Artigos Originais

A qualidade do Ensino Médio Integrado frente à reforma pela Lei 13.415/17

The quality of Integrated High School in view of the reform by Law 13.415/17

La calidad del Bachillerato Integrado ante la reforma por la Ley 13.415/17

Juliano Gomes da Silva 1
Brasil
Francisco Frederico Pelinson Arantes 2
Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais, Brasil

A qualidade do Ensino Médio Integrado frente à reforma pela Lei 13.415/17

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 1, 2022

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2022 pelos autores.

Recepción: 04 Agosto 2021

Aprobación: 21 Marzo 2022

Resumo: O Ensino Médio Integrado obteve conquistas, como o Decreto 5.154/04, que o instituiu, a Lei 11.892/08 de criação dos Institutos Federais e a Resolução n° 6 do Conselho Nacional de Educação, com diretrizes curriculares dessa modalidade. Entretanto, a atual reforma do Ensino Médio, Lei 13.415/17, pode prejudicar tal modalidade separando a Educação Profissional da Básica, reduzindo carga horária propedêutica e eliminando disciplinas de Humanas. Diante desse cenário, buscou-se neste trabalho defender a qualidade do Ensino Médio Integrado, no seu formato atual como educação básica e profissional indissociáveis e formação omnilateral, levantando seus possíveis diferenciais para carreira, formação continuada e cidadania, junto a egressos que atuam na indústria petrolífera no norte do estado do Rio de Janeiro. Verificou-se que das 209 pessoas que acessaram o questionário aplicado, 129 responderam e consideraram essa modalidade um diferencial para: o mundo do trabalho (79,1%); base geral e científica (71,3%); busca do ensino superior na área (59,7%) e consciência cidadã (45,7%). Esses resultados reforçam a importância e qualidade do Ensino Médio Integrado enquanto formação indissociável e omnilateral, que reflete positivamente na vida dos seus egressos.

Palavras-chave: Ensino médio integrado, Educação profissional, Formação omnilateral.

Abstract: The Integrated High School has achieved realizations, such as Decree 5154/04 that established it, Law 11892/08 created the Federal Institutes, and Resolution 6 of the National Council of Education with the guidelines for this modality. However, the current reform of High School, Law 13415/17, can deconstruct this modality separating Vocational Education from Basic Education, reducing preparatory work load and eliminating Humanities subjects. Therefore, this work aims to defend the quality of current Integrated High School as basic and professional education, inseparable and omnilateral, raising its possible differences in terms of career, study and citizenship, with Integrated High School graduates who work in the oil industry in the North region of Rio de Janeiro state. It was found that, out of 209 people who accessed the questionnaire, 129 answered it and considered this modality a differential for the world of work (79.1%); general and scientific basis (71.3%); pursuit of higher education in the area (59.7%) and citizen awareness (45.7%). These results reinforce the importance and quality of Integrated High School because it enables an omnilateral education, which reflects positively on the lives of the Integrated High School graduates.

Keywords: Integrated High School, Vocational education, Omnilateral formation.

Resumen: El Bachillerato Integrado ha logrado conquistas, como el Decreto 5154/04 que lo instituyó, la Ley 11892/08 que crea los Institutos Federales, y la Resolución 6 del Consejo Nacional de Educación, con las directrices curriculares de esa modalidad. Sin embargo, la actual reforma del bachillerato, Ley 13415/17, puede deconstruir esta modalidad, separando la Educación Profesional de la Educación Básica, reduciendo la propedéutica y eliminando las disciplinas de Humanidades. Ante eso, este trabajo buscó defender la calidad del Bachillerato Integrado, en su formato actual, como educación básica y profesional inseparable y omnilateral, planteando sus posibles diferenciales en la carrera, estudios y ciudadanía, junto a egresados que trabajan en la industria petrolera en la región Norte del estado de Rio de Janeiro. Ha sido posible verificar que, de las 209 personas que accedieron al cuestionario aplicado, 129 respondieron y consideraron esta modalidad un diferencial para: el mundo del trabajo (79,1%); base general y científica (71,3%); búsqueda de la educación superior en el área (59,7%) y conciencia ciudadana (45,7%). Estos resultados refuerzan la importancia y la calidad del Bachillerato Integrado, como formación indisociable y omnilateral, que refleja positivamente en la vida de sus egresados.

Palabras clave: Bachillerato integrado, Educación profesional, Formación omnilateral.

1 Introdução

No Brasil, as políticas nacionais relativas à Educação Profissional e Tecnológica (EPT), conforme resumem Moraes e Albuquerque (2019), iniciam-se em 1909 com as Escolas de Aprendizes Artífices de Nilo Peçanha, passando pela regulamentação do Ensino Industrial, em 1942, com Getúlio Vargas e Gustavo Capanema. Depois, entre 1950 e 1970, a Teoria do Capital Humano orientou tais políticas, estando inserida, por exemplo, na lei de diretrizes e bases da educação, Lei 5.692/71, de conteúdo tecnicista/produtivista e, portanto, distante de uma formação omnilateral e limitadora do acesso ao ensino superior, sobretudo da classe trabalhadora. A partir de 1978, vieram as reformas dos governos militares e a criação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET). Após, em 1996, foi publicada a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9.394, que indo contra as expectativas, não tornou possível a perspectiva de uma educação omnilateral, culminando no Decreto 2.208/1997 que estabeleceu para educação profissional uma organização curricular própria e independente do ensino médio.

A partir da primeira e parte da segunda década do séc. XXI, vislumbraram-se novas e importantes conquistas para a EPT por meio de políticas educacionais, como o Decreto 5.154/2004, que resgatou a integração do ensino médio à educação profissional, instituindo o Ensino Médio Integrado (EMI), a Lei 11.892/2008, que criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF) e a Resolução nº 6, de set./2012, pelo Conselho Nacional de Educação e pela Câmara de Educação Básica (CNE/CEB), que definiu as diretrizes curriculares nacionais para educação profissional técnica de nível médio. Conforme nos lembram Bonfim et al. (2019, p. 2), o EMI vem tentando se consolidar no cenário educacional brasileiro como alternativa à dualidade histórica do ensino médio, dividida entre a educação profissional para filhos da classe trabalhadora e a educação propedêutica para os filhos das classes dirigentes.

Entretanto, nos últimos anos, na direção contrária ao que a EPT vinha construindo, sobretudo com o avanço do EMI, foi publicada a proposta de reforma educacional do Ensino Médio, pela Lei 13.415/2017, deflagrada sem consulta das partes, por uma medida provisória (MP n.º 746/2016), trazendo novamente à tona uma tendência tecnicista/produtivista e a dualidade ensino propedêutico/profissionalizante. Conforme sinalizado por Ramos (2017), dentre os possíveis impactos dessa reforma no EMI, podemos citar: a criação de itinerários formativos, que impossibilitam a formação integral do aluno, uma vez que o mesmo deverá optar por um dos itinerários, tornando-se apto em uma das áreas em detrimento das demais; redução da carga horária da base nacional curricular comum para 1.800 horas; possibilidade de eliminação de disciplinas da área de humanas, como Filosofia e Sociologia; possível separação da Educação Profissional da Educação Básica (por meio da transformação da primeira em um dos itinerários formativos); possível redução da carga horária da Educação Profissional, deixando-a como um itinerário de apenas 600 horas, o que inviabilizaria o cumprimento do disposto na Resolução CNE/CP Nº 1, de 5 de janeiro de 2021, que prevê uma carga horária mínima de 3.000 horas para o EMI (para atender à resolução são necessárias 1.200 horas de educação profissional, uma vez que a carga horária máxima da base nacional comum é de 1.800 horas).

Corroborando com essa reflexão, Ferreti (2018) questiona a concepção de qualidade da educação em que se baseia a atual reforma do Ensino Médio e os interesses econômicos, políticos e ideológicos contemplados. O autor destaca, ainda, que, sem uma estruturação adequada, a reforma pode levar a um aumento das desigualdades sociais. Diante desses impactos negativos, podemos dizer que os eixos ciência, tecnologia e cultura, base do EMI, tornam-se vulneráveis, inviabilizando uma formação plena que prepara o aluno para o mundo do trabalho e para uma vida atenta e atuante, frente aos problemas histórico-sociais.

Além dessas preocupações relativas a perdas no EMI, há de se considerar também os reflexos negativos no mundo do trabalho. Segundo uma pesquisa sobre mercado de trabalho, publicada pelo Boletim n.º 66 do IPEA (2019), trabalhadores pouco qualificados são mais propensos a sofrer demissões devido à automação de suas tarefas e, portanto, haverá demanda por novos tipos de trabalhadores e de alta habilidade, que sejam capazes de realizar tarefas complicadas que requerem experiência, especialização, pensamento abstrato e autonomia. Destacam-se também os impactos sobre a mão de obra frente às inovações tecnológicas, que podem ser determinantes na demanda por uma formação e visão politécnica.

Diante desse cenário preocupante, provocado pela atual reforma do Ensino Médio (Lei 13.415/2017), buscou-se evidenciar neste trabalho a importância, relevância e a qualidade do EMI para estímulo à continuidade dos estudos, fortalecimento e fomento de princípios éticos, alicerçados no exercício da cidadania, e crescimento profissional. Para tal, realizou-se uma pesquisa para verificar junto a uma população de egressos que prestam serviços na indústria petrolífera da região Norte Fluminense os possíveis diferenciais proporcionados por essa modalidade de ensino.

2 Metodologia

O procedimento metodológico adotado para estudo dos possíveis diferenciais proporcionados aos egressos do EMI, foi uma pesquisa exploratória qualitativa, de opinião pública, que proporcionou maior familiaridade com o problema e permitiu o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições a respeito do assunto (GIL, 2002).

A pesquisa consistiu na aplicação de um questionário contendo 5 (cinco) perguntas objetivas, disponibilizado de forma virtual, aleatória e anônima, a egressos do EMI que atuam na prestação de serviços na indústria petrolífera da região Norte Fluminense.

Como a pesquisa envolvia seres humanos, foi feita, antes da aplicação do questionário, uma consulta ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IF Sudeste MG (devido ao vínculo). Segundo orientação desse Comitê, estávamos dispensados de submeter o trabalho ao sistema CEP/CONEP, por se tratar de uma pesquisa na área de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, com metodologia que envolve uma pesquisa de opinião pública, com participantes não identificados, enquadrando-se, assim, no artigo 1, parágrafo único, item I da Resolução CNS n.º 510, de abril de 2016. De acordo com essa resolução, pesquisas de opinião pública são todas que envolvem “consulta verbal ou escrita de caráter pontual, realizada por meio de metodologia específica, através da qual o participante, é convidado a expressar sua preferência, avaliação ou o sentido que atribui a temas, atuação de pessoas e organizações, ou a produtos e serviços; sem possibilidade de identificação do participante”, estando incluídas as consultas realizadas por meio de entrevistas. Em adição, o Comitê sugeriu que adaptássemos ao questionário um termo de consentimento livre esclarecido, como forma de reforçar a clareza a respeito da pesquisa com os participantes.

Após a consulta ao CEP, a pesquisa foi iniciada, adotando-se, como meio de envio do questionário, um sistema interno de pesquisa virtual – GPESQ (Gerador de Pesquisas e Avaliação), que possibilitou o encaminhamento para participantes de diversos setores de uma empresa petrolífera da região Norte Fluminense, sem que fossem identificados. Junto ao questionário foi enviado o termo de consentimento livre e esclarecido, ratificando o anonimato do participante, o caráter voluntário e opinativo da pesquisa, o objetivo e a justificativa do trabalho e o contato dos autores (para esclarecimento de dúvidas). Caso concordassem em contribuir, estariam cientes da pesquisa, podendo suscitar novas dúvidas ou desistir da participação a qualquer momento.

Foram replicados questionários para 10 setores da empresa, tendo ocorrido 209 acessos e 129 respondentes. A falta de acesso pelos demais convidados se deve ao fato de boa parte trabalhar em regime offshore (embarcados) e por isso fazerem jus a folgas acumuladas, impossibilitando o acesso ao questionário enviado via sistema de pesquisa. Quanto aos que acessaram o questionário, mas não responderam, deve-se ao fato de não serem egressos do EMI. Os 129 participantes responderam questões sobre área de formação, facilidade de ingresso no mercado de trabalho, base de conhecimentos gerais para continuidade dos estudos, busca do ensino superior na mesma área e percepção enquanto sujeito transformador em sociedade. A partir dos dados coletados, foram realizadas análises correlacionando as respostas do questionário com os principais valores do EMI (indissociabilidade e omnilateralidade), e com a atual reforma do Ensino Médio, de forma a demonstrar como tais valores refletem positivamente na vida dos egressos, no mercado de trabalho e na sociedade.

Cabe esclarecer que a escolha da indústria petrolífera no Norte Fluminense, para a pesquisa, se deu pelo fato de um dos autores residir na região e por essa indústria demandar vários cargos de formação técnica, atraindo os egressos do EMI, principalmente os oriundos do Instituto Federal Fluminense (IFF). Segundo registros disponíveis na página eletrônica desse instituto, sua história conta com um capítulo à parte, escrito no ano de 1974, quando a Petrobras anunciou a descoberta de campos de petróleo no litoral norte do estado do Rio de Janeiro. Tal descoberta influenciou diretamente a história do IFF, que se tornou o principal formador de profissionais com possibilidades de atuação no ramo petrolífero, principalmente nas Áreas de Controle/Processo, Tecnologia da Informação e Computação (TIC), Ambiental/Saúde e Segurança, que são as de maior oferta na região.

3 Resultados e Discussão

A seguir, estão apresentados os resultados da pesquisa a partir do questionário digital aplicado aos egressos do EMI, atuantes na indústria petrolífera da região Norte Fluminense, e a relação de suas respostas com os princípios norteadores do EMI e o referencial teórico abordado neste trabalho.

Questão 1 - Qual sua área de formação no EMI?

Área de formação dos egressos consultados
Gráfico 1.
Área de formação dos egressos consultados
Fonte: Elaboração própria a partir das respostas ao questionário da pesquisa

A partir da análise do Gráfico 1, podemos observar que boa parte dos egressos respondentes (41,9%) se formaram nas áreas de maior oferta de cursos técnicos integrados da região Norte Fluminense, com destaque para a área de Controle e Processos, o que mostra um alinhamento com as vocações centrais da região. Os demais respondentes (58,1%) formaram-se em outras áreas que também os habilitaram a atuarem na indústria petrolífera. Em qualquer uma das duas análises, o intuito da pergunta foi de assegurar que os respondentes egressaram do EMI, independente da área. Estima-se que a formação desses egressos se deu entre os anos finais da primeira década do séc. XXI e parte da segunda, período este posterior ao surgimento do EMI pelo Decreto n.º 5.154/2004 (BONFIM et al. 2019). Além disso, conforme analisam Piquet et al. (2017, p. 202), até os anos de 2014 a região Norte Fluminense pôde usufruir da prosperidade proporcionada pela geração de postos de trabalho de níveis elevados de qualificação e remuneração, na indústria petrolífera.

Questão 2 - Em que medida, o EMI facilitou seu ingresso e permanência no mundo do trabalho?

EMI como facilitador para ingresso e permanência no mundo do trabalho
Gráfico 2.
EMI como facilitador para ingresso e permanência no mundo do trabalho
Fonte: Elaboração própria a partir das respostas ao questionário da pesquisa

Abordar o ingresso no mundo do trabalho, diante das desigualdades socioeconômicas do Brasil, se faz urgente. Desigualdades que afetam a maioria dos jovens, que precisam trabalhar tão logo se formam, para buscarem melhoria de vida, inclusão social e realizações. No Gráfico 2, quase 80% dos respondentes atribuíram ao EMI a facilidade de ingresso e permanência no mundo do trabalho, mostrando o valor dessa formação integral para o mercado de trabalho, que cada vez mais, segundo pesquisa publicada pelo Boletim n.º 66 do IPEA (2019), requer profissionais de visão crítica, domínio de conhecimentos específicos e gerais, visão de mundo, boa comunicação, enfim, habilidades politécnicas que se desenvolvem pela integração de disciplinas técnicas, científicas, humanas e culturais, e não por meio dos itinerários formativos desintegradores, propostos pela atual Reforma do Ensino Médio. Ramos (2014, p. 7) entende a politecnia como um princípio de múltiplas técnicas, para expressar uma concepção de educação que visa proporcionar aos sujeitos a compreensão dos fundamentos científicos, tecnológicos, sociais, históricos, culturais da produção da vida.

Questão 3 - Em que medida, o EMI lhe proporcionou conhecimentos científicos e gerais para continuidade dos estudos?

EMI como base para continuidade dos estudos
Gráfico 3.
EMI como base para continuidade dos estudos
Fonte: Elaboração própria a partir das respostas ao questionário da pesquisa

Considerando que mais de 70% dos egressos veem no EMI uma base de conhecimento científico e geral, podemos inferir o engajamento dos respondentes na continuidade dos estudos e refletir a importância da indissociabilidade entre o Ensino Básico e Profissional como valor do EMI. Segundo Carneiro (2012, p. 160), “o nível de formação intelectual dos alunos no campo da educação básica lhes dá as condições necessárias para ingressarem no ensino superior sem problema. Possuem, os alunos egressos destas instituições, uma educação geral conjugada a uma formação técnica de alto padrão”.

A citação de Carneiro é ratificada no Gráfico 3 com o percentual de egressos que consideraram que o EMI proporcionou uma base de conhecimentos científicos e gerais para a continuidade dos estudos. Isso reforça a qualidade do formato atual dessa modalidade de ensino, que possibilita uma formação integral, preparando seus estudantes para serem sujeitos de suas vidas e ampliarem suas capacidades, ao contrário de uma formação “programada” e restritiva, como a proposta pela atual reforma do Ensino Médio.

Questão 4 - Em que medida, o EMI lhe motivou a seguir os estudos em áreas correlatas, no ensino superior?

EMI como motivação para buscar área correlata no ensino superior
Gráfico 4.
EMI como motivação para buscar área correlata no ensino superior
Fonte: Elaboração própria a partir das respostas ao questionário da pesquisa

Historicamente os cursos de bacharelado eram vistos como reservados e alcançáveis somente a alguns grupos, enquanto a EPT, era considerada um caminho de “segunda classe”. Entretanto, vemos no Gráfico 4 que quase 60% dos respondentes consideraram o EMI um itinerário para o nível superior, o que sinaliza uma possível superação do dualismo entre a EPT e o Academicismo. De acordo com Schwartzman (2016, p. 17),

Se, no passado, a educação profissional era vista como uma alternativa de segunda classe para os jovens que não conseguiam ingressar nas escolas secundárias acadêmicas, hoje ela é buscada por muitos como uma opção de igual ou maior valor, tanto pelas oportunidades mais imediatas de trabalho que proporciona como pela experiência prática e possibilidade de continuar estudando e desenvolvendo-se ao longo da vida, adaptando-se às inevitáveis mudanças que continuarão ocorrendo no mercado de trabalho.

Essa citação de Schwartzman reflete o exposto no Gráfico 4 e de forma geral, nos anteriores, embora a atual reforma do Ensino Médio traga consigo uma tendência de retrocesso à superação desse dualismo.

Questão 5 - Em que medida, o EMI o despertou para uma consciência de sujeito transformador social?

EMI como despertar de uma consciência social
Gráfico 5.
EMI como despertar de uma consciência social
Fonte: Elaboração própria a partir das respostas ao questionário da pesquisa

Esse resultado de 45,7% dos respondentes (Gráfico 5), convictos de sua responsabilidade social, é razoável. Entretanto, para uma questão tão importante para os educadores, durante o processo de formação dos alunos, chama a atenção este resultado que quando comparado aos demais gráficos da pesquisa, foi o que apresentou o menor percentual e uma relação mais próxima entre o número de respondentes que atribuíram nota máxima e mínima. Nessa linha, cabe destacar a importância das disciplinas-base da área de Humanas, ameaçadas pela atual reforma do Ensino Médio, mas que são imprescindíveis para a formação social do indivíduo e a superação de um ensino meramente tecnicista. Segundo Gramsci (1978 apud MONASTA, 2010, p. 66-67),

A escola profissional não deve se transformar numa incubadora de pequenos monstros aridamente instruídos para um ofício, sem ideias gerais, sem alma, mas apenas com o olho infalível e mão firme. Também através da cultura profissional é possível fazer brotar do menino um homem; desde que essa cultura seja educativa e não só informativa, ou não só prática e manual.

Entendemos que a educação tem buscado ir além da preparação técnica para o mercado e acadêmica para os vestibulares e ENEM. O resultado do Gráfico 5, no entanto, pode indicar uma necessária reavaliação da importância das disciplinas de Humanas. De toda forma, isso não diminui o resultado desta pesquisa, haja vista os gráficos anteriores, que reforçam o potencial do EMI em proporcionar crescimento profissional, pessoal e social aos seus egressos.

4 Considerações finais

Os possíveis impactos da atual reforma do Ensino Médio ao EMI, são preocupantes. A dissociação entre Ensino Básico e Profissional, somada a um reducionismo formativo (redução disciplinas, carga horária, etc.), impossibilita uma formação omnilateral que articula trabalho, ciência, tecnologia e cultura, desenvolvendo no aluno habilidades específicas e uma compreensão da totalidade da vida social e produtiva.

Com os resultados obtidos nesta pesquisa, podemos concluir que o EMI, enquanto apoiado na indissociabilidade entre Educação Básica e Profissional e na omnilateralidade, é um caminho promissor para seus egressos, proporcionando-lhes diferenciais tanto para carreira, como facilidade de ingresso no mundo do trabalho; base e motivação para continuidade dos estudos e consciência como sujeito socialmente transformador. Esses resultados reforçam a importância e qualidade desta modalidade de ensino e a necessidade de se resistir aos possíveis retrocessos prenunciados pela atual reforma do Ensino Médio, Lei 13.415/2017. Acredita-se que a ampliação da população desta pesquisa traria resultados similares, haja vista os estudos já publicados a respeito como alguns referenciados neste trabalho.

Para trabalhos futuros sugerem-se estudos sob a ótica da percepção do aluno como sujeito transformador na sociedade, visando explorar esse campo que, embora tenha sido abordado neste trabalho com resultados razoáveis, chamou a atenção quando comparado com os outros aspectos pesquisados.

Por último, deixa-se claro que não é pretensão esgotar o tema contido nas fontes consultadas e nem expressar uma verdade imutável, uma vez que a instabilidade político-social presente em nossos dias não permite que se mantenha uma afirmação sem analisar suas possíveis alterações de curto e médio prazo.

Referências

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Notas de autor

1 Mestrando em Engenharia de Produção e Sistemas Computacionais na Universidade Federal Fluminense. Especialista em Docência na Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais – Brasil. E-mail: julianogsilva@yahoo.com.br.
2 Doutor em Agroquímica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Professor no Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais Campus Rio Pomba – Rio Pomba/MG – Brasil. E-mail: frederico.arantes@ifsudestemg.edu.br.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): SILVA, J. G.; ARANTES, F. F. P. A qualidade do Ensino Médio Integrado frente à reforma pela Lei 13.415/17. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 1, p. 156-167, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n12022p156-167. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16283.

COMO CITAR (APA): Silva, J. G., Arantes, F. F. P. (2022). A qualidade do Ensino Médio Integrado frente à reforma pela Lei 13.415/17. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(1), 156-167. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n12022p156-167.

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