ARTIGOS DE REVISÃO

Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros

Emancipatory education: an approach between the concepts of Paulo Freire and István Mészáros

Educación emancipadora: una aproximación entre los conceptos de Paulo Freire e István Mészáros

Thaís Carneiro Carvalho 1
Brasil
Caio Corrêa Derossi 2
Brasil
Karla Helena Ladeira Fonseca 3
, Brasil

Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 23, núm. 2, 2021

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2021 pelos Autores.

Recepción: 26 Abril 2021

Aprobación: 29 Mayo 2021

Resumo: No presente artigo de abordagem qualitativa far-se-á um debate sobre os pontos comuns nos pressupostos de Paulo Freire e István Mészáros acerca da educação. Para tal, em um primeiro momento, foi feita a apresentação dos autores e suas principais contribuições para o campo. Através da utilização de conceitos e categorias emergentes da obra marxiana, os autores elegem a educação como ato político e, portanto, capaz de transformar a realidade. Entende-se que os sujeitos herdam as condições sociais que lhes foram transmitidas de forma pregressa e atuam conforme as possibilidades concretas da vida material, que comporão o ciclo de transmissão dando continuidade ao processo social e à história da humanidade. Nessa perspectiva, Paulo Freire e István Meszáros defendem a promoção da educação como instrumento emancipador dos sujeitos, processo iniciado pelo reconhecimento dos homens frente às condições histórica, econômica e social. No ano de comemoração do centenário de Paulo Freire, o presente artigo se apresenta como um convite: um convite à luta pela educação, pelo respeito, pelo reconhecimento e valorização dos trabalhadores da Educação.

Palavras-chave: Consciência de classe, Desigualdade, István Mészáros, Paulo Freire, Educação emancipatória.

Abstract: In the present article with a qualitative approach, there will be a debate about the common points in the assumptions of Paulo Freire and István Mészáros about education. To this end, at first, the presentation of the authors and their main contributions to the field were made. Through the use of concepts and categories emerging from the Marxian work, the authors choose education as a political act and, therefore, capable of transforming reality. It is understood that the subjects inherit the social conditions that were transmitted to them in a previous way and act according to the concrete possibilities of material life, which will compose the cycle of transmission, giving continuity to the social process and the history of humanity. In this perspective, Paulo Freire and István Meszáros defend the promotion of education as an emancipatory instrument for the subjects, process initiated by the recognition of men in the face of historical, economic and social conditions. In the year of the celebration of Paulo Freire's centennial, this article presents itself as an invitation: an invitation to the fight for education, respect, recognition and appreciation of Education workers.

Keywords: Class consciousness, Inequality, István Mészáros, Paulo Freire, Emancipatory education.

Resumen: En el presente artículo con enfoque cualitativo, se debatirá sobre los puntos comunes en los supuestos de Paulo Freire e István Mészáros sobre la educación. Para ello, en un primer momento se realizó la presentación de los autores y sus principales aportaciones al campo. Mediante el uso de conceptos y categorías emergentes de la obra marxista, los autores eligen la educación como un acto político y, por tanto, capaz de transformar la realidad. Se entiende que los sujetos heredan las condiciones sociales que les fueron transmitidas en forma previa y actúan de acuerdo a las posibilidades concretas de la vida material, que compondrán el ciclo de transmisión, continuando el proceso social y la historia de la humanidad. En esta perspectiva, Paulo Freire e István Meszáros defienden la promoción de la educación como instrumento emancipador de los sujetos, proceso iniciado por el reconocimiento del hombre ante las condiciones históricas, económicas y sociales. En el año de la conmemoración del centenario de Paulo Freire, este artículo se presenta como una invitación: una invitación a la lucha por la educación, el respeto, el reconocimiento y la valoración de los trabajadores de la Educación.

Palabras clave: Conciencia de clase, Desigualdad, István Mészáros, Paulo Freire, Educación emancipadora.

1 Introdução

O presente artigo de abordagem qualitativa e de natureza bibliográfica e documental objetiva propor uma aproximação entre os pressupostos teóricos de Paulo Freire e István Mészáros para o campo educacional, com especial atenção para a categoria de educação emancipadora, que articula o texto e as contribuições dos autores. Para tanto, com base nas teorias de Karl Marx, pensador que inspira de sobremaneira os pesquisadores estudados, reconhece-se a educação como ato político e, por conseguinte, emancipador e capaz de transformar a sociedade, por meio da agência dos sujeitos.

Tanto Freire quanto Mészáros apostam em uma educação, que, por ter como característica principal a emancipação, fomente a ação social em prol da ruptura das condições de desigualdades vigentes, reconhecendo as idiossincrasias dos contextos vividos e construídos, bem como o ser humano como partícipe ativo da construção de uma sociedade mais justa. O texto ainda tem um caráter especial, pois representa, em primeiro lugar, um movimento de reconhecimento de parte do legado de Paulo Freire, no ano de seu centenário de vida. Em um segundo momento, o artigo sinaliza para um esforço de resistência e de luta pela educação, em um cenário sensível, de desinvestimento público de recursos para o setor, bem como um pedido de justiça pelas mais de quatrocentas e sessenta mil mortes, em decorrência da pandemia de coronavírus e da ingerência estatal.

Em termos de organização, excetuando-se a introdução e as considerações finais, o artigo está dividido em três seções. A primeira concentrará em destacar os aspectos de vida, de formação e de produção acadêmica de Paulo Freire. A segunda fará um movimento análogo com as perspectivas de István Mészáros. Cumpre destacar que os elementos sublinhados dos pensadores estão articulados ao ponto central da educação emancipadora. A terceira discute a educação enquanto processo histórico, observando os sujeitos e os contextos, com a finalidade de sinalizar os limites e as potencialidades da educação emancipadora na/para formação humana.

2 Paulo Freire: a educação emancipadora e comprometida com o social

A presente seção traz na forma de uma visada panorâmica os principais destaques da vida, da formação e da obra de Paulo Freire, refletindo o campo educacional e a educação emancipadora. Considerado um dos educadores mais influentes na contemporaneidade com reconhecimento mundial, Freire (1921-1997) teve suas obras eternizadas no campo da Educação. Fazem parte da sua vasta produção literária: “Educação como Prática de Liberdade” (1967); “Pedagogia do Oprimido” (1968); “Cartas à Guiné Bissau” (1992) e “À sombra desta mangueira” (1995). Todas essas ocupam lugar de destaque na literatura brasileira, sendo a “Pedagogia do Oprimido” uma obra de grande repercussão entre os educadores. Nesse livro, Freire problematiza a educação descomprometida com o ser social, ressalta a importância da tomada de consciência pelo homem e a sua ressignificação na estrutura social através do reconhecimento de classe. Para o autor, a alienação é um grave problema passível de ser superado por meio da educação emancipatória.

Nessa perspectiva Freire ressalta a premência do homem se tornar um sujeito consciente da sua realidade, sendo esse o requisito primordial para o processo de desalienação. Somente assim será possível se desprender da condição de oprimido outrora naturalizada, e promover a mobilização com vistas à superação da opressão. Na “Pedagogia do Oprimido”,

Paulo Freire propõe uma explicação da importância e necessidade de uma pedagogia dialógica emancipatória do oprimido, em oposição à pedagogia da classe dominante, que contribua para a sua libertação e sua transformação em sujeito cognoscente e autor da sua própria história através da práxis enquanto unificação entre ação e reflexão (CABRAL, 2005, p. 200).

O objetivo do autor é incentivar a promoção da educação emancipatória capaz de libertar os sujeitos e mobilizá-los a agir coletivamente para transformar a realidade.

Germano (1997) retrata que em 1963 uma notícia subvertia as manchetes que retratavam o contexto da região Nordeste brasileira. A fome, a miséria e a seca deram espaço para a educação, em virtude do que ocorria no município de Angicos, no Rio Grande do Norte, que em 45 dias alfabetizou 300 trabalhadores do campo. A ação realizada por 15 estudantes de Ensino Superior virou foco de pesquisadores e veículos de imprensa do Brasil e do mundo, uma vez que a educação foi e é um desafio para todos.

O processo se dava no encontro dos alfabetizandos nos círculos de cultura, que não tinham como objetivo central o domínio das técnicas de leitura e de escrita, mas sim, que aqueles sujeitos se entendessem como atores e autores da sua própria história, e construtores da realidade social que partilhavam. Nesse sentido, Freire (1967) acreditava que a educação era o ponto essencial para a mudança do quadro de ignorância da população e posterior ampliação dos processos democráticos. Cumpre ressaltar que a ignorância não se refere apenas ao analfabetismo, mas também corresponde à falta de participação e de gerência em processos coletivos, que faziam com que o povo não conseguisse se enxergar como sujeito que pode optar e decidir sobre os caminhos que trilha.

Freire integrava o Movimento de Cultura Popular de Recife em Pernambuco, trabalhando diretamente com a educação de jovens e adultos. Nesse sentido, toda a sua proposição educativa era dialógica, na perspectiva que tensionava os conhecimentos teóricos e as produções pregressas com as experiências, os vocabulários dos educandos. E no decorrer desse processo, a perspectiva libertadora da educação acontece, a partir do reconhecimento processual das consciências ingênua e crítica. Cumpre ressaltar que Freire (1983) afirmara que muitos criticavam a sua perspectiva de alfabetização como doutrinadora e criavam sentidos negativos ao uso dos termos emancipação, liberdade e conscientização utilizado por ele. Entretanto, o autor advoga que a sua proposição encaminha justamente para o reconhecimento do sujeito enquanto ator histórico e atuante no mundo, fazendo com que ele entenda os processos de desigualdade dos quais ele (não) participa.

Segundo Beisiegel (2010), Freire estava muito animado com o êxito da experiência de alfabetização no Rio Grande de Norte, tanto pelos rápidos resultados, quanto pela forma que a leitura e a escrita eram propiciadas, a partir da discussão da realidade e dos problemas locais e nacionais. Assim, visto o seu envolvimento com a educação popular e de jovens e adultos, Freire dirige em 1960 a Divisão de Pesquisas do Movimento de Cultura Popular (MCP) da prefeitura de Recife. Em 1962 foi diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade de Recife que, em 1965, passa a ser denominada de Universidade Federal de Pernambuco. Em 1963 foi presidente da Comissão Nacional de Cultura Popular, criada pelo Ministério da Educação e em 1964 foi coordenador do Programa Nacional de Alfabetização, podendo propor para o segmento de jovens e adultos a experiência educativa análoga à de Angicos.

Freire já contava com mais de 15 anos de experiência com a educação de jovens e adultos trabalhadores do campo e da cidade. Porém, o próprio autor reconhecia os números aquém com relação a alfabetização e ao próprio processo de escolarização. Freire retrata, em 1967, a existência de 16 milhões de analfabetos, entre jovens e adultos a partir de 14 anos e de 4 milhões de crianças que não frequentavam a escola, embora estivessem em idade escolar. Nesse sentido, a aposta de Freire para a educação passava pela democratização da cultura, para gerar a emancipação e fomentar os ideários da democracia. Germano (1997) retrata que a proposta de educação de jovens e adultos despertou o interesse do presidente João Goulart que em 1963 compareceu ao encerramento de atividades de um círculo de cultura em Angicos.

O contexto vivido nos anos de 1960 era bastante dinâmico em termos de movimentação e organização popular. Nesse sentido, os variados sindicatos de trabalhadores, as ligas camponesas, as comunidades eclesiais de base (CEBs), o movimento de educação de base (MEB) e as agremiações de juventudes universitária, católica e operária se reuniam em torno das reformas política, econômica, fiscal, agrária e educacional propostas por João Goulart. O MEB, que era ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), atuou em regiões do nordeste brasileiro, historicamente reconhecidas pelas condições precárias de vida, e pautava suas ações educativas a partir dos princípios freirianos.

Em uma dimensão internacional, o mundo vivia o período da Guerra Fria (1946-1991) que marcava a disputa ideológica das potências que representavam o capitalismo e o socialismo, Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, respectivamente. O clima de perseguição e de propaganda contrárias ao comunismo se intensificou após o êxito da Revolução Cubana de 1959. Voltando ao Brasil, desde a década de 1950 no governo Vargas, já se tinha um descontentamento por parte da elite em razão das suas políticas nacional-trabalhistas, que oferecia aumento do salário mínimo, estatização do petróleo e controle das remessas de dinheiro das empresas estrangeiras. A situação política é tensionada ainda mais na década de 1960, com a política externa independente proposta por Jânio Quadros, que retomava as relações diplomáticas do Brasil com países socialistas, como Cuba e China. A renúncia de Jânio e a posse de João Goulart sinalizavam que as políticas de cunho trabalhista e contrárias às desigualdades iriam continuar.

Nesse sentido, Germano (1997) destaca que havia o entendimento de que era necessário investir na educação de jovens e de adultos para que o país alcançasse o desenvolvimento. Assim, a criação do Plano Nacional de Alfabetização, em 1964 orientado pelos pressupostos de Freire, entendia a educação como um instrumento capaz de mudar a sociedade, em razão do seu potencial de formação da consciência política de participação popular. Portanto, para Freire (1967), as demandas e reivindicações feitas pelo povo consciente de seus direitos e de sua realidade empreenderiam mudanças nos campos econômico, técnico e político. Logo, fica explícita a premissa freiriana (1989) que educar é um ato político, não podendo ser neutro, já que no decorrer do seu processo a criticidade e a autonomia vão sendo constituídas, revelando a consciência da participação e das suas relações com o mundo.

Desse modo, a educação, sendo um ato político, torna-se uma ação de criação, já que não trata apenas de memorizar ou repetir sílabas e/ou conteúdos, mas sim de construir relações, significações entre os saberes e o mundo, refletindo, assim, as questões que são próprias do sujeito e do contexto. Entretanto, as ações foram suspensas com o advento do Golpe Civil-Militar de 1964 que, nas palavras de Germano (1997, p. 391) representou:

[…] a reação das classes dominantes, e dos seus aliados norte-americanos, de amplos setores das classes médias e das Forças Armadas redundou na deposição de Jango e na implantação de um regime político de cunho ditatorial cuja principal preocupação era estancar, conter, as mobilizações sociais. É claro que a repressão atingiu duramente o campo educacional, a educação popular. Entre os atingidos encontrava-se, evidentemente, Paulo Freire: preso, processado, exilado, considerado subversivo.

O que se observou, portanto, foi o reconhecimento da educação popular como uma ameaça aos interesses dos grupos ligados às elites. A educação crítica, que busca a conscientização política, a participação e a emancipação foram postas sob à égide de comunistas, não tendo mais espaço para elas na conjuntura presente. Freire ficou 72 dias presos após o golpe e depois foi exilado no Chile. Em 1968 lança sua obra “Pedagogia do Oprimido”, que foi publicada em 1970 nos Estados Unidos e em 1974 no Brasil.

Os 21 anos de ditadura civil-militar foram marcados por violência, repressão, tortura, prisões ilegais e perseguição a sindicatos, organizações e entidades populares da sociedade civil e ligadas a instituições religiosas. Houve uma destacada ação da propaganda e de órgãos de controle e censura que ditaram os modi operandi do período em meio a resistências diversas. Já no final da década de 1970, com o desgaste do regime e a marcada transição democrática segura, lenta e gradual, homologa-se a Lei nº 6.683 de 1979 (BRASIL, 1979), que anistiou quem praticou e quem sofreu as sanções do regime. Nesse sentido, cabem dois comentários principais. O primeiro é que Paulo Freire retorna ao Brasil depois do seu exílio, com grande reconhecimento internacional, e vai trabalhar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com uma série de obras produzidas que seguiam a perspectiva da educação como ato político. O outro ponto que merece destaque é que a configuração da Lei da Anistia que perdoou quem praticou as ações da ditadura, ponto inédito quando observada outras normativas do tema nos demais países, não possibilitou que o país se reencontrasse com a própria história, fomentando revisionismos, negacionismos e até pedidos de retorno dos militares ao poder e ataques a instituições democráticas no contexto de emergência de ideias neoconservadoras.

3 István Mészáros: a crítica ao modelo educacional capitalista

A presente seção faz a partir de uma mirada panorâmica o levantamento dos principais aspectos de vida, de formação acadêmica e das obras de István Mészáros. Em relação ao autor, trata-se de “um filósofo conhecido por abordar temas como a globalização; a crise do capital; o imperialismo econômico; a sociologia do trabalho; o movimento socialista e demais assuntos do marxismo contemporâneo” (GONÇALVES, 2010, p. 632). Nascido em 1930 e falecido em 2017, o filósofo húngaro se interessa pelas questões de filosofia e política ainda na juventude, em razão do trabalho de operário que realizava em uma fábrica junto com a mãe. Para além das condições laborais precárias, o que mais o incomodava era a diferença salarial entre ele e a sua mãe, embora ela tivesse uma carga horária de trabalho igual ou superior à dele. Estudou com o filósofo Georg Lukács e se tornou um dos mais conhecidos comentaristas de sua teoria. Foi professor emérito da Universidade de Sussex no Reino Unido e teve a recepção de suas obras no Brasil a partir da década de 1980 com o livro “A Teoria da Alienação em Marx”. Mészáros tem como proposições a crítica ao capitalismo, marcando a revisão das bases da sociedade e do sistema como um todo, direcionando para o socialismo viável e as mudanças nas práticas educativas superando a perversidade do capital, que representa o fomento das desigualdades em suas distintas ordens. A respeito da sua obra A educação para além do capital, trata-se de um ensaio produzido para a abertura do Fórum Mundial de Educação realizado em Porto Alegre no ano de 2004. O pequeno volume da obra é proporcionalmente inverso à sua relevância para a compreensão do papel da educação na organização social. De forma densa, o autor expõe a complexa relação existente entre a educação e o capital, ressaltando a urgência de se romper com a lógica vigente.

Inicialmente, em sua obra, Mészáros apresenta citações de Paracelso (século XVI), José Martí e Marx acerca da educação, a fim de demonstrar a necessária mudança estrutural que possa nos levar para além do capital (ALBUQUERQUE; TAFFAREL, 2008). Posteriormente ele discorre acerca do capitalismo e seu impacto sobre a educação, e afirma que as soluções para superação do sistema não podem ser apenas formais, elas devem ser essenciais. Além disso o autor defende que a vida é aprendizagem desde a juventude até a velhice. Mészáros vê na educação a possibilidade da transcendência positiva da autoalienação do trabalho. O autor assinala as potencialidades do conhecimento para a promoção da mudança social. Recorrendo a Marx e Gramsci, ele faz uma retrospectiva historiográfica das ideologias que direcionaram as políticas educacionais no capitalismo (OLIVEIRA, 2006).

Mészáros entende que a proposição de emancipação realizada por Marx está intimamente ligada com as questões educacionais. Embora não se tenha uma obra marxista específica para a educação, o tema se apresenta como um componente contextual do período retratado em seus livros (FRIAS, 2006). O projeto emancipador de Marx que libera os sujeitos da condição de opressão e que os ascende ao reconhecimento dos diversos níveis de consciência, começa para Mészáros na transformação educativa, tendo, portanto, a educação papel fundamental na crítica ao capital.

O autor inserido na sua crítica ao capitalismo prevê que o sistema educacional deve ser revisto em suas bases, desde as heranças do Iluminismo, que formaram o ideal do homem moderno direcionado ao trabalho alienado, como pode ser observado nas diretrizes da educação fabril de Adam Smith até as fases atuais do capital, que mantêm a educação como reprodutora das desigualdades e dos discursos dominantes. Nesse sentido, a doutrinação e a internalização, são as duas categorias centrais que Mészáros nos apresenta para a crítica ao modelo educacional capitalista e necessárias ao novo projeto de sociedade.

Na visão meszariana, a doutrinação representa as tentativas e as ações, na maioria das vezes, bem-sucedidas, de que os indivíduos sejam educados para aceitar com naturalidade as condições impostas pelo capital, mesmo que elas sejam alienantes e reprodutoras das desigualdades. A perspectiva doutrinadora é alimentada ainda pelos discursos que apontam a ausência de alternativas e/ou de possibilidades de outros caminhos a serem percorridos, uma vez que, o capitalismo, através da doutrinação, foi posto como valor social corrente, ordem natural, racional e ideológica sofisticadas que não se devem alterar.

Já a internalização é para Mészáros a forma que a doutrinação ganha maior força, já que se refere aos processos de legitimação dos interesses capitalistas nas distintas bases da sociedade, ganhando aparência democrática e legal. Dessa forma, o sujeito internaliza as demandas e as pressões do modelo capitalista, inviabilizando as possibilidades de mudanças educacionais e dos valores preconizados na sociedade.

Desde a obra “A Teoria da Alienação em Marx”, Mészáros (2006) já dispõe que internalização é um mecanismo central para a manutenção da ordem vigente do capitalismo, pois legitima e justifica o uso de violências diversas como prática necessária à conquista de seus objetivos. Assim, para o autor (2006, p. 44),

[…] enquanto a internalização consegue fazer seu bom trabalho assegurando os paramentos reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência, podem ser relegadas a um segundo plano (embora de modo nenhum sejam permanentemente abandonadas) posto que são modalidades dispendiosas da imposição de valores.

A crítica meszariana sobre o processo de internacionalização do capital se intensifica quando encontra os estabelecimentos de ensino que são, para o autor, uma das instituições responsáveis por formar e internalizar os pressupostos capitalistas nos sujeitos. O autor destaca, porém, que embora não sejam os únicos a cumprir esse papel, existe um papel preponderante dos sistemas educativos. Desse modo, para Mészáros (2005, p. 44),

as instituições formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização. Mas apenas uma parte. Quer os indivíduos participem ou não por mais ou por menos tempo, mas sempre em um número de anos bastante limitado das instituições formais de educação, eles devem ser induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignada) dos princípios orientadores dominantes na própria sociedade, adequados a sua posição na ordem social e de acordo com as tarefas reprodutivas que lhe foram atribuídas.

A partir do destaque, percebe-se que o movimento de internalização é relevante, pois para além das questões da doutrinação, é requerido que as demandas do capital sejam colocadas de forma a parecerem legítimas, racionais e indispensáveis, tendo os aparelhos ideológicos do Estado um papel fundamental na inserção dos indivíduos para o cumprimento das proposições do sistema, bem como para preconizar reformas que estão a serviço dos interesses do capital. Na perspectiva meszariana, a internalização propõe que os sujeitos projetem para si a reprodução das metas e dos objetivos do sistema capitalista. Logo, quando o indivíduo toma para si os objetivos educacionais pró-capital, ele se afasta, cada vez mais, do sentido de educação defendido por Mészáros, sintetizado pela epígrafe supracitada de Paracelso.

Assim, a internalização é entendida por Mészáros como um mecanismo que garante a autosssustentação dos princípios capitalistas, defendidos na educação formal, que acaba por criar um movimento de consenso, de conformidade institucional e legal, que perpetua a ideia de que nada pode ser mudado. Em direção oposta à aceitação da alienação e das reformas educacionais implementadas sob a égide do capital, Mészáros propõe um entendimento de educação ampliado, que não se restringe aos processos educativos formais, que como dito, endossam a reprodução das práticas capitalistas. Dessa forma, o autor (2005, p. 48) escreve sobre sua proposta educativa que:

Considerando esse mais amplo e mais profundo significado da educação, que inclui de forma proeminente todos os momentos da vida ativa, pode concordar com Paracelso em que muitas coisas (praticamente tudo) é decidida para o bem ou para o mal, não apenas para nós como indivíduos mas simultaneamente também para a humanidade, em todas aquelas inevitáveis horas que não podemos ‘passar sem aprender’, isto porque a aprendizagem é a nossa própria vida.

Diferenciando do processo educativo do capital, que doutrina e internaliza interesses restritivos, Mészáros, novamente baseado em Paracelso, aproxima o aprender e o ensinar da vida cotidiana e das relações sociais das quais os sujeitos participam. Assim, na visão meszariana, existe a demarcação do compromisso social da educação com a transformação da sociedade, não podendo ficar ela sujeita às amarras do capital. Nesse sentido, o autor propõe um projeto educacional que é composto pela formação continuada das consciências a partir do modelo socialista, concebendo a educação de forma articulada com a mudança abrangente da sociedade. Mészáros frisa esse ponto, pois a formação da consciência socialista é o ponto de partida para a emancipação e para o reconhecimento de agência no processo de transformação social, subvertendo a ordem capitalista contrária a qualquer tipo de mudança estrutural.

A proposta de Mészáros ainda prevê que, a partir da educação como principal aliada para a formação da consciência socialista, se apresente uma crítica histórica dos modelos educativos pró-capitalistas, bem como de seus instrumentos de doutrinação e internalização, orientando o par ensino-aprendizagem para as experiências da própria vida, da própria realidade social. Nesse sentido, os processos da formação da consciência socialista, aliados aos demais fatores, conduzirão as transformações educacionais e a escrita de uma nova história.

O autor entende que a formação da consciência socialista é um desafio, principalmente no contexto atual de sociedade, mas que ela deve ser posta em prioridade, entendendo as dimensões de seus caracteres teórico e prático. Desse modo, Mészáros na obra “O desafio e o fardo do tempo histórico” reafirma que é através da consciência socialista formada que se conseguirá a intervenção e posterior mudança na sociedade, uma vez que para ele (2007, p. 302):

o papel da educação socialista é muito importante nesse sentido, sua determinação interna simultaneamente social e individual lhe confere um papel histórico único, com base na reciprocidade pela qual ela pode exercer sua influência e produzir um grande impacto sobre o desenvolvimento social em sua integridade.

Em razão das questões impostas pelo tempo em que vivemos, o desenvolvimento da consciência socialista faz-se necessário para que junto de uma nova filosofia educacional alcancemos os pressupostos de uma educação que forme para a vida e que desenvolva integralmente os sujeitos. Mészáros (2005, p. 17) ainda nos alerta que, em paralelo com a formação da consciência socialista, os sujeitos devem buscar e defender propostas sólidas de uma educação transformadora, já que

Naturalmente não é qualquer teoria que poderia fazê-lo. Uma vez que se tratava de constituir uma relação apropriada entre teoria comprometida com a ideia de uma mudança societária fundamental e com a força material que poderia fazer a diferença, era preciso satisfazer algumas condições de importância vital, sem as quais a ideia defendida da “teoria que penetra nas massas” equivaleria nada mais que um lema moralista vazio, como frequentemente foi o caso do discurso sectário/elitista.

Assim, a obra de Mészáros demonstra que é possível pensar em uma sociedade e em uma educação que transpõem as barreiras do capital, a partir da formação da consciência socialista, pautada em ações sistematizadas para o trabalho e para a transformação social da ordem vigente. O autor sublinha que tanto para as mudanças quanto para a formação da consciência, as questões educacionais não podem ser concebidas de forma apartada da sociedade, a fim de empreender a constituição de novos valores, bem como subverter as ordens da doutrinação e da internalização, que naturalizam as demandas de desigualdade e de reprodução dos interesses capitalistas. Nesse sentido, a educação tem papel fundamental para a conquista da emancipação dos sujeitos, uma vez que se configura como um instrumental potente para o enfrentamento do sistema capitalista e posterior mudança social. Nas palavras do autor (2007, p. 307),

somente por meio do mais ativo e constante envolvimento da educação no processo de transformação social-alcançado pela sua capacidade de ativar a reciprocidade dialética e progressivamente mais consciente entre os indivíduos e sua sociedade- é possível transformar em força operativa, efetiva, historicamente progressiva e concreta o que no início podem ser apenas princípios e valores orientadores genéticos.

Logo, Mészáros propõe uma organização de ações em prol da mudança da educação e da sociedade capitalista, comprometida com as propostas da agenda socialista e com o compromisso social da educação e do educador com a mudança do mundo em que vivemos. Em meio às variadas crises presentes na contemporaneidade, Mészáros entende que elas podem ser chaves para a esperança ativa de subversão da ordem vigente, tendo a educação um papel central de duas vias. A primeira refere-se ao impacto causado pela crise do capital e as tendências de reprodução da alienação. Pela outra via, a educação é uma das responsáveis pela transformação da sociedade, uma vez que, depois de superadas a alienação e a internalização, os sujeitos podem encontrar um sistema teórico-prático que os forma e os desenvolve integralmente, superando o modelo excludente do capitalismo. Tal como exposto nos escritos de Freire, Mészáros indica que é preciso promover a formação das consciências para que seja possível romper com o domínio do capital, fortalecer a militância política e fomentar a mudança social (SANTOS; BERTOLDO, 2016).

A aproximação das concepções de Freire e Mészàros é reafirmada por Hasse (2016) que assinala “[…] a coadunação das ideias de ambos autores, que partem da compreensão da sociedade tendo como parâmetro o ser humano e que tendem a resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação com o trabalho”. Paludo (2015) destaca que ambos autores têm a educação como ato político e, portanto, deve ser compreendida em sua totalidade e reconhecida como parte estruturante da sociedade. Nessa mesma perspectiva, Almeida (2004) e Contreras (2012) endossam o viés ontológico e humanista presente em ambos autores na proposição de ações que promovam a superação da alienação através da conscientização das camadas populares, tornando-as capazes de romper com o ciclo de naturalização do capitalismo.

4 Educação: uma questão histórica

O contexto social e político da educação brasileira é permeado por uma história de negligência e exclusão no qual a educação é marcada pela influência eurocêntrica, pela herança colonial de exploração e pelas profundas desigualdades sociais. À vista disso, a educação consiste em

um subproduto cultural histórico da dominação imposta de fora para dentro, do centro para a periferia. O analfabetismo, a crise da escola, e a dificuldade de aprendizagem da maioria dos alunos evidenciam que a educação nacional representa e sempre representou problema social grave que impede a construção de uma nação efetivamente democrática (GUIMARÃES-IOSIF, 2009, p. 23).

A busca pela justiça e igualdade em uma sociedade fundamentada nos princípios liberais, traz em sua concepção a meritocracia como um instrumento de manutenção dos diferentes estratos sociais nos quais a sociedade foi elaborada.

Até a década de 1960, a orientação escolar estava diretamente vinculada ao nascimento do indivíduo, ou seja, a ele seria ofertada a escolaridade condizente à sua classe. A discussão da justiça escolar na atualidade tem como ponto central a igualdade de acesso. Entretanto, o acesso à escola não garante o nivelamento da igualdade e não torna a competição que se estabelece, no contexto educacional, justa. Isso ocorre devido aos diferentes contextos sociais, econômicos e culturais nos quais os alunos estão inseridos, os quais exercem total influência sob sua trajetória escolar.

Nesse cenário ocorreram importantes transformações no pensamento de Paulo Freire, que salienta que somente a mudança interna dos indivíduos não ocasionará a transformação da realidade como um todo, que para isso será preciso romper com a realidade opressora. Essa conscientização ocorre a partir da apreensão da história e do marxismo, da compreensão daquilo que, embora estivesse presente em sua realidade, ainda não havia figurado no entendimento sobre a construção cultural dos sujeitos. As leituras de Marx e Hegel ofereceram a Freire o entendimento de um novo sujeito formado em um processo histórico material baseado nas condições reais da existência.

Freire (2011) na obra “Pedagogia da Autonomia” trata que a educabilidade, que se refere à capacidade de aprender, reside no reconhecimento do sujeito enquanto ser incompleto, indeterminado e que se constrói socio-historicamente nas relações. Entre as dinâmicas relacionais possíveis encontra-se o trabalho, que é compartilhado por Freire e por Marx como uma ação planejada e consciente do ser humano na natureza, capaz de o produzir socialmente. Conforme cita Marx (2013, p. 327), “[…] agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio”.

Lukács (2013) concorda com Marx que o trabalho transforma o sujeito em ser social, já que é o responsável por um salto ontológico, que transforma a essência e rompe com o que seria a ordem natural das coisas. Nesse sentido, a educação é necessária para a continuidade da quebra da animalidade e da constituição dos sujeitos históricos, com a produção e com a socialização dos conhecimentos produzidos. Portanto, enquanto o trabalho produz o ser humano, a educação o conscientiza da necessidade de sua (re)produção em cada sujeito.

Desse modo, Freire (2011) entende que a educação é uma prática formadora, por constituir os sujeitos considerando os aspectos sociais e históricos. Logo, a educação é a ação social que oferece oportunidade para que a vida social seja continuada, a partir da (re)produção da humanidade em cada sujeito. Portanto, Freire (2011) dispõe que a prática educativa, que é responsável pela continuidade do mundo social, não pode ser neutra, já que é uma forma de intervenção no mundo, composta por uma série de 27 saberes próprios do fazer docente, que evocam dimensões técnico-científicas do educador e suas formas humanas de experienciar e mudar o mundo. Sobre isso, Freire (2011, p. 23) afirma que

[…] devo deixar claro que, embora seja meu interesse central considerar neste texto saberes que me parecem indispensáveis à prática docente de educadoras ou educadores críticos, progressistas, alguns deles são igualmente necessários a educadores conservadores. São saberes demandados pela prática educativa em si mesma, qualquer que seja a opção política do educador ou educadora.

Com relação aos saberes didático-pedagógicos, o autor dispõe que independentemente do posicionamento ideológico do docente, ele deve buscá-los de forma sólida e comprometida com sua formação, já que são necessários à prática educativa e reverberam na constituição da autonomia dos estudantes. Embora sejam indispensáveis, Freire alerta que o processo educativo não se reduz ao treinamento nem à compreensão técnica dos conteúdos. Assim, o autor dispõe do reconhecimento da docência enquanto atividade própria dos seres humanos, compreendendo que o ato de formar, para além das disciplinas, é envolto do encontro com a boniteza, com a escuta, com a decência, com o afeto, com o diálogo, com a diversidade, com a humildade e com o desejo de bem ao próximo. Logo, a prática educativa deve coadunar os saberes técnicos com o amor e a alegria, representando os anseios e questões que fazem sentido aos alunos e a sociedade.

Dessa forma, novamente se endossa que a educação não é neutra, pois discentes e docentes falam de posições sociais distintas e que vivem e compõem práticas educativas em uma sociedade que é clivada por divisões em classes e que disputam projetos de cidadania, de democracia e de direitos humanos distintos. No mesmo sentido, Freire (2011, p. 108-109) afirma que

[…] para que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a serem encarnados. Era preciso que não houvesse, em nosso caso, por exemplo, nenhuma divergência em face da fome e da miséria no Brasil e no mundo; era necessário que toda a população nacional aceitasse mesmo que elas, miséria e fome, aqui e fora daqui, são uma fatalidade do fim do século. Era preciso também que houvesse unanimidade na forma de enfrentá-las para superá-las. Para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no mundo era indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano. Há uma incompatibilidade total entre o mundo humano da fala, da percepção, da inteligibilidade, da comunicabilidade, da ação, da observação, da comparação, da verificação, da busca, da escolha, da decisão, da ruptura, da ética e da possibilidade de sua transgressão e a neutralidade não importa de quê.

Frente à uma sociedade clivada e dividida na perspectiva de classes com projetos sociais antagônicos para os sujeitos, não é possível a educação atender a todas as demandas colocadas pelos sujeitos, uma vez que ela precisa corresponder dentro de sua práxis social, a algumas das questões presentes, propondo a intervenção, ou não, no cotidiano. Assim, Freire (2011, p. 75) discorre que

[…] não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. […]. Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?

Destarte, observa-se como um dos legados de Paulo Freire o reconhecimento da inerência de aspectos políticos, sociais e históricos na atividade educativa. Apesar dos constantes ataques e desqualificações das propostas freirianas na educação, realizados por grupos neoconservadores e reacionários, o discurso de Freire vive e é retomado com urgência como possibilidade de um horizonte para superarmos as mazelas educacionais que vivemos.

Neste movimento de entender o sujeito em sua realidade material, Freire (1992) retoma o conceito ontológico do termo “oprimido”, evidenciando-o como conceito de ordem dialética central para os dois autores quando retratam sobre a formação. Em um primeiro momento, entendido como um sujeito colonizado ao qual foi negada a própria história, e posteriormente, concebido também como aquele que em certo momento virá a emancipar-se, mas encontra-se preso às limitações impostas pela opressão. Assim, ainda que lhe seja permitida uma “libertação”, ela ocorrerá de acordo com as condições estabelecidas pelos opressores.

O referido autor apresenta o sujeito como produto de uma construção histórica e estabelece uma distinção entre o subalterno e o oprimido. Ao primeiro, em um contexto capitalista europeu, lhe foi retirado o capital. Ao segundo, lhe foi naturalizada a condição de inferioridade em relação ao outro. Assim,

[…] o caráter iniludível da desumanização não se mostra apenas em algo que está “escancarado” aos olhos de todos, como a miséria, a desnutrição, etc. Além de quaisquer dimensões formais, sob a perspectiva do oprimido, o caráter “iniludível” da desumanização o impele na luta por saber mais de si e das relações de opressão que determinam na sua existência como ser-para-outro (CHABALGOITY, 2015, p. 168).

Daí a importância de se tornar um ser de decisão, como os homens e mulheres que participaram dos movimentos revolucionários da década de 1960, sendo preciso refletir sobre o sentido mais antropológico do que antropocêntrico em nossas lutas. Somente dessa forma, ao entender o mundo em sua ampla e real complexidade será possível pensar em estratégias que rompam com o sistema opressor, onde “[…] poucos vivem à custa do sofrimento de muitos” (CHABALGOITY, 2015, p.168). Para compreender a educação no contexto social, Freire ressalta a importância do diálogo, concebendo a palavra enquanto uma categoria, que possibilita apreender as relações estabelecidas a partir da dialogicidade que ocorrerá através do contato com o outro. A palavra é uma estrutura complexa constituída por duas dimensões, a ação e a reflexão, que isoladas perdem todo o sentido e o potencial transformador.

A empregabilidade da palavra só se caracteriza enquanto meio de transformação a partir da práxis, da junção do refletir e agir conscientemente sobre determinado contexto. A palavra sem reflexão torna-se inautêntica, um verbalismo sem implicação social. Por sua vez, a ação sem a palavra consiste em um ativismo infundado. Portanto é na dialogicidade que os homens exercem sua existência, sua condição humana de pronunciar o mundo. É no encontro dos homens dispostos a dialogar a partir de suas práxis que a criação acontece.

Para o exercício de criar e recriar o mundo em dialogicidade com os homens, a empatia e a humildade entre estes e destes para com o ambiente são bases fundadoras de sua elaboração. Freire assinala que a autossuficiência é incompatível com o diálogo. É no encontro que o conhecimento é construído, na perspectiva de comunhão e não de sobreposição de saberes que privilegie este ou aquele. Não existem ignorantes ou sábios absolutos, existem homens em constante formação. Partindo dessa premissa outro elemento fundamental ao diálogo apontado pelo autor é a fé nos homens. Acreditar na capacidade de ser mais como um direito de todos e não apenas de grupos privilegiados. Ao mencionar a fé, Freire reitera a criticidade que deve acompanhá-la. Distante de uma crença cega, alienada a um propósito, a fé no homem caracteriza a sua existência enquanto agente de transformação. Ao passo que a confiança na ação dialógica proporciona a concretização das relações horizontais e da libertação.

Assim como Freire (1983), Mészáros (2005) identifica a educação enquanto instrumento de libertação, capaz de promover o pensamento crítico e a construção de conhecimentos significativos os quais são originados nos contextos sociais. Ambos os autores discorrem sobre a consciência da realidade, sendo esta mediatizadora e promotora de uma educação como prática da liberdade. A busca por esse entendimento consiste na investigação do que Freire chama de universo temático. No entanto as políticas empregadas nas instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, se orientam por uma lógica de quase mercado que tem na competição e nos resultados a finalidade da educação. A meritocracia atribui exclusivamente ao indivíduo a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso obtido em seu percurso. Aqueles que são convidados, ainda que indiretamente, a desistirem dos estudos são tachados como fracassados, desconsiderando todos os fatores externos que contribuíram para isso. Como apontado por Dubet (2004, p. 542),

o modelo meritocrático está longe, portanto, de sua realização; a competição não é perfeitamente justa. Em uma palavra: quanto mais favorecido o meio do qual o aluno se origina, maior sua probabilidade de ser um bom aluno, quanto mais ele for um bom aluno, maior será sua possibilidade de ascender a uma educação melhor, mais diplomas ele obterá e mais ele será favorecido.

Nesse sentido a educação e o trabalho estão interligados de modo que a primeira se torna condicionante para a obtenção de êxito no segundo. O valor atribuído aos diplomas não deve ser de responsabilidade exclusiva da escola, mas isso não a faz alheia ao processo de valorização de certas áreas em detrimento de outras. Segundo o autor:

existe uma clara injustiça quando se constata que os filhos das famílias desfavorecidas têm toda chance de ser conduzidos para ocupações não qualificadas e que, no fundo, a escola não é totalmente responsável por essa situação de fato. No entanto, existe uma injustiça ainda maior quando essa reprodução das desigualdades vem acompanhada de uma estigmatização e de uma desvalorização dos indivíduos. É ao mesmo tempo inútil e cruel, é uma injustiça feita aos alunos mais fracos, aos vencidos na competição escolar (DUBET, 2004, p. 552).

A justiça distributiva consiste na compensação das desigualdades levando em conta a realidade desigual das classes sociais, o que caracteriza uma discriminação positiva. Contudo, essa prática não soluciona o problema e pode resultar em uma política de garantia mínima das competências, limitando/nivelando o desenvolvimento dos indivíduos oriundos das classes menos favorecidas. Nesse sentido, Mészáros (2005) aponta que no capitalismo “[…] para que se aceite que todos são iguais diante da lei, se faz necessário um sistema ideológico que proclame e inculque cotidianamente esses valores na mente das pessoas” (MÉSZÁROS, 2005, p. 16). Ao inculcar esses valores, a desigualdade ganha respaldo sobre o discurso do mérito, no qual se desenvolve aquele que por esforço próprio, alcança o sucesso esperado.

Mészáros acreditava que a educação estava no centro da proposta de transformação socialista, de um modo sustentável e pleno. Mas, para assumir esse papel transformador, a educação precisa também ter centralidade nos processos de (re)produção da vida humana, garantindo sua existência, para além da continuidade das relações próprias do capital. Por isso, a (re)produção da vida humana e a educação precisam estar aliadas para que não se perpetue a visão de uma sociedade dividida, sem caráter revolucionário (MARX; ENGELS, 2007). Assim, Mészaros (2006) dispõe que “nenhuma sociedade pode perdurar sem seu sistema próprio de educação”, visto a centralidade na produção da vida.

O autor (2006, p. 295) assevera que a concepção de educação encaminha para “o significado real de educação, digno de seu preceito, é fazer os indivíduos viverem positivamente à altura dos desafios das condições sociais historicamente em transformação – das quais são também os produtores mesmo sob as circunstâncias mais difíceis.”

Observa-se uma aproximação com o entendimento de educação de Lukács (2013, p. 76) que afirma que “o essencial da educação dos homens, (…) consiste em capacitá-los a reagir adequadamente aos acontecimentos e às situações novas e imprevisíveis que vierem a ocorrer depois em sua vida”, além de um direcionamento marxista, de que os sujeitos fazem história, conforme os contextos sociais e as suas formas de transmissão. Portanto, os sujeitos herdam as condições sociais que lhes foram transmitidas de forma pregressa e atuam conforme as possibilidades concretas da vida material, que comporão o ciclo de transmissão dando continuidade ao processo social e a história da humanidade.

Nesse sentido, é interessante refletir sobre a articulação meszariana que a educação possui com outras categorias de sua teoria, para que se possa alcançar a emancipação humana, a partir da transformação socialista que a educação propõe. Embora possam parecer truísmos evidentes, é importante ter clareza que, para Marx (2013), a história da humanidade é marcada pela presença dos seres humanos que desde sempre consumiam e produziam objetos para a sua própria existência. Logo, as mudanças na natureza geradas pelas atividades produtivas é marca indissociável da (re)produção da vida.

Entretanto, Marx (2004) entende que a vida do ser humano está atrelada à natureza, já que ele precisa dela para viver, para satisfazer suas vontades. Assim, é o humano que constrói e que é construído como a natureza se apresenta, e como ele pode transformá-la, humanizando-a com o seu trabalho. As relações entre o homem, o trabalho e a natureza são amplas e complexas, tendo o próprio trabalho papel na transformação ontológica do ser humano, bem como na mudança da natureza, fruto da relação entre sujeito e objeto. Para Mészáros (2006, p. 145), o trabalho é entendido como

poderes essenciais do homem são as características e poderes especificamente humanos, isto é, aqueles que distinguem o homem das outras partes da natureza (…) [e] o denominador comum de todos esses poderes humanos é a socialidade. Mesmo os nossos cinco sentidos não são simplesmente parte de nossa herança animal. São desenvolvidos e refinados humanamente como resultado de processos e atividades sociais.

A sociabilidade em Mészáros é análoga ao sentido de essência humana em Marx e Engels (2007), que atribuem como uma abstração do indivíduo no conjunto das relações sociais. Assim, o trabalho é também a oportunidade para a fundação de novas possibilidades de questões e de necessidades, que representa a necessidade de autoconstituição e mediação do ser humano, na visão meszariana (2006).

Destarte, o trabalho pode ser entendido como causa, meio e fim da dinâmica constituinte do ser humano, enquanto sujeito social e histórico, uma vez que o diferencia da natureza, é responsável pela sua humanização e representa a sua condição de produção e de satisfação das questões que o forma enquanto humanos. Assim, os processos educativos e formativos são gerados a partir do acúmulo de transformações sociais e históricas geradas pelo trabalho, evidenciando a relação ontológica e inseparável do trabalho e da educação, em razão da produção do humano e de sua transmissão para a continuidade da humanidade.

Entretanto, se o humano for alienado do trabalho, põe-se o sujeito em uma posição de servidão, uma vez que o objeto produzido não pertence mais ao homem, já que não é ele mais que humaniza e subjetiva de forma objetiva o seu pertencimento. O encontro é com algo hostil, estranho que o inferioriza. Portanto, o ser humano não se reconhece na produção do seu trabalho, já que o produto não é a exteriorização ativa do seu processo laboral (MARX, 2004).

Assim, frente ao processo de alienação do trabalho que atinge as relações humanas com os objetos produzidos e com o próprio fazer do trabalho, Mészáros (2006, p. 80) retrata que o sujeito se separa da sua forma genérica, entendida como “um ser que tem consciência da espécie a que pertence, ou, dito de outro modo, um ser cuja essência não coincide diretamente com sua individualidade”, não se reconhecendo mais como humano e/ou entendendo seu trabalho como forma de humanização. Para Marx (2004, p. 83-84),

o homem é um ser genérico (Gattungswesen), não somente quando prática e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também – e isto é somente uma outra expressão da mesma coisa – quando se relaciona consigo mesmo como [com] o gênero vivo, presente, quando se relaciona consigo mesmo como [com] um ser universal, [e] por isso livre.

Logo, como a produção do trabalho do ser humano é alienada, ele acaba se alienando da relação com outros sujeitos. Nesse sentido, fica marcada a valorização do capital e da sua produção, que não é mais para o humano. Marx (2004, p. 83) retrata, então, que

chega-se, por conseguinte, ao resultado de que o homem (o trabalhador) só se sente como [ser] livre e ativo em suas funções animais, comer, beber e procriar, quando muito ainda habitação, adornos etc., e em suas funções humanas só [se sente] como animal. O animal se torna humano, e o humano, animal. Comer, beber e procriar etc., são também, é verdade, funções genuína[mente] humanas. Porém na abstração que as separa da esfera restante da atividade humana, e faz delas finalidades últimas e exclusivas, são funções [animais].

A humanidade, portanto, só se é sentida, fora do trabalho, evidenciando que a alienação, no mínimo, dificulta as relações entre os sujeitos e a natureza. Para Mészáros (2006, p. 78), a alienação pode ser observada como uma

“mediação da mediação”, isto é, uma mediação historicamente específica da automediação ontologicamente fundamental do homem com a natureza. Essa “mediação de segunda ordem” só pode nascer com base na ontologicamente necessária “mediação de primeira ordem” – como a forma específica, alienada, desta última.

Observa-se a redução das relações entre os seres humanos e a natureza a partir do par trabalho assalariado e capital, não focando mais na realização própria do sujeito. Por isso, especificando mais, Mészáros (2006, p. 81) compreende “a atividade produtiva é, então, atividade alienada quando se afasta de sua função apropriada de mediar humanamente a relação sujeito-objeto entre homem e natureza, e tende, em vez disso, a levar o indivíduo isolado e reificado a ser reabsorvido pela ‘natureza’.”

O sujeito já não contempla mais a sua produção, mas, sim, fica reduzido ao objeto produzido. Nessa perspectiva, Marx (2004) entende que o trabalho produz privação e deformidades, diferentemente do que as classes elitizadas usufruem. Assim, a relação de trabalho entre o ser humano e a natureza é restrita ao salário e a uma forma perversa de subsistência, desconsiderando totalmente os objetos que foram produzidos. Os sujeitos são desumanizados e medidos com as demandas do capital, tendo a sua existência sentido único: a do trabalho na perspectiva capitalista. Quando se pensa a educação nesse panorama, ela deve ser reduzida e circunscrita à formação para o trabalho, o qual, segundo Marx (2013, p. 271-272), deve ser de “padrão médio de habilidade, eficiência e celeridade”, direcionada ao laboro. É nessa direção que Mészáros (2006) entende a alienação do trabalho como expressão comum e causa das demais alienações, já que existe uma inversão do sentido do trabalho: ele deixa de ser elemento fundante e responsável pela (re)produção da vida e da humanidade, para se reduzir a uma produção estranha no capitalismo e uma formação reduzida.

Por isso, é relevante pensar a categoria de alienação em Mészáros para entender sua compreensão de educação, já que ela está relacionada com a humanização e com a transformação socialista da sociedade. Destarte, a mediação política, ponto a ser tratado a seguir, é um outro elemento que corrobora possíveis explicações para que o trabalho continue sendo uma atividade alienada.

Marx (2004) entende que a revolução social é aberta quando se tem uma contradição entre as relações de produção e de propriedade existentes. Nesse sentido, a dimensão política é importante para mediar e chancelar os conflitos próprios das ordens de produção. Assim, para além de um processo econômico, observa-se a necessidade de atuação da esfera política para que outras formas de produção e a revolução social ocorram. Logo, para Marx (2012), a política precisa ser entendida em uma direção de mediação, uma vez que a homologação de leis ou de sanções, restritamente não conseguirão reestabelecer a humanização e a continuidade da humanidade pelo trabalho. Mészáros (2006) sublinha que a ação política isolada em si, não é capaz de superar a alienação, uma vez que, mesmo que qualquer Estado seja destruído, continuarão existindo estruturas, tais como da propriedade privada, que estão a serviço da reprodução do capital.

Nessa perspectiva, a educação assume para Mészáros (2006) uma postura mediadora que orienta a se desenvolver refletindo sobre a humanização do trabalho e a (re)produção da vida, já que aprendemos continuamente. Contudo, é preciso estar atento sobre o que se aprende e a quem a aprendizagem serve: a satisfação dos sujeitos ou a alienação do capital?

Pensando em uma educação para além do capital, Mészáros dispõe que existem indivíduos que sobrepõem relações individuais para o coletivo, reificando uma dimensão capitalista, entendendo o significado da (re)produção da vida como fomento da ideologia dominante. Nesse sentido, a educação não está restrita a instituições formais de ensino, pois, segundo o autor, elas são em grande maioria, mas não as únicas, responsáveis pela internalização dos pressupostos capitalistas. Cumpre ressaltar que não se tem aqui uma negativa das contribuições da educação formal, mas sim o entendimento estrutural que tais instituições têm servido de forma sistemática aos interesses do capital.

O que Mészáros (2005, p. 58-59) reivindica é uma educação plena, para a vida, que contribua para a transformação socialista e

que todas as dimensões da educação podem ser reunidas. Dessa forma, os princípios orientadores da educação formal devem ser desatados do seu tegumento da lógica do capital, de imposição de conformidade, e em vez disso mover-se em direção a um intercâmbio ativo e efetivo com práticas educacionais mais abrangentes (…). Sem um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como “a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar as suas muito necessárias aspirações emancipadoras. Se, entretanto, os elementos progressistas da educação formal forem bem-sucedidos em redefinir a sua tarefa num espírito orientado em direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, eles poderão dar uma contribuição vital para romper a lógica do capital, não só no seu próprio e mais limitado domínio como também na sociedade como um todo.

Assim, vislumbra-se a criação de uma alternativa de educação distinta à do capital, que pode ser concretizada por um processo revolucionário, que congrega aspectos políticos e que ao mesmo tempo, subverte as legislações e normas. Por isso, Mészáros (2007) insiste no papel da educação no combate à alienação e no reencontro do sujeito com a potência da (re)produção da humanidade.

Tanto Mészáros quanto Freire expressam a partir dos seus textos a ideia de que a educação, do modo como está instituída, é um mecanismo de manutenção da estrutura capitalista e por isso defendem a necessidade de romper com essa lógica. Mészáros destaca que a educação institucionalizada, serviu - no seu todo – ao propósito não só de fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema capital, como também gerou e transmitiu o quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Ele deixa claro que não é a educação formal que consolida o capital, assim como ela sozinha não se configura como uma alternativa para a emancipação. A educação formal deve estar acompanhada das demais práticas de ensino na busca pelo rompimento da lógica de mercado, o que dialoga com Freire, quando este afirma que o homem não está separado do mundo, ele está a todo momento se relacionando, e consequentemente, aprendendo com e por meio da realidade que o cerca. Afinal, “a educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 1987, p. 70).

De acordo com a concepção freiriana, uma educação libertadora é aquela que possui como função transformar o modo de pensar das pessoas, para que elas possam promover a mudança. Nesse sentido compartilha da concepção dada por Mészáros, ao passo que este afirma que a educação para ser libertária e emancipatória deve reconhecer que os acontecimentos, que a dinâmica histórica, é resultado da intervenção dos seres humanos.

Os dois autores expressam a ideia da transformação, ressaltam a importância dela, uma vez que não basta enxergar e compreender o mundo no qual encontra-se inserido, é necessário agir. Essas ações devem ser progressivas, sendo a conscientização a estratégia fundamental para a revolução social. À vista disso, a educação é o instrumento primordial para alterar a concepção de mundo eurocêntrica. Para ambos os autores, educar não é só transferir conhecimento, é fazer com que os indivíduos reconheçam que a história é dialética, que os sujeitos são ativos e, portanto, possuidores do direito de conduzir e construir sua própria realidade. Ambos compreendem a educação como elemento fundamental para a emancipação humana, como uma prática libertadora e fundamental para a leitura e pronúncia do mundo.

5 Considerações finais

O presente artigo se propôs a elucidar a proximidade entre o pensamento freiriano e meszariano, os quais defendem que o direito ao acesso à educação de qualidade seja assegurado a todos. Freire e Mészáros acreditam na potencialidade da educação como instrumento de emancipação e, consequentemente, de promoção da libertação do homem. Além disso, reconhecem o interesse do capital sobre a mesma, as fragilidades da educação frente ao contexto social, político e econômico, e a necessidade de superar as limitações através da conscientização e do reconhecimento de classe. Para ambos, a mudança ocorrerá a partir do pensamento e da ação coletiva. Posto isso, ressaltamos a urgência da mobilização coletiva em prol da emancipação, sendo fundamental substituir a competição pela cooperação. A tomada de consciência e o reconhecimento de classe são fundamentais para impedir que a ignorância leve à deturpação da realidade. Esses são os primeiros passos para o caminho da superação das desigualdades.

Para tanto, o texto propôs a discussão acerca da categoria de educação emancipadora, observando os estudos de Freire e Mészáros. Nesse sentido, além de destacar os elementos idiossincráticos de vida e de formação, elencou-se o entendimento comum de educação, ressaltando o seu caráter de proposição de mudanças sociais, em razão da agência dos sujeitos que constroem e são construídos em um processo dialético, entre os indivíduos, os contextos e os tempos históricos. O exercício realizado, foi no mínimo indicioso, para se refletir sobre o reconhecimento da educação e do educador, em um sentido emancipatório, propor críticas e outros horizontes para que seja preconizado um processo formativo holístico, integral, laico e de qualidade socialmente referenciada.

Em tempos em que o negacionismo encontra respaldo nos discursos oficiais do governo brasileiro, torna-se ainda mais urgente o que Freire e Meszáros há muito identificaram: a conscientização coletiva dos sujeitos com vistas à transformação da realidade. No ano de comemoração do centenário de Paulo Freire, o presente artigo se apresenta como um convite, um convite à luta pela educação, pelo respeito, pelo reconhecimento e valorização dos trabalhadores da Educação. Que o obscurantismo sucumba à luz do conhecimento, que o individualismo dê espaço à coletividade e que a educação, em seu sentido mais amplo, aconteça de acordo com a premissa do nosso Patrono Nacional da Educação, transformando pessoas, para que elas transformem o mundo.

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Notas de autor

1 Licenciada em Pedagogia e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – Viçosa/MG – Brasil. E-mail: thaiscarvalho471@gmail.com.
2 Licenciado em História e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – Viçosa/MG – Brasil. E-mail: derossi.caio@gmail.com.
3 Bolsista FAPEMIG. Graduada em Pedagogia e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – Viçosa/MG – Brasil. E-mail: karlaladeira1@gmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): CARVALHO, T. C.; DEROSSI, C. C.; FONSECA, K. H. L. Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 405-424, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p405-424. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16010.

COMO CITAR (APA): Carvalho, T. C., Derossi, C. C. & Fonseca, K. H. L. (2021). Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 405-424. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p405-424

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