Rio das Ostras, usufruam somente das rendas, uma vez que não possuem um volume significativo de atividades empresariais ligadas diretamente ao Complexo Petrolífero no seu território, o que infla artificialmente os recursos disponíveis. A título de ilustração, Campos dos Goytacazes, não sediando instalações relevantes, em terra, ligadas diretamente às atividades de exploração e produção de petróleo, chegou a figurar entre os dez maiores municípios do País em termos de PIB em 2013.

Evolução do Produto Interno Bruto dos principais municípios da Bacia de Campos em valores nominais (em milhões de reais)
Gráfico 4.
Evolução do Produto Interno Bruto dos principais municípios da Bacia de Campos em valores nominais (em milhões de reais)
Fonte: Elaboração própria com base no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE Cidades.

O Gráfico 4 se refere aos quantitativos financeiros em valores nominais do Produto Interno Bruto de Campos, Rio das Ostras e S. João da Barra, comparados a Macaé. Com isso, apesar de Macaé concentrar a base física onshore do Complexo, o valor da produção do petróleo é computado no PIB de cada município de acordo com os percentuais dos respectivos poços confrontantes, que definem os percentuais de royalties e participações especiais a serem transferidos. Portanto os preços e particularmente os valores relativos às participações especiais dos poços mais rentáveis explica em grande parte, por exemplo, a disparidade entre o PIB de Campos e o de Macaé até 2014.

Assim sendo, o município de Macaé é o que apresenta menor retração do PIB entre 2014 e 2016, de 17,9%; enquanto Campos, Rio das Ostras e S. João da Barra apresentam respectivamente perdas de 70,2%, 65,9% e 53,92%. Isso ilustra que, à exceção de Macaé, os produtos internos brutos dos demais municípios são “inchados” pelos valores correspondentes à produção petrolífera, assim como os orçamentos o são pelas rendas.

Os municípios da Bacia de Campos sempre tiveram o Produto Interno Bruto inflado pela produção petrolífera ao longo dos anos de alta produção dos campos petrolíferos, o que constituiu alvo de questionamentos por parte de vários estudiosos da economia regional. Por oferecer uma ótica da produção dissociada da realidade produtiva de cada município, são economias consideradas petrorrentistas, o que significa dizer que da economia do petróleo recebem rendas, mas não as empresas ou atividades da cadeia, seja a montante, seja a jusante, com exceção de Macaé, e Rio das Ostras em escala bem menor, como já foi registrado. Conforme citação abaixo:

Dessa conjugação de fatores surge uma nova classe de municípios, que começam a ser denominados na literatura especializada, especialmente por Rodrigo Serra, de municípios petrorrentistas. Tais municípios, apesar de considerados ricos relativamente à média dos municípios de mesmo porte, nem sempre têm alocado as receitas operacionais, particularmente as de royalties, na resolução dos problemas sociais advindos dos impactos causados pela atividade instalada. Note-se que existe o risco de preguiça fiscal, ou seja, os governos locais tornam-se excessivamente dependentes dessas receitas e não fazem esforço de arrecadação das receitas de outras fontes geradas nos municípios. (GIVISIEZ; OLIVEIRA, 2007, p. 139 apud AZEVEDO NETO, 2015, p. 74).

Observa-se, no Gráfico 4, que, em 2015, o Produto Interno Bruto do município de Campos ficou no patamar de R$ 34,158 bilhões, sofrendo uma queda de 41,11% em relação ao ano de 2014, muito provavelmente por conta da queda no preço do barril do petróleo, e, em menor grau, da gradativa redução da produção do petróleo nos poços maduros, bem como da rentabilidade dos poços. No exercício financeiro de 2016, percebe-se outra redução, desta feita de 49,40% do PIB, quando comparada ao ano anterior, totalizando o quantitativo financeiro de R$ 17,283 bilhões, o que parece indicar uma correlação com as crises aqui apontadas, como a estadual e nacional, além da regional.

Diferente foi o impacto no Produto Interno Bruto de Macaé, com uma queda bem menor no período do que os demais, ostentando um PIB de R$ 21,419 bilhões em 2014 e sofrendo, em 2015, uma redução de 8,16%, chegando, com isso, ao valor nominal de R$ 19,671 bilhões. Em 2016, o PIB macaense se manteve na trajetória de retração, com seu valor nominal totalizando o quantitativo financeiro de R$ 17,580 bilhões, um declínio de 10,63%.

No caso do município de Rio das Ostras, o Produto Interno Bruto, em 2014, atingiu o patamar de R$ 14,336 bilhões e, em 2015, de R$ 8,716 bilhões, caindo 39,20%. No ano de 2016, ficou em R$ 4,889 bilhões, com retração de 43,90%, uma perda maior do que a de 2015.

Já o município de São João da Barra, a despeito de hospedar o grande investimento do Porto do Açu, desde o ano de 2007, ainda não sentiu, de maneira marcante no Produto Interno Bruto, os reflexos da expansão econômica desse empreendimento, como se constata nos números analisados. Assim, em 2014, o PIB sanjoanense totalizou R$ 8,844 bilhões. Em 2015, passou ao quantitativo de R$ 7,310 bilhões, retraindo 17,34%%. Em 2016, identifica-se outra queda, desta vez de 46,78%, chegando ao numerário de R$ 3,890 bilhões. Registre-se que o movimento de cargas e a implantação de empresas no Porto teve o crescimento acelerado a partir de 2016, com prováveis efeitos positivos no PIB, ainda não divulgados pelo IBGE, fonte aqui utilizada.

De forma geral, os efeitos negativos sobre o Produto Interno Bruto figuram entre os mais acentuados em relação aos demais indicadores aqui analisados, o que se deve provavelmente ao fato de que a retração na economia petrolífera regional tem repercussões em diversos outros segmentos da economia, particularmente na demanda de produtos de consumo por parte dos trabalhadores desse segmento, tendo em vista os significativos impactos negativos no mercado de trabalho, já aqui apontados. A apresentação dos dados do PIB para 2017 e 2018 permitiria observar o comportamento nos anos de relativa recuperação do preço do petróleo e de amenização da crise nacional. Ainda assim, é possível observar o peso dos valores da produção de petróleo no cálculo do PIB desses municípios e da elevada dependência de sua economia em relação a essa commodity, pelo impacto que possui sobre as outras atividades, particularmente comércio e serviços. Ao mesmo tempo, esse dado reforçou os aspectos particulares aqui detalhados, na análise de cada indicador, por município.

5 Considerações finais

Através dos dados apresentados neste trabalho referentes às quatro principais economias regionais vinculadas à dinâmica da indústria extrativa do petróleo, algumas sendo crescentemente impactadas pelas atividades do Porto do Açu, constata-se que a crise mundial no mercado de commodities, que derrubou o preço internacional do barril de petróleo a partir de junho de 2014, associada a fatores inerentes à economia regional do petróleo – declínio da produção e produtividade dos poços –, teve graves efeitos encadeados nos municípios pertencentes à região da indústria extrativa do petróleo do Estado do Rio de Janeiro, do ponto de vista fiscal, econômico e social, ao mesmo tempo em que os impactou de forma diferenciada.

Assim é que, a partir dos quatro indicadores selecionados – renda petrolífera, orçamento fiscal, emprego e PIB – buscou-se analisar os impactos da recente crise nos municípios escolhidos. Constatou-se que a queda dos preços e da produção e produtividade dos poços da Bacia de Campos gerou brusca e acentuada redução na transferência das rendas para os orçamentos municipais, altamente dependentes dessas rendas e com perfil de gastos de custeio vinculados diretamente aos grandes montantes recebidos anteriormente. Os orçamentos desses municípios, altamente dependentes das rendas petrolíferas, como aqui demonstrado, foram severamente afetados. Em consequência, os dados apontam um encadeamento dos efeitos percebidos nos indicadores selecionados. A redução nas receitas correntes, dada a elevada dependência em relação às rendas petrolíferas, afetou as atividades econômicas levando à redução dos postos de trabalho formais. Os quatro municípios analisados perderam 56.024 empregos com carteira assinada entre 2014 e 2018. Por sua vez, embora os valores da produção sejam computados no cálculo do PIB desses municípios, por serem considerados “produtores” – ainda que as empresas ligadas à Exploração e Produção de petróleo e gás, em terra, estejam situadas em Macaé – inflando-o de forma “ilusória”, é possível perceber, pelo encadeamento dos efeitos sobre os indicadores, que o PIB foi significativamente afetado.

Sem dúvida, os impactos da recessão da economia nacional entre o final de 2014 e 2016 contribuíram para a crise regional. No entanto, além dos aspectos inerentes à crise nacional, a queda no preço internacional do barril de petróleo e outras especificidades da economia petrolífera regional – extrativista e petrorrentista, com declínio na produtividade dos poços – têm papel decisivo na crise regional.

Ainda que os indicadores aqui analisados não deem conta da configuração da totalidade da crise em todos os seus aspectos gerais e naqueles que são inerentes às economias dos municípios selecionados, a relativa convergência entre os números permite não só reconhecer a relevância das relações entre eles, como também inferir que a crise regional, em suas conexões com a crise nacional e com a dinâmica da economia internacional, assume aspectos particularmente dramáticos nos municípios dependentes da economia petrolífera extrativista regional do estado do Rio de Janeiro. Infere-se ainda que a crise é sistêmica dado o encadeamento que a “economia dos royalties” provoca no conjunto dos indicadores aqui utilizados.

Outrossim, os autores reconhecem a necessidade e a importância de se recorrer a outros indicadores, como no caso do mascaramento representado pelo PIB, e a outros relacionados às dinâmicas próprias de cada município, particularmente com relação à composição das receitas próprias, do perfil e do peso das atividades econômicas de cada um, para ampliar e aprofundar a análise aqui realizada.

Agradecimentos

Os autores agradecem à profa. Lia Hasenclever pela leitura atenta e relevantes contribuições para o presente texto.

Referências

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Notas

1 Termo cunhado por pesquisadores e estudiosos da economia do petróleo na região da Bacia de Campos para destacar os municípios recebedores das rendas do petróleo e que delas são dependentes. Essas rendas foram exponencialmente elevadas com a Lei do Petróleo de 1997.

Notas de autor

1 Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR, 2003). Professor Associado, nível 2, na Universidade Federal Fluminense e Professor-colaborador, Mestrado em Planejamento Regional e Gestão de Cidades da Universidade Candido Mendes – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: joseluisvianna@uol.com.br.
2 Técnico de Nível Superior em Ciências Econômicas da Universidade do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e Professor da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades pela Universidade Candido Mendes – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: jalvesdeazevedo@yahoo.com.br.
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