DOSSIÊ TEMÁTICO: "QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL"
Técnico ou graduado? A formação do jovem no ensino médio técnico profissionalizante
Technicians or undergraduates? The formation of young people in vocational technical high schools
¿Técnico o licenciado? La formación de los jóvenes en la educación secundaria técnica profesional
Técnico ou graduado? A formação do jovem no ensino médio técnico profissionalizante
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 3, 2021
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 30 Marzo 2021
Aprobación: 02 Julio 2021
Resumo: A leitura da chamada sociologia clássica (Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx) pode ser reveladora da função do ensino na sociedade capitalista, em especial em termos das reflexões teóricas e práticas sobre a relação educação e trabalho. Este trabalho faz um convite à releitura desses teóricos, principalmente a da corrente de pensamento weberiana: visão educacional de Max Weber e Karl Mannheim. O objetivo é o debate e a pesquisa sobre a educação e trabalho e a possibilidade de mobilidade social de classes sociais periféricas e a construção de sua identidade profissional. Essas reflexões foram o ponto de partida para a elaboração de um projeto de pesquisa no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ – Campus Duque de Caxias), que originou um trabalho de campo com os alunos de química do curso médio técnico profissionalizante. Os dados obtidos, através da aplicação de questionário, lançam luz sobre a percepção do corpo discente em relação à identidade profissional e sua mobilidade social dentro da estrutura do trabalho na sociedade capitalista de classe.
Palavras-chave: Sociologia da educação, Trabalho, Educação.
Abstract: The reading of the so-called classical sociology (Émile Durkheim, Max Weber and Karl Marx) may reveal the role of teaching in a capitalist society, especially in terms of theoretical and practical reflections on the relationship between education and work. This study invites the review of these theorists, especially the Weberian current of thought: educational vision of Max Weber and Karl Mannheim. The objective is the debate and investigation on education and work, as well as the possibility of social mobility for peripheral social classes and the construction of their professional identity. These reflections were the starting point for the elaboration of a research project at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio de Janeiro (IFRJ – Duque de Caxias Campus), which led to fieldwork with students of Chemistry at this vocational school. The data obtained, through the application of a questionnaire, sheds light on the perception of the student body in relation to their professional identity and social mobility within the structure of work in the capitalist class society.
Keywords: Sociology of education, Work, Education.
Resumen: La lectura de la llamada sociología clásica (Émile Durkheim, Max Weber y Karl Marx) puede revelar el papel de la docencia en la sociedad capitalista, especialmente en términos de reflexiones teóricas y prácticas sobre la relación entre educación y trabajo. Este trabajo invita a la relectura de estos teóricos, principalmente de la corriente de pensamiento weberiana: la visión educativa de Max Weber y Karl Mannheim. El objetivo es el debate y la investigación sobre la educación y el trabajo y la posibilidad de movilidad social de las clases sociales periféricas y la construcción de su identidad profesional. Estas reflexiones fueron el punto de partida para la elaboración de un proyecto de investigación en el Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Río de Janeiro (IFRJ - Campus Duque de Caxias), que dio lugar al trabajo de campo con los estudiantes de química del curso medio. Los datos obtenidos mediante la aplicación de un cuestionario arrojan luz sobre la percepción del alumnado en relación a su identidad profesional y su movilidad social dentro de la estructura del trabajo en la sociedad de clases capitalista.
Palabras clave: Sociología de la educación, Trabajo, Educación.
1 Introdução
Esta pesquisa surgiu como fruto das aulas e dos debates sobre a sociologia da educação com os alunos do curso de licenciatura em química do Instituto Federal do Rio de Janeiro, Campus Duque de Caxias (IFRJ/CDuC)1.
O objeto deste trabalho são os alunos de química do ensino médio técnico profissionalizante (EMTP) de uma escola federal localizada no município de Duque de Caxias, território da Baixada Fluminense2 e da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
O objetivo geral é o de refletir sobre a função e os propósitos do processo educacional do EMTP em termos da mobilidade social e da identidade profissional. Já os objetivos específicos são: (i) contribuir para o debate sobre a relação entre educação, sociedade e trabalho – questão da identidade profissional; (ii) avaliar os dados da pesquisa a partir das respostas dos jovens da EMTP em relação as suas percepções quanto à mobilidade social e a sua identidade profissional3; (iii) conhecer o perfil socioeconômico e educacional dos discentes dos últimos períodos de formação educacional; (iv) analisar a educação como possibilidade de ascensão social.
Ao caracterizar o que é, como surgiu e qual a finalidade da escola moderna pode-se indagar qual tem sido, de fato, sua aplicação na formação dos jovens diante de uma realidade baseada nas desigualdades, fruto de uma sociedade dividida em classes sociais.
A reflexão acerca dessa questão propiciou que se fizessem dois movimentos metodológicos. O primeiro teórico-reflexivo, através da releitura dos clássicos da sociologia sobre a educação4. O segundo empírico, através da aplicação de um trabalho de campo com os alunos do curso médio técnico de química. A pesquisa surgiu das reflexões sobre a sociologia da educação, disciplina ministrada no curso de licenciatura do IFRJ-CDuC. A formulação de um projeto de estudo e a inscrição no edital de pesquisa foi o passo seguinte. O projeto, aprovado, contou com a presença de uma bolsista e construiu o seguinte processo metodológico: (i) leitura e debate bibliográfico da sociologia da educação e do EMTP; (ii) elaboração, aplicação e análise de dados quantitativo e qualitativo – obtido através da aplicação de questionário, com questões fechadas e abertas, aos discentes do EMTP de química dos dois últimos períodos. O anonimato e a confidencialidade dos dados foram observados, de forma que: a aplicação dos questionários foi facultativa e sem identificação de nomes no seu preenchimento e uso dos dados. A análise dos dados seguiu a identificação de questionário um (Q1), dois (Q2) e assim por diante.
A análise da corrente weberiana sobre a pedagogia do treinamento também em uma perspectiva oriunda de Karl Mannheim, a marxista da educação como importante elemento de emancipação social, junto com a positivista durkheimiana, foi a base da leitura e da prática de pesquisa, com destaque para a abordagem weberiana.
Podem-se destacar como as questões motivadoras dessa pesquisa: qual a função da escola e do ensino na sociedade capitalista? O que pensam os jovens a este respeito? A escolarização garante oportunidade de melhoria da vida social, possibilitando mobilidade de classes e acesso a novas oportunidades ou, ao contrário, perpetua as relações desiguais de classes sociais ao reproduzir a estrutura da sociedade? Essas questões vêm sendo objeto de estudo da educação, com muitos teóricos e pesquisadores contribuindo na produção de conhecimentos sobre o caráter social e ideológico da escola e da educação5.
Este trabalho está dividido em duas partes. A primeira busca pensar a educação na sociedade moderna pelo olhar dos pensadores da sociologia da educação. Na segunda parte, empírica, se pesquisou a percepção dos discentes sobre o ensino e seu perfil socioeconômico. Essas duas abordagens nos levam a perceber os efeitos ou não da educação como processo de ascensão social de classes populares e, por outro lado, qual a identidade profissional dos formandos: técnico com atuação no mercado de trabalho, ou busca pelo ensino superior. Essas informações, obtidas com a aplicação de questionários, passam a fazer parte de uma base de dados na qual existe a expectativa de contribuir para o aprofundamento da pesquisa, o entendimento do perfil educacional dos discentes e o surgimento de novas investigações.
2 Educação e sociedade: a visão clássica sociológica da função da escola moderna
A questão a ser investigada neste trabalho de pesquisa está relacionada com a função a ser exercida pela educação na sociedade capitalista, que seria a de reprodução das suas necessidades e, por outro lado, a possibilidade que ela poderia oferecer de ascensão social de classes menos privilegiadas socialmente por meio de uma função especializada. Esta última tem sido potencializada pela implementação de políticas públicas de inclusão ao ensino superior6.
Mas de que sociedade se está falando? E por que a educação é pensada desta forma? Aqui é preciso uma contextualização antes de seguir com a explicação sobre o desenvolvimento de como esta pesquisa está sendo estruturada na teoria e na prática. A teoria sociológica clássica, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, e o próprio desenvolvimento da sociologia como campo de pesquisa, teve na emergência e no desenvolvimento da sociedade capitalista sua gênese (QUINTANEIRO, 2002, p. 3). Segundo o conhecimento revelado por esses pensadores da sociologia, a sociedade capitalista surge baseada numa divisão de classes sociais, na preservação da propriedade privada, no desenvolvimento da divisão social do trabalho e na obtenção de lucro. Além disso, a sociedade capitalista desenvolveu uma racionalização da vida, em que o planejamento, a finalidade das ações e os valores capitalistas passam a ser a sua prioridade. Esta lógica racional seria interiorizada nos indivíduos através do processo de socialização feito pela escola, alienando os indivíduos em relação ao processo de ensino como um todo e racionalizando a educação, fazendo com que esta se voltasse somente ao ensino de uma profissão a ser exercida no mercado de trabalho e ao acesso à renda. Trabalho e renda passaram a ser os valores que organizam a sociedade capitalista e os indivíduos. Desse modo, a educação e a pedagogia, como nos ensina Rodrigues (2007), não é neutra. É dessa análise e constatação que este trabalho surgiu e será a partir dele que nos propomos a pensar qual tem sido o papel da educação nesta realidade.
As visões do processo educacional dos principais teóricos da sociologia, Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber, apresentam-se como ponto de partida necessário para o desenvolvimento de qualquer análise dos mecanismos envolvidos na elaboração, realização e função da educação em qualquer sociedade moderna, seja essa educação de formação geral ou de nível técnico profissionalizante. Essas abordagens problematizam, conceituam e, em alguns casos, propõem alternativas relacionadas aos problemas sociais, nos quais a educação está inserida, frequentemente como componente de fundamental importância, articulando elementos relacionados a questões econômicas, comportamentais, político-organizacionais, etc. A matéria que constitui e fundamenta esses estudos surgiu da necessidade de compreensão de uma sociedade ocidental totalmente reestruturada por conta da revolução industrial e a partir de uma matriz de pensamento racionalista herdada do iluminismo.
A abordagem de Durkheim para a questão da educação parece demonstrar uma perspectiva mais conformista quanto ao papel da educação bem como dos demais entes sociais.
A educação é a acção exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não estão maduras para a vida social. Tem por objecto suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais que lhe exigem a sociedade política no seu conjunto e o meio ao qual se destina particularmente. (DURKHEIM, 2007, p. 14).
Para esse autor a sociedade em estudo está dada e o papel de quem a estuda é apenas apresentar sua estrutura e suas inter-relações, esses entes devem cumprir suas funções da forma mais adequada em função do que se espera deles. Contudo, seu foco na educação como uma das mais poderosas ferramentas de preparação para a adequação ao comportamento social esperado pode também ser avaliado como uma premissa do próprio objeto de estudo, nesse caso a sociedade, pois essa já está pronta quando surgimos no mundo e, desta forma, impõem aos seus novos integrantes suas estruturas já conformadas e estabelecidas, os que não se adaptam as opções oferecidas ficam a margem da mesma.
A educação, na visão de Durkheim, se apresenta como um esforço contínuo de imposição, às crianças e aos jovens, de maneiras de ver o mundo e de agir que sejam as mais adequadas às funções que se espera que esses indivíduos cumpram no seio social. Assim, “[…] a educação para Émile Durkheim, é essencialmente o processo pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade. Educação é socialização”. (RODRIGUES, 2007, p. 27).
Esses comportamentos são impostos e exigidos de cada indivíduo, pois, nessa concepção, cada indivíduo deve possuir comportamentos, reações, sensações adequadas aos grupos sociais aos quais pertençam. Isso deve ocorrer para que cada estrutura interdependente que compõe a sociedade possa cumprir a função que se espera da mesma da melhor maneira possível e dessa forma o tecido social apresente perfeito funcionamento. Toda inadequação será considerada um problema. Para esse autor, a educação, muito mais do que preparar o indivíduo para uma atividade profissional futura, também o habilita a conhecer e apresentar comportamentos adequados e harmoniosos com relação ao seu papel como profissional e participante das atividades sociais de uma determinada comunidade cumprindo suas funções. Esse pensamento se fundamenta, como dito acima, na preexistência, em relação aos elementos da sociedade, de estruturas sociais que se impõem ao indivíduo, prevalecendo em relação a este e exigindo do mesmo, conhecimentos e comportamentos adequados ao seu papel nessa sociedade sendo esse papel marcado pela sua origem. Segundo Rodrigues (2007, p. 29), “É isso que nos permite viver em sociedade, é isso que permite que a sociedade viva em nós e é isso que permite à sociedade continuar viva: sermos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Só a educação pela qual passamos é capaz de nos fazer assim. E é por isso que a educação é um processo social.”
As formas de agir, pensar e sentir estão determinadas pelo que é transmitido pela sociedade, e nessa transmissão ou adestramento a escola tem um papel fundamental.
O enfoque de Marx para a educação é mais combativo e reativo que o de Durkheim, sendo apresentado a partir de uma profunda análise do capitalismo industrial nascente destacando problemas, principalmente: a separação entre o trabalho (processo de produção) e o trabalhador (processo de alienação do trabalhador) e a apropriação pelo capitalista (detentor dos meios de produção) do valor do trabalho através do lucro, também chamado de mais-valia.
Para Marx, o capitalismo era entendido como uma etapa fundamental e necessária para a construção de uma sociedade baseada no comunismo, pois o sistema capitalista havia gerado uma enorme quantidade de riquezas que certamente poderiam ser partilhadas em uma sociedade comunista. Para ele a história das sociedades é estruturada através da luta entre a classe que detém o poder e a(s) classe(s) dominada(s):
A transformação de uma forma a outra, de um modo de produção a outro, se dá pelos conflitos abertos por causa da luta entre a classe dominada e classe dominante em cada época. Marx diz que as relações sociais de produção, isto é, as formas de propriedade, quando se estabelecem, funcionam como uma forma de desenvolvimento das forças produtivas, mas chega um momento em que as forças produtivas não mais conseguem se desenvolver sob a vigência daquelas relações de propriedade. Abre-se então um período de convulsão social, no qual as relações de propriedade vigentes são contestadas. A classe oprimida, política e/ou economicamente dominada, se insurge contra o predomínio da classe dominante. (RODRIGUES, 2007, p. 36).
Assim sendo, o acirramento do conflito acirraria a condição de luta de classes que levaria necessariamente a um processo revolucionário e ao estabelecimento de bases comunistas nos processos sociais. Com essas premissas a educação pode ser concebida pelo marxismo como algo a ser elaborado e construído no contexto de um processo revolucionário, partindo da sociedade capitalista em direção a uma sociedade comunista. Assim, “[…] para Marx e Engels, não existe educação em geral, mas sim: Conforme o conteúdo de classe ao qual estiver exposta, ela pode ser uma educação para a alienação ou uma educação para a emancipação.” (RODRIGUES, 2007, p. 42).
Para esse autor, o estado capitalista defende os interesses da classe dominante (o capital) e desta forma, as escolas como um todo, mas em especial, as escolas públicas, articulavam o saber transmitido com o intuito velado de transmitir a sua ideologia capitalista, reforçando sempre que um grupo trabalha e outro lucra com esse trabalho e que essa forma de pensar não é só correta, mas é também natural.
Para Marx, a educação deveria ser planejada com a intenção de estimular nas crianças e jovens uma mentalidade crítica e também o aspecto físico do corpo e que preparasse os mesmos para lidar com as novas tecnologias. Tal concepção vem alicerçada na visão de que em uma sociedade comunista, as riquezas desenvolvidas durante o capitalismo seriam partilhadas por toda a sociedade, com os meios de produção pertencendo a todos e em que, as classes sociais e o estado seriam eliminados e, desta forma, todas as pessoas praticariam tanto o trabalho manual quanto o trabalho intelectual, sendo essa abordagem já desenvolvida desde os tempos da escola. Assim, “[…] romper com essa separação é uma decorrência fundamental das análises de Marx e Engels, porque é dela que brotam a alienação e a ideologia”. (RODRIGUES, 2007, p. 43, grifo nosso).
Uma forma de conceber a educação, baseada em uma abordagem marxista, deve levar em conta o conceito de politecnia, que se baseia no fundamento do trabalho como princípio educativo, que busca na transformação radical da sociedade sua última finalidade e que articula os três eixos fundamentais: (i) educação intelectual; (ii) educação corporal; (iii) educação tecnológica que faz a síntese dos fundamentos gerais e científicos de todo o processo de produção e introduz as ferramentas elementares das várias formas de atividade industrial. A formação estruturada na omnilateralidade reforçando a integração entre o ambiente educacional e a sociedade também parece estar no foco da concepção marxista de educação. Apesar de essa abordagem da educação parecer-nos de extrema relevância, por não estar no escopo da abordagem desenvolvida neste trabalho não aprofundaremos essa concepção.
Desta forma, é possível pensar numa visão educacional de cunho marxista que considere que o trabalho infantil seria aceito, e até mais, seria desejável. Essa concepção parece estranha, haja vista que essa prática era realizada pelo capitalismo e condenada por Marx, contudo esse autor considerava extremamente educativo e formador da personalidade de jovens e crianças, alternar estudo e trabalho. Porém, o trabalho realizado precisava auxiliar no processo educacional, ser regulamentado, com jornada variando conforme a idade. Assim sendo, Marx parece ser um defensor do ensino técnico, mas sem abandonar a formação intelectual do aluno sempre buscando um caráter emancipador para o ensino ministrado. Para ele, “[…] os conteúdos educacionais devem contemplar três dimensões: uma educação mental, uma educação física e uma educação tecnológica”. (RODRIGUES, 2007, p. 45).
Como já mencionado nesse texto, para Marx a escola poderia oprimir ou emancipar e para a educação auxiliar nesse processo de emancipação seria importante conciliar teoria e prática por meio de atividades manuais e intelectuais. Os avanços na tecnologia também deveriam ser trabalhados no ambiente escolar sempre restabelecendo a relação que o processo de alienação do proletariado destruiu. Desta forma, a conciliação entre trabalho e escola seria importante nesse processo de reconstrução do processo laboral, sendo esse processo fundamental na formação de uma sociedade comunitária em que não haveria divisão do trabalho ou uma única classe dominante que detivesse os meios de produção e controlasse as demais classes através da sua ideologia.
Podemos claramente concluir, pelo exposto até o momento que: se para Durkheim a escola busca regular toda a vida social adequando os indivíduos aos seus cânones, para Marx a escola deveria, por obrigação de ofício, modificar radicalmente a vida social, subvertendo valores capitalistas em benefício de um novo ideário de natureza comunista. O essencial era transformar (não regular para adequar) a sociedade através de um sistema que preparasse as crianças e os jovens para a luta contra a dominância do capital e, desta forma, eliminar as injustiças sociais.
Outro autor que merece destaque em nossa descrição introdutória e que, pela natureza desse trabalho receberá o maior destaque, é o sociólogo Max Weber.
Para esse autor, ao contrário de Durkheim, a sociologia é uma ciência que não analisa os eventos de maneira isenta, faz-se necessário compreender os fenômenos sociológicos também a partir da subjetividade do investigador, das pessoas relacionadas com os fenômenos estudados.
Max Weber, expressa seu pensamento sociológico a partir das relações do indivíduo com o meio social, destacando que para ele a sociedade não se constitui em apenas “coisa”, ou um mecanismo, mas que fundamenta-se na concepção de “ação social”, e ainda, na crença de que a sociologia é uma “ciência compreensiva”. (SILVA; AMORIM, 2012, p. 1).
Assim sendo, a conduta e a visão do pesquisador influenciam na análise dos entes estudados, ou seja, a sociologia, para esse autor, é uma ciência compreensiva, cada pesquisador pode analisar um determinado ente social de um modo particular, levando em conta suas próprias experiências, ainda que sejam possíveis que esses pesquisadores compartilhem os mesmos valores, eles apresentam raízes e inter-relações em suas mentes de formas distintas o que, por consequência, deve produzir interpretações igualmente diversas de um mesmo ente social analisado.
Sabemos que as alterações sociais ocasionadas pelos novos processos desenvolvidos na origem das sociedades capitalistas geraram uma enorme demanda por uma força de trabalho altamente qualificada para realizar atividades burocráticas, nos setores do poder público, e também em grandes empresas privadas. Pode-se concluir também que essa grande demanda por profissionais qualificados tenha gerado algum nível de interferência no sistema educacional, nas atividades e práticas das escolas bem como, na imagem desejada para o ambiente estudantil.
Para Weber a questão educacional, bem como a escola e seu ambiente, foram estruturados pelo sistema capitalista para atender as demandas das sociedades baseadas no capital promovendo o treinamento específico e direcionado dos alunos (transmissão de um conjunto de conhecimentos práticos e teóricos com o objetivo de preparar os indivíduos para a execução de um conjunto de tarefas), tudo isso em detrimento de uma visão educacional que estimulasse as capacidades críticas dos indivíduos, que introduzisse aos mesmos uma cosmovisão ampla e humanística da sociedade.
Mais que profissionais da empresa ou da administração pública, o capitalismo e o Estado capitalista forjaram um novo homem: um homem racional, tendencialmente livre de concepções mágicas, para o qual não existe mais lugar reservado à obediência que não seja a obediência ao direito racional. Para este homem, o mundo perdeu o encantamento. Não é mais o mundo do sobrenatural e dos desígnios de Deus ou dos imperadores. É o mundo do império da lei e da razão. Educar num mundo assim, certamente não é o mesmo que educar antes dessa grande transformação, provocada pelo advento do capitalismo moderno. (RODRIGUES, 2007, 65-66).
Para Weber a opção da sociedade capitalista de promover a substituição de uma educação com bases humanísticas pela educação com finalidade de treinamento não era uma boa opção, todavia ele acreditava que essa situação era inevitável, tal como Durkheim.
Ainda relacionado com a questão educacional, Weber reflete sobre os três tipos ideais de educação (SILVA; AMORIM, 2012). O primeiro é o despertar para o carisma, essa mais relacionada com características intrínsecas do indivíduo, mas que poderia ser ampliada e mais bem desenvolvida no ambiente escolar. O segundo é a pedagogia do cultivo, esse tipo de desenvolvimento de habilidades visa adequar plenamente o indivíduo com as condutas esperadas para sua classe social, esses devem ter uma visão de mundo que caiba (que seja esperada) na sua classe social, tal prática leva ao desenvolvimento de conhecimentos necessários a cada estrato social para que as pessoas pudessem ser consideradas cultas de acordo com o esperado para sua classe (nesse aspecto uma visão bem similar à de Durkheim) tornando assim a escola um elemento desenvolvedor e estimulador da segregação social e fomentadora das diferenças sociais. O terceiro seria a pedagogia do treinamento, mais voltada à educação profissionalizante formando indivíduos como profissionais especializados, peritos em funções específicas (para Marx, tal prática estimula a alienação do trabalhador e o sistema de divisão do trabalho, ações consideradas negativas por esse autor), contudo é bom lembrar que Weber não faz aí nenhuma menção de concordância com tal sistema educacional, a apresentação acima é apenas o desenvolvimento da interpretação do autor da sociedade de sua época.
Como já mencionado, Weber não concordava com este modelo de sociedade e, por conseguinte de suas práticas educacionais, esse autor considerava que apenas a pedagogia poderia libertar o homem desse tipo de escravidão (modelos de educação diferentes para classes sociais diferentes, desenvolvimento de habilidades técnicas profissionalizantes em detrimento de uma abordagem educacional abrangente e humanística, indutora de capacidade intelectiva e espírito crítico, etc.) determinada pelo sistema capitalista estabelecido na maioria das sociedades ocidentais da época. O referido autor reforça que a pedagogia do treinamento recebe tratamento prioritário nas sociedades capitalistas, já que nas mesmas existe uma intensa demanda de preparação das pessoas para que essas ocupem cargos e funções especializadas nas empresas de capital privado ou em funções burocráticas de governo. Tal iniciativa reforça o que veremos no texto mais abaixo, uma visão bastante funcionalista para a educação, ou seja, a sociedade capitalista desenvolve uma pedagogia de treinamento castradora dos demais conhecimentos humanísticos apenas para formar quadros para suas organizações, sejam elas públicas ou privadas. Assim a educação, para Weber, “[…] na medida em que a sociedade se racionaliza historicamente, não é mais, a preparação para que o indivíduo compreenda seu papel no conjunto harmônico do contexto social. E nem é vista como meio de libertação.” (SILVA; AMORIM, 2012, p. 4).
Dois conceitos desenvolvidos por Weber e que serão importantes na compreensão da sua visão do sistema educacional capitalista são: ação social e racionalização. No caso da ação social pode-se dizer que é a ação individual no ambiente social em concordância com o que a sociedade capitalista espera (ou exige) do mesmo. Tal conceito explica por que a pedagogia do treinamento aliada à pedagogia do cultivo é estabelecida pelas sociedades capitalistas para que seja possível gerar uma formação de indivíduos preparados para agir de acordo com os cânones dessa sociedade e perpetuar suas estruturas básicas. Já o conceito da racionalização no contexto de uma sociedade capitalista está associado a programação, planejamento e execução de suas ações em total concordância e harmonia com as demandas da sociedade capitalista, esse conceito é extremamente utilitarista e centrado exclusivamente nas necessidades do sistema capitalista e mais especificamente do grande capital.
Um bom exemplo da racionalização aplicada no contexto da teoria weberiana é uma lógica comum de se encontrar ainda nos dias de hoje que é a de: estudar em boas instituições de ensino superior com o principal intuito de obter o diploma (documento formal de conclusão dos requisitos para ser considerado preparado, treinado, para futuras funções exercidas em empresas privadas ou em instituições burocráticas do estado) e arrumar um bom emprego. Esse tipo de pensamento racional se encaixa “Nas burocracias onde os títulos educacionais representam “prestígio social” e são usados quase sempre como proveito econômico”. (SILVA; AMORIM, 2012, p. 7, grifo do autor). Essa visão não poderia ser mais utilitarista, o indivíduo abandona, e antes dele, o processo educacional oferecido pela sociedade capitalista como um todo abandona toda e qualquer forma de conhecimento de natureza humanística que possa melhorar sua visão crítica da sociedade e assim fazê-lo buscar individualmente ou em grupo alternativas a forma desenvolvida e imposta pelo sistema capitalista. Essa forma de compreender a sociedade capitalista ainda fica hoje evidente ao verificarmos que mais indivíduos buscam o ensino (processo educacional oferecido pela sociedade capitalista) menos pela formação humanística que esse pode proporcionar e mais pela possibilidade de conseguir um bom emprego do ponto de vista salarial (influência do mercado). A sociedade racionalizada capitalista pode ser apresentada como aquela que dá uma importância precípua a pedagogia de treinamento (e logo as demandas do capital) em detrimento de um sistema de ensino mais abrangente e humanístico e, portanto, indutor de espírito crítico e da capacidade intelectiva. Neste sentido a interpretação é de um Weber realista e, ao mesmo tempo, pessimista em relação à educação:
Max via no capitalismo a escravização do ser humano por meio da alienação do trabalho, e na educação a possibilidade de romper com ela. Weber via na pedagogia do treinamento, imposta pela racionalização da vida, o fim da possibilidade de desenvolver o talento do ser humano, em nome da preparação para a obtenção de poder e dinheiro. A racionalização é inexorável, invencível, e a educação especializada, a lógica do treinamento, para Weber, também é. Para ele, não há nada que se possa fazer a respeito (RODRIGUES, 2007, p. 69).
Ainda há um outro elemento na teoria de Weber que merece destaque em nosso enfoque no processo educacional que é a ampliação que Weber propõe em termos de existência de classes na sociedade capitalista. Enquanto para Marx as classes podem ser expressas basicamente como burguesia e proletariado, para Max Weber as estratificações por classes na sociedade capitalista iriam além dessa polarização, pois, para ele, essas separações se colocavam para além das relações econômicas pura e simplesmente. Ele formulou três tipos de classes: política, social e econômica. Ser bem posicionado em uma delas não garante obter boa posição nas demais, contudo uma posição privilegiada em uma delas pode facilitar o acesso às boas posições nas demais, o que reputa a ação social ter como seu principal objetivo a adequação dos indivíduos a sua função na sociedade e o que se espera dele na sociedade (transmitido a ele durante todo o processo educacional) e, a depender de qual classe esse indivíduo ocupa, por ser competente nas ações sociais, tais indivíduos podem tentar alçar posições sociais melhores na sua classe e até obter uma boa posição em outras classes. Desse modo, “Nos dias atuais, o diploma teria o valor equivalente a ascensão familiar no passado. A Educação se constitui exatamente um dos meios usados pelos indivíduos que exercem cargos hierarquicamente de maior posição para propiciar crescimento e manutenção de seu status.” (SILVA; AMORIM, 2012, p. 7). Logo, a racionalização e a ação social são ferramentas nessa busca por melhores posições sociais de um indivíduo e isso parece ser o que de melhor pode-se esperar no cenário descrito por Weber, sua visão é bastante pessimista em termos de superação dos problemas e crises apresentados pelo sistema capitalista, inclusive em relação à educação. Segundo ele em típicas sociedades capitalistas racionalizadas uma educação adequada e formal é fundamental para alcançar boas posições sociais e econômicas e pode ser considerado um forte elemento de diferenciação social.
Portanto, pode-se dizer que em termos de educação, Max Weber apresenta pontos comuns tanto com Durkheim no que se refere ao papel impositor da sociedade no processo educacional, treinando cada indivíduo para cumprir o papel esperado pelas demandas do capital, quanto com Marx na identificação da alienação da classe trabalhadora nas sociedades capitalistas através de uma educação de treinamento exclusivamente voltada para o trabalho especializado.
3 Educação e mobilidade social
Dialogando com a corrente de pensamento weberiana sobre a racionalização da educação na sociedade, o sociólogo e filósofo Karl Mannheim (1893-1947) lança um olhar um pouco mais otimista acerca do sistema educacional na sociedade capitalista.
Mannheim foca seu estudo do processo educacional de tais sociedades a partir do ponto de vista da democratização dos acessos e, dessa forma, criando novas oportunidades para indivíduos de classes sociais inferiores. Ele concordava com Weber que a pedagogia do cultivo foi substituída pela pedagogia do treino na educação oferecida à grande maioria da sociedade. Isso ocorreu em virtude de um processo de racionalização do capital que concentrava fomento nessa pedagogia. No entanto, Mannheim percebe nesse processo oportunidades para indivíduos oriundos de estratos sociais mais baixos poderem ascender socialmente, devido à seguinte necessidade do sistema capitalista: formação de força de trabalho para cargos especializados, tanto em empresas privadas quanto nos setores do poder público (MARQUES, 2012; RODRIGUES, 2007).
Mannheim assume que existem perdas sérias na formação educacional e intelectual do indivíduo, no sentido da concentração de esforços na pedagogia de treinamento em detrimento da pedagogia de cultivo. Entretanto, existe também uma possibilidade da ascensão social dos indivíduos dos estratos sociais inferiores por meio da educação, o que promove a mobilidade social e auxiliar a construir a identidade profissional. Essa possibilidade ocorre justamente pela forte demanda por mão de obra técnica especializada. Essa análise de Mannheim detecta nesse processo uma forma possível, ainda que parcial, de diminuição das enormes desigualdades sociais geradas nas sociedades capitalistas e, na educação, um papel social importante. Assim,
[…] para ele, se é verdade que a racionalização da vida levou a um declínio da educação voltada para a formação do homem integral, também é verdade que o arejamento promovido pela democratização das relações sociais permitiu o surgimento de novas esperanças. Embora o capitalismo tenha gerado desigualdades sociais, o interesse dos jovens das classes inferiores em ascender socialmente à elite, em sua visão, traz ao processo educacional as contribuições culturais das diferentes camadas socais e a intercomunicação entre elas (RODRIGUES, 2007, p. 81).
Essa análise de Mannheim abre discussões sobre o papel da educação escolar e da formação dos alunos. Uma delas é sobre a identidade profissional desse aluno que ascende socialmente em termos profissionais. Eles se convertem totalmente em indivíduos da nova classe, para onde se deslocaram, ou tendo consciência da sua origem, podem auxiliar em futuras transformações da sociedade capitalista, buscando resolver as principais crises e contradições desse sistema?
Ainda que Mannheim não fosse um especialista no campo da sociologia educacional, de acordo com Foracchi (1982), ele discutiu este tema de forma vigorosa e objetivou algumas questões centrais. Ainda segundo Foracchi, “De forma específica, foram abordados em suas análises: a) a integração da escola no sistema social global da moderna sociedade de classes e b) as funções socializadoras por ela realizadas no presente em conjunção com aquelas que deverá desempenhar na ordem social planificada.” (1982, p. 28).
Dessa análise de Mannheim surge a necessidade de pensar o papel do Estado no dever e na oferta da educação. Por um lado, essa educação atua na socialização dos alunos na sociedade moderna estratificada, com função de organizar, disciplinar e controlar (IWAYA, 2006). Por outro lado, a educação também abre a possibilidade de democratização do seu acesso e a mobilidade social. Assim, com o surgimento do Estado Moderno desenvolveu-se, concomitantemente, a escola como instituição. A educação, desde então, foi alvo de interesses do Estado Moderno e apesar de seu caráter disciplinador, tanto do indivíduo como da sociedade, o ofício era descrito da seguinte forma:
[…] além de sua tarefa tradicional de reproduzir os conteúdos culturais acumulados durante a experiência histórica da humanidade, a escola também se viu com o objetivo de preparar o cidadão para a sociedade moderna; como alguém consciente de seus direitos e deveres, cumpridor das leis em função da autonomia moral adquirida pelo exercício da virtude durante o processo de socialização desenvolvido na escola. (MARQUES, 2012, p. 48).
Surge então a questão: qual seria a função esperada pela educação ofertada pelo Estado? Garantir a manutenção da sociedade de classes, via socialização de seus indivíduos numa perspectiva durkheimiana, ou teria brechas de ascensão e modificação de suas estruturas? A pedagogia do treinamento de Weber parece ser a ordem predominante na organização da educação numa lógica racional. Dessa forma, a gestão e a burocracia do Estado se orientam por essa perspectiva. No entanto, Mannheim vê brechas nessa estrutura que tem potencial de mobilidade social e de mudanças na estrutura educacional. Essa visão de Mannheim parece ter sido potencializada com o processo de redemocratização no Brasil, principalmente nos seus marcos relacionados à Constituição Federal de 1988, A lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n.. 9.394 de 1996, e a criação dos Institutos Federais de Ensino (Ifs), Lei n.. 11.892 de 2008 – que amplia a rede federal de ensino no Brasil.
Apesar da distância temporal, atualmente percebem-se semelhanças no modelo educacional ainda tradicional, inclusive no Brasil. O objetivo de tornar a escola um local de desenvolvimento tecnológico e preparação de mão de obra especializada, ainda no âmbito da educação básica, resultou no desenvolvimento do ensino técnico, no qual produziu (produz) possíveis efeitos na sociedade estratificada, como pensava Mannheim.
A educação profissional está explicitada nas discussões sobre a revogação do Decreto n.. 2.208/1997, bem como na construção do Decreto n.. 5.154/20047. O primeiro proibia a oferta da formação técnica no nível médio; o segundo propõe o restabelecimento dessa garantia, com a intenção de reinstaurar um novo ponto de partida para essa travessia, trazendo a reflexão e diretrizes para as complexas relações de educação e trabalho. O EMTP é impulsionado em 2008, no Brasil, pela ação do governo federal, na figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Atendendo a demandas da sociedade, o governo, via Ministério da Educação (MEC), sancionou a Lei n.° 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Em seu 6° artigo, o documento retrata as finalidades e características dos Institutos Federais:
I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico
II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;
III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão;
IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal;
V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;
VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;
VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica;
VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;
IX - promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente. (BRASIL, 2008).
A trajetória da educação profissional e as finalidades e características dos IFs remonta aos debates e reflexões sobre a politecnia, provavelmente proporcionado pelo debate em torno da ‘re-reforma’ da educação profissional promovida pelo governo Lula da Silva (GEISLER, 2006). Assim, para Geisler (2006), essa re-reforma da educação profissional leva ao debate sobre que significado e conceito de cidadania e de politecnia se insere no campo das práticas educativas e suas interfaces com a atual configuração do mundo do trabalho – questão reforçada por Rodrigues (2006) em que discute no seu texto qual cidadania, democracia e educação cabe nesse projeto. É nesse contexto e, a partir dos objetivos apresentados pelo documento dos IFs, que se pensou em verificar a formação e trajetória dos alunos matriculados no EMTP. O que os dados obtidos revelam e o que dizem sobre a função do ensino (em especial o técnico) na sociedade contemporânea? Tem servido este ensino para perpetuar as desigualdades sociais ou para abrir a possibilidade de ascensão social?
Ressalta-se que o objetivo do ensino técnico oferecido pelos IFs engloba o desenvolvimento socioeconômico local, bem como a oferta de ensino médio integrado ao ensino técnico como meio de preparação para o mercado de trabalho. Isso pode evidenciar a possibilidade de ascensão social de classes menos favorecidas a partir desta política, principalmente em conjunto com políticas de ações afirmativas.
Essa possibilidade de ascensão social traz a reflexão sobre seus efeitos com a identidade profissional dos formandos, o que faz com que o debate sobre a função educacional dos IFs possa emergir. A partir daí surge a seguinte questão: o ensino técnico oferecido tem contribuído para a formação e atuação no mercado de trabalho como técnico ou, por outro lado, tem possibilitado o acesso dos estudantes ao ensino superior?
4 Técnico ou graduação: a educação que reproduz e que transforma. Resultados preliminares
Em agosto de 2018, o projeto de pesquisa: “Técnico ou graduado? Para onde vai e o que representa a formação do jovem no ensino médio e técnico” (PIBICT/IFRJ 2018-2019) iniciou sua exploração acerca da realidade apresentada pelos alunos formados e formandos do curso de EMTP em Química ofertado pelo IFRJ – Campus Duque de Caxias. A equipe da pesquisa foi formada por dois professores (Química e Sociologia) e uma bolsista/pesquisadora do projeto citado.
Refletir sobre a função e os resultados do atual modelo de ensino executado pelo IFRJ foi um dos principais objetivos. A pesquisa foi realizada através da produção de dados que viabilizou a construção do perfil dos formandos.
Para traçar esse perfil foi elaborado um questionário semiestruturado com questões referentes a tópicos socioeconômicos da vida dos estudantes e da sua perspectiva em relação ao ensino oferecido, à relevância das disciplinas básicas e técnicas no currículo do EMTP ensino médio técnico e como esses alunos planejam o que fazer após formados.
Os resultados obtidos são preliminares e fruto de um primeiro olhar, mas já revelam algumas tendências. Foram aplicados 38 questionários, com perguntas fechadas e abertas, para as turmas do EMTP em química em seus últimos anos de formação, correspondentes ao 7º e ao 8º período.
A coleta de dados primários8 desses questionários possibilitou a construção de um conjunto de três perfis de análise dos discentes: social, econômico e perceptivo em relação a educação e ao trabalho. Esses três perfis de análise se relacionam com a mobilidade social e a identidade profissional.
4.1 Análise da composição do perfil socioeconômico
Historicamente sabe-se, de acordo com Pereira et al. (2009), que o ensino profissionalizante no Brasil foi originalmente pensado de forma germinal como uma alternativa para população de baixa renda e que estavam à margem da sociedade (até por motivo de alguma deficiência física) para ensinar o “fazer” de algum trabalho com foco na manufatura no contexto da dicotomia trabalho físico x trabalho intelectual. Logo, podemos destacar que essa história da relação dual da educação no Brasil com o mundo trabalho é uma relação originária da própria sociedade brasileira colocada pelo modo de produção tipicamente capitalista. (SANTOS et al., 2020)
Pode-se identificar também em nossa sociedade que nem sempre as empresas capitalistas enxergam valor na educação formal focando em uma visão utilitarista da formação para o trabalho. Nesse contexto verifica-se que muitas organizações não compreendem uma relação direta entre a educação disponibilizada na sociedade e a formação para o trabalho, investindo em centros de treinamento para o adestramento total do trabalhador aos moldes desejados pela empresa. (PEREIRA et al., 2009).
Nesse contexto, um dos principais pontos desta pesquisa é entender quem é esse aluno que frequenta a escola? Qual sua realidade socioeconômica? Que identidade social representa? Essas informações fazem parte de muitas práticas de ensino, nas quais se pede que os professores, em processo formativo, conheçam o perfil da sua turma e de seus alunos. No ambiente escolar não é diferente. Conhecer o perfil dos alunos é passo fundamental para a melhor gestão escolar, para entender os impactos da escola na localidade e para avaliar que público está sendo atendido.
No perfil social destacamos três pontos de possíveis identidades dos discentes: origem periférica, de gênero feminino e não brancos.
No primeiro ponto, percebemos que a maioria dos alunos tem como origem residencial os municípios da Baixada Fluminense (55%) e do Rio de Janeiro (45%). Desse, a maior parte é de localidades periféricas, seja da Baixada Fluminense ou do município carioca. Essa informação chama a atenção para o possível impacto da educação nessas regiões e nas classes sociais que as compõem. Um ensino técnico, público e de qualidade pode ter grande potencial transformador, tanto em termos espacial, quanto na mobilidade social de classes.
Outro dado interessante é a representação feminina dos discentes. Os dados apontam que a maioria dos alunos são representados por mulheres, sendo essas 59% do total, contra 41% dos homens. Esse dado aponta para o impacto da mobilidade em relação a gênero, haja vista a busca por mulheres pela formação educacional e profissional, o que reforça a transformação do perfil das mulheres que, ao longo do tempo, vem se desvinculando da identidade relacionada apenas a casa e criação dos filhos, para uma identidade profissional. Uma possível pesquisa a ser desenvolvida no futuro se refere ao que se chama de empoderamento das mulheres. Esse fato é algo que se tem percebido no ambiente escolar, mas que carece de dados e pesquisas para perceber sua verdadeira existência e seus possíveis efeitos.
Por último, destacamos a presença de alunos autodeclarados não brancos. Os dados pesquisados apontam que a maioria dos alunos se autodeclaram como não brancos, percentual de 66%. Desse total, 37% se autodeclaram pretos e 29% pardos. Os que se declararam brancos representam 34% do universo. Esse dado demonstra que o público atendido é o de uma minoria social que, historicamente, foi excluída do ensino, sofre discriminação racial e vulnerabilidade social. Vale lembrar que a região da Baixada Fluminense, segundo dados do IBGE9, é a localidade de maioria não branca. O município de Duque de Caxias, onde se localiza a escola pesquisada, tem uma população não branca estimada para 2020, ainda de acordo com o IBGE, de 63,5% (49,1% pardo e 14,4% negros). Diante disso, podemos inferir que o impacto da escola nessa população representa possibilidades concretas de mobilidade social e de formação profissional.
Esses dados são importantes porque já podem apontar que esse público, em sua maioria periférico, de mulheres e de não brancos, busca no ensino federal e técnico uma educação de qualidade, que possa lhe proporcionar direitos de acesso à igualdade de oportunidades.
No perfil econômico dos discentes, percebemos que a maioria do universo pesquisado é composta de jovens sem estágio remunerado (63%), não possuem experiência de trabalho (97%) e não fazem parte do mercado produtivo (97%). Esse perfil aponta para a importância da família na formação educacional desses jovens. Tanto pela questão do seu sustento financeiro, quanto no apoio educacional e motivacional. Chama à atenção a informação referente ao estágio remunerado. Embora represente mais da metade, por outro lado, expressa algo que já percebemos no cotidiano escolar desses jovens: a dificuldade no acesso a estágio. Esse fato provoca angústia nos jovens, haja vista a obrigatoriedade do estágio para o término de seus estudos e, também, uma vez que conseguem, a conciliação entre estudos e trabalho.
Como vimos acima, a questão familiar tem impacto na vida educacional e financeira dos alunos. Os dados apontam que pouco mais da metade dos alunos tem renda per capita familiar de um a três salários mínimos, representando 54% do total. Do universo pesquisado, 32% moram em casas não próprias (21% alugada e 11% cedida). A formação profissional dos pais é relacionada às seguintes funções de trabalho: doméstico e do lar (19% cada um); setor de serviços (19%) e indústria (12%). Do total, 10% estão na condição de aposentados. A escolaridade dos pais dos alunos é, na maioria, de formação no ensino médio, que representa 49%, enquanto que 30% possuem o ensino fundamental e 17% o ensino superior.
Como podemos perceber, a situação econômica e profissional dos pais dos alunos está relacionada às classes sociais baixas ou médias, com suas variáveis. Sendo assim, a formação escolar desses jovens representa possibilidades de melhoria da situação social e econômica dessas famílias e, em principalmente, dos jovens.
4.2 Perfil perceptivo em relação a educação e ao trabalho
A construção deste perfil perceptivo do aluno foi elaborada em cima de questões abertas, nas quais eles expressaram livremente suas opiniões.
Quando questionados sobre qual seria a função social do ensino técnico integrado ao ensino médio, a maioria dos alunos, 48%, citaram a preparação para o mercado de trabalho. Em seguida apareceu a qualidade da educação, representando 26%, e, por fim, 12% responderam que a função seria a possibilidade de ascensão social através da escola. Esses dados apontam que a função da escola, especialmente a escola técnica, estaria ligada ao trabalho, já que a qualidade da educação pode propiciar a mobilidade social dos alunos. É o que mostram os dados no Gráfico 1.
Uma das questões investigadas foi sobre a importância da escola na vida dos alunos. As respostas confirmaram em parte a tese weberiana da racionalização do ensino. A maioria dos alunos (24%) apontaram que a importância da escola está ligada à possibilidade de ela lhe proporcionar acesso ao mercado de trabalho. Em seguida, 17% apontaram para a melhora como pessoa, em termos de agregação de valores sociais e amadurecimento pessoal. Outros 17% afirmaram que a importância está na formação cidadã e, por fim, 15% assinalaram o acesso ao conhecimento.
A resposta majoritária a essa questão sobre a importância da escola na vida dos alunos, parece realmente reforçar o conceito de racionalização dos processos educacionais pela sociedade capitalista (visão weberiana) e, de forma complementar, a adequação da formação ao nicho social, nesse caso de periferia, ao papel esperado deles como força de trabalho (visão durkheimiana). Tais perspectivas não chocam ou surpreendem, pois a sociedade capitalista desenvolveu ao longo de toda a vida desses estudantes fora e, principalmente, dentro das escolas essa visão utilitarista subalterna com muito pouco, por vezes sem nenhum, alcance humanístico. Tal compreensão de mundo (inclusive o formado pelo ambiente escolar) vem sendo reforçado nesses indivíduos através da cultura formal injetada nessas comunidades através das instituições que alcançam esses indivíduos, e de todas, a principal é a escola.
Mas essa pergunta também teve outras respostas, e aí sim cabe destacar alguns pontos.
Essa questão chama a atenção menos pela resposta da maioria e sim pelas demais respostas. Nelas é possível observar que, mesmo se tratando de um grupo social de estrato socioeconômico de baixa renda e, portanto, possivelmente influenciado por essa cultura utilitarista, inclusive por uma questão de necessidade, observam-se respostas com conteúdo bem diferentes dessa ótica utilitarista da racionalização promovida pelo sistema capitalista.
Cabe aqui uma ressalva metodológica importante, não se tem o aprofundamento das respostas (majoritária ou não) a essa questão. Logo, não é possível a certeza de qual interpretação esses indivíduos envolvidos na pesquisa têm das próprias respostas. Assim, cabe aqui conjecturar acerca dos temas levantados por essas respostas, contudo sempre dentro de um discurso consistente com os conceitos universalmente aceitos para essas proposições. O perfil das demais respostas não majoritárias mostra que, ao destacar a importância da escola em suas vidas através dessas respostas, esses alunos demonstram que tais questões são caras a eles também. O que denota que mesmo sob forte influência da racionalização capitalista do ensino nas escolas existe algo nas vidas desses indivíduos que os desperta para a importância de valores sociais, da formação cidadã e da aquisição de conhecimento formal proporcionado pela escola (além do conhecimento técnico ou tecnicista).
A natureza das respostas dadas, não majoritariamente, pelos participantes da pesquisa se caracteriza por uma dimensão que envolve claramente uma forte percepção do todo social, de um intenso senso de pertencimento à sociedade (ainda que essa, em diversas ocasiões, não lhe confira grande importância), da valorização do papel da escola como elemento semeador da formação que credencia os indivíduos a se relacionar de forma plena com consciência de direitos e deveres e principalmente com respeito a esses direitos e deveres (formação cidadã).
Parece que existe, por parte desses alunos, apesar da influência utilitarista oriunda dos interesses do capital, a insurgência de uma mentalidade centrada no interesse comum em valores tipicamente humanistas.
E por último, mas nunca negligenciável, destacou-se nesse conjunto de respostas a importância da aquisição do conhecimento formal e qualificado pela chancela da escola. Como não foi desenvolvido nenhum tipo de destaque nessa resposta pode-se entender que há um senso da importância do conhecimento formal escolar de maneira geral, não apenas o conhecimento técnico com ligação direta e unívoca com o mercado de trabalho, mas todo e qualquer conhecimento articulado no ambiente escolar, logo conhecimento estruturado no estatuto do método científico. Isso mostra o foco desses indivíduos na necessidade de compreensão dos fenômenos e aqui, pode-se extrapolar, de qualquer natureza, através de um discurso estruturado na tradição racional-científica que é o alicerce do conhecimento escolar formal.
Mesmo sem o caráter intencional do planejamento político do estado em conferir essa consciência, ela parece ter se instalado em uma parcela grande dos indivíduos ouvidos na pesquisa. E a questão que fica é como isso aconteceu? Uma das possibilidades, pelo menos a que será defendida nesse texto, e que parece ter lógica em seu nexo causal, é a mudança curricular no nível médio ocorrida no Brasil com a inclusão de disciplinas de intenso caráter reflexivo e crítico das relações sociais, o que as influenciam e como essas se articulam mutuamente. Falo da inclusão de filosofia e sociologia nos currículos de todos os anos do nível médio10. É possível a inferência em que a influência dessas disciplinas na formação dos alunos do curso técnico que participaram da pesquisa gerou uma contribuição latente na concepção da importância da escola na vida desses indivíduos. Para desenvolver essa tese seria necessário um aprofundamento das respostas desses alunos e do papel que o currículo escolar teve no desenvolvimento da cosmovisão dos mesmos e assim como essas experiências impactaram a visão da importância e do papel da escola na vida dos indivíduos.
Assim, levanta-se a tese, mas não se encerra a questão. Existe a premência de um aprofundamento dessas questões para um melhor entendimento da percepção do impacto e do papel que a escola, como ambiente formador, tem sobre os indivíduos, em especial nos cursos técnicos. Neste último, a apresentação de certos conhecimentos apresenta protagonismo em relação a outros, sendo justamente os mais importantes no desenvolvimento de um espírito crítico desenvolvido em bases teóricas sólidas e de uma visão, como a demonstrada pelas respostas não majoritárias desta pesquisa11.
Em seguida, questionou-se sobre “qual a relevância das disciplinas regulares em sua formação? Por quê?” A totalidade dos alunos respondeu que elas são importantes em sua formação. A justificativa para 53% dos alunos está relacionada à formação de um pensamento crítico. Já 12% responderam que é importante para a sua vida social, enquanto 9% para a formação de identidade e como preparação para o vestibular e 6% para a formação política. Esses dados revelam que as disciplinas regulares não estão associadas à formação para o mercado de trabalho, ou seja, para a pedagogia do treinamento, mas sim para a pedagogia do cultivo, tal qual descrito na teoria weberiana.
Em relação à qual atividade pretendem exercer após a conclusão do EMTP em química, as respostas se encontram no Gráfico 2.
Esses dados revelam que a maioria dos alunos, 42,5%, pretendem entrar para o ensino superior, buscando status e melhor qualificação que lhes dê possibilidade de ascensão social e melhores condições de remuneração. Já 30% apontaram que pretendem ir para o mercado de trabalho e/ou para graduação após terminar o EMTP. Por fim, 17,5% apontaram a preferência por ir para o mercado de trabalho.
Esse maior anseio de entrar no ensino superior, após concluir o curso técnico, está em boa parte relacionado a identidade profissional, a saber, busca-se uma maior qualificação para supostamente se inserir no setor produtivo em melhores condições de função e salário. Isso se reflete quando os alunos apontam que o maior grau de importância do EMTP é para a formação para o trabalho (23%). Já para 21,5%, a importância estaria na aquisição de conhecimento, enquanto 20,5% apontaram para formação para cidadania. Outros ainda, 19%, responderam que é para obtenção do diploma e 16% para melhorar a sua condição econômica.
Neste sentido, como bem destacou Prado (2017), há uma tensão entre a expectativa da instituição em relação a formar técnicos para o trabalho e os anseios dos alunos quanto à não terminalidade do estudo e assim almejar o ensino superior:
Quanto à noção de terminalidade, verificamos que os estudantes identificam essa tensão entre o que seria o objetivo da instituição e as suas próprias expectativas. Eles conseguem reconhecer em seu dia a dia dentro da escola que há uma expectativa da instituição, na maioria das vezes declarada pelos professores, quanto às suas trajetórias. O dilema entre “formar técnicos” e “preparar para o ENEM” se mantém e os alunos parecem estar inclinados para a segunda opção. (PRADO, 2017, p. 107).
Isso pode ser interpretado e avaliado através das grandes discrepâncias na remuneração de profissionais de nível médio técnico e de nível superior no Brasil12.
Por último, perguntou-se aos alunos sua avaliação em termos dos aspectos positivos e negativos do curso. Para 27% dos alunos o ponto positivo da escola é a possibilidade que ela propicia de inserção no mercado de trabalho, que é conseguido, segundo eles, com a qualidade do ensino (20,5%). Mais uma vez reafirma a ideia da escola como acesso ao trabalho e à ascensão social através da educação. Dos aspectos negativos destacam-se: a carga exaustiva do curso para 42%; a infraestrutura (21%); e a dificuldade na aprovação (10,5%).
Olhando os resultados preliminares, percebe-se que o público deste EMTP é em sua maioria composto de jovens de classes menos privilegiadas na sociedade e que planejam melhorar sua condição financeira, educacional e cultural almejando o ensino superior. Neste sentido, pode-se dizer que o IFRJ se apresenta a esses alunos como uma oportunidade de mobilidade social, apesar de essa estrutura escolar, na visão weberiana, estar dentro da racionalidade educacional, oferecendo uma formação voltada à pedagogia do treinamento. Percebe-se, portanto, que a escola, apesar dessa lógica do ensino especializada, abre a possibilidade de melhora de vida das classes populares de ascender socialmente, como apontava a teoria de Karl Mannheim. O que não se conseguiu inferir é: (i) se esse indivíduo que busca a ascensão social conseguirá ser absorvido plenamente no estrato social para onde almeja ir; (ii) se carregará consigo a consciência da sua origem e da necessidade de mudanças na estrutura social - para facilitar essa mobilidade social experimentada por ele com todas as dificuldades que lhe foram impostas.
5 Considerações finais
A leitura de parte dos clássicos da sociologia denota algumas características muito importantes em relação ao sistema educacional de forma geral: a visão funcionalista do pensamento durkheimiano aponta para a impossibilidade da emancipação dos alunos frente à instituição educacional. Na corrente marxista de pensamento é possível destacar a diferenciação de classes sociais e a dualidade do ensino com a possibilidade de oprimir ou libertar. Já a perspectiva weberiana do ensino fica muito clara na visão determinista da escola, em formar especialistas para o mercado de trabalho, imposta pelo sistema racional capitalista.
Embora a realidade educacional esteja presente nesta visão weberiana, percebe-se que os jovens estudantes, na construção de sua identidade profissional, vêm fazendo escolhas que negam a terminalidade dos estudos no pós ensino médio e, ao contrário, buscam a continuidade desses estudos no ensino superior. Para isso reconhecem o ensino como de qualidade e apropriado para alcançar seus objetivos: de ter uma formação profissional mais qualificada que pode lhe abrir perspectivas de melhores funções e remuneração, superando, desta forma, sua origem de classes menos favorecidas. Neste sentido a pesquisa confirma a visão de Karl Mannheim sobre o papel social da educação, mesmo numa lógica da pedagogia do treinamento de que fala Weber, que tem sido a de propiciar a ascensão social de classes baixas e médias.
Através das reflexões teóricas, e concordando com a análise weberiana, percebemos que o papel da educação na sociedade capitalista é racionalizado na pedagogia do treinamento, servindo de mão de obra especializada para o mercado de trabalho. Por outro lado, de acordo com as reflexões da sociologia da educação de Mannheim, essa pedagogia do treinamento também “permite que jovens de classes menos privilegiadas socialmente ascendam por meio de uma função especializada” (MARQUES, 2012, p. 48).
Diante dessa ambiguidade demonstrada pela sociedade capitalista, apontada pelo próprio Mannheim, percebemos, através da pesquisa, que o impacto da formação escolar vem indicando uma possível ascensão social dos alunos, seja na qualificação para o mercado de trabalho ou na continuidade dos estudos no ensino superior. O que não se sabe é se, ao alcançar a desejada ascensão social, esse indivíduo se torna um elemento crítico do sistema social ou se é incorporado à nova classe social sem manifestar nenhum tipo de reação crítica às dificuldades enfrentadas para concretizar essa ascensão social.
Os dados coletados demonstraram que os alunos depositam na educação uma grande expectativa de transformação social e econômica: sua e de sua família. Para além da dualidade entre formação geral e formação técnica e terminalidade dos estudos, estes transparecem uma continuidade dos estudos, almejando o ensino superior. O que nos leva a concluir que a função do EMTP no IFRJ vem cumprindo um duplo papel: o de formar técnicos e, ao mesmo tempo, possibilitar a ascensão social de alunos de classes menos privilegiadas ao ensino superior e as melhores funções ocupacionais e de renda.
Por fim, a intenção desse trabalho é o de promover o debate sobre o papel da educação e do EMTP, contribuindo para a produção de conhecimento, reflexão teórica e produção de dados de pesquisa. Nesse sentido, incentivar a pesquisa e promover o debate científico é criar possibilidades de realização da função social de uma instituição pública educacional, envolvendo ensino, pesquisa e extensão. Reflexões necessárias de serem feitas, “[…] pois só assim podemos ter indícios sobre as complexas relações de educação e trabalho na formação que visa à emancipação na Educação Profissional no nível médio”. (SAUER; SILVA, 2014, p. 77).
Referências
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Notas
Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): FURTADO, E. A.; LEANDRO, I. A.; COSTA, M. C. Técnico ou graduado? A formação do jovem no ensino médio técnico profissionalizante. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 3, p. 684-705, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p684-705. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15982.
COMO CITAR (APA): Furtado, E. A., Leandro, I. A. & Costa, M. C. (2021). Técnico ou graduado? A formação do jovem no ensino médio técnico profissionalizante. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(3), 684-705. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n32021p684-705.