DOSSIÊ TEMÁTICO: "QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL"

A agenda do capital financeiro para a educação da América Latina em tempos de pandemia

The financial capital agenda for education in Latin America in pandemic times

La agenda de capital financiero para la educación en América Latina en tiempos de pandemia

Renata Spadetti Tuão 1
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil
Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa 2
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil

A agenda do capital financeiro para a educação da América Latina em tempos de pandemia

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 3, 2021

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2021 pelos Autores.

Recepción: 26 Febrero 2021

Aprobación: 19 Julio 2021

Resumo: O ano de 2020 foi marcado pela pandemia do Covid-19 que desencadeou políticas de contenção social. Na educação, tais políticas tiveram sua expressão no fechamento das instituições escolares. A organização do capital financeiro em torno da agenda da educação, no decorrer da pandemia, propôs um ajuste com importantes impactos sobre o trabalho realizado nas instituições escolares e, destacadamente, sobre o trabalho docente. Neste artigo, analisamos alguns elementos constitutivos dessa agenda, no período pandêmico, em sua correlação com as estratégias do capital financeiro em curso, desde a década de 1990. Convém compreender as faces da precarização do trabalho docente (SILVA; MOTTA, 2019), a partir da dimensão da responsabilização (EVANGELISTA, 2017) como estratégia de controle do capital financeiro. Direciona-se o trabalho para a análise dos documentos produzidos por duas agências do capital financeiro e as respectivas coalizões operadas pelas mesmas. Como traço de continuidade, percebeu-se que a agenda formulada pelo capital financeiro, no período da pandemia, tem estreita relação com a agenda da Educação para Todos e com os elementos produtores da precarização do trabalho docente.

Palavras-chave: Banco Interamericano de Desenvolvimento, Capital Financeiro, Pandemia de Covid-19, Agenda para Educação.

Abstract: The year 2020 was marked by the Covid-19 pandemic which triggered policies of social containment. In education, such policies resulted in the closure of school institutions. During the pandemic, the organization of financial capital around the Education agenda proposed an adjustment with important impacts on the work carried out in schools, especially, on the teaching work. In this article, we analyze some elements of this agenda in the pandemic period and regarding its correlation with the financial capital strategies since the 1990s. It is important to understand the faces of the precariousness of the teaching work (SILVA; MOTTA, 2019) from the accountability dimension (EVANGELISTA, 2017) as a strategy to control financial capital. The work is directed towards the analysis of documents produced by two financial capital agencies and the respective coalitions operated by them. As a continuity trait, the study showed that, during the pandemic period, the agenda formulated by financial capital has a close relationship with the Education for All agenda and with the elements that produce precarious teaching.

Keywords: Inter-American Development Bank, Financial Capital, Covid-19 pandemic, Education Agenda.

Resumen: El año 2020 estuvo marcado por la pandemia de Covid-19 que desencadenó políticas de contención social. En educación, estas políticas tuvieron su expresión en el cierre de instituciones escolares. La organización del capital financiero en torno a la agenda educativa, durante la pandemia, propuso un ajuste con importantes impactos en la labor que se realiza en las instituciones escolares y, especialmente, en la labor docente. En este artículo, analizamos algunos elementos que constituyen esta agenda en el período pandémico en su correlación con las estrategias de capital financiero en curso, desde la década de 1990. Es importante comprender los rostros de la precariedad del trabajo docente (SILVA; MOTTA, 2019), desde la dimensión de la rendición de cuentas (EVANGELISTA, 2017) como estrategia para controlar el capital financiero. El trabajo está dirigido al análisis de documentos elaborados por dos agencias de capital financiero y las respectivas coaliciones operadas por ellas. Como rasgo de continuidad, se notó que la agenda formulada por el capital financiero, durante el período pandémico, tiene una estrecha relación con la agenda de Educación para Todos y con los elementos que producen una enseñanza precaria.

Palabras clave: Banco Interamericano de Desarrollo, Capital Financiero, Pandemia de Covid-19, Agenda Educativa.

1 Introdução

O ano de 2020 foi marcado pelo início de uma crise sanitária provocada pela disseminação do vírus SARS-CoV-2 que se materializou em uma pandemia. A facilidade de dispersão e a letalidade do vírus levaram governos do mundo a adotar medidas protetivas que incluíram procedimentos de higiene e políticas de contenção social. Essas últimas, no entanto, foram flexibilizadas de acordo com a realidade econômica e social dos países. Na América Latina, as medidas de confinamento social foram atendidas em totalidade, apenas, em 50% dos países1, sendo Trinidad e Tobago o país no qual o confinamento social total permaneceu por maior tempo contabilizando dezesseis dias, seguido pela Colômbia com doze dias e pelo Paraguai com onze dias. Os demais países que anunciaram adesão total às políticas de confinamento social contabilizaram entre um e dez dias, sendo Haiti e Peru com um dia; Bolívia e El Salvador com dez dias. Barbados, Belize, Brasil, Chile, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Jamaica, México, República Dominicana, Suriname e Uruguai tiveram adesão parcial às políticas de confinamento social. A Nicarágua foi o único país que não aderiu ao confinamento social. Após quase um ano, os números são superlativos: 107.423.526 doentes e 2.360.280 mortos, no mundo, contabilizando a região das Américas, quase a metade dos casos, com 47.814.602 doentes e 1.120.144 mortes2.

No decorrer da pandemia, o fechamento das escolas foi um dos instrumentos de contenção da transmissão viral utilizado por governos de todo o mundo. A Coalizão Global da Educação (CGE), organizada pelo Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) em parceria com Banco Mundial (BM), Microsoft, Google, Facebook e Telefônica Foundation, entre outras organizações, avalia que cerca de 1,5 bilhão de estudantes, em 165 países, foram afetados por essa medida. De acordo com a CGE, mediada pelas orientações do capital financeiro3, o fechamento das escolas e a interrupção do ensino produziram um enorme prejuízo ao aprendizado, sobretudo dos estudantes considerados “mais vulneráveis”. Diante deste diagnóstico, o capital financeiro no campo internacional passou a recomendar aos governos nacionais e locais a retomada das atividades de ensino, através do formato remoto, pautando toda a dinâmica pedagógica, incluindo formação e apoio psicológico aos professores e às famílias. O capital financeiro, ao mesmo tempo, compreendia que tais recomendações somente poderiam se efetivar na medida em que os países ampliassem o acesso de professores e alunos à internet, orientaram, portanto, que os países apresentassem soluções para a questão da desigualdade do acesso à internet.

As referências do plano de retomada das atividades de ensino proposto pela CGE estão numa série de documentos publicados pelo BM e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). As agências do capital financeiro vêm demarcando, nestes documentos, a existência de uma profunda “crise de aprendizagem” nos países periféricos, como o Brasil, a qual se expressa num hiato entre aquilo que deveria ser apreendido e aquilo que, de fato, se apreende nas escolas. Neste sentido, o capital financeiro vem propondo um ajuste com importantes impactos sobre o trabalho realizado nas instituições escolares e, destacadamente, sobre o trabalho docente.

Neste artigo, apresentamos a problemática, a partir de um breve histórico das estratégias de controle do trabalho docente que vêm sendo utilizadas pelo capital financeiro, em âmbito internacional, muito antes da pandemia do Covid-19. Em seguida, nosso esforço se concentra na compreensão da agenda do capital financeiro para a educação, em tempos de pandemia, destacando a atuação da CGE como expressão das orientações organizadas pelo capital financeiro internacional.

2 O capital financeiro e as estratégias de controle sobre a educação

A educação pública na América Latina, nas últimas três décadas, tem sido reformada por um complexo movimento entre condicionamentos externos e estruturas econômicas, políticas e sociais internas dos Estados Nacionais. As políticas de empréstimo, desenvolvidas por organizações internacionais e direcionadas aos países no capitalismo dependente4, têm difundido condicionalidades pautadas em uma quantidade ampliada de pesquisas sobre a educação na América Latina que procuram justificar a necessidade de tais reformas, evidenciando o suposto “fracasso” dos sistemas de educação e direcionando as políticas necessárias à reorganização do Estado, da administração pública e das relações sociais. (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012; MELO; SOUZA; MELO, 2015; SANTOS, 2012). Esses estudos cumprem, ainda, algumas funções relevantes: legitimam as ideias-forças defendidas pela agenda reformista, propõem a naturalização das reformas políticas num sentido de desenvolvimento modernizador, invertem as responsabilidades pela produção das desigualdades e ocultam a essência das suas proposições (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012; MELO; SOUZA; MELO, 2015; SANTOS, 2012). Sob a ótica das reformas, coube aos países latino-americanos o investimento na formação de “recursos humanos”. De forma ampliada, as reformas compreenderam o redimensionamento da relação entre o Estado e a sociedade civil e a adequação da educação às demandas do mercado, reorganizando os sistemas educacionais. Compreendemos que as reformas educacionais operacionalizadas nos países da América Latina, partiram de diretrizes globais orientadas, sobretudo, pelo BM, BID e agências vinculadas à Organização das Nações Unidas (ONU).

No limiar do século XXI, as organizações internacionais aprofundaram sua inserção na construção da agenda política para a educação da classe trabalhadora. Criadas no período histórico do pós-guerra com o objetivo principal de contribuir para a atualização da democracia burguesa exigida pelo avanço imperialista, o BM e a ONU tiveram suas abordagens no campo educacional modificadas, no decorrer dos anos, de acordo com cada período histórico. Nas décadas de 1950 e 1960, possuíam uma abordagem explicitamente voltada para o crescimento econômico, a partir da difusão da Teoria do Capital Humano (TCH); nas décadas de 1960 e 1970, adotaram uma abordagem que interligava a promoção da educação em conjunto com a “equidade social”; sendo seguida, a partir dos anos 1990, pelo uso instrumental da educação como promotora do “alívio à pobreza” (KRAWCZYK; VIEIRA, 2012; MELO; SOUZA; MELO, 2015; SANTOS, 2012).

Cumprindo a função de organizadoras da democracia mundial e difusoras de uma determinada sociabilidade, o BM e a ONU, nos seus setenta e cinco anos de trabalho, estiveram à frente de inúmeras conferências internacionais, que reuniram representantes governamentais dos Estados nacionais, “ONGs” internacionais e representantes empresariais, produzindo declarações, convenções e planos de ação com diretrizes para a educação dos países no capitalismo dependente. O grande marco dessa confluência de interesses foi a Conferência Mundial sobre Educação Para Todos, que aconteceu em Jomtien, em 1990, onde foi apresentado o projeto de Educação para Todos, destinado aos países com alto índice de analfabetismo. Entramos no século XXI com a concretização de mais duas Conferências Mundiais sobre Educação para Todos: uma ocorrida no ano de 2000, em Dakar; e outra no ano de 2015, em Incheon. Da primeira, saiu o documento Educação para Todos: o compromisso de Dakar, com seis objetivos para concretização do projeto de Educação para Todos (1990) que deveriam ser alcançados até o ano de 2015. A segunda se apoiou nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) proposto pela UNESCO, no início do século XXI, que deverão ser materializados até o ano de 2030. Desse fórum, saiu o documento Declaração de Incheon com estratégias para a resolução dos “problemas” educacionais que, segundo seus organizadores, podem ser atenuados por políticas gerencialistas embasadas nas orientações do capital financeiro. Os documentos produzidos pelo conjunto dos organismos internacionais passaram a reafirmar as diretrizes da Carta de Jomtien, que tinham como recomendação central a reorganização dos sistemas educacionais, com foco na formação de trabalhadores adaptados aos requisitos exigidos pela reestruturação produtiva5 em curso.

As reformas educacionais iniciadas, a partir de 1990, foram o caminho escolhido para efetivação da governabilidade exigida pelo capital financeiro. Elas instituíram um novo modelo de organização e de gestão da educação pública na América Latina, sob o fetiche da modernidade e da democratização; instauraram um caráter homogeneizante no que tange à leitura das realidades dos “Estados nacionais”, assim como a proposição de estratégias que tentaram conferir uma padronização para a América Latina e Caribe; questionaram a educação formal como sistema, difundindo a ideia de rede e de fluxo de informações; trabalharam sob a retórica da descentralização e da redistribuição do poder, ampliando a participação das instituições financeiras na definição das políticas educacionais; e neutralizaram o contexto histórico, tornando obscura as condições objetivas de cada país para a materialização das reformas “planejadas”.

É possível observar uma inflexão na agenda para a educação dos países no capitalismo dependente, a partir da entrada no século XXI: as orientações que, de forma explícita traziam o caráter economicista em primeira ordem, passaram a conter conceitos voltados para um viés humanitário, delegando a segundo plano a face economicista das orientações. Passou a ser comum encontrar nos documentos conceitos como justiça social, equidade, coesão social, inclusão, empoderamento e oportunidade, denotando um ajuste nas proposições anteriores que trabalhavam, de forma mais aparente, conceitos do mundo empresarial como produtividade, qualidade, eficiência, eficácia e competitividade. A educação, além de ser usada como parte de um modelo de desenvolvimento, passou a ser usada como espaço de resolução dos problemas sociais da sociedade contemporânea, sobretudo no que tange às questões relativas à sobrevivência do indivíduo frente às desigualdades econômicas e sociais cada vez mais patentes.

Destacamos neste artigo, no campo internacional, a atuação de dois representantes do capital financeiro, por oferecerem a base material e intelectual para a implementação de projetos sobre a educação pública da América Latina e Caribe: em nível global, o Banco Mundial (BM); e em nível regional, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Assim como a CGE, criada pelo BM em conjunto com a UNESCO e plataformas digitais durante a pandemia de Covid-19. As duas primeiras organizações tiveram sua gerência sobre os países estabelecida no imediato pós-guerra, com a criação do BM, em 1944; e alguns anos depois, em 1959, com a criação do BID.

O BM foi criado, com o objetivo maior de organizar uma espécie de economia mundial única em conjunto com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sob a liderança majoritária da potência econômica mundial: os Estados Unidos da América (EUA) (HOBSBAWM, 1995). Segundo Ayerbe (2002), o crescente poderio econômico dos EUA não se traduziu de forma imediata como uma presença política marcante no cenário mundial. Além do que, o líder do “mundo novo” precisava de uma aparência democrática para se consolidar politicamente, diante da ascensão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como potência socialista. A criação do BM se consolidou como uma estratégia, pelas vias da democracia burguesa, de controle sobre os países de capitalismo dependente, que se materializou, sobretudo, no movimento de coação entre empréstimos concedidos e exigência de condicionalidades.

De acordo com Pereira (2018), o Banco Mundial atua, pelo menos, em seis dimensões: na integração à infraestrutura de poder global organizada pela política externa dos EUA; na relação com os Estados-clientes a partir da coerção e da persuasão; na construção do consenso, a partir das suas recomendações e condicionalidades; na combinação entre a concessão de empréstimos e a assistência técnica para a definição das políticas públicas; na construção da sua legitimidade enquanto referência intelectual; e no trato com às questões referentes ao “alívio” da pobreza.

O BID é considerado o maior banco de desenvolvimento regional do globo. O ano de criação do BID também foi o ano em que o grupo liderado por Fidel Castro tomou o poder em Cuba, materializando o processo de revolução iniciado nos anos anteriores. Como determinantes sócio-históricos que vão demarcar a criação do BID, destacamos: a preocupação com o avanço do comunismo na região, como desdobramento da Revolução Russa (1917) e da Revolução Cubana (1959); a contenção da insatisfação da população latino-americana deflagrada pela profunda desigualdade econômica e social; os desencadeamentos impostos pela crise capitalista de 1929; a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a implementação do Pacto de Varsóvia; e a suplementação de capital aos países em processo de industrialização, com estreita ligação com a Operação Pan-americana e a Aliança para o Progresso.

Tanto o BM, quanto o BID, possuem na sua estrutura organizacional setores específicos que atuam na proposição de políticas para a educação. Essa constatação, no entanto, não pode ser considerada natural, o que teria um banco a contribuir para a educação de um país? Que concepção de educação poderia formular um representante do capital financeiro? Qual o sentido de um banco formular políticas para a educação dos países no capitalismo dependente? Para este artigo, nos concentramos na responsabilização docente como uma dimensão fundamental do controle do capital financeiro sobre a educação pública. Nossa hipótese é de que essa dimensão está presente nas formulações desenvolvidas por essas organizações, para a educação dos países no capitalismo dependente, e compõe os princípios basilares das políticas neoliberais para a educação.

O conceito de responsabilização se relaciona com o termo empresarial accountability6 e tem sido utilizado com maior ênfase nos últimos anos como expressão das políticas gerencialistas propostas no conjunto das reformas neoliberais. Seu uso na educação tem sido aprofundado, nos últimos trinta anos, no bojo da reforma educacional, que passa a ser acrescido da palavra docente, indicando claramente o trabalhador sobre o qual o controle será direcionado. De acordo com Souza (2017), os desdobramentos para o trabalho docente se materializam em um estado de alienação/estranhamento, intensificação e sofrimento. Essa dimensão encontra-se expressa no interior dos países em diversas políticas públicas para a educação. No Brasil, destacamos o Plano de Desenvolvimento da Educação7 (PDE) (BRASIL, 2007) que marcou a articulação entre o movimento empresarial Todos Pela Educação (TPE) e o governo Lula da Silva. O PDE (BRASIL, 2007) implementou políticas de gestão no interior das escolas públicas, pautadas na racionalidade técnica e financeira nos moldes empresariais. Como parte da reforma do Estado em curso, o gerencialismo na educação vem sendo implementado com vistas à dimensão da responsabilização no processo de implementação das políticas de resultados na educação. Compreendemos que essa dimensão faz parte do movimento de atualização das estratégias de dominação do capital sobre a educação pública em tempos de neoliberalismo e está atrelada ao processo de desresponsabilização do Estado pela educação promovido pelo capital.

A dimensão da responsabilização incide sobre o trabalho docente, a partir de políticas de gestão, financiamento e avaliação. O professor é responsabilizado pelo “fracasso” do aluno, da sua formação e da escola pública. Santos (2012) pondera que esse “fracasso” foi produzido pelo capital quando instaurou na educação o “novo tecnicismo de mercado”, reduzindo a ação pedagógica à produção da força de trabalho enquanto mercadoria. Segundo Santos (2012), “produziu-se uma escola ‘fracassada’ para, em seguida, apresentar-se a solução: sua mercantilização” (SANTOS, 2012, p. 9). A autora (2012) elenca como condicionantes desse processo o ataque às práticas “conteudistas” e as políticas populistas que produziram uma escola que não ensina. Acrescemos a estes condicionantes, a desvalorização da ciência e a quase inexistência de políticas de financiamento capazes de suprir as necessidades da escolarização. Os mesmos setores que produziram o fracasso da escola propõem a salvação dessa escola. A esse fenômeno, Santos (2012) nomeou de sequestro da escola:

[…] foi o “crime perfeito”: inicialmente, os setores hegemônicos, capitalizando o anseio de democratização, canalizam-no para uma escola que não ensina nada a ninguém, onde ninguém aprende nada. Logo em seguida, exatamente esses setores, os mesmos que instilaram o “veneno”, propõem a salvação dessa escola que destruíram. E sequestram a escola. Conexo a este sequestro, sequestra-se também a função política emancipatória e crítica da escola, sequestra-se o trabalho docente de suas margens de autonomia, sequestra-se o processo pedagógico de sua contextualização. (SANTOS, 2012, p. 16).

A dimensão da responsabilização docente encontra-se atrelada à pedagogia dos resultados, produzindo alguns desdobramentos para o exercício da docência que se configuram no controle do trabalho docente, na fragmentação entre execução e concepção da ação pedagógica, na subordinação da carreira docente aos critérios de “mérito” produzidos pelo mercado, na redução da autonomia do professor, no aumento de mecanismos burocráticos de trabalho e na fragmentação dos espaços de organização docente. Segundo Evangelista (2017), “no meio das inúmeras responsabilizações atribuídas ao professor uma é central para os interesses capitalistas: o desemprego futuro do aluno se deverá ao não investimento do professor em seu trabalho presente” (EVANGELISTA, 2017, p. 9). Essa justificativa utilizada pelo capital escamoteia as relações de exploração demandadas pelas transformações no mundo do trabalho para dar conta da flexibilização da acumulação. Ao responsabilizar o professor, retira-se a responsabilidade do modo de produção, do Estado, em seu sentido estrito, e a inverte concentrando-a no próprio indivíduo. Essa construção, segundo Evangelista (2017), encontra-se atrelada à difusão da ideologia do “empoderamento” docente que:

imputa as condições de existência da população brasileira ao professor; os problemas sociais e econômicos não derivam das negociações da burguesia interna, ao sabor dos interesses de suas várias frações, com o Capital internacional; não derivam de suas opções econômicas e políticas. Derivam do fato de que o professor não é responsabilizado por sua formação, pelo investimento em sala de aula, pelo empenho na aprendizagem do aluno, pelo interesse na mudança de conteúdos e métodos pedagógicos, pelo respeito às tecnologias. Se os problemas socioeconômicos nascem no campo da educação, se nele devem encontrar a solução, se o professor – embora responsabilizado – não tem competência para tal solução, temos aqui um falso dilema, consequência do movimento ideológico burguês dominante. (EVANGELISTA, 2017, p. 10).

Consideramos a ideologia do “empoderamento” docente uma justificativa que possui relação direta com a estratégia da responsabilização docente utilizada nos projetos políticos operados pela classe dominante. As ideias que dominam uma certa época histórica são as ideias da classe dominante, estruturadas a partir das relações sociais de produção (MARX, 2007), e que, portanto, as relações sociais dominantes são expressas nas ideias difundidas por aqueles que dominam com o objetivo claro de manter a dominação. Operar a dimensão da responsabilização docente pelo “fracasso” da educação, significa operar na esfera da competência, da individualização e do mérito, o que contribui diretamente para o aumento do adoecimento docente como consequência de uma educação que tem o mercado como seu regulador (SANTOS, 2012).

A dimensão da responsabilização docente encontra-se presente nas orientações produzidas pelas organizações internacionais e nas políticas encaminhadas nos países da América Latina durante a pandemia de Covid-19. Na próxima seção, trazemos alguns elementos constitutivos da agenda para a educação formulada pelo capital financeiro, em âmbito internacional, no período inicial da política de fechamento das instituições escolares na América Latina e Caribe, na qual a dimensão da responsabilização docente aparece como uma questão central para o seu desenvolvimento.

3 A agenda do capital financeiro internacional para a educação na pandemia

Poucos dias depois que a política de fechamento das escolas teve início, o BM e o BID publicaram documentos propondo orientações sobre como os países dependentes deveriam tratar as questões relativas à educação em tempos de pandemia. Neste artigo optamos por trabalhar com o documento: “Políticas Educacionais na Pandemia do Covid-19: o que o Brasil pode aprender com o resto mundo?” (BANCO MUNDIAL, 2020), publicado pelo Banco Mundial, em 25 de março de 2020 e difundido no Brasil pelo Instituto Ayrton Senna. E com três produções do BID publicadas no Blog "Focus on Education”, são elas: “Escola e o Coronavírus: três desafios urgentes e uma transformação necessária” (CABROL, 2020), de 19 de março de 2020; “Fechamento de Escolas: o desafio que o Covid-19 impôs aos sistemas de ensino da América Latina e Caribe” (VÁSQUEZ, M. et al, 2020), de 09 de abril de 2020; e “Ensinar em casa: a oportunidade oferecida pela tecnologia” (LENIS, 2020), de 30 de abril de 2020. A escolha por essas produções foi motivada pela temporalidade, uma vez que nos interessava, num primeiro momento, captar o movimento inicial dessas instituições em relação à política de fechamento das escolas.

Uma orientação comum às duas organizações, no período da pandemia, foi a introdução da Educação à Distância nos Sistemas de Ensino em substituição ao ensino na modalidade presencial. No documento produzido pelo Banco Mundial (BANCO MUNDIAL, 2020), já se apontava a permanência dessa modalidade como política para o período pós-pandemia. O BID (CABROL, 2020) propôs, inclusive, uma nova pedagogia, a “Pedagogia à Distância” afirmando que a educação não tirava proveito do “potencial transformador da tecnologia” e que a pandemia era o momento oportuno para que a tecnologia fosse introduzida na educação de forma definitiva (CABROL, 2020).

Como desdobramento dessa formulação, o BID desenvolveu, no ano de 2020, alguns projetos que tiveram como fundamento central a inserção das tecnologias da informação e comunicação na educação de forma permanente, por meio do formato híbrido. Destacamos o projeto “Enfrentando al COVID.19: Continuidad en el Proceso de Enseñanza y Aprendizaje y Transformación Digital” (BID, 2020b), iniciado em maio de 2020, no qual o BID investiu, em torno de duzentos e cinquenta mil dólares, na construção de um Sistema de Informação e Gestão Educativa para os países da América Latina, que, segundo o BID (2020b), possuem um atraso na inserção das tecnologias da informação e comunicação no setor educacional. A proposta tem como justificativa a quantidade mínima de países que contam com plataformas de conteúdos e com sistemas de gestão da aprendizagem. Atualmente, somente o Uruguai conta com plataformas digitais com conteúdo escolar e monitoramento da aprendizagem dos estudantes. A orientação expressa nesse projeto se voltou para o desenho de uma estratégia nacional de educação digital para o período posterior à pandemia, adequando o desenho do ensino presencial ao formato híbrido.

O BID (CABROL, 2020) trouxe como exemplo de “Boas Práticas” o caso da China que com o fechamento das suas escolas iniciou o ano letivo, de forma imediata, por meio de aulas on-line. Em seguida, o BID (CABROL, 2020) descreveu de que maneira a China conseguiu iniciar, imediatamente, o ano letivo: “a indústria reagiu de forma surpreendentemente rápida: em 2 de fevereiro, 22 plataformas digitais começaram a oferecer mais de 24.000 cursos on-line, incluindo 401 cursos experimentais de simulação virtual” (CABROL, 2020). A educação passou a ser organizada a partir das “indústrias”, ou seja, das empresas de serviços digitais. Otto Peters, primeiro reitor da Universidade à Distância da Alemanha, considerado referência nos estudos sobre EAD no mundo (NUNES, 1992) conceituou a EAD, de forma dialógica com o sentido conferido pelo capital financeiro:

Educação/Ensino à Distância é um método racional de partilhar conhecimento, habilidades e atitudes, através da aplicação da divisão do trabalho e de princípios organizacionais, tanto quanto pelo uso extensivo de meios de comunicação, especialmente para o propósito de reproduzir materiais técnicos de alta qualidade, os quais tornam possível instruir um grande número de estudantes ao mesmo tempo, enquanto esses materiais durarem. É uma forma industrializada de ensinar e aprender. (PETERS, 1973 apud NUNES, 1992, p. 12, grifos nossos).

Entendemos, portanto, que a entrada das tecnologias de comunicação e informação como conteúdo e forma de pensar a educação é uma maneira de industrializar a forma de ensinar e aprender, promovendo o que estamos chamando de “industrialização” da estrutura pedagógico-organizacional. Historicamente, a introdução da industrialização das técnicas de trabalho trouxe muitas alterações nos modos de trabalho e vida do trabalhador: a escassez de emprego; o adoecimento da população por conta das condições de trabalho; a sujeição à superexploração do trabalho; a retirada de direitos em nome do aprofundamento da acumulação; e o aprofundamento, cada vez maior, das desigualdades sociais. Os efeitos sobre a educação que o processo de “industrialização” da estrutura pedagógico-organizacional da educação pode apresentar vêm se aprofundando no decorrer da pandemia na América Latina.

No ano de 2020, a “industrialização” da estrutura pedagógico-organizacional da educação se deu a partir da introdução de diferentes formatos para a modalidade da Educação à Distância. Assumimos, neste estudo, o entendimento de que essas variantes representam a generalização da imposição de formas ainda mais precarizadas e problemáticas da modalidade de EaD. Compreendemos que o chamado “Ensino Remoto” tem se configurado como a introdução racionalizada das tecnologias de informação e comunicação na estrutura pedagógico-organizacional da educação como uma forma industrializada de repassar conteúdo escolar.

Na América Latina, o Ensino Remoto tem sido organizado de modos diferentes, de acordo com o estágio em que a inserção das tecnologias na Educação se apresenta em cada país. Identificamos que os principais meios de adequação do ensino presencial à modalidade à Distância têm se estruturado a partir da compra de serviços de plataformas digitais e aplicativos; da imposição ao docente e à escola do uso de suas redes sociais privadas para o trabalho; da realização de aulas por meio do uso da televisão e do rádio, com concessões públicas ou com a compra de tempo em redes de televisão privadas; e da entrega de atividades impressas. Essas últimas direcionadas, sobretudo, aos sistemas de ensino com dificuldade ou privados do acesso à internet.

A difusão desta agenda de adequação da educação frente ao fechamento das escolas na pandemia teve na organização CGE, a expressão da centralização de sujeitos coletivos, representantes do capital financeiro internacional, em prol da inserção das tecnologias de informação e comunicação na educação. A CGE, organizada pela UNESCO em parceria com o BM, Microsoft, Google, Facebook e Telefônica Foundation, entre outras organizações, difundiu em todo o período da pandemia uma agenda de orientações para a normalização do ensino nos sistemas de educação alinhada às orientações do capital financeiro internacional. A CGE apresentou em seus materiais um amplo conjunto de “tecnologias educacionais”, produzido pelas corporações que são membros da coalizão (Microsoft, Google, Facebook, entre outros). Essas “tecnologias educacionais” são apresentadas como “soluções” diante da “crise de aprendizagem”, catalisada na pandemia.

A estratégia da CGE neste período foi organizar comitês locais nos países, tendo em vista a necessidade de articulação em diferentes níveis (governo, conselhos e sociedade civil empresarial) com o objetivo de dirigir as políticas educacionais. No Brasil, o comitê local foi organizado por uma coalizão liderada pelo TPE em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o Conselho Nacional de Educação (CNE). O comitê brasileiro da CGE realizou dois Webinários com a participação do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (FNCE), secretários e ex-secretários de educação de diversas regiões do Brasil, como Cláudia Costin que hoje representa a Fundação Getúlio Vargas (FGV), além de representantes do BM e da UNESCO. Nesse fórum foram elaboradas duas notas técnicas que serviram de referência para as decisões do CNE e do próprio Ministério da Educação e Cultura (MEC). A primeira nota técnica identifica a preocupação com a queda nos índices de aprendizagem e encaminhou uma agenda de ações para minimizar as consequências do fechamento das escolas, tendo como eixo a normalização do ensino pela via do “Ensino Remoto Emergencial”. As mesmas diretrizes foram repetidas, dias após a realização dos Webinários do comitê local da CGE, no parecer do CNE que desobrigou o cumprimento dos 200 dias letivos, manteve as 800 horas de ensino para a Educação Básica com o expediente do “ensino remoto”.

A CGE, como expressão das proposições do capital financeiro, reconheceu que as desigualdades sociais presentes nos países da América Latina e, particularmente, no Brasil foram fatores importantes na diferenciação ao acesso à educação. Seguindo as propostas do BM e do BID, a CGE propôs algumas possibilidades de ação que poderiam “aliviar” a falta de estrutura e construir um modelo rápido de educação: a manutenção do vínculo aluno-professor e da família-escola; a entrega de conteúdo alinhado ao currículo escolar; e o acompanhamento e monitoramento, pelo docente, do processo de aprendizagem (VÁSQUEZ et al.,2020). Essas três estratégias possuem como elemento comum a responsabilização docente. Cabe ao professor, segundo esses documentos, a materialização do “Ensino Remoto” na educação pública. As três estratégias pressupõem que esses alunos e esses professores possuem os meios para realizar tais tarefas. Também, pressupõem que professores provejam os meios para a realização do seu próprio trabalho. No entanto, a realidade concreta aponta que nem todos os professores, tampouco os alunos em sua totalidade possuem os meios para a realização dessas tarefas. Mostra inclusive, que assim que o isolamento social foi decretado, os docentes que não foram demitidos, tiveram reduções salariais inversamente relacionadas ao aumento do tempo de trabalho e de alunos por turma. Mas, afinal, no contexto da pandemia, qual o significado da manutenção do vínculo aluno-professor? O que significa “entregar conteúdo alinhado ao currículo escolar”? Como pode ser realizada uma educação, no sentido do desenvolvimento integral do educando, sem a participação efetiva e presencial do professor?

Entendemos que a manutenção do “vínculo entre aluno-professor” vem sendo utilizada com o objetivo de colocar nas mãos do professor a responsabilidade pela não evasão escolar e pela transição da educação presencial para a educação on-line. A agenda do capital financeiro, difundida pela CGE, colocou a responsabilidade na escola/docente, usando como justificativa ora o desinteresse do aluno diante do conteúdo escolar na difusão dos saberes historicamente construídos; ora a metodologia “arcaica” adotada pelo docente que não introduz as tecnologias da informação e comunicação na sua prática pedagógica. Compreendemos, no entanto, que a evasão escolar é reflexo das condições degradantes a que estão submetidos os filhos da classe trabalhadora que precisam trabalhar para ajudar as famílias e que sentem na pele a relação inexistente entre formação e possibilidade de trabalho.

A CGE indicou aos professores, a utilização das redes sociais como forma de oferecer apoio pedagógico e psicológico aos pais e responsáveis. O professor deveria, além de garantir o ensino do aluno, realizar mais duas funções: treinamento pedagógico e análise psicológica, para estar “apto” a operacionalizar a transição do ensino presencial para a modalidade EAD, “engajando” os alunos nas plataformas. No Peru, por exemplo, foi criada a plataforma Aprendo en casa (PERU, 2020) que ofereceu formação para os professores prenderem a atenção dos alunos nos momentos da videoaula. Cabe ressaltar aqui a invasão do tempo do trabalho na vida privada, uma vez que esse aumento de função se pauta num estado permanente de disponibilidade do docente, aprofundando ainda mais a superexploração do capital.

A questão se aprofunda um pouco mais quando os documentos apontam que cabe ao docente a “entrega” dos conteúdos escolares ao aluno. Que tipo de relação de ensino-aprendizagem se pauta na mera “entrega de conteúdo”? É possível, dessa forma, que se materialize a relação de ensino-aprendizagem? Quem vai produzir esses materiais de ensino? O primeiro elemento que levantamos é a forma pragmática como o capital define o processo de aprendizagem para os filhos da classe trabalhadora: redução de todo o conhecimento pedagógico do trabalho docente à função prática. Isso denuncia a separação entre teoria e prática presente desde a formação do professor e o consequente esvaziamento do trabalho de “pensar a educação”. Se o professor não puder refletir sobre a sua prática, seja pela ausência da práxis nos cursos de formação, seja pela coerção financeira que o obriga a trabalhar em diversas escolas, mais facilmente será a introdução de pacotes educacionais com o conteúdo “pronta entrega”.

A concepção do “professor-entregador” descortina uma profunda radicalização da precariedade das condições de trabalho docente na atualidade. No Brasil esse processo, denominado por Silva e Motta (2019) como “uberização do trabalho docente”, tem se agravado com a expansão do precariado professoral8. No país, cerca de 50% das redes públicas estaduais, segundo levantamento realizado por Thayse Gomes (2017), tiveram um número maior de professores contratados em regime temporário do que professores concursados para cargos efetivos. Isto ocorreu em diversos Estados, como Espírito Santo (73%), Minas Gerais (57%), Alagoas (82%), Mato Grosso (64%), Acre (64%), Piauí (64%), Ceará (58%), Pernambuco (50%), Santa Catarina (55%), Mato Grosso do Sul (64%), tendo ainda duas redes estaduais com números superiores a 40% de professores contratados: Roraima (47%) e Tocantins (45%). Segundo ambas as pesquisadoras, esses professores são a parte da categoria dos docentes exposta aos processos de subsunção do trabalho intelectual a uma espécie de tecnicismo que reduz, quando não retira, o potencial criativo e autoral de sua atividade.

Outro elemento articulado a esse processo volta-se para o crescimento das Edetchs. Segundo o Centro de Inovação da Educação Brasileira (CIEB), mais de mil redes públicas de ensino realizaram o ensino remoto por alguma estratégia: transmissão de videoaula, plataformas on-line, tutoria/chat, orientações genéricas via redes sociais, na maioria das vezes, por meio de recursos tecnológicos privados. De acordo com o CIEB e a Associação Brasileira de Startups (AbStartups), por meio do relatório Mapeamento Edtech 2019 – investigação sobre as startups de tecnologia educacional no Brasil, o mercado de Edtechs, em 2019, era formado por 449 Startups Edtechs ativas no Brasil – sendo 70,6% produtoras de serviços para o ensino básico. Em 2020, a perspectiva é que tenha existido um crescimento exponencial da participação dessas empresas na educação brasileira.

As Startups Edtechs estão divididas em dois grandes grupos, organizados a partir dos “Recursos Educacionais Digitais” (REDs): as Edtechs que ofertam software e as Edtechs que ofertam hardware. Ainda existem as Edtechs que, além de recursos educacionais, ofertam serviços relacionados à tecnologia educacional. As Edtechs que oferecem software se dividem em unidades que produzem conteúdo, referindo-se àquelas que desenvolvem mídias interativas (ou não) utilizadas com propósito pedagógico; ferramentas, quando criam tecnologias que instrumentalizam a escola ou a rede de ensino em um processo específico; e plataformas, ao desenvolverem sistemas que articulam ferramentas de forma coordenada e transversal. Estas Edtechs se subdividem em dezessete grupos de “Recursos Educacionais Digitais”. As Edtechs que oferecem hardware possuem um propósito educacional bem definido e têm seus serviços organizados em ferramenta maker e hardware educacional.

A expansão das Edtechs na educação vem ocorrendo no mesmo processo histórico da formação daquilo que Shoshana Zuboff (2015) denominou como capitalismo de vigilância. Esse processo se caracteriza, por um lado, no poder que as corporações que dominam a tecnologia da “big data” desenvolveram e, por outro, na capacidade de mensuração de dados de usuários que passa a ser vendida no mercado para outras grandes corporações, possibilitando a decodificação de comportamentos que passam a ser monetizados numa ordem de valores gigantesca. Em reportagem realizada em junho de 2020 (AUDI; ZAMBARDA, 2020), com a chamada “Escola com Partido: aulas online obrigam milhões de alunos a usar app de empresa obscura que criou TV Bolsonaro”, o site The Intercept Brasil (AUDI; ZAMBARDA, 2020) denunciou a estratégia de captação de dados9 de aproximadamente 7,1 milhões de alunos e professores nos Estados de São Paulo, Paraná, Amazonas e Pará, utilizada pela empresa IP.TV, com sede na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. A empresa IP.TV não desenvolvia nenhum trabalho voltado para a educação em meios digitais até o início da pandemia e a ela foi atribuída participação na produção de fake news durante a campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. Aos estudantes do Amazonas e Pará, entre quatro e dezessete anos de idade, além das videoaulas, é oferecido conteúdo da TV Bolsonaro. Já para os alunos de São Paulo e Paraná a empresa IP.TV desenvolveu aplicativos específicos voltados para conteúdos didáticos, sem a oferta da TV Bolsonaro. Os governos desses Estados não conseguiram explicar o motivo pelo qual uma empresa com essas características tornou-se parte dos sistemas de ensino.

A adesão de redes de ensino às plataformas digitais ofertadas pelas Edtechs, sejam elas grandes corporações ou Startups, tem inserido milhões de estudantes e trabalhadores da educação nessa economia comportamental, em “parcerias” entre as corporações e a administração pública envolvendo a contratação de serviços pagos ou Recursos Educacionais Abertos (REAs). De acordo com a UNESCO, os REAs referem-se a “qualquer recurso educacional […] disponível abertamente para uso por educadores e alunos, sem a necessidade de pagar direitos autorais ou taxas de licença” (BUTCHER, 2011, p. 5). Butcher (2011) define os REAs considerando os seguintes elementos:

  1. - a oportunidade de aprendizado deve ser para a vida toda e deve englobar educação e treinamento;

  2. - o processo de aprendizado deve ser centrado nos alunos, partindo da sua experiência e estimulando o pensamento crítico e independente;

  3. - o ensino deve ser ministrado de forma flexível para que os alunos possam escolher cada vez mais onde, quando, o que e como aprendem, bem como o seu ritmo de aprendizado;

  4. - o conhecimento, experiências prévias e habilidades demonstradas devem ser

  5. - reconhecidos de modo que os alunos não sejam desnecessariamente excluídos de oportunidades de aprendizado por não terem as devidas qualificações;

  6. - alunos devem poder reunir créditos de diferentes contextos de aprendizado;

  7. - provedores devem criar condições para garantir uma probabilidade justa de sucesso do aluno. (BUTCHER, 2011, p. 6).

Nota-se com isso, o comprometimento dos REAs com as diretrizes da Educação para Todos (EPT), desde 1990. Os fundamentos dos REAs encontram-se ligados às teorias educacionais neoprodutivistas expressas em vários documentos, mas sobretudo no Relatório “Educação: um tesouro a descobrir”, produzido por Jacques Delors (1996). Pautado nas transformações impostas pela reestruturação produtiva, impõe para educação dos países periféricos um movimento de adaptação constante do indivíduo ao mundo do trabalho, estimulando o mercado das certificações e a contínua responsabilização do docente pela sua condição de excluído. Os REAS também permitem que o conhecimento produzido pelo docente seja utilizado por outras pessoas sem a necessidade de solicitação de licença para uso.

Compreendemos que, durante a pandemia, a dimensão da responsabilização docente esteve presente nos documentos analisados e nas políticas de Ensino Remoto propostas pela agenda de reformas. Representando a continuidade de uma dimensão presente nas políticas gerencialistas que se pautam na pedagogia dos resultados, realizada na região desde os anos 1990. A responsabilização do professor tem como componentes ideológicos a inversão entre a função do professor e a função do Estado na condução, manutenção e “salvamento” da educação pública; o ocultamento das condições objetivas e materiais produzidas pelas políticas gerencialistas para a educação; a naturalização do docente como o único responsável pela concretização da educação pública; a justificativa para a degradação das condições reais de emprego aos estudantes, a partir da escolarização; e a consolidação dos interesses particulares da burguesia, representados pela mercantilização da educação, como se fossem interesses universais.

4 Considerações finais

A reforma da educação proposta pelo capital financeiro, em plena pandemia, teve na adequação do ensino presencial, pela via da educação on-line, sua principal estratégia. Na agenda proposta por esses sujeitos coletivos a educação é entendida como mais um investimento, ou seja, uma mercadoria capaz de produzir mais capital, por um lado, e assegurar políticas focalizadas na pobreza, por outro. Diante dessa construção, as políticas para a educação têm como dimensão a responsabilização docente que nos documentos e estratégias encontra-se invertida ou oculta, de modo que o leitor mais inexperiente não consiga identificá-la sem uma análise aprofundada do documento.

Identificamos nos documentos analisados a presença da responsabilização docente como propostas produzidas pelo BM e pelo BID. Concluímos que a dominação sobre a educação pública, em contínua expansão mesmo antes da pandemia, vem sendo desenvolvida de forma organizada e sistematizada, perpassando o controle da formação, da profissão docente e da luta dos profissionais da educação. Compreendemos que ambos, BM e BID, têm tentado justificar as dimensões da privatização, sob o comovente disfarce da defesa do direito à educação das crianças “vulneráveis”. A Educação como mercado está sujeita às suas próprias leis de concorrência. O aluno, ao ser transformado em “cliente”, é cobrado a se adequar aos diferentes padrões de qualidade que o mercado educacional pode oferecer. Prepara-se o fim de qualquer perspectiva universalista, pública e democrática.

As formulações do BM e do BID não são propostas desinteressadas. Elas beneficiam as corporações privadas a partir do que eles vêm chamando de política de inovação. Essas propostas se traduzem na alienação do trabalho docente, na transformação de professores em entregadores e na entrega de um conhecimento produzido fora do ambiente escolar, além da imputação de responsabilidade pelo fracasso numa falta de preparação dos docentes para a “inovação”. Essas propostas ratificam a responsabilização docente, uma vez que, reafirmam que se o “direito à educação” não está acontecendo, é responsabilidade do professor fazê-lo acontecer, mesmo com o salário reduzido, mesmo sem horário de planejamento, mesmo com o aumento de alunos por turma.

A pandemia tem sido vista como uma janela de oportunidades para os negócios corporativos, seja dos bancos, “big datas” ou Edtechs. A partir da venda de plataformas e produtos, os novos sujeitos da educação transformam o caráter social e educacional da escola e do trabalho docente em um serviço. As graves consequências para a perda de direitos trabalhistas e de postos de trabalho com a diminuição de salários e o aumento da concorrência entre trabalhadores – estratégia antiga de desorganização da classe – ainda serão sentidas nos próximos anos. Para o movimento dos trabalhadores da educação, o tempo e o espaço do Ensino Remoto alimentam a fragmentação e o individualismo. Essas políticas são a materialização da superexploração do trabalho docente que acarretam, além de todo o exposto, o aumento das doenças físicas e psicológicas derivadas do trabalho intermitente, irregular, provisório e outras categorias que afetam essa nova fração do “precariado”.

Referências

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ZUBOFF, S. A era do capitalismo de vigilância. São Paulo: Intrínseca, 2015.

Notas

1 BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO. Del confinamiento a la reapertura: Consideraciones estratégicas para el reinicio de las actividades en América Latina y el Caribe en el marco de la Covid-19. Washington: BID, 2020.
2 Dados informados pela Organização Panamericana da Saúde (OPAS) em conjunto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 23 fev. 2021.
3 No que tange ao conceito de capital financeiro, utilizamos a definição desenvolvida por Lênin, a partir da obra de Hilferding, no qual discorre sobre as diferentes formas de capitais integrados, em escala mundial, evidenciando a fusão entre capital bancário e capital industrial e seus impactos na dinâmica da acumulação capitalista (LENIN, 2012).
4 Partimos do conceito de dependência como categoria analítico-explicativa acerca das formas e dos sentidos do desenvolvimento do capitalismo, na contemporaneidade, nas regiões periféricas. Não se trata, portanto, do uso do conceito como um fenômeno externo e coercitivo, assim como a ciência burguesa buscou encontrar na categoria da dependência, a fim de justificar sua dominação. Pelo contrário, nos interessa o movimento condicionante das relações de dependência entre países de capitalismo central e países de capitalismo periférico que conformam estruturas econômicas, políticas e sociais dependentes (BAMBIRRA, 2019).
5 De acordo com Hobsbawm (1995), a restruturação produtiva consiste na reorganização dos processos de produção, ocorrida pós-segunda guerra mundial, a partir do desenvolvimento das tecnologias e modos de organização do trabalho, que determinaram novas conformações na divisão internacional do trabalho incidindo, diretamente, sobre as relações entre capital e trabalho (HOBSBAWM, 1995).
6 O conceito de accountability vem sendo utilizado na literatura nacional para a identificação das diretrizes adotadas pelos Estados na gestão pública, em especial, no âmbito da educação. No entanto, não há consenso em relação a sua definição. De acordo com Pinho e Sacramento (2009), a palavra accountability traz, implicitamente, a ideia de responsabilização pessoal pelos atos praticados e, explicitamente, a exigência da prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado. O conceito de accountability vem sendo adotado no Brasil com o sentido de responsabilidade, responsabilização e prestação de contas, embora esses termos não sejam traduções literais da palavra em inglês. Schedler (1999 apudSOUZA, 2017) destaca que o termo accountability conta com três dimensões estruturantes identificadas como informação, justificação e imposição ou sanção. O termo também implica uma dimensão impositiva, coercitiva ou sancionatória.
7 O Plano de Desenvolvimento da Educação foi promulgado pelo Decreto nº 6.094, de 2007, que dispõe sobre o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação e delineou a política educacional no país no governo Lula da Silva.
8 O conceito de precariado professoral, cunhado por Silva e Motta (2019), se refere ao conjunto de professores submetidos a relações de trabalho definidas pelo tempo indeterminado e intermitente.
9 A reportagem do site The Intercept informou que para que estudantes consigam ter acesso às aulas é preciso realizar cadastro e instalar os aplicativos, onde se autoriza o acesso a dados tão pessoais como o álbum de fotos do celular e de conexão de rede wi-fi. Disponível em: https://theintercept.com/2020/06/15/app-empresa-tv-bolsonaro-aulas-online-pandemia. Acesso em: 24 fev. 2021.

Notas de autor

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFFRJ) - Seropédica/RJ - Brasil. E-mail: spatuao@hotmail.com.
2 Doutor em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Adjunto do Departamento Educação e Sociedade (DES) e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) - Seropédica/RJ - Brasil. E-mail: rodrigo1281@yahoo.com.br.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): TUÃO, RENATA S.; LAMOSA, R. A. C. A agenda do capital financeiro para a educação da América Latina em tempos de pandemia. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 3, p. 756-772, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p756-772. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15963.

COMO CITAR (APA): Tuão, Renata S. & Lamosa, R. A. C. (2021). A agenda do capital financeiro para a educação da América Latina em tempos de pandemia. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(3), 756-772. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p756-772.

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