Dossiê Temático: “A pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica: temas, abordagens e fontes”

Trabalho, Ambiente e Educação: reflexões, pistas de ação e de pesquisa na "Educação Ambiental" e na "Educação para o Trabalho"

Labor, Environment and Education: reflections, action and research paths in "Environmental Education" and in "Education for Work"

Trabajo, Medio Ambiente y Educación: reflexiones, caminos de acción e investigación en la "Educación Ambiental" y en la "Educación para el Trabajo"

Alexandre Maia do Bomfim 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Brasil

Trabalho, Ambiente e Educação: reflexões, pistas de ação e de pesquisa na "Educação Ambiental" e na "Educação para o Trabalho"

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 2, 2022

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2022 pelos autores.

Recepción: 13 Diciembre 2021

Aprobación: 11 Julio 2022

Resumo: A proposta deste artigo é refletir como a questão ambiental (inclusive por sua característica transversal) perpassa a área de Trabalho e Educação (TE), considerando um caminho crítico e os desafios contemporâneos. É também uma reflexão sobre o encontro entre a “Educação Ambiental Crítica” e a “Educação para o Trabalho”. Artigo de apelo teórico que pressupõe anos de pesquisa empírica, leituras e debates de um grupo de pesquisa dentro dessa temática. O estudo refletiu sobre dois temas-exemplos, a pandemia e o agronegócio brasileiro, associando-os à questão ambiental, fez-se especialmente por meio de autores críticos, destaque aos marxistas, marcando o posicionamento anticapitalista. O texto procurou mostrar o movimento da teoria que considera a realidade concreta para indicar caminhos de luta. Por fim, o artigo alcançou que o pressuposto do conflito socioambiental é imprescindível para compreensão da relação entre Trabalho, Ambiente e Educação, sendo possível incluir outros conceitos como trabalho, contradição, luta de classes etc. Conceitos que se correlacionam, especialmente dentro do materialismo histórico-dialético.

Palavras-chave: Trabalho, Ambiente e Educação, Educação Ambiental Crítica, Educação para o Trabalho, Trabalho e Educação, Trabalho e Meio Ambiente.

Abstract: The purpose of this article is to reflect on how the environmental issue (moreover due to its transversal characteristic) permeates the area of Work and Education (TE), considering a critical path and contemporary challenges. It is also a reflection about the meeting between “Critical Environmental Education” and “Education for Work”. Article with theoretical appeal that presupposes years of empirical research, readings and debates by a research group within this theme. The study reflected on two themes-examples, the pandemic and Brazilian agribusiness, associating them with the environmental issue, especially through critical authors, especially Marxists, marking the anti-capitalist stance. The text sought to show the movement of theory that considers concrete reality to indicate ways of struggle. Finally, the article reached that the assumption of socio-environmental conflict is essential for understanding the relationship between Work, Environment and Education, being possible to include other concepts such as work, contradiction, class struggle, among others. Concepts that are especially correlated in dialectical historical materialism.

Keywords: Labor, Environment and Education, Critical Environmental Education, Education for Work, Labor and Education, Labor and Environment.

Resumen: El propósito de este artículo es reflexionar sobre cómo la problemática ambiental (incluso por su característica transversal) permea el área de Trabajo y Educación (TE), considerando un camino crítico y desafíos contemporáneos. También es una reflexión sobre el encuentro entre “Educación Ambiental Crítica” y “Educación para el Trabajo”. Artículo con atractivo teórico que presupone años de investigación empírica, lecturas y debates por parte de un grupo de investigación dentro de esta temática. El estudio reflexionó sobre dos temas-ejemplos, la pandemia y la agroindustria brasileña, asociándolos con el tema ambiental, especialmente a través de autores críticos, especialmente marxistas, que marcan la postura anticapitalista. El texto buscó mostrar el movimiento de la teoría que considera la realidad concreta para indicar formas de lucha. Finalmente, el artículo llegó a que el supuesto de conflicto socioambiental es fundamental para entender la relación entre Trabajo, Medio Ambiente y Educación, siendo posible incluir otros conceptos como trabajo, contradicción, lucha de clases, etc. Conceptos que están especialmente correlacionados en el materialismo histórico dialéctico.

Palabras clave: Trabajo, Medio Ambiente y Educación, Educación ambiental crítica, Educación para el trabajo, Trabajo y Educación, Trabajo y Medio Ambiente.

1 Em busca de criticidade para a Educação Ambiental



Ecologia sem luta de classes é jardinagem.
(Chico Mendes)

De forma direta, compartilhemos imediatamente a problematização que assumimos neste artigo: como/quanto a questão ambiental contemporânea, não somente por sua transversalidade, se coloca à Educação para o Trabalho? E seu desdobramento: que reflexão urge, que encaminhamentos podemos dar para pesquisar e agir?

Antes dessa questão, vale dizer que iniciaremos com um percurso teórico-político que perpassará por algumas obras e autores, estudados e praticados por alguns anos em nosso grupo de pesquisa1, em que se buscou promover precisamente esse encontro: entre a Educação Ambiental – que propomos como – Crítica (EA-Crítica) e a área de Trabalho e Educação (TE).

Quando Löwy (2005) buscou convergir a pauta da luta dos socialistas (os vermelhos) com a dos ambientalistas (os verdes) para criticar o “sistema do capital” (MÉSZÁROS, 2002), acentuou que há ambientalistas que persistem em uma militância ineficaz (ou ingênua ou mesmo mal-intencionada) ao defender, por exemplo, o “Desenvolvimento Sustentável” (termo essencialmente economicista) como solução à questão ambiental. Para Löwy (2005), os ambientalistas restritos ao Desenvolvimento Sustentável, estão fazendo, na verdade, uma proposta conciliatória com o capital. Noutro sentido, Löwy (2005) mostrou aos socialistas que a preocupação com o meio ambiente também urge, indicando que além da luta pela tomada do Estado deve-se empenhar em lhe retirar sua característica degradadora. Não obstante, Löwy (2005) apresentou incongruências quando somente tangenciou a luta de classes, apresentando um erro conceitual de que a destruição da natureza seria a segunda contradição do capitalismo. Vale uma de suas passagens: “(…) O combate para salvar o meio-ambiente, que é necessariamente o combate por uma mudança e civilização, é um imperativo humanista, que diz respeito não apenas a esta ou àquela classe social, mas ao conjunto dos indivíduos.” (LÖWY, 2005, p. 73).

Com o aporte de Chesnais e Serfati (2003) foi possível ver que a contradição original e principal do capitalismo continuaria a ser: a necessidade do capital valorizar-se pela exploração do Trabalho. A destruição da natureza não é uma contradição para o sistema do capital, mas para a humanidade. Na verdade, a degradação da natureza poderá prosseguir até o seu próprio colapso dentro do capitalismo, inclusive cumprindo algumas máximas desse modo de produção (como a valorização advinda da escassez), porque sua estrutura econômica não confere sustentabilidade. Esses primeiros passos do ecossocialismo de Löwy desconsideraram que as responsabilidades com a degradação ambiental e as experimentações de suas mazelas se dão de forma diferenciada entre os grupos sociais, sendo especialmente mais drásticas para os mais pobres.

Löwy faz uma revisão dessas ideias em textos posteriores, especialmente um de 2013, quando aparou essas arestas, mencionando Walter Benjamin, relembrou que “o capitalismo nunca vai morrer de morte natural” (LÖWY, 2013). Nesse outro momento, Löwy recupera a luta de classes, atinge que a agressão ao meio ambiente não é contradição para o sistema do capital e recupera a necessidade da revolução. E, considerando o que veio depois, seu texto acertou profeticamente (considerando que foi muito antes da pandemia da Covid-19) ao sugerir que: “(…) o sistema continuará a explorar o planeta, até que a própria vida humana se encontre ameaçada” (LÖWY, 2013, p. 79).

Ajustadas essas primeiras ideias, vale repassar brevemente pelo conceito de “Desenvolvimento Sustentável” (DS). O conceito de DS é utilizado por ambientalistas (inclusive pelos críticos porque é impossível escapar de algumas conjunturas) de forma ampla, porém não se pode esquecer que é resultado de uma disputa, não só de seus termos, mas de compreensões políticas que estavam presentes nos organismos internacionais (LAYRARGUES, 1997). “Desenvolvimento Sustentável” é a vitória da perspectiva conservadora, conceituação temerária que remete sua preocupação às gerações futuras (o que implicaria uma indeterminação) para, no fim das contas, não se comprometer com gerações do presente (FOLADORI, 2001).

Nesse percurso teórico-prático, vale incluir a relação entre “Cultura” e “Trabalho”, categorias sociológicas importantes, porém frequentemente malpostas à Educação Ambiental (EA). A Cultura pode explicar a relação que agrupamentos humanos possuem com a natureza e consigo mesmos, mas não pode ser posta como um conceito metafísico que paira sobre tudo e todos, como se fosse a-histórico e apolítico. Por outro lado, Trabalho não pode ser reduzido à sua manifestação histórica (sua mediação de segunda ordem). O Trabalho, em seu sentido ontológico, é a própria mediação metabólica entre homem e natureza, onde se realiza a reprodução da vida e a constituição também da própria Cultura (BOMFIM; PICCOLO, 2011). Os homens experimentam diferentes culturas, caracterizam-se pela diversidade, de forma sincrônica e de forma diacrônica, ou seja, não precisamos ter respostas únicas para relação com a natureza. E mais, podemos observar que algumas culturas até foram “pró-vida” em sua origem, porém, no devir histórico, tornaram-se “culturas de morte”.

(…) Nós não devemos nos vangloriar demais das nossas vitórias humanas sobre a natureza. (…) É verdade que cada vitória nos dá, em primeira instância, os resultados esperados, mas em segunda e terceira instâncias ela tem efeitos diferentes, inesperados, que muito frequentemente anulam o primeiro. (ENGELS apudLÖWY, 2005, p. 22).

Enquanto isso, povos originários, que ainda possuem relação menos depredadora, por exemplo, podem nos oferecer caminhos melhores para nossa relação com o ambiente. Talvez por esse caminho possamos sair das armadilhas e distorções conceituais impostos pelo sistema do capital, como: o de opor “desenvolvimento” de lado contra a “preservação da natureza” do outro lado; ou o de inflar nossa necessidade por supérfluos. Então, podemos acompanhar Mészáros (2002), a partir do livro “Para além do capital”: não há caminho conciliatório com o sistema do capital.

Com Mészáros (2005) é possível indicar “outra educação” exatamente numa reconstrução que se coloca absolutamente no lado antagônico à educação formal capitalista. Isso também vale para a Educação Ambiental Crítica. Mészáros (2005) vê que essa outra educação deveria ser especialmente construída na sociedade socialista, mas, até lá, melhor que seja em espaços contra-hegemônicos (como no espaço sindical, no espaço do partido, nos movimentos sociais). E que nesses lugares se busquem as “aspirações emancipadoras” (MÉSZÁROS, 2002). O problema é que há um limite teórico-prático para nós, pois vale a questão: como buscar essas aspirações emancipadoras no interior da escola formal, possivelmente reprodutora e favorável ao capital?

Para a questão acima, com a ajuda de Mészáros e Marx, construímos “onze teses para [constituir] uma EA-Crítica” (BOMFIM, 2011): I) resgatar o humanismo; II) desmitificar o capitalismo, apontando que a depredação do ambiente não é uma contradição para o capital; III) mostrar os limites do desenvolvimento sustentável; IV) manter-se em revisão permanente; V) criticar a perspectiva conservadora/reacionária da EA; VI) mostrar os limites das propostas comportamentalistas e individualistas da EA; VII) problematizar ou redimensionar as ações paliativas à questão ambiental; VIII) denunciar os principais responsáveis pela degradação ambiental; IX) mostrar quem mais sofre com a degradação; X) mostrar que a proposta idealista de conscientização ambiental tende a ser insuficiente à transformação; XI) buscar aspirações e experiências emancipadoras.

Outro elemento a ser considerado, que poderia até ajustar nossas “onze teses”, é: a perseguição pela materialidade, pela totalidade concreta (KOSIK, 1976), como sendo escopo principal de nossas pesquisas. Acessar a realidade para depois re-apresentá-la – sendo esse o próprio papel da ciência – tem sido um desafio enorme. O sistema do capital, em sua fração mais reacionária, chega a promover a rejeição da ciência, propor a mordaça aos educadores, fazer proselitismo, e mesmo sua fração mais liberal reitera propagandas pelo agronegócio, pelas empresas supostamente clean, na verdade, para esconder a face nefasta da grilagem, do desmatamento, das indústrias poluidoras, da pilhagem de elementos da natureza, da submissão dos grupos originários etc.

2 Antes que seja tarde demais …: temas convergentes para verdes e vermelhos

Destarte, vale agora exemplificar com dois temas, a pandemia e o agronegócio no Brasil, sob nossa abordagem que passa (especialmente) por autores marxistas e que se caracteriza como anticapitalista. Defendemos que a característica dessa abordagem, muito recorrente entre pesquisadores da área de TE que pesquisam “Educação para o Trabalho”, serve também para a Educação Ambiental se constituir efetivamente Crítica.

2.1 A pandemia como temática ambiental para verdes e vermelhos

O que primeiramente podemos ter para essa reflexão é que a pandemia não deve ter os pesquisadores das Ciências Médicas e Biológicas como autoridades científicas exclusivas. Mesmo que esses pesquisadores estejam protagonistas em muitas situações, como no próprio momento do aparecimento do vírus e da doença, quando no mapeamento do vírus, passando pelo desenvolvimento, aplicação e avaliação das vacinas, há inúmeros outros momentos em que faz necessário e urgente obter pesquisas diferenciadas. Qual das questões, a seguir (Quadro 1), seriam menos importantes? Vale um exercício com perguntas mais próximas às Ciências Sociais.

Quadro 1.
Questões (pistas) amplas às Ciências Sociais
Quais ensinamentos alcançamos de outras epidemias e pandemias advindos do passado, conforme as contribuições da História?
Quais ensinamentos, não exclusivamente epidemiológicos, o passado nos oferece, quanto a comportamentos sociais, ações do Estado, condições materiais para maior ou menor propagação etc.?
Qual a influência da cultura para maior ou menor propagação de uma doença?
Como práticas e costumes (como as formas de se alimentar, de higiene e até de se cumprimentar) podem se associar à instalação e propagação maior ou menor de uma doença, por exemplo?
Por que países vizinhos conseguiram ter números tão discrepantes em relação à mesma epidemia?
Como modos de produção e reprodução da vida podem ser mais decisivos para propagação ou não da pandemia?
Por que ou quanto as Artes (a música, a literatura, as artes plásticas) estão contribuindo para enfrentamento da pandemia?
Que modelos econômicos são mais bem-sucedidos em remediar e encaminhar saídas de crises sanitárias, de crises ambientais?
Como ou quanto a globalização contribuiu para a propagação do novo coronavírus?
O quanto as novas mídias digitais se tornaram terrenos férteis para falsas informações, para acolher soluções messiânicas?
O quanto essas mesmas novas mídias digitais podem ou poderão se tornar mecanismos de propagação de orientações e procedimentos que possam indicar melhores condutas para salvar vidas?
Há ou quanto há de relação entre um período político conservador por que passam muitas nações no mundo, o avanço de ideários fascistas, o maior obscurantismo, o maior desprestígio científico, com a propagação da Covid-19 ou com as dificuldades de contê-la?
No Brasil, qual tem sido o papel e/ou a influência das religiões neopentecostais sobre o Estado, por seus representantes políticos, para que se obtenha respostas menos laicas e científicas para as ações sanitárias?
No Brasil, como tem sido a propagação ou controle da pandemia depois de uma excessiva ideologização das ações de Estado em relação à doença?
O que é possível se dizer, considerando o comportamento coletivo, sobre condutas messiânicas, alienantes e subservientes que muitos grupos vêm mantendo em relação às situações que enfrentam, inclusive para aquelas que os conduzem à morte?
De que forma estão se caracterizando e como ficarão os jogos políticos durante e após a passagem da pandemia?
Quais instituições estão sendo problematizadas, quais serão colocadas abaixo, quais surgirão?
É possível construir uma nova economia e sob novas bases?
Que nações poderão construir novas relações entre Estado, Sociedade e Ambiente?
Quais novas relações temos e ainda podemos ter com o ambiente que ocupamos?
Como ficam as questões das classes sociais diante do avanço da pandemia ou como ficarão?
Que teorias políticas e organizacionais poderão se fazer mais influentes no Estado?
Haverá novas pautas para se lutar ou constituir partidos (recortes ideológicos)?
Que reformulações de lutas as partições políticas do mundo precisarão rever?
Como entender pessoas que seguem líderes notadamente ruins, que aprovam medidas contra si mesmas, que esquecem seus próprios princípios, que estabelecem fanatismos e idolatria injustificáveis?
O que poderá prevenir mais a humanidade em relação a novas epidemias: as descobertas de novos vírus e vacinas ou novas reflexões e ações da relação entre o ser humano e o meio ambiente?
Fonte: Elaboração própria

Há como tratar as questões acima como secundárias ou coadjuvantes? Algumas delas nos parece muito necessárias, prontas para estabelecer novas pesquisas e capazes de tratar de causas e consequências tão importantes como a descoberta do próprio vírus. Vale perceber que são questões que lidam com muitas variáveis. A maior parte dos objetos de estudo das Ciências Sociais é pluricausal, como também suas variáveis costumam ser interligadas, interconectadas, interdependentes e até indivisíveis. E vale problematizar: é possível responder às questões acima sem um planejamento, sem rigor, sem expor provas, sem respaldo da materialidade, sem o compartilhamento de um método de análise, sem uma análise densa e minuciosa, sem o debate, sem revisão, sem a publicização, sem a averiguação e testagem, sem a revalidação imposta pela própria realidade e pelo processo histórico2?

Na tradição anticapitalista da área de Trabalho e Educação e para o que desejamos para EA-Crítica, não é tempo de questões novas? Vamos, a seguir, para questões mais próximos do escopo deste artigo. Que modelo(s) existente(s) de sociedade favoreceu(ram) a propagação do vírus? Que disputas entram em questão agora sobre os modelos societários que possuímos? O capitalismo sofre um baque? O horizonte do socialismo renasce? Reformas capitalistas certamente acontecerão, mas, de qual alcance? Surgem novas possibilidades de reorganização societária para o século XXI, inclusive diferentes do capitalismo e do socialismo? Há risco de um revés no processo histórico da humanidade (o oposto ao processo civilizatório para alguns ou oposto ao processo de emancipação das classes dominadas para outros)? A barbárie caminha ao lado?

Sempre haverá o risco de respostas prolixas e diletantes, mas a própria urgência que vem da realidade concreta será o primeiro filtro, não há como passar impunemente por essa realidade que surge das ruas como no grafito encontrado no mundo inteiro, usado para problematizar a própria pandemia: “não podemos voltar ao normal, porque o que era normal era exatamente o problema”3. O segundo filtro será a própria realidade no seu processo histórico4.

Por fim, um dos pontos que viemos defender aqui: a pandemia deve ser tratada dentro da problemática ambiental, mais precisamente, da problemática socioambiental. O estresse que o ser humano vem impondo ao planeta também pode ser visto como causa da pandemia, a nossa forma de viver atual tem desmatado excessivamente, tem realizado muita mineração calamitosa, praticado uma agropecuária predatória, expandido cidades sem planejamento (ao mesmo tempo que essas cidades são excludentes e não dão moradia digna a todos), poluído vários ambientes, vem descaracterizando solos, mantando ou encurralando a fauna, desiquilibrando biomas de várias maneiras (desde destruição da fauna e da flora, passando por traslados ilegais de espécies que as farão exóticas), promove a desertificação. Devido a tudo isso, por vezes, o SARS-CoV-2 parece mais uma reação da natureza ao ser humano. A Educação Ambiental e a Educação para o Trabalho terão grandes desafios à frente, talvez, além desses temas expressivos e amplos (como a pandemia), tenham ainda a tarefa de trazer à tona as lutas de grupos originários que estão à margem da sociedade capitalista globalizada, talvez tenham que trazer questões sobre disputas de territórios e formas diferenciadas e modos de reproduzir a vida.

2.2 O agronegócio e suas tentativas de pacificação

Quando assistimos à campanha publicitária “Agro, a Indústria-Riqueza do Brasil” da Rede Globo (acompanhada de outros patrocinadores) a favor do agronegócio, vemos, evidentemente, que o primeiro propósito é dar apoio a um dos principais setores da economia, participante direto de forma significativa no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Antes mesmo de falarmos do conteúdo, vale mirar nessa campanha que possui um tratamento muito sofisticado, potencializa as benfeitorias advindas do agronegócio, caracteriza positivamente toda uma rede como fosse um setor agrário único (ou ao menos integrado) no Brasil, que vai do campo, passando pela agroindústria, até a indústria de consumo, prosseguindo por relações desde o que é interno ao território nacional até o exterior, do latifúndio à agricultura familiar. Tudo isso com uma apresentação estética muito bem-feita. Posto isso, qual seria a nossa problematização?

A proposta de criticar essa campanha da Globo, quanto às suas intenções, em relação ao seu plano ideológico a favor de um “projeto desenvolvimentista agrário” já engendraria possivelmente um bom projeto de pesquisa (mais uma pista de pesquisa e ação). Nessa toada, já seria possível pesquisar (e denunciar) as fronteiras e a mazelas que a escolha por um desenvolvimentismo desse tipo, do agronegócio, poderia trazer ao país, desde a dispensa de força de trabalho para as cidades, passando pelo ataque à natureza, até o sequestro de um Estado que precisaria aceitar essa força econômica atrelada ao capital financeiro internacional, sem projeto de nação, sem projeto de interesse popular.

Não obstante, os “apologetas” desse projeto de desenvolvimentismo específico se defenderiam, dizendo que não são responsáveis pelas atrocidades de fronteira, pois pertenceriam ao núcleo clean, distante dos latifundiários escravocratas, dos degradadores da natureza, dos garimpos e das madeireiras ilegais etc. Contrário a eles, eis uma hipótese de trabalho possível: o sucesso do capitalismo baseado no desenvolvimentismo agrário é nocivo para a própria sociedade, para o trabalhador, para o meio ambiente e tem implicações sérias na educação5.

Dessa forma, nosso pano de fundo é demonstrar que a força degradadora da natureza e exploradora dos trabalhadores é o braço estendido do agronegócio higienizado, representa vocação desse setor no Brasil, e que o dito setor clean6 não quer nada de diferente dos setores visivelmente atrasados: o avanço das fronteiras agrícolas! Essas seriam as características de um desenvolvimento de um capitalismo subordinado: que não tem condições de melhorar significativamente a vida dos trabalhadores porque possui um modelo agrário exportador excludente; que sempre nos recupera para o país dos engenhos, para o país das desigualdades; que só pode propor ao trabalhador uma “educação até certo ponto”; e que, para manter tudo isso, precisa de uma forte propaganda ideológica extensiva e massificante por longuíssimo prazo.

3 Onde se encontram a Educação Ambiental Crítica e a Educação (também Crítica) para o Trabalho

Podemos dizer que chegamos, considerando essa relação Trabalho, Ambiente e Educação, até um ponto de interseção que une os termos, criticamente: o pressuposto de que a problemática ambiental está assentada no “conflito socioambiental”. Pressupor o conflito socioambiental é pressupor que a luta de classes se mantém no interior do sistema do capital, em todas as suas frentes, desde as mais evidentes até as mais disfarçadas, desde a luta por território, desde o que passa pela expansão de grileiros e garimpeiros sobre terras indígenas, até produtos camuflados por selos ecológicos que escondem contradições de empresas capitalistas que se dizem preocupadas com o meio ambiente. E está na educação também!

É a perspectiva do conflito que pode garantir o movimento da crítica, que buscará o conhecimento pela investigação, pelo desvelamento, pela denúncia. Essa perspectiva também busca aspirações e experiências emancipatórias, mas pressupõe também que caso consigam se desenvolver não conseguirão se desvencilhar do conflito, que aparecerá mais cedo ou mais tarde, porque em se tratando de uma sociedade de classes, as questões ambientais possuem causas e consequências ligadas a inserções que fazem os lados antagônicos.

Assim como Chico Mendes (nossa referência desde a epígrafe), a área de Trabalho e Educação (TE) provavelmente terá, cada vez mais, que considerar a problemática ambiental, para devolver (como sempre fez) ainda mais elementos teórico-práticos aos educadores. Chico Mendes iniciou sua trajetória buscando a organização dos trabalhadores contra a exploração dos latifundiários e das grandes empresas desmatadoras, para somente depois colocar a convergência das lutas, incluindo efetivamente o ambientalismo. Num primeiro momento, Chico Mendes, inclusive, possuía uma compreensão desenvolvimentista para a Amazônia (VENTURA, 2003). É o horizonte de superação do capitalismo que interessa a todos, aos vermelhos e aos verdes. O capitalismo continua pujante em suas características principais, como na exploração do trabalho, no processo de mercantilização da vida e no aprisionamento do Estado pelas mãos de uma minoria de proprietários de bens de produção. A questão ambiental, exatamente por não ser uma contradição imediata ao sistema do capital, se torna mais vulnerável. O capitalismo pode destruir a natureza até a última folha. Essa falta de cuidado inerente do capitalismo com o ambiente, certamente, engendrará eventos extraordinários (como uma pandemia!), mas o curioso é que nem isso garante que a sociedade enxergue. Por isso, a educação é urgente, a educação cientifica é imprescindível, a educação política está em atraso. Continuamos perseguindo uma educação da “classe para si” que, mesmo irrealizável na atual sociedade, precisa obter um caminho. Semelhante à Rachel Carson (outra referência importante), em que seu próprio fazer científico a levou ao status de “inimiga da indústria química”, a práxis que aqui apontamos nos leva/levará para uma crítica inegociável do sistema (CARSON, 2010). Da mesma forma que aconteceu com ela, as forças reacionárias nunca acataram e nunca acatarão passivamente esse anúncio, farão suas deturpações, difamações, buscarão silenciar, protegerão seu “homo economicus” (KOSIK, 1976) até o fim, mesmo que esteja agonizando… O conflito está (re)novamente posto!

4 Considerações finais

Tentamos até aqui realizar um artigo que não possuísse somente uma reflexão teórica, ainda que seja sua principal característica, mas que chegasse ao final se debruçando sobre a realidade e indicando caminhos. Para isso, trouxemos a pandemia e trouxemos a questão do agronegócio brasileiro, associamos esses dois à temática ambiental, relemos sob o referencial teórico da área de TE, que se caracteriza em ser marxista e ser crítico ao sistema do capital. Para no fim, mostrar que o pressuposto do conflito socioambiental é quem pode convergir Educação Ambiental (EA) e da Educação para o Trabalho num mesmo modus operandi.

Vale perceber que não usamos “Educação Profissional” no desenvolvimento do artigo, preferimos “Educação para o Trabalho” porque é dessa forma ampla que desejamos prosseguir. Trabalho é uma categoria sociológica chave – ainda que tenha sua apresentação histórica manifesta (mediação de segunda ordem) estabelecida dentro de um sistema social – que está diretamente ligada ao processamento que o homem faz do seu ambiente, numa relação de interconexão, interdependência e indissociabilidade. Essa centralidade posta impõe que a Educação Ambiental e a Educação para o Trabalho avaliem como perpassa a questão ambiental na formação e no próprio mundo do trabalho, como também trabalhadoras e trabalhadores realizam a reprodução de suas vidas e como impactam o ambiente. Inclusive podendo considerar as contradições desses próprios trabalhadores. De qualquer forma, é importante ver como esses conceitos e movimentos práxicos são inter-relacionados: trabalho, luta de classes, contradição, conflito socioambiental, crítica não conciliatória ao capitalismo etc.

Por fim, nossa expectativa é que mais e mais estudos considerem essa necessidade de tratar a luta dos trabalhadores por transformação da sociedade ligada à urgência de reflexão e militância ambientais.



Cada palavra tem a sua consequência, cada silêncio, também.
(Jean-Paul Sartre)

Referências

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Notas

1 Esse percurso teórico-político de nosso grupo de pesquisa foi apresentado e debatido no GT 09 da reunião anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação no ano de 2021, obtendo a publicação de um resumo expandido em seus Anais. Esse debate é parcialmente registrado aqui na parte inicial deste artigo.
2 Vale reiterar que esse “outro” caminho não é posto para tolerar a opção pelo obscurantismo, pelas “meias verdades”, pelos argumentos sustentados em falsas premissas e à revelia dos fatos. O debate científico é bem-vindo e indispensável exatamente para apurar, burilar, recompor a questão, recuperar os objetivos da pesquisa e da reflexão. Qual o limite entre o debate científico legítimo (considerando que não se apreende a realidade de “uma vez por toda” e sem interpretação) e o debate retórico (incapaz de sair do mesmo lugar, pois está capturado pelas mentiras intencionais e pelos jogos de poder)?
3 Possivelmente apareceu antes, nos protestos do início do ano de 2019 em Hong Kong, mas foi na pandemia declarada pela OMS em 2020 que essa frase se espalhou pelos muros do mundo inteiro. 我們不能回復正常因為原來的正常 就是問題所在
4 “Somos seres de carne e osso, seres vivos, engajados na aventura de viver. Existimos agindo, tomando decisões, fazendo escolhas, tomando iniciativas, trabalhando, utilizando na nossa atividade o imprescindível (embora precário) conhecimento disponível. É na prática, na realização dos nossos projetos, que checamos a justeza de nossos pensamentos e a verdade dos conhecimentos em que nos apoiamos” (KONDER, 2002, p. 261).
5 (…) Desde 2001, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) passou a difundir o agronegócio por meio do programa de educação ambiental “Agronegócio na escola”, desenvolvido na rede pública de ensino de diversos municípios do estado de São Paulo. (LAMOSA; LOUREIRO, 2014, p. 533).
6 Emblemática é uma reportagem da própria imprensa hegemônica, realizada pelo Jornal O Globo intitulada: “Fundo do Desmate – bancos repassaram 165 milhões para empresas com áreas embargadas na Amazônia”, em que mostra a ligação de empresas apontadas, sobretudo pelo IBAMA, como degradadoras do meio ambiente e que continuam recebendo vultosos empréstimos bancários de bancos, como o BRADESCO, ITAÚ, BANCO DO BRASIL, BANCO DA AMAZÔNIA etc. (cf. PRAZERES; PORTINARI, 2019).

Notas de autor

1 Pós-doutor em Educação pela PPGE - UFPE. Doutor em Ciências Humanas-Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor associado II em Sociologia da Educação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências (PROPEC) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) – Rio de Janeiro/RJ – Brasil. E-mail: alexandre.bomfim@ifrj.edu.br.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): BOMFIM, A. M. Trabalho, Ambiente e Educação: reflexões, pistas de ação e de pesquisa na "Educação Ambiental" e na "Educação para o Trabalho". Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 556-566, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p556-566. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16524.

COMO CITAR (APA): Bomfim, A. M. (2022). Trabalho, Ambiente e Educação: reflexões, pistas de ação e de pesquisa na "Educação Ambiental" e na "Educação para o Trabalho". Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 556-566. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p556-566.

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