DOSSIÊ TEMÁTICO: "QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL"

Os filhos de um deus menor: de arisco à chegada à acolhida pela philia

The children of a minor god: from shy on arrival to the reception by philia

Los hijos de un dios menor: de la distancia a la llegada a la acogida por philia

José Manuel Resende 1
Universidade de Évora, Portugal
José Maria Carvalho 2
Universidade de Évora, Portugal

Os filhos de um deus menor: de arisco à chegada à acolhida pela philia

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 3, 2021

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Recepción: 02 Febrero 2021

Aprobación: 16 Junio 2021

Resumo: O alargamento da escolarização obrigatória e a tendência dos fluxos migratórios registada em Portugal neste século confrontam-nos com a questão do acolhimento dos alunos estrangeiros na escola. A partir de uma pesquisa empírica em duas escolas do ensino Secundário situadas na área metropolitana de Lisboa, e com recurso a dados provenientes da observação etnográfica e da aplicação de entrevistas semidiretivas, propõe-se uma reflexão em torno das artes de fazer e refazer o comum no plural a partir da figura do estrangeiro. As sociabilidades escolares entre pares e o estabelecimento de relacionamentos de amizade e filiais afigurou-se um ponto de entrada profícuo para compreender os processos de acolhimento daqueles que, porque pouco familiarizados com a escola portuguesa, enfrentam situações de inevitável ansiedade e incerteza num período crítico das suas vidas, a adolescência.

Palavras-chave: Estrangeiro, Escola, Hospitalidade, Sociologia Pragmática.

Abstract: The enlargement of compulsory schooling and the trend of migratory flows in Portugal in this century confront us with the question of welcoming foreign students to school. From an empirical research in two high schools located in the Lisbon metropolitan area, and using data from ethnographic observation and the application of semi-directional interviews, we propose a reflection around the arts of making and remaking the common in the plural based on the figure of the foreigner. The school sociability among peers and the establishment of friendly and filial relationships seemed to be a useful entry point to understand the reception processes of those who, because unfamiliar with the Portuguese school, face situations of inevitable anxiety and uncertainty in a critical period of their lives, adolescence.

Keywords: Foreign, School, Hospitality, Pragmatic Sociology.

Resumen: La expansión de la escolaridad obligatoria y la tendencia de los flujos migratorios en Portugal en este siglo nos afrontan a la cuestión de la acogida de los estudiantes extranjeros en la escuela. A partir de la investigación empírica en dos escuelas secundarias situadas en el área metropolitana de Lisboa, y utilizando los datos de la observación etnográfica y la aplicación de entrevistas semidirectivas, proponemos una reflexión sobre las artes de hacer y rehacer lo común en plural a partir de la figura del extranjero. La sociabilidad escolar entre pares y el establecimiento de relaciones amistosas y filiales pareció ser un punto de entrada útil para comprender los procesos de acogida de quienes, por no estar familiarizados con la escuela portuguesa, se enfrentan a situaciones de ansiedad e incertidumbre inevitables en un período crítico de su vida, la adolescencia.

Palabras clave: Extranjero, Escuela, Hospitalidad, Sociología Pragmática.

1 As incertezas trazidas à entrada em uma escola que lhe é estranha: o caso dos alunos estrangeiros

Não sendo propósito desta reflexão dar informes sobre que infraestruturas formais a escola dispõe para apoiar à chegada os alunos estrangeiros (FELDER et al., 2020), que ali fazem a sua primeira matrícula, a nossa interrogação fixa-se num outro ponto que, distinto do anterior, não deixa de aparentar certas semelhanças. Na verdade, estas infraestruturas que existem para auxiliar o novo que chega e quer permanecer em muitas cidades e países tradicionalmente procurados por pessoas vindas de fora, a capacitação proporcionada por aqueles dispositivos a quem os procura, é aqui deslocado para as sociabilidades escolares (PASQUIER, 2005; RAYOU, 1998; RESENDE, 2019a, 2019b; VIEIRA, 2015) entre pares, que são concebidas como um dos suportes mais disponíveis para esse acolhimento junto dos alunos estrangeiros.

Cogita-se sobre a pessoa que na figura do aluno (KARSENTI, 2006) chega a uma escola onde nunca esteve matriculado. Imagina-se um aluno estrangeiro que se regista num estabelecimento do Ensino Secundário1. Está na idade da adolescência, num arco temporal de vida em que busca a maturidade (BREVIGLIERI, 2007a, 2007b). Estando ainda na idade de explorar o presente, talvez não tenha pela frente um tempo infinito para se aventurar nessas explorações. Provavelmente, o céu não é naquele momento o limite do tempo que tem pela frente. Está a traçar a sua biografia escolar (VIEIRA, 2015) num momento crucial de aquisições para o seu crescimento humano.

É de experiências de acolhimento de estudantes estrangeiros (RESENDE, 2019a; RESENDE; GOUVEIA, BEIRANTE, 2020) que este texto vai tratar analiticamente. Não atalhamos sobre as suas histórias de vida. O nosso foco diz respeito ao seu acolhimento na escola, dando maior ênfase ao trabalho que ele fez junto dos colegas da turma, ou que tenha respondido a gestos de aproximação que foram dados pelos colegas portugueses.

Procuramos, por isso, conhecer, junto de alunos estrangeiros matriculados em duas escolas do Ensino Secundário da área metropolitana de Lisboa, como estes têm sido aceites tal como são2 pelos seus colegas da classe. Salientar a importância da chegada a um novo território escolar, onde nunca se esteve antes, e conhecer como foram aferindo as temperaturas da receção da parte dos seus pares (RESENDE; BEIRANTE, 2018), é uma hipótese forte para se examinar a hospitalidade fornecida por quem já lá está matriculado, ou por quem está a fazer uma transição de outra escola pública similar.

Insistir na importância da chegada tem um outro pormenor de igual importância. Não conhecer o estabelecimento de ensino para onde vai estudar é não se sentir familiarizado com o espaço. Sem esse ar de família, a busca daquilo que mais importa em cada momento requer um trabalho acrescido de procura de informações que não são dispensáveis para quem pretende estender a sua permanência na escola.

Por exemplo, saber as horas de funcionamento da biblioteca, da cantina ou do bar/lanchonete; estar a par do funcionamento dos serviços de secretaria ou conhecer o local da direção da escola; localizar as casas de banho/banheiros ou pavilhão para a educação física: são dados convencionais de algum relevo para quem tem o estabelecimento como seu local de trabalho. Sem esquecer, obviamente, onde se localiza a sua turma (RESENDE; GOUVEIA, 2014). Na verdade, no começo não se sente cabalmente habilitado a usar convenientemente aquele espaço, até porque as nomenclaturas convencionadas podem ter na base palavras que no seu linguajar natal apresentam outros significados.

Por todas estas razões, sente-se a tatear e, por isso, os embaraços podem ser frequentes. Não obstante a natureza geral da forma escolar moderna, há particularismos3 que podem existir nos códigos protocolares locais que quem está a entrar pela primeira vez ainda não domina convenientemente.

Daí a importância de se dar atenção aos momentos do acolhimento. A horizontalidade relacional é talvez um instrumento que favoreça a aproximação (RESENDE, 2011). E a proximidade corporal pode porventura proporcionar relações que deem a quem chega uma certa garantia de encontrar ali quem lhe possa atenuar as ansiedades, a insegurança, alcançando o desejo de um dia sentir-se em casa.

2 Ninguém deve ser deixado para trás: o lema da escola inclusiva

É essa tranquilidade que é procurada quando o Estado determinou que a escola deve ser inclusiva. Não deixar ninguém à porta da escola é o resultado ambicionado pela medida da ação pública que visa a criação de uma escola para todos. Mais do que integrar, a inclusão escolar apresenta outras vocações mais ambiciosas (RESENDE, 2019a).

Intende fazer do ser que é notoriamente diferente um ser que possa ser implicado no comum, assumindo no comprometimento possível um sentido de envolvência com todos os que coabitem os espaços da escola e ali se envolvam nas suas atividades matriciais. Não importa agora conhecer quais foram as balizas e os critérios da sua notificação formal enquanto diverso, como distinto.

O que é decisivo é que todos sejam incluídos nas aprendizagens cognitivas, emocionais, comportamentais que a escolarização fornece e que a todos diz respeito. Os meios para as alcançar é aquilo que importa os professores fazerem de modo o mais coordenadamente possível4.

No Decreto-lei nº 54/2018, publicado a 6 de julho do mesmo ano, a Presidência do Conselho de Ministros determina

como uma das prioridades da ação governativa a aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social. (PORTUGAL, 2018, p. 2918).

Indo nesse sentido, o Estado firma “o compromisso com a educação inclusiva, de acordo com a definição da UNESCO (2009)5”.

A reviravolta política produzida por este decreto é estender a noção de necessidades educativas especiais a todos os alunos, independentemente da sua origem social, das suas condições físicas e intelectuais, dos défices de linguagem ou outros. O propósito é alargar a qualificação das dificuldades e dos problemas de aprendizagem à generalidade dos alunos, evitando-se deste modo a conotação singularizada a um determinado grupo particular identificado a priori como estando mais em risco de ser excluído da escolarização.

Incluir todos, semelhantes ou diferentes, mais iguais ou mais desiguais, significa sempre que a semelhança e a diferença expressa por cada um no todo em que se envolve na escolarização são apostas em escalas, ora contínuas, ora descontínuas. Tal asserção faz sentido porque a chegada à escola de um ser novo, seja qual for a porta de entrada, não é só a certeza previamente confirmada do seu devir, mas é também o lado de algum modo incerto daquilo que se espera que venha a acontecer.

Os lances projetados no caminhar pela escolarização fazem prova justamente de um certo grau de incerteza quanto aos efeitos a esperar de cada lançamento a ser efetuado em cada um dos momentos do trajeto que se está a percorrer até ao final. Este é sempre linear? Que acontecimentos imprevistos podem acontecer no arco temporal que abarca a linha do percurso a realizar? O que é que as caminhadas experimentadas pelos caminheiros escolares trazem aos seus futuros na escolarização? Esses destinos, que não deixam de ser projetados em cada momento da duração de um tempo no presente, são tidos em conta na temporalidade em que se exprime a atualidade das suas ações?

3 No centro as sociabilidades escolares: o que comportam os amigos na escola?

Em outra pesquisa (VIEIRA, 2015) foi possível traçar alguns desafios que os futuros em aberto e entendidos na sua pluralidade têm trazido à escolarização portuguesa. Um dos pontos das incitações que o futuro traz aos alunos, na figura de adolescentes, no Ensino Secundário prende-se com as suas escolhas quanto às áreas vocacionais a prosseguir após a conclusão do Ensino Básico6.

Pontuar as suas preferências nas áreas do conhecimento ou nos cursos em que pretendem investir os três últimos anos do seu percurso na escolaridade obrigatória comporta níveis não despiciendos de ansiedade, incerteza e até receio sobre as opções tomadas. São temores num tempo presente, mas que se projetam em aspirações arrojadas num futuro não muito distante.

Na verdade, estando no último ciclo de aprendizagem na escolaridade obrigatória, cada um tem de decidir se acede ao Ensino Superior ou se, ao invés, tenta entrar mais cedo no mercado de trabalho, ou ainda, em alternativa, se sonda procurar outras formações que complementem as anteriores. Cada uma destas hipóteses sugere apostas distintas, mas em cada uma delas não é possível rejeitar o incerto.

Pelo que se averigua nos agenciamentos que os alunos nacionais fazem na construção das suas biografias nos seus contextos escolares e familiares não é de descartar o apoio que sentem dos seus amigos nas escolhas que fazem, quer com os seus eletivos na escola, quer com os outros que, fora da escola, não deixam de ser seus eleitos para os escutar em face das suas dúvidas e angústias (PASQUIER, 2005; RAYOU, 1998; RESENDE 2019a, 2019b; VIEIRA, 2015).

Se nas decisões em assumir aquelas escolhas os alunos adolescentes não deixam de procurar alguma autenticidade de si (TAYLOR, 1991), isto é, examinam a sua projeção vocacional de maneira a que esta opção não traia, ou pelo menos não fira, o seu compromisso em relação às “suas preferências, gostos, sonhos e/ou talentos” (VIEIRA; PAPPÁMIKAIL; RESENDE, 2013, p. 22), sendo a realização de si ideada com uma exploração que cada um faz sobre si mesmo, esta busca não é feita sem outros apoios. Por outras palavras, se a modernidade tem sido atravessada, desde as revoltas juvenis nos anos sessenta do século XX, por ondas de ir e vir em que adolescentes e jovens de diversas gerações buscam os azimutes da sua individuação (RESENDE; VIEIRA, 1992), atualmente, mais do que outrora, essa individuação aparece assente na ideia de projeto (DIONÍSIO, 2011, 2015), que cada um tem de fabricar, indo ao encontro das suas legítimas vocações.

Abraçado desta maneira, o projeto é uma espécie de dispositivo-suporte onde cada um entende investir para alcançar o melhor possível as metas, cujo fim último é alcançar a realização de si. Acontece que hoje o tempo disponível para estes exercícios são feitos durante a escolaridade obrigatória.

Com o seu alargamento até aos 18 anos de idade, o projeto vai sendo confecionado em simultâneo com as experiências escolares que são vividas por cada um nas escolas, mas com maior incidência no estabelecimento de conclusão do seu trajeto obrigatório. Do manancial de experiências que vão sendo tecidas neste longo processo de escolarização, não menosprezando aquelas que rodeiam os seus professores, a mãe, os media, outros membros da família, as mais matizadas são aquelas que envolvem acontecimentos com os seus pares, uns mais distantes, outros bem próximos. Estes últimos são de proximidade tão vital porque justamente são denominados amigos, o que os diferencia de outros designados como colegas.

E a amizade abre espaço à proximidade confidente, isto é, oferece espaços e momentos depositários daquilo que mais importa para a construção dos projetos de realização de si em planos de reciprocidade mútua (RAYOU, 1998; RESENDE, 2010). Sem essa reciprocidade expectável, a amizade é, em certo sentido, esvaziada do seu significado mais profundo.

Tal é a importância decisiva desta figura na escola, que 54,8% de adolescentes e jovens à entrada do último ciclo do ensino obrigatório nomeiam os amigos como a sua fonte de informação para se decidirem sobre o trajeto de formação escolar a seguir neste último itinerário (VIEIRA, 2015, p. 202). Entre os apoios confessos, 28,8% dos alunos inquiridos “reconhecem como recurso de informação importante ou muito importante” (VIEIRA, 2015, p. 206) os seus amigos.

Assim, é bem plausível discernir que o alongamento das experiências juvenis testadas em espaços escolares estejam efetivamente a contribuir para a criação de momentos, e seus acontecimentos indispensáveis, para uns e outros firmarem projetos amicais. Ora, tanto na amizade ensaiada em cada instante e na duração do tempo, como nas relações mantidas entre pares sem que isso requeira qualquer compromisso mais cúmplice, a sociabilidade escolar tem sido “uma faceta inequívoca de emancipação, pois amplia o escopo das relações e consagra a autonomia relacional face ao grupo familiar. Autonomia que se estende, de resto, também ao universo escolar” (VIEIRA, 2015, p. 207).

A ser assim, entende-se agora melhor porque o nosso olhar sobre a acolhida do aluno novo que chega à escola foi trabalhado a partir do modo como ele vai experimentando os primeiros contactos com os seus pares que há mais tempo povoam aquele estabelecimento de ensino. Elevar as sociabilidades escolares, sob o signo de serem espaços com alguma virtualidade para potenciarem a boa inclusão7 a quem chega pela primeira vez à escola, é um ângulo que nos merece a maior distinção para ali descobrir como se tecem as relações entre uns e outros e se a partir destas os seus efeitos esperados vão se conjugar gradativamente nas artes de ali fazer o comum no plural.

4 Sob o manto da pesquisa: dados e metodologia

De acordo com os dados trabalhados pelo Conselho Nacional de Educação, o número de inscritos nos três anos do Ensino Secundário8 tem crescido continuamente entre 2009 e 2014. Neste período, ainda não se faz sentir neste ciclo da escolaridade obrigatória o decréscimo de alunos, como já se notava no Ensino Básico. A partir de 2014 há uma relativa diminuição de alunos no Secundário em resultado das transformações da pirâmide demográfica. A redução das taxas de fecundidade e de natalidade têm sido constantes, e com o tempo esta transformação faz-se sentir na componente morfológica do número de alunos matriculados em todo o sistema escolar português.

Ainda de acordo com a mesma fonte, entre 2009 e 2018 a taxa de escolarização no ciclo terminal da escolaridade obrigatória assenta em uma evolução positiva, isto é, assinala uma subida de quase 12%. Em 2017/18 quase 73% dos alunos apresentam uma idade escolar adequada a este grau de aprendizagem. Isto significa que o número de reprovações em anos anteriores tem estado a baixar. Inversamente, nos percursos dos cursos profissionais a população escolar apresenta uma estrutura etária mais elevada, uma vez que só cerca de 28% têm a idade escolar esperada para este ciclo de ensino.

Entre os anos letivos de 2011/12 e 2018/19 o número absoluto de alunos estrangeiros matriculados no Ensino Secundário9 regista uma relativa oscilação. Se em 2011/12 se matricularam neste grau de ensino 18.359 alunos, em 2013/14 esse número desce para 14.712. O período da crise da dívida externa, com o aumento do desemprego, talvez tenha conduzido a esse decréscimo. Não é de descartar a hipótese de um retorno de algumas famílias, ou para o país de origem, ou ensaiando a procura de um outro país da Europa que lhes garantisse uma outra estabilidade de vida. Se o decréscimo continua a registar-se em anos posteriores, já em 2017/18 e 2018/19 registam-se subidas de algum modo acentuadas. Em 2013/14 o número de adolescentes e jovens inscritos era de 14.712, em 2017/18 o número sobe para 15.079, e no ano letivo seguinte para 16.829. Em termos percentuais, a proporção de alunos estrangeiros varia entre 4% e 6% do número total de alunos matriculados no Ensino Secundário para este período de tempo.

Serve este quadro sumário sobre a evolução do Ensino Secundário na última década para dar conta que a permanência em idade escolar neste ciclo de ensino já é notória entre os alunos cujas famílias têm residência em Portugal. E, nesse sentido, é bem provável que a mesma fotografia possa ser transferida para as famílias mais recentes ou mais antigas de imigrantes que se fixam em Portugal. (MACHADO, 1997, 2003; MACHADO; AZEVEDO, 2009; MACHADO; MATIAS; LEAL, 2005; SEABRA, 2010; SEABRA et al., 2011). Num caso como no outro, os agregados domésticos têm no seu seio adolescentes e jovens que em Portugal ou fora do país completaram o anterior ciclo de aprendizagem, o Ensino Básico. Sem essa prova não se podem matricular no último ciclo da escolaridade obrigatória.

Por coincidência, a pesquisa Entre a Escola e o Bairro – estranheza, estranhamento e hospitalidade teve o seu início em 2017/1810. Se em 2017/18 o número total de estudantes estrangeiros inscritos no Ensino Básico e Secundário ascendia a 44.438, a área metropolitana de Lisboa abarcava mais de metade destes alunos – cerca de 25.117 alunos em idade escolar. Entre a zona norte e o Algarve, a zona mais a sul de Portugal continental (excluindo-se os arquipélagos dos Açores e da Madeira), o número de alunos estrangeiros em todos os níveis da escolaridade obrigatória não ultrapassa os 6.000. Sendo este o panorama, fez todo o sentido concentrar na área metropolitana de Lisboa esta primeira incursão em uma pesquisa preliminar sobre a presença do aluno estrangeiro em escolas do Ensino Secundário.

Pese embora a desigual distribuição do número de alunos estrangeiros em todas as regiões do país, só no dealbar do século XXI é que Portugal, para além de ser um país de emigrantes, passa também a ser um país de imigrantes (PEIXOTO, 2007). Se num primeiro momento o país acolhia famílias de imigrantes sobretudo dos países africanos de língua oficial portuguesa, a partir da queda do muro de Berlim em 1989, começam a chegar famílias oriundas de países do leste europeu, em particular da Ucrânia e da Moldávia, mas também do Brasil (PEIXOTO et al., 2015), e só mais tarde chegam famílias vindas de países asiáticos, nomeadamente da China e da Índia. A estas proveniências é preciso acrescentar as famílias que vindas de países da União Europeia fixam a sua residência em Portugal.

Ter em mente o quadro da imigração com esta diversidade de proveniências é importante para se compreender o multilinguismo que prevalece nas escolas. Sendo um cenário que dá mostras de algum cosmopolitismo, nos processos de aprendizagem não se deixa de parte outra questão bem mais complexa e desafiante para os professores.

Na verdade, nos primeiros ciclos de aprendizagem o caleidoscópio linguístico traz problemas no tocante à aquisição e domínio da língua nacional, meio indispensável para se ser bem-sucedido na escolarização. Iniciar esta pesquisa no Ensino Secundário foi uma opção relativa para ultrapassar o obstáculo anteriormente mencionado. A medida atribuída é relativa porque apesar de ser expectável um melhor domínio da língua no Secundário, a sua transparência não é completamente assegurada na troca de mensagens. Por vezes, nas conversas informais, mas igualmente nas entrevistas semidiretivas realizadas, foi necessário intervir para esclarecer o sentido de alguns termos e para se evitarem equívocos e mal-entendidos. A importância destes reparos foi crucial porque se garantiram graus efetivos de confiança no acompanhamento das situações e experiências da pesquisa realizada nas duas escolas durante 10 meses11.

Procurar alunos estrangeiros no Secundário teve outra razão. Esta prendeu-se com a idade da adolescência. Indo na direção dos adolescentes de nacionalidade estrangeira a estudar em Portugal foi possível ir ao encontro da importância que as sociabilidades apresentam nos quotidianos escolares, como atrás foi assinalado. Esta primeira aproximação, ainda preliminar, possibilitou observações ricas sobre o que pensavam estes alunos dos seus colegas portugueses e como estes os recebiam na escola. Como havíamos mostrado antes, no percurso da escolaridade abrangido por alunos do arco da adolescência, era significativo observar a autonomia a manifestar-se com o uso de diversos suportes. Agora buscava-se saber se a operacionalidade da autonomia aparecia novamente alicerçada nas sociabilidades entre pares, “suportada numa lógica de philia (ou seja, da amizade virtuosa)” (VIEIRA, 2015, p. 207). A haver esta continuidade, os adolescentes inquiridos, agora de nacionalidade estrangeira, buscavam na amizade que se ia forjando naqueles espaços, incluindo os espaços intercalares (BREVIGLIERI, 2007a), um assentamento para a gestão das ansiedades, temores e receio de serem bem recebidos pelos colegas portugueses com quem conviviam nas escolas.

As observações e o trabalho de campo foram desenvolvidos em duas escolas do Ensino Secundário, uma sediada no município de Lisboa e outra localizada no município de Oeiras12. Neste trabalho participou uma equipa composta por 8 membros. Desses, 6 eram, na altura, estudantes da licenciatura/graduação em Sociologia. O trabalho de campo realizou-se entre 2017 e 2018 e constou da observação de aulas e em outros espaços, dentro e fora da escola, da realização de 16 entrevistas em cada uma das escolas (32 no total) e do lançamento de um questionário por cenários a todos os alunos matriculados no 12º ano e a professores que lecionam neste ano letivo.13 Cada um dos pesquisadores realizou durante 10 meses, em dias não consecutivos, diversos mergulhos etnográficos de modo a captar as movimentações destes alunos, quer no âmbito do espaço contido entre muros, quer nos espaços intercalares. Foi um tempo importante para se ir ganhando confiança com o/a interlocutor/a. Pese embora houvesse em cada uma das escolas um docente mediador dos contatos, o trabalho e a persistência foram qualidades manifestadas pelos jovens pesquisadores que trabalharam na equipa. Terem uma idade próxima dos adolescentes e estarem ainda sujeitos à condição estudantil, mesmo que na Universidade, foi um ingrediente de importância notória para que os entrevistados se sentissem mais à vontade nas respostas que iam dando às entrevistadoras/es.

5 Ensaiar o terreno para ser acolhido: experiências (in) acabadas de inclusão

5.1 À chegada: momentos e ações titubeantes nas tentativas de inclusão

A grandeza da figura do amigo na escola é tão relevante que na questão inicial colocada a cada uma ou a cada um dos nossos colocutores sobre o que era para si estar a estudar no estabelecimento, para além de convocarem as aprendizagens, no seguimento desta primeira nota outra lhe seguia de imediato. Surpreendentemente ou não, aparecia a possibilidade de se fazerem amizades com colegas.

Em conversa inicial com Anna14, uma estudante brasileira, a entrevistadora da escola A – sediada no concelho de Lisboa – dá-se conta que a aluna acabou de chegar à escola, uma vez que ela prontamente informa: “eu cheguei recentemente, né? Eu cheguei dia 10 de Janeiro, (…) [HESITAÇÃO] é pouco tempo”. Mesmo estando há pouco tempo, avisa que “experiência em si está sendo boa. Mesmo que a gente sinta saudade do Brasil, tipo por deixar familiares e amigos, a experiência está sendo[PENSATIVA]boa, de ver novas culturas, novas pessoas[ENTUSIASMO]”.

No outro estabelecimento, a entrevistadora da escola B – localizada no concelho de Oeiras – encontra Vítor que tinha entrado há três meses na escola. Também é natural do Brasil. Respondendo à pergunta de como ele descrevia estar numa escola, o adolescente reage de imediato dizendo que o “primeiro foco é o estudo[RISOS]. O riso insinua o óbvio, não vá a pesquisadora pensar que ele cogita a escola como local para fazer outras coisas. Mas adianta que além do estudo, a escola é um espaço que proporciona criar amizades

tem as amizades que você leva para a vida toda, enfim é a mais a questão de [PENSATIVO E HESITANTE] é [RISOS]. Bom é assim a questão de você de saber como se relacionar com as pessoas, como viver, como respeitar o Aqui na questão dos estudos é você se dedicar, de estudar para ter um objetivo na vida… (…). (Lima, entrevista nº1).

Não obstante a primeira impressão ser boa, Anna de imediato solta uma inquietação quando compara a sua aprendizagem das matérias no Brasil e na escola portuguesa. Refere “sim, eu acho que na escola é um ambiente que você pode socializar, mas se você não tá vindo para a escola … [HESITAÇÃO]. Eu vejo como um lugar bom, assim para socializar e tal”. E sobre os estudos, como é, indaga a entrevistadora?

Sim, sim, eu sinto, mas no momento, no exato momento, eu sinto muita dificuldade. Nas matérias, eu fico ‘parece que eu sou de outro mundo’, que eu acho que estou num mundo muito inteligente. Eu fico me sentindo tipo [PENSATIVA] ‘como assim’ [SORRISO]? Sim, (…), penso que todo mundo é muito inteligente, sabe falar mais de duas línguas. E eu fico me sentindo tipo diferente, porque lá no Brasil não tem[HESITAÇÃO]. (Kasprova, entrevista nº2).

A entrevistadora acompanha as referências que a jovem vem colocando na sua fala. E esta aprofunda as comparações entre as duas escolas em que esteve matriculada, no Rio e em Lisboa. Adianta, qualificando uma e outra:

eu acho uma escola boa. É muito diferente do Brasil, então acho incrível. Porque na escola que eu estava no Brasil era particular, e não tinha a estrutura que essa aqui tem. E essa aqui é pública. Então eu acho super interessante nesse âmbito, nessas coisas. (Kasprova, entrevista nº2).

É de reparar a nota dada à estrutura, isto é, à arquitetura e aos equipamentos que pontuam no desenho da escola. Parece-lhe uma estrutura que convida a estar, a permanecer na escola (RESENDE, 2019b), e que à chegada não lhe levantou estranheza a apontar. As infraestruturas parecem ser adequadas a quem ali chega pela primeira vez.

Com o Vítor a comparação é similar. Avisa:

que eu cheguei cá em Portugal, setembro do ano passado, então é bem pouco tempo. Então essa é a primeira escola que eu estive aqui. E a diferença dessa escola para as escolas que eu estive no Brasil é, acho que é praticamente tudo. Tanto a questão do ensino que aqui é bem mais puxado, bem mais focado no assunto. No Brasil as coisas são muito superficiais, porque são bem mais matérias [REPETIÇÃO]. (…) E na questão das pessoas, dos amigos, acho que [REFORMULAÇÃO] isso é bem igual, assim. (Kasprova, entrevista nº2).

Terminado este seu juízo, fruto da comparação entre as experiências nas escolas de dois países, pára e reformula: “no início os portugueses são um pouco mais difíceis, eu confesso, pra mim foi um pouco difícil de adaptar no primeiro mês, mas depois de um tempo é tudo uma questão de convívio, de adaptação. Agora ‘tá bem tranquilo”. O tempo que nunca se deixa interromper no seu próprio percurso é para Vítor o dispositivo de apaziguamento, comparando com “a questão do início, que é um pouco mais complicado, mas lá também é. Acho que é com todo o mundo (…) Tanto lá como aqui, é mesmo a questão do convívio”.

Para Anna, a escola é para socializar. Vítor vai ao encontro desta alusão através do convívio. No entanto, até chegar à convivência ou à sociabilidade é o tempo que dita o resto aos recém-chegados à escola. Falando da habituação ao novo contexto, Vítor assinala com vigor: primeiro

foi na questão um pouco do, o idioma é o mesmo, português, mas tem algumas palavras bem diferentes, algumas. (…) Foi na questão do idioma e na questão também de ser outro país, uma outra cultura, de você não conhecer praticamente ninguém aqui. (…) O comportamento e o idioma que são algumas mudanças. (Lima, entrevista nº1).

Para Anna, quando a conversa se estabelece com os seus colegas, esta sente-se mais embaraçada: “em relação [HESITAÇÃO], eu ainda estou em, tipo[HESITAÇÃO]”. As hesitações são notórias em qualificar os colegas da turma. Mas avança: “exato. E, às vezes, eu acho[HESITAÇÃO]se eu tipo, tem um grupinho, eu tenho[HESITAÇÃO]acho que não é bem vergonha, masmedo de [PENSATIVA]intervir e chegar, do nada. Então, eu fico meio apreensiva”. Em face das hesitações e dúvidas apontadas a si, a entrevistadora pergunta se os colegas não a estão a ajudar a resolver estas apreensões. “Sim, sim”, responde a aluna,

acho que fui muito bem acolhida. Porque, eu até brinco [RISO], falo, no Brasil não tem essa [HESITAÇÃO]. Por exemplo, se chega um aluno novo na sala, é depois de um certo tempo que vai [HESITAÇÃO]. Aqui, eu achei que eles já foram, tipo, falar comigo e tal. Mesmo tendo uns ou outros que são mais na deles, não falaram ainda, eu acho que é (…) uma coisa nova que está na turma. Então, demora um pouco mesmo para[HESITAÇÃO]. (Kasprova, entrevista nº2).

Interessa ressalvar a forma como a interlocutora vai fazendo reparos sobre as experiências. Ainda está tateando o ambiente e a sua ligação aos colegas. Alguns amparam-na, mas outros mostram alguma desatenção, mais do que indiferença. Contactam com ela, mas permanecem inacessíveis. E por outro lado, como ainda não se reconhece a si mesma naquele espaço, teme a exposição de si perante os outros. Fazer face às provas que tem de dar de si própria perante os outros não é fácil. É, em certo sentido, uma provação. Continua: “sim, sim. Eu acho que eles chegam. Por exemplo, eu[REFORMULA] houve um dia em que fiquei aí no meu canto. Aí, as duas meninas que tavam, me chamaram. ‘Não, não tem medo, a gente pode chegar e ficar, e ficar com a gente’”. Essas meninas eram portuguesas, notifica a aluna.

5.2 Acomodações tateantes em função das impressões colhidas

Para Vítor, tudo “seria adaptação. Acho que seria a palavra certa, pra definir tudo, (…) tanto no início, como ao longo do decorrer do tempo”. E continua a explicar o sentido dessa acomodação ao espaço e às pessoas no seu ambiente. Na escola

por ser todos os dias um convívio, todas as manhãs. Você vai aprendendo mais, vai conseguindo se adaptar mais rápido. Aí também acabei levando pra questão fora [REFORMULAÇÃO] em outros lugares, mercado sozinho, a questão de sair na rua e pedir informação prás pessoas. No começo eu não tinha assim coragem (…). Agora é bem mais tranquilo, com a questão da convivência com as pessoas daqui, os portugueses (…). (Lima, entrevista nº1).

No começo, nada é fácil, estranha-se porque não se conhecem os protocolos que os outros usam no dia-a-dia. Expor-se, mas sobretudo mostrar a sua falta de conhecimento sobre o ambiente, e a obrigação de fazer perguntas num linguajar próprio, causa estranheza, dúvidas e receio de não ser capaz de ultrapassar estas provas (BREVIGLIERI, 2007a, 2007b). Mas “conhecendo melhor as pessoas, fui vendo que praticamente é a mesma coisa. (…) Então, por agora me sinto bem melhor. No começo estava “Nossa, já quero voltar, meus amigos![RISOS],mas agora não”. Com o tempo vai-se habituando e ambientando.

O curioso é que na ambiência em geral, e, particularmente, na atmosfera da escola, as temperaturas de estarem todas e todos a fim de apoiar quem chega de novo são compostas de sinais nem sempre equivalentes (RESENDE; BEIRANTE, 2018). E de vez em quando a nova pessoa tem uma experiência mal-sucedida; é como se tivesse levado um murro no estômago (STAVO-DEBAUGE, 2012). É o que Anna refere quando um dia teve de tratar de uma questão administrativa.

Eu achei, por exemplo, quando eu vim aqui pela primeira vez, na secretaria, [REFORMULA] a minha mãe perguntou por uma informação, e uma menina tipo nem respondeu, [REFORMULA] foi um pouco antipática. E [REFORMULA] a primeira impressão que eu tive, falei ‘caramba, como é que eu vou chegar aqui? Porque se a menina já é assim, como é que vai ser?[RISO]. Aí, eu fiquei bem nervosa, porque eu lembrei tipo das pessoas que eu tinha lá no Brasil, que eram super minhas amigas. (Kasprova, entrevista nº2).

Em face deste choque ficou cismática, nervosa. E não era para menos, porque no futuro próximo o cenário mostrava-se incerto. E remata: “aí, eu fiquei, sim, nervosa. Foi a primeira impressão. Mas quando eu cheguei na sala, em si, que eu vi que as pessoas eram acolhedoras, simpáticas, eu fiquei mais relaxada. Mas, a primeira impressão em si, (…) [APREENSIVA]”. Para Vítor, as primeiras impressões da escola e dos colegas foram mediadas pelas experiências de um colega brasileiro chamado Davi. Ele estava em outra turma

e ele falou que era bem diferente dessa. Ele (…) ele trocou de turma. Ele falou que a turma dele era bem assim [GESTO DE UM GANCHO COM O DEDO]. Era feita de grupos. Tinha um grupo de amigos ali, outro ali [APONTA PARA VÁRIOS SÍTIOS DA SALA, COM O DEDO]. Aí ele ficava sozinho, ele não conseguia, mesmo ele tentando socializar. (Lima, entrevista nº1).

O ambiente era hostil ao convívio e Davi sentia-se isolado. Encontra em Vítor o amparo para mudar a agulha do seu azimute, isto é, dos ângulos que mediam a distância para com os colegas que se fechavam em grupos inacessíveis. A turma não era sua. E remata Vítor:

o brasileiro tem mais facilidade em fazer amizades, é um povo assim mais, mais solto, mais extrovertido. Então, no primeiro dia de aulas você já saiu com todo o mundo, sendo amigos de todo o mundo. A diferença eu acho que é mais essa, mesmo. Aqui não, você tem de ir conquistando a pessoa, tem que, , conversando todos os dias pra chegar a um nível de amizade, lá não. (…) Então essa foi a diferença. (…) Então no fim, é praticamente a mesma coisa. (Lima, entrevista nº1).

Veja-se, igualmente, se bem que de passagem, o caso de Marília, brasileira, aluna na escola B, que tendo chegado a Portugal com 8 anos de idade, não deixa de assinalar diferenças entre os colegas dos dois países. E na entrevista conta que só se dá com duas amigas na escola, uma portuguesa e outra brasileira. Se a amiga portuguesa só faz com ela programas culturais eruditos, consegue com a amiga brasileira desbundar extravasar em programas mais soltos, mais ajustados ao horizonte adolescente. Com ela experimenta “dançar em discotecas, entra em bares para beber uma cerveja e tal”. Está com a parceira para a folia, e em certo sentido, concilia duas vias, quiçá fintando uma e outra com simulações.

Importa é o fim dos acontecimentos e das experiências, porque no fim é sempre possível projetar a possibilidade de se encontrar afinidades (THÉVENOT, 2017), de haver abertura e disponibilidades para com os outros significativos. Neste caso, para os alunos estrangeiros, que antes tiveram de se empenhar para conquistar amigos nativos, de investir no conhecimento do outro, não é tarefa fácil. Só com o tempo, e num final que é sempre diferido, é que se podem colher provas de que tudo possa vir a dar certo. Mas antes é preciso exercitar o conhecimento mútuo.

Importa sublinhar a particular relevância para os recém-chegados das primeiras impressões que uns e outros recolhem dos ambientes povoados de nativos que ali circulam com frequência, que manipulam corpos e linguagens que no início soam a estranheza. Não se está a falar de entradas e saídas, uma vez que ir à escola pressupõe um prosseguimento contínuo, a não ser que uma hostilidade permanente o obrigue a procurar outro estabelecimento alternativo. Se episódios funestos como aqueles que foram contados se repetem, a dor repercute-se repetidamente e o espaço deixa de ser confortável. A pessoa maltratada sente um desconforto, e a dor e o nervosismo abatem-se pelo corpo. Felizmente, estes efeitos não se reproduzem e, como foi descrito pelos dois estudantes, os corpos envolvem-se em outras situações de maior proximidade com colegas e amigos com quem podem contar, comprovando que nos espaços das turmas o ambiente termina por ser bem mais amistoso que inicialmente.

6 Algumas pistas para uma conclusão ainda não encerrada

Ser-se recém-chegado parece não ser complicado em uma era marcada pela globalização. Esta “maravilha” suscitada pela interdependência que a circulação de objetos, dinheiro e pessoas possa idear, dá-nos uma ideia de ser fácil a chegada e a permanência em qualquer lugar do nosso planeta. Ainda por cima concebe-se essa maior destreza em resultado de um aumento das viagens de turismo e de negócio, pela aceleração das migrações, (GÓIS; MARQUES, 2018; MONSMA; TRUZZI, 2018; PATARRA, 2005, 2006) e pela difusão massiva das redes sociais, no seu uso irradiando as experiências com fotos, pequenos vídeos e narrativas várias. Com todas estas experimentações, o mundo afigurar-se-nos-ia bem mais pequeno e sob o nosso controlo.

Ao chegar-se aos novos territórios, o que parece ocorrer nos seus diversos relances não é um amor à primeira vista (BREVIGLIERI; STAVO-DEBAUGE, 2007). O idealizado no início da ida, as promessas acalentadas à partida para um ir sem regresso imediato, ficam em suspenso até certas provas serem dissipadas pelas primeiras impressões. O advento dos primeiros contactos pela fisicalidade dos corpos torna possível a gradativa monitorização cognitiva da entrada num jogo, cujos lances próximos podem não advir de imediato ao convocar-se os significados colhidos das experiências anteriores.

Não se põe de lado a hipótese da instigação inicial que o novo convoca habitualmente quando lidamos com adolescentes. As experiências de se estar em trânsito fazem parte do arco temporal da adolescência (BREVIGLIERI, 2007a, 2007b). Ora, em alguns destes primeiros ensaios não é desdenhável pensar-se que os adolescentes busquem o aconchego do ninho familiar, ou ainda aqueles amigos do peito que não desgrudam da sua vida íntima. Uns e outros comungam de cumplicidades armazenadas na memória; num pedir socorro de quem não se está a aguentar nestes ambientes tão diferentes. Porém, em outras experimentações inclinam-se mais para o seu lado aventureiro, vagueando pelo incerto, procurando outras hipóteses para ver se vale a pena segurar a sua veia temerária. Uma vez que transitar pressupõe uma certa disponibilidade para se estar em jogo (AURAY, 2007), exercitando-o sem o controlo imediato das suas peças, a agitação que é promovida pelas partidas cria a imersão em ambiências díspares, como podem fazer salientar experiências de exaltação esfuziantes, ou não, pelas conquistas conseguidas, ou ao invés alguma exasperação, irritação ou raiva, porque aquilo pensado como promessa não trouxe o prometimento como garantia. Pelas emoções trazidas pelo exaspero, os comprometimentos sonhados com alguns dos outros que se procura conhecer nos novos espaços por onde circulam ou ficam adiados, ou nem se tentam outra vez (RESENDE, 2019a).

Isto significa que experimentar entrar em ambientes ainda desconhecidos não resulta num assentimento imediato de quem acaba de ali chegar. O consentimento que faz a si próprio leva um tempo, pese embora a percolação desse tempo possa variar, quer consoante as idades, quer consoante as experiências empáticas e simpáticas a que estiveram sujeitos nos primeiros momentos da sua chegada. Para se ser mais exato, usando o princípio da prudência, para quem de novo chega a um novo local, a estranheza é vista como um sinal de quem indaga pela hospitalidade do outro, particular ou geral, um outro que ensaie acolhê-lo junto de pessoas da sua confiança (RESENDE 2019a; STAVO-DEBAUGE, 2017). No que toca aos adolescentes, estes não descartam a empatia e/ou simpatia do outro, mas merece a pena aventar a hipótese que a exploram junto de seres com idades próximas com quem seja mais fácil enturmar, isto é, fazer parte de um pequeno coletivo a partir do qual este ou esta possa alargar as suas redes de contato (BREVIGLIERI 2007a, 2007b; RESENDE et al., 2020; VIEIRA, 2015). O que lhes é prazeroso é a possibilidade de continuar a caminhar, mesmo ainda sentindo-se inseguros, desejando encontrar-se consigo próprios nas relações que tecem com os outros. É o que aconteceu com Vítor, quando dá conta da existência do Davi, que se sente meio perdido na sua turma. E ao reconhecer o seu estado de alma, puxa-o para a sua turma, mais recetiva a recebê-lo.

Todas estas experiências sugerem instigações que em alguns casos, como se observa com Vítor, dá azo à curiosidade, ao contrário de Anna, que parece ser mais cautelosa, parecendo que a sua ligação com o ambiente é feita quando a ação conveniente aparece à ilharga, a seu lado e como amparo. Importa contrastar para mostrar as possíveis composições de regimes de ação que se desenham nas sociabilidades escolares que se estão a constituir em tempos diferenciados. Num caso, o regime de ação em proximidade (THÉVENOT, 2006) parece traçar-se de início com mais nitidez. O futebol ajuda à esquematização dos traços. As alianças com o Davi e outros colegas brasileiros que estão na escola também não deixam de ser uma mediação a ter em conta. No outro caso, as circunstâncias foram outras, agravadas pelo facto de a aluna ter entrado só no início do 2º período de aulas15. As dificuldades em se ligar foram maiores porque a turma já trazia um balanço não alcançado por Anna, que chegou mais tarde. Sendo um obstáculo, a sua ultrapassagem não foi imediata, uma vez que Anna teve também de se confrontar consigo própria, com as dúvidas se estava armada de capacitações para se pôr à prova perante os outros. As persistentes dúvidas e ansiedades foram sendo vencidas quando, em ocasiões em que estava a um acantonada e isolada, foi sendo chamada por colegas da turma (BREVIGLIERI, 2007a, 2007b; RESENDE et al., 2020).

Também é certo que as primeiras impressões (STAVO-DEBAUGE, 2017), em um caso como no outro, conduziram a ligações e a compromissos distintos. Na verdade, o episódio da colega que não correspondeu quando Anna pediu uma informação deixou marca de alguma mágoa. A indiferença foi uma adversidade sentida, talvez por ter sido inesperada, talvez porque a sua figura só suscitou desinteresse. Viu-se na iminência de pensar que sociabilidade estava envolta em uma ambiência em que o desapego dos outros para consigo fosse a regra, e não a exceção. Assumiu o revés olhando-se ao espelho (AURAY, 2007) e solicitando o apoio dos amigos que deixara no Rio. Confrontou-se consigo própria dando-se conta que o regime de ação pautado pelas afinidades pessoais concedidas a partir de lugares comuns (THÉVENOT, 2017), antes habituais, ainda não ganharam eco nesta nova escola, como imaginara plausível. Em face do desapontamento que esfriou as suas expectativas, o revés só foi desaguando em águas serenas quando sentiu na turma uma boa ambiência. E, finalmente, o seu corpo sossegou.

De Vítor as primeiras impressões acarretaram sustos, mas o alarme foi perdendo vigor com o tempo, deixando de ser audível e, por isso, tão inquietante. Talvez o facto de o bairro onde seu tio reside16 ser um espaço onde circula gente de sua terra o tenha ajudado a se ligar com o ambiente, e nesse sentido estas primeiras atmosferas humanas e seus objetos fora dos muros da escola tenham proporcionado os desafios que contam quando, por exemplo, foi ao mercado (o supermercado em Portugal) ou quando teve de se abeirar de gente nativa para buscar informações do seu interesse. O sotaque foi talvez a dificuldade mais notória. Acertar o seu canal auditivo a um sotaque estranho, pouco familiar, foi um embaraço no início. Ainda por cima deu-se conta rapidamente que os léxicos dos dois países falantes de uma mesma língua não encaixam automaticamente um no outro. Para que o ajuste se faça, só o uso o pode ajudar, e isso leva também a uma disponibilidade auditiva para que surta o efeito desejado. Neste sentido, estar à escuta requer recetividade do ouvido daquele que chega, e ao mesmo tempo uma certa maleabilidade de quem fala a língua comum, mas com um outro acento. Ainda por cima os alunos estrangeiros, nesta matéria, têm outra pressão de que não se podem descartar. Com a imersão na escolarização, os discentes estrangeiros estão sujeitos às determinações dos professores que exigem que falem e escrevam com base no léxico do português de Portugal.

Fazer permanentemente a reconversão de uma língua com raiz comum, mas com uma história diferente nos seus usos costumeiros, impõe um trabalho de afinação constante. Como diz Marília, outra aluna da escola B, “eu aprendi que, pra não gozarem comigo17, eu tinha que ser igual aos outros, tinha que falar pra passar mais despercebida, (…)”. Mas adianta um pormenor a tomar em consideração. De maneira a exercitar o português de Portugal, então, “eu às vezes [RISOS] até enrolo a minha língua por causa dos “r” e dos “s”, é um bocadinho complicado ainda. Mas às vezes já, já me confundiram com portugueses (…). Então eu acho que é melhor pra mim, falar” tal e qual o português de Portugal. A exposição de si com base em uma prova como esta transporta a sua sentença para a figura da pessoa falante (AURAY, 2007). E isso acresce ainda mais a dureza de quem tem de se apresentar aos outros nativos que os estão a receber. Ser bem-sucedido no teste do falar ajustadamente obriga a um solilóquio incessante de maneira a tentar “domar” ou “domesticar” o acento dominante.

Seja como for, Anna e Vítor reforçam o lugar decisivo da sociabilidade decorrente das suas experiências e ligações com os ambientes escolares. Fazer a escolarização não faz com que percam de vista nem os atos de convívio, nem os atos de socializar. Não obstante as suas diferenças em termos das intensidades aproximativas dos corpos, mais sensível na convivialidade do que no socializar, as aprendizagens escolares em sentido amplo emanam estas propriedades que são intrínsecas aos ambientes onde os aprendizados se desenrolam com o tempo. O trato requer proximidade de quem intende ser bem tratado por todos na escola. Mas esperam que esse bom tratamento lhe seja concedido pelos colegas portugueses, e que a partir da conivência proporcionada pelo bom trato consigam que este redunde numa convivialidade mais cerrada, mais cúmplice. E se os benefícios a serem retirados da philia (RAYOU, 1998; RESENDE, 2010), da amizade, se podem conjugar pelas virtualidades da virtude, também permitem outras cumplicidades não tão virtuosas, mas que fazem parte das experimentações na adolescência (BREVIGLIERI, 2007a, 2007b). Por exemplo as dificuldades sentidas na apreensão das matérias incluídas em cada uma das disciplinas do curso é um dos exemplos em que a camaradagem da philia se faz sentir (RAYOU, 1998). A organização do Ensino Secundário é diferente da organização do Ensino Médio no Brasil. Em Portugal o estudo neste grau de ensino é mais focado em matérias não tão generalistas e superficiais. E há maior domínio de pelo menos duas línguas estrangeiras. Esse é um dos confrontos mais complicados, porque não é fácil corresponder às exigências docentes e à disciplina dos colegas nativos. Como remata Vítor a propósito da sua turma esta

é bem focada nos estudos, dá para perceber que nos trabalhos, sempre quando os professores marcam algum trabalho, eles já organizam pra fazer o quanto antes. Mas também não é aquela turma chata de ficar sempre focado só em estudos (…). É uma turma bem legal, a gente costuma sair às vezes, para uns lugares, costuma conversar bastante nos intervalos (…). (Lima, entrevista nº1).

Em virtude das virtudes examinadas por este aluno, as experiências recolhidas da turma transitam entre a retidão e a prudência da virtude e a diversão em que o descomedimento não pode ser ignorado. E assim também se tecem as artes de fazer o comum na escola na sua pluralidade (RESENDE et al., 2020; RESENDE, GOUVEIA, 2013).

Referências

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Notas

1 Ensino Secundário em Portugal corresponde ao Ensino Médio no Brasil.
2 Procurou-se nas entrevistas e nas observações etnográficas que os alunos estrangeiros expressassem as suas experiências pela sua voz, apresentando-se ao observador sem mediações, mesmo linguageiras. Adotaram o sotaque e registaram-se as hesitações, os momentos pensativos, porque o falar português de Portugal soa estranho aos ouvintes estrangeiros que dominam a língua. Entre quem fala a mesma língua os léxicos não se reconvertem de forma mimética, quer nas colocações, quer nos sentidos que algumas palavras transportam no diálogo havido.
3 No Brasil o recinto para se fazer desporto é uma quadra. Esta palavra não é usada em Portugal com esse sentido. Chama-se pavilhão ou campo de jogos, ou ainda pavilhão desportivo. O quadrilátero que forma um conjunto de casas ou de prédios rodeados por ruas no Brasil denomina-se por quadra, em Portugal por quarteirão. O bar da escola é conhecido no Brasil pela lanchonete. Falar-se em bandejão como é habitualmente usado no Brasil, em Portugal soa sem sentido. Não é uma bandeja grande, mas o recinto onde se consomem refeições mais baratas. Em Portugal esse local é conhecido como a cantina. Tirar uma fotocópia significa xerocar, no Brasil. Chamar uma jovem ou moça de nacionalidade brasileira como “rapariga” pode causar sérios embaraços uma vez que essa denominação é interpretada como estando a classificá-la como pessoa indecente, indecorosa, uma vez que é moça, menina ou senhora as palavras habitualmente usadas para se chamar alguém do género feminino.
4 Contudo, os desígnios da escola inclusiva foram outros na sua génese. Aquele que se diferenciava por ser portador de uma qualquer diferença foi o primeiro alvo a ser votado pela noção de inclusão escolar. E, nesse sentido, era necessário encontrar meios profissionais e recursos para suprir aquelas necessidades denotadas como especiais. O que de exclusivo traziam estes seres para a escola? A natureza típica destes seres diferentes era não alcançarem os conhecimentos transmitidos pelos professores aos outros alunos, colegas da mesma labuta. As aprendizagens eram aquisições mais demoradas a surtir efeito, e em resultado dessa morosidade, os habituais métodos pedagógicos e didáticos não serviam os propósitos desta outra população escolar. Foi por estas razões que inicialmente a preocupação do Estado incidiu fortemente em alunos portadores de necessidades educativas especiais. Estas orientações do Estado português foram seguidas a partir do Policy Guidelines on Inclusion on Education publicado pela Unesco em 2009.
5 Para dar cabimento às exigências estabelecidas por este organismo das Nações Unidas o Estado português assume com clareza que “no centro da atividade da escola estão o currículo e as aprendizagens dos alunos. Neste pressuposto, o presente decreto-lei tem como eixo central de orientação a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, encontrando formas de lidar com essa diferença” (…) (PORTUGAL, 2018, p. 2918).
6 No Brasil a este grau de ensino denomina-se Ensino Fundamental. Aqui está outra nomenclatura diferente.
7 A boa inclusão é aqui referida no sentido de ser a inclusão mais justa tendo em conta os momentos e circunstâncias que envolvem aquele trabalho recíproco entre quem de novo chega a uma escola e quem já lá está matriculado.
8 Mais outra designação nuclear do sistema de ensino que não coincide com a nomenclatura definida no Brasil. Do outro lado do Atlântico este grau de ensino é chamado de Ensino Médio. Para mais informações cf. o documento do Conselho Nacional de Educação, Estado da Educação 2018, edição de 2019. Estes dados estão contidos na secção Indicadores para Portugal da p. 30-42. Disponível em: www.cnedu.pt.
9 Os dados que apresentamos sobre o número de alunos estrangeiros matriculados no Ensino Secundário têm três fontes distintas: a DGEEC do ME (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência do Ministério da Educação), o Observatório da Migrações e o Observatório das Desigualdades.
10 Uma das linhas de investigação que se pretende desenvolver, agora com mais intensidade e aprofundamento, centra-se nos processos de envolvimento dos atores na escola - alunos e professores – com seres humanos e não humanos, estranhos, que provocam estranheza e estranhamento nos estabelecimentos de ensino. Assim, e para dar andamento a este desejo, o projeto vai tentar dar conta das relações complexas integradas nesta temática: “Entre a Escola e o Bairro: estranheza, estranhamento e hospitalidade”. Sendo o propósito central o de compreender os juízos críticos de diferentes atores em torno da temática da relação entre a escola e o bairro, a presente pesquisa tem como terreno privilegiado os estabelecimentos de ensino do Ensino Secundário e os seus entornos, nomeadamente os locais que habitualmente os estudantes usam quando não estão no estabelecimento de ensino: cafés, centros comerciais, os passeios, as ruas, jardins, etc. Estes espaços fora dos muros dos estabelecimentos de ensino localizam-se ao seu redor ou em perímetros que deles não distam muito. São habitualmente territórios reconhecidos por estes atores, com um ar de família e que lhes possibilita romper com o formato e conteúdo das sociabilidades alimentadas dentro das escolas ou são composições recompostas entre continuidades e ruturas das sociabilidades dentro e fora das escolas. O que interessa observar são as funcionalidades destes espaços intercalares que são usados e resgatados, entre outros, pelos adolescentes e jovens que pretendemos observar. Que laços fabricam nestes espaços? Estes são coabitados por quem? As inter-relações são sustentadas só entre os seus pares, amigos e colegas, ou nestas intervêm outros atores, provenientes de outros espaços, amigos, namorados/as, companheiros/as, pais, irmãos, professores, encarregados de educação, etc.? O formato e conteúdo destes encontros são semelhantes ou distintos das formas e conteúdos das sociabilidades trabalhadas nas escolas? Esta pesquisa preliminar que vai ter desenvolvimentos futuros foi desenvolvida em duas escolas do Ensino Secundário. As escolas escolhidas apresentavam na sua morfologia escolar alunos com nacionalidades estrangeiras. Os dados coletados foram recolhidos em entrevistas semidiretivas e em observações no interior das escolas e em outros espaços no entorno das duas escolas. Em cada uma das escolas trabalharam três estudantes da graduação se Sociologia sob orientação do professor e pesquisador responsável por este projeto. Para além destes estudantes a pesquisa contou com a colaboração de dois colegas doutorados, um dos quais estrangeiro que estava a realizar em Portugal o seu projeto de pós doutorado. Como nota adjacente este projeto é uma singela homenagem a Georg Simmel. Este sociólogo alemão morre em setembro de 1918. Ora em vida este autor teceu considerações sobre a figura de estrangeiro num pequeno ensaio e este projeto de pesquisa pretende aprofundar algumas questões deixadas em aberto no referido ensaio. Uma dessas questões prende-se com a hospitalidade (STAVO-DEBAUGE, 2017).
11 Foi por esta razão que nas entrevistas, as entrevistadoras, a Anastácia Kasprova e a Margarida Lima, tiveram o cuidado de assinalar os momentos de hesitação, ou mesmo de paragem para que os alunos entrevistados pensassem na resposta ou tirassem dúvidas, o que dá nota das complexas reconversões de uma mesma língua falada, mas cujos falantes estão nos dois lados do Oceano Atlântico.
12 A pesquisa de campo, e suas respetivas operações, desenvolvida nos dois estabelecimentos de ensino resultou de autorizações prévias firmadas por ambas as direções e onde os pesquisadores se comprometeram a respeitar os preceitos éticos atendíveis à prática científica. Para além da autorização, as direções dos estabelecimentos de ensino nomearam um docente para ser responsável pela mediação entre os membros da equipa de pesquisa e as comunidades escolares.
13 Dos resultados das entrevistas realizadas aos 32 alunos estrangeiros recolheram-se informações importantes que foram usadas na definição dos cenários incluídos no questionário. Os alunos entrevistados não responderam ao questionário porque não estavam matriculados no 12º ano de escolaridade. Eram alunos que frequentavam o 10º e 11º de escolaridade.
14 O anonimato dos sujeitos de pesquisa é salvaguardado pela atribuição de nomes fictícios. Do mesmo modo e pelas mesmas razões, as escolas mencionadas são identificadas com letras do alfabeto.
15 Cada ano letivo em Portugal é constituído por três períodos de aula. O primeiro vai até ao Natal; o segundo até Páscoa e o terceiro até inícios de junho, mês de exames nacionais. Contrariamente ao que acontece no Brasil os alunos ao entrarem no Ensino Secundário têm de escolher, no ensino regular, uma das áreas de conhecimento que a escola oferece: curso de ciências e tecnologias; curso de ciências socioeconómicas; curso de línguas e humanidades e curso de artes visuais. A escolha de uma destas 4 áreas já tem de estabelecer alguma ligação com aquilo que quer fazer no futuro. Mas o ES tem outras ofertas como os cursos profissionais. E há ainda o ensino recorrente. Disponível em: www.dges.gov.pt.
16 Na entrevista dada, o jovem aluno refere que veio para Portugal para residir em casa de um tio. O apartamento fica num outro bairro um pouco distante da escola, mas onde moram também famílias imigrantes vindas do Brasil.
17 O verbo gozar no sentido usado por esta falante significa não ser a moça objeto de gozação pela galera, isto é, pelos grupos que estão a xingar com ofensas de desigual intensidade.

Notas de autor

1 Doutor em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa (2001). Professor Catedrático no Departamento de Sociologia da Universidade de Évora - Portugal. E-mail: josemenator@gmail.com.
2 Professor Assistente Convidado (Sociologia) na Universidade Nova de Lisboa. Doutorando em Sociologia na Universidade de Évora – Portugal. E-mail: carvalhoze10@hotmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): RESENDE, J. M.; CARVALHO, J. M. Os filhos de um deus menor: de arisco à chegada à acolhida pela philia. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 3, p. 615-634, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p615-634. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15957.

COMO CITAR (APA): Resende, J. M. & Carvalho, J. M. (2021). Os filhos de um deus menor: de arisco à chegada à acolhida pela philia. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(3), 615-634. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p615-634.

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