Dossiê Temático: “A pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica: temas, abordagens e fontes”
Educação Profissional Agrícola no Amazonas: uma análise histórica sobre o Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946)
Vocational Agricultural Education in Amazonas: a historical analysis of Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946)
Educación Agrícola Profesional en Amazonas: un análisis histórico del Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946)
Educação Profissional Agrícola no Amazonas: uma análise histórica sobre o Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946)
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 2, 2022
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 12 Febrero 2022
Aprobación: 11 Julio 2022
Resumo: O presente artigo insere-se no campo de pesquisas e fontes da Educação Profissional e Tecnológica e teve como objeto de pesquisa o Aprendizado Agrícola Rio Branco, objetivando fazer uma análise histórica dessa instituição no período de 1941 a 1946. Conforme Minayo (2009), trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, tendo a pesquisa documental como metodologia de coleta de dados. O suporte teórico contou com as contribuições de Antonio Viñao Frago (1995). Neste trabalho, primeiramente é oferecido o percurso histórico da instituição escolar em questão e, posteriormente, são analisados alguns documentos oficiais, como o Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas, por intermédio da Portaria n.º 708/43 (BRASIL, 1943b), e o Relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945), os quais contribuíram para o conhecimento de um pouco da dinâmica interna da instituição. Esperamos, assim, com este escrito, contribuir para os desvelamentos da Educação Profissional Agrícola tanto no Amazonas quanto em outros estados brasileiros.
Palavras-chave: Educação Profissional Agrícola, Aprendizado Agrícola, História da Instituição Escolar.
Abstract: This article is inserted in the field of History of School Institutions of Vocational Education, and it had as research object the Agricultural Learning Rio Branco, with the objective of understanding its school culture in the period from 1941 to 1946. It is a research with a qualitative approach, according to Minayo (2009), with documentary research as a data collection methodology. The theoretical support had the contributions of Antonio Viñao Frago (1995). Thus, first, the historical path of the school institution in question is offered; and later on, some official documents are analyzed, such as the Internal Regulation of Agricultural Apprenticeships, through Ordinance 708/43 (BRASIL, 1943b), and the Report of the Minister of Agriculture (BRASIL, 1945), which helped to understand a little the internal dynamics of this institution. Furthermore, we hope that this writing can contribute to the unveiling of Vocational Agricultural Education, both in Amazonas and in other Brazilian states, when presenting the school culture of this institution.
Keywords: Vocational Agricultural Education, Agricultural Learning, History of the School Institution.
Resumen: Este artículo forma parte del campo de investigación y fuentes de la Educación Profesional y Tecnológica, y su objeto de investigación fue el Aprendizaje Agrícola Rio Branco, con el objetivo de comprender su cultura escolar en el período de 1941 a 1946. Se trata de una investigación con un enfoque cualitativo, según Minayo (2009), con la investigación documental como metodología de recolección de datos. El sustento teórico contó con los aportes de Antonio Viñao Frago (1995). Así, en primer lugar, se ofrece el recorrido histórico de la institución escolar en cuestión; y luego se analizan algunos documentos oficiales, como el Reglamento Interno de los Aprendizajes Agrícolas, a través de la Ordenanza n.º 708/43 (BRASIL, 1943b), y el Informe del Ministro de Agricultura (BRASIL, 1945), que contribuyeron a conocer un poco de la dinámica interna de esta institución. Así, esperamos que este escrito pueda contribuir al desvelamiento de la Educación Profesional Agropecuaria, tanto en Amazonas como en otros estados brasileños, presentando la cultura escolar de esta institución.
Palabras clave: Educación Profesional Agropecuaria, Aprendizaje Agrícola, Historia de la Institución Escolar.
1 Introdução
O Aprendizado Agrícola Rio Branco faz parte da história anterior do atual Campus Manaus Zona Leste do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, cuja origem remonta ao Patronato Agrícola Rio Branco, criado pelo Decreto n.º 16.082, de 26 de junho de 1923 (BRASIL, 1923), no então Território Federal do Acre. Havendo sido posteriormente transformado em Aprendizado Agrícola, através do Decreto-Lei n.º 2.255, de 30 de maio de 1940 (BRASIL, 1940), o Patronato foi transferido para o estado do Amazonas, sendo, em 19 de abril de 1941, instalado em um local denominado Paredão, no município de Manaus.
Em 1946, o Aprendizado recebeu uma nova denominação em decorrência da aprovação, naquele ano, da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, passando a ser denominado, conforme o Decreto-Lei n.º 9.758, de setembro de 1946 (BRASIL, 1946b), Escola de Iniciação Agrícola do Amazonas. Na década de 1960, a Escola de Iniciação Agrícola do Amazonas passa, segundo o Decreto-Lei n.º 53.558, de 13 de fevereiro de 1964 (BRASIL, 1964), a ser chamada de Ginásio Agrícola do Amazonas tendo em vista o que dispunha a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 (BRASIL, 1961).
Em 1972, o Ginásio Agrícola do Amazonas é comutado à categoria de Colégio, sendo então, conforme o Decreto n.º 70.513, de 12 de maio de 1972 (BRASIL, 1972), denominado Colégio Agrícola do Amazonas. No mesmo ano, foi transferido do Paredão, onde funcionava desde 1941, para suas instalações na Zona Leste da cidade de Manaus, onde permanece até hoje como Campus Manaus Zona Leste do Instituto Federal do Amazonas.
Em decorrência do Decreto-Lei n.º 83.935, de 4 de setembro de 1979 (BRASIL, 1979), o Colégio Agrícola do Amazonas, assim denominado desde 1972, passa a ser chamado Escola Agrotécnica Federal de Manaus-AM, havendo se tornado, depois de quase trinta anos, Campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas em face da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008).
Este artigo faz parte de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, ofertado pelo Campus Manaus Centro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas. Tal pesquisa tinha por objetivo compreender a cultura e as práticas escolares na Escola Agrotécnica Federal de Manaus-AM no período de 1979 a 1993.
O artigo em tela, por outro prisma, tem por finalidade realizar uma análise histórica do Aprendizado Agrícola Rio Branco desde sua instalação no Amazonas (1941) até a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola (BRASIL, 1946a), que suprimiu esse tipo de estabelecimento.
2 Metodologia
Ao refletirmos sobre a questão apresentada nesta pesquisa, partiremos das reflexões sobre cultura escolar apresentada por Antônio Viñao Frago (1995, p. 68-69). Viñao Frago entende a cultura escolar como um conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organização, que inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do trabalho escolar –, objetos materiais – função, uso, distribuição em espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento… –, e modos de pensar, assim como significados e ideias compartilhadas.
Assim, para Viñao Frago (1995), a cultura escolar é toda a vida escolar, ou seja, fatos e ideias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer. Porém, segundo ele, há, nesse conjunto, alguns elementos que moldam e definem a mente e as ações humanas, como o espaço e o tempo escolar, que afetam o ser humano em sua própria consciência interior, em todos os seus pensamentos e atividades, de modo individual, grupal e como espécie em relação com a natureza.
Viñao Frago (1995) chama atenção para compreendermos os aspectos do espaço e tempos escolares numa perspectiva do olho em movimento, de prestar atenção ao que mudar e observar o quanto nos movemos. O estudo desse tipo deve ser considerado o social, o institucional e individual, junto com as ideias e fatos, objetos e práticas.
Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, pois, esta abordagem, segundo Maria Cecília Minayo (2009, p. 21), possibilita ao pesquisador trabalhar com o universo dos “significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”.
O procedimento metodológico da pesquisa seguiu as recomendações do historiador Julio Aróstegui (2006), o qual salienta que o procedimento pelo qual o historiador aborda o problema de construir uma representação do histórico e de explicar por que os fatos são como são obedece a mesma lógica que qualquer outro método científico social.
Quanto aos meios, a investigação foi feita através da pesquisa documental. Ela nos possibilitou completar informações sobre a história e o funcionamento interno da instituição escolar pesquisada. Além disso, como afirmam Menga Lüdke e Marli André (2020, p. 45), “os documentos constituem uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas as evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador”.
A pesquisa documental deu-se por meio de consulta no Portal da Câmara dos Deputados, onde encontramos Decretos e Leis; no Diário Oficial da União, bem como no Center for Research Libraries, onde foram localizados diversos documentos inseridos nesta pesquisa. Utilizaram-se, também, as mensagens do governador e interventor do Amazonas, Álvaro Maia.
A técnica na análise dos dados da pesquisa foi a Análise de Conteúdo proposta por Laurence Bardin (2016), sendo seguidas as três importantes fases recomendadas pela autora: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento do resultado obtido.
Desse modo, um histórico do Aprendizado Agrícola Rio Branco é inicialmente oferecido, e, a partir de então, finalizamos discutindo um olhar do funcionamento interno dessa instituição escolar.
3 Histórico do Aprendizado Agrícola Rio Branco
Os Aprendizados Agrícolas Federais foram criados e instalados a partir de 1910 em diferentes regiões do Brasil, ofertando ensino primário e educação profissional agrícola de preferência aos filhos dos trabalhadores rurais que quisessem instrução em diferentes serviços agropecuários com as modernas práticas agronômicas da época, conforme o Decreto n.º 8.319, de 20 de outubro de 1910 (BRASIL, 1910).
Essas instituições escolares existiram até 1947 em decorrência das alterações trazidas pela Lei Orgânica do Ensino Agrícola de 1946. Apesar da existência dos Aprendizados reportar ao período de 1910 a 1947, Marco Arlindo Amorim Melo Nery (2010) destaca que é possível separá-los em duas fases: a primeira, que vai de 1910 a 1934, quando o número de instituições oscilou entre três e oito; e a segunda, de 1934 a 1947, quando o número se firmou em doze estabelecimentos.
Durante a primeira fase, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (ministério ao qual os Aprendizados Agrícolas estavam subordinados) mantinha também os Patronatos Agrícolas Federais, que, do mesmo modo, ofertavam ensino primário e educação profissional agrícola, destinados, porém, aos menores desvalidos que fossem postos à disposição daquele Ministério tanto pelas autoridades judiciárias ou policiais, quanto pelas famílias ou responsáveis dos menores, como salienta o seu Regulamento publicado através do Decreto n.º 13.706, de 25 de julho de 1919 (BRASIL, 1919).
Os Patronatos Agrícolas Federais foram criados a partir de 1918, sendo instalados em diversos estados brasileiros. De acordo com José Eurico Ramos de Souza (2011), no período de 1918 a 1929 houve uma expansão dos Patronatos Agrícolas Federais para as regiões Norte e Nordeste do Brasil, registrando-se nesse contexto um total de 23 instituições dessa natureza.
Essas instituições escolares, em decorrência da reforma efetivada pelo Decreto n.º 24.115, de 12 de abril de 1934 (BRASIL, 1934b), foram transformadas em Aprendizados Agrícolas Federais ou transferidas para a jurisdição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Quanto ao Aprendizado Agrícola Rio Branco, sua trajetória histórica remonta à criação do Patronato Agrícola Rio Branco através do Decreto n.º 16.082, de 26 de junho de 1923 (BRASIL, 1923), no então Território Federal do Acre, atual estado do Acre.
Para a fundação de um Patronato Agrícola Federal, em qualquer região do Brasil, o Regulamento dos Patronatos de 1919 exigia que o governo estadual ou municipal, ou associação agrícola que àquilo se propusesse, deveria disponibilizar os térreos, edifícios e instalações. Desse modo, segundo uma publicação do Jornal Folha do Acre, de 10 de fevereiro de 1923 (FOLHA DO ACRE, 1923), o governo do Território do Acre ofereceu o Campo de Experiências do Rio Branco para a instalação do Patronato Agrícola.
Em 1923, foi então criado o Patronato Agrícola Rio Branco no Território do Acre, havendo, porém, no final do ano seguinte, sido transferido para São Bento das Lages, no estado da Bahia, conforme o Decreto n.º 16.762, de 31 de dezembro de 1924 (BRASIL, 1924). Para ocupar o seu lugar, foi transferido o Aprendizado Agrícola de São Luiz de Missões, segundo o Decreto n.º 16.840, de 24 de março de 1925 (BRASIL, 1925).
O Aprendizado Agrícola de São Luiz de Missões, por sua vez, deu lugar ao Aprendizado Agrícola do Acre, o qual recebeu a denominação de Aprendizado Agrícola Rio Branco em 1939 em decorrência do Decreto-Lei n.º 1.029, de 6 de janeiro (BRASIL, 1939), que atribuiu novas denominações aos Aprendizados Agrícolas do Ministério da Agricultura. Este último Aprendizado foi transferido para o estado do Amazonas pelo Decreto-Lei n.º 2.255, de 30 de maio de 1940 (BRASIL, 1940).
As justificativas para tal transferência, segundo o próprio decreto, (BRASIL, 1940, p. 01), foram
Considerando que a atual sede do Aprendizado Agrícola "Rio Branco", no Território do Acre, dadas as condições locais, já não atende sua finalidade;
Considerando que a reconstrução do referido Aprendizado ficaria altamente onerosa para os cofres públicos;
Considerando que o Estado do Amazonas cedeu à União a propriedade onde funcionava o "Reformatório de Menores de Paredão" para instalação de um Aprendizado Agrícola, propriedade essa avaliada em 1.188:920$000;
Considerando, finalmente, que, com a mudança de sede do Aprendizado Rio Branco, serão atendidas, simultaneamente, as necessidades do Estado do Amazonas e do principal município agrícola de Território do Acre - Cruzeiro do Sul - ficando assim melhor servida a região Amazônica.
Se nos atentarmos apenas para a última consideração, veremos que tal transferência seria vantajosa tanto para o Território do Acre como para o estado do Amazonas. No entanto, quando observamos a primeira consideração, é importante questionar por que uma instituição escolar voltada para o ensino agrícola já não atendia mais as mediações da sede daquele Aprendizado.
Quanto à segunda consideração, Icoana Laís Martins, filha do Sr. Lourenço Alves Martins, aluno do Aprendizado Agrícola Rio Branco no período da transferência para o estado do Amazonas, relatou, em uma confraternização do Campus Manaus Zona Leste em 2021, que seu pai lhe contara que o Aprendizado Agrícola Rio Branco havia pegado fogo e, por isso, fora transferido para o estado do Amazonas. De fato, a segunda consideração do Decreto-Lei n.º 2.255/40 (BRASIL, 1940) condiz com o relato da filha do aluno do Aprendizado, que confirma ter sido mais fácil transferi-lo para o estado do Amazonas (que já havia doado uma propriedade) do que o reconstruir.
Por outro lado, as forças políticas do Amazonas daquele período estavam se articulando para encampar um Aprendizado Agrícola estadual pelo governo federal, como sinaliza o então Governador do Amazonas, Álvaro Maia, em sua mensagem à Assembleia Legislativa de 1937. De fato, ainda em 1937, o Poder Legislativo Federal autorizou, através da Lei n.º 511, de 25 de setembro (BRASIL, 1937a), o Poder Executivo Federal a criar no estado do Amazonas um Aprendizado Agrícola subordinado ao Ministério da Agricultura nos mesmos moldes dos que já existiam em outros estados da União.
O governo Varguista, por sua vez, criou um Aprendizado Agrícola Federal no estado do Amazonas por meio do Decreto n.º 2.231, de 30 de dezembro de 1937 (BRASIL, 1937b), porém, Souza (2011) destaca que sua efetivação se deu com a transferência do Aprendizado Agrícola Rio Branco do Território do Acre para o Amazonas em 1940.
No dia 19 de abril de 1941, foi instalado, no Amazonas, o Aprendizado Agrícola Rio Branco, numa propriedade denominada Paredão, localizada no munícipio de Manaus, às margens do rio Negro, hoje atual Estação Naval do Rio Negro (IFAM, 2019).
Ali funcionava o Aprendizado Agrícola do Paredão, o qual recebia os filhos dos funcionários e trabalhadores rurais e também os meninos recolhidos pelo juizado de menores (MAIA, 1937). De acordo com Álvaro Maia (1941), esse Aprendizado foi encampado pelo governo federal.
Para a instalação do Aprendizado Agrícola Rio Branco na propriedade do Paredão, Maia (1941) relata que o então diretor dessa instituição escolar, Aquiles Peret, viajou do Território do Acre juntamente com funcionários e alunos para aquela finalidade.
O Aprendizado Agrícola Rio Branco, ficava, de modo mais específico, localizado à margem direita do Rio Negro, nos arredores da cidade de Manaus. Possuía uma área de 216.04 hectares de terras regulares, em grande parte montanhosas e cobertas de mata. As das proximidades do rio já estavam bastante trabalhadas e sujeitas a erosão (BRASIL, 1945).
De acordo com o Relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945), a forma de acesso para quem quisesse ir da cidade de Manaus para essa instituição era através da estrada de rodagem Luís Zani, que tinha 12 quilômetros de extensão, ou por meio do transporte fluvial, que era feito sem regularidade em canoas e lanchas a motor.
Ainda de acordo com o Relatório do Ministro (BRASIL, 1945), apesar de periodicamente surgirem ali surtos de malária, a região era salubre. O Ministro apontava também grande número de pessoas atacadas por verminoses. Enfatizava, contudo, que o Aprendizado era o único na região e que sua influência já estava permeando o meio agrícola, tanto que estava sendo bastante procurado pelos agricultores da região não só para a matrícula dos seus filhos como também para a obtenção de ensinamentos, favores e auxílios diversos.
Naquele local chamado Paredão, a instituição escolar pesquisada permaneceu até 1972, quando foi então transferida para suas novas instalações no quilômetro 8 da estrada do Aleixo, Zona Leste da cidade de Manaus.
Assim sendo, depois de percorrermos a trajetória histórica do Aprendizado Agrícola Rio Branco, é necessário conhecer o seu funcionamento interno, assunto da próxima seção.
4 Um olhar sobre a dinâmica interna do Aprendizado Agrícola Rio Branco
Por muito tempo os Aprendizados Agrícolas foram regidos pelo Decreto n.º 8.319, de 20 de outubro de 1910 (BRASIL, 1910), onde constava sua regulamentação. Contudo, Maria José Ramos de Albuquerque (1984) enfatiza que o Decreto n.º 24.115, de 12 de abril de 1934 (BRASIL, 1934b), estabeleceu diversas disposições referentes aos Aprendizados Agrícolas Federais; entre elas uma determinava que fossem regidos pelo regulamento instituído pelo Decreto n.º 23.979, de 8 de março de 1934 (BRASIL, 1934a), ao mesmo tempo em que determinava a elaboração de um Regimento Interno para essas instituições, o qual foi aprovado no dia 11 de março de 1936 e alterado em 1943.
Vale destacar que, no início da década de 1940, por meio de decretos-lei que ficaram conhecidos como “Leis Orgânicas do Ensino”, ocorreu uma série de reformas em relação à organização de todos os ramos do ensino primário e médio brasileiro. Nessa perspectiva, em 20 de agosto de 1946, mediante o Decreto-Lei n.º 9.613 (BRASIL, 1946a), a Lei Orgânica do Ensino Agrícola foi aprovada.
No entanto, enquanto aguardavam a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, o Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas foi aprovado através do Decreto n.º 14.252, de 10 de dezembro de 1943 (BRASIL, 1943a). Esse regimento definia que os Aprendizados Agrícolas tinham por finalidade cooperar na educação das populações rurais, realizando cursos regulares técnicos primários e cursos supletivos de diferentes modalidades sobre agricultura, zootecnia e indústrias agrícolas.
O Regimento Interno (BRASIL, 1943a, p. 3) também estabeleceu que os Aprendizados Agrícolas seriam compostos pelo Núcleo de Agricultura, Núcleo de Zootecnia, Núcleo de Indústrias Rurais e Turma de Administração. Ao Núcleo de Agricultura de cada Aprendizado Agrícola competia promover o ensino técnico-primário de agricultura, devendo para isso:
Preparar e manter devidamente cuidados culturas, sementeiras, viveiros, ripados, estufins e parques, nas áreas que lhe forem reservadas, bem como estradas tapumes e pontilhões;
Manter depósito para produtos agrícolas e instalações destinadas ao beneficiamento dos mesmos;
manter dependências para multiplicação e embalagem de plantas;
Zelar pelas culturas e animais de trabalho do Núcleo;
Fazer entrega ao N.I.R. dos produtos destinados à manipulação, venda e consumo;
Manter o depósito para guarda do seu material de ensino;
Manter instalações para seus animais de trabalho.
Ao Núcleo de Zootecnia de cada Aprendizado Agrícola competia ministrar o ensino da zootecnia, devendo para isso:
Manter criação de grandes e pequenos animais domésticos;
Manter depósitos para os seus produtos e instalações destinadas ao beneficiamento dos mesmos;
Zelar pelos seus animais e culturas;
Manter controle da produção leiteira, de ovos e mel;
Adotar fórmulas para racionamento dos animais;
Fazer castração ou reforma de animais impróprios para reprodução;
Preparar e manter, devidamente cuidadas, culturas de plantas forrageiras necessárias à alimentação dos animais, bem como estradas, tapumes e pontilhões;
Fazer entrega ao N.I.R. dos animais e produtos destinados à manipulação, venda e consumo;
Manter depósitos para guarda do seu material de ensino;
Manter instalações para os seus animais. (BRASIL, 1943a, p. 3)
Quanto ao Núcleo de Indústrias Rurais, competia ministrar o ensino das indústrias rurais, devendo para isso fazer manipulação industrial de produtos de origem vegetal e animal. Além disso, esse núcleo deveria manter dependências e instalações necessárias aos seus trabalhos e ainda vender as mercadorias produzidas no setor (BRASIL, 1943a).
À Turma de Administração competia promover medidas preliminares necessárias à administração do pessoal, material, orçamento e comunicações, funcionando articuladamente com a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, observando as normas e métodos de trabalho prescritos para a administração pública.
O relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945) descreve que a organização do Aprendizado Agrícola Rio Branco obedecia ao Regimento Interno previsto no Decreto n.º 14.252, de 10 de dezembro de 1943 (BRASIL, 1943a), que criou os núcleos de Agricultura, Zootecnia e Indústrias Rurais, além da Turma de Administração.
O Regimento Interno de 1943 também previa, nos Aprendizados Agrícolas, gabinete médico-dentário, oficinas de trabalhos em ferro, madeira e couro, dispensa, copa, cozinha, rouparia, lavanderia, dormitórios e outras dependências necessárias ao seu funcionamento.
Apesar de o Relatório do Ministro da Agricultura de 1945 (BRASIL, 1945) sinalizar que o Aprendizado Agrícola Rio Branco possuía instalações necessárias para o ensino das disciplinas de cultura geral, além de gabinetes de ciências naturais, física e química, e de máquinas e ferramentas agrícolas necessárias ao ensino da parte profissional do curso que ele ofertava, observa-se, no mesmo relatório, que essa instituição escolar ainda não dispunha de instalações adequadas ao seu pleno funcionamento.
No projeto de obras a serem incluídas no Plano de Obras e Equipamentos (BRASIL, 1945, p. 333), na parte relativa à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, figura a construção das seguintes dependências:
6 Dormitórios apartamentos
1 Pavilhão para enfermaria
1 Ginásio e anexos
1 Pavilhão para indústrias agrícolas
1 Pavilhão para beneficiamento de produtos agrícolas
1 Pocilga
1 Aviário
1 Estábulo para vinte vacas
1 Estrumeira
1 Silo de trinta toneladas
1 Cocheira para animais de trabalho
1 Paiol
O mesmo relatório apontava ainda que, naquele ano de 1945, seria iniciada a construção do prédio central definitivo do Aprendizado Agrícola Rio Branco, onde deveria existir salas de aulas, dependências para a administração, refeitório e dormitórios com capacidade para 150 alunos internos. Além disso, também seria principiada a reforma dos prédios onde funcionavam os gabinetes de ciências naturais, física e química, do cassino dos alunos e casa do diretor (BRASIL, 1945).
Também havia sido iniciada a construção de uma linha de transmissão com 12 quilômetros de extensão para trazer a energia elétrica da cidade de Manaus, que, segundo o relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945), seria necessária não só à iluminação das diversas dependências, como para movimentar as oficinas e a bomba de abastecimento de água.
Consta no Relatório de 1945 do referido ministro que naquele ano o Aprendizado Agrícola Rio Branco possuía 60 alunos no regime de internato e que não havia limite fixado para alunos externos e semi-internos. Contudo, deveria comportar 150 alunos internos com as instalações que estavam sendo executadas.
O Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas de 1943 estabelecia amplos poderes aos Diretores desses estabelecimentos, dando-lhes incumbência de orientar, coordenar e supervisionar as atividades dos Aprendizados. O regulamento também delegava ao Diretor a designação dos professores de Agricultura, Zootecnia, Indústrias Rurais, dos encarregados das oficinas, do encarregado da disciplina e da portaria.
Cabia também ao Diretor indicar ao superintendente do Ensino Agrícola e Veterinário os funcionários que deviam exercer função de chefia, bem como seus eventuais substitutos. Cada Núcleo e a Turma de Administração deveriam ter um chefe, o qual, por sua vez, tinha a incumbência de dirigir e fiscalizar os trabalhos de cada órgão.
Aos demais servidores com exercício nos Aprendizados cabia executar os trabalhos que lhes fossem determinados pelo chefe imediato. Observa-se assim que a gestão dos Aprendizados era bastante centralizada no sentido em que as decisões se concentravam nas mãos do diretor e dos chefes, cabendo aos demais servidores apenas executar os trabalhos.
Para a efetivação do Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas de 1943, foi publicada pelo Ministério da Agricultura a Portaria n.º 708, de 27 de dezembro de 1943 (BRASIL, 1943b), que definia os cursos a serem ofertados pelos Aprendizados Agrícolas enquanto aguardavam a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
Os cursos definidos foram: Ensino Agrícola Básico, Ensino Rural, e de Adaptação. O curso de Ensino Agrícola Básico deveria ser ministrado em três anos e destinado à formação de capatazes rurais. Sua grade curricular compreendia, conforme Portaria n.º 708/43 (BRASIL, 1943b, p. 02), o ensino das seguintes disciplinas escolares:
1º ano – Português, Matemática, Geografia e História do Brasil, Desenho, Noções de Agricultura Geral e máquinas agrícolas.
Aulas práticas: de Olericultura, Jardinocultura, Fruticultura, Silvicultura e Trabalhos nas oficinas.
2º ano – Português, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, Desenhos, Culturas regionais, Criação dos animais domésticos.
Aulas práticas: de avicultura, apicultura, Sericicultura, Piscicultura, e Trabalhos nas oficinas.
3º ano – Português, Matemática, pequenas indústrias agrícolas, Economia rural e administração, Educação sanitária, Desenho.
Aulas práticas: acentuação de uma especialidade econômica escolhida dentro dos seguintes grupos:
I – Horticultura;
II – Culturas regionais;
III – Produção Animal;
IV – Máquinas agrícolas;
V – Indústrias agrícolas.
Para ingressar no curso, o candidato deveria ter 11 anos completos, haver recebido educação primária, possuir capacidade física e aptidão mental para os trabalhos escolares que deveriam ser realizados, e ter sido aprovado em exames vestibulares ou ter feito o curso de ensino rural.
O curso de Ensino Rural (BRASIL, 1943b, p. 03), por outro lado, destinava-se à formação de trabalhadores rurais e tinha a duração de dois anos, sendo distribuído da seguinte forma:
1º ano – Português, Aritmética, Noções de Geografia e Corografia do Brasil, História Pátria, Desenho e mão livre, Noções elementares de Agricultura e máquinas agrícolas.
Aulas práticas: de olericultura, fruticultura, jardinocultura e trabalhos nas oficinas.
2º ano – Português, Aritmética, Noções de Ciências Físicas e Naturais, Desenho Linear, Noções de criação dos animais domésticos.
Aulas práticas: de avicultura, apicultura, sericicultura, piscicultura, e trabalhos nas oficinas
Para o ingresso no curso, o candidato deveria ter no mínimo 12 anos, haver recebido alguma instrução primária, possuir capacidade física e aptidão mental para os trabalhos escolares que deveriam ser realizados, e ser aprovado no exame de seleção.
De outro modo, os cursos de Adaptação destinavam-se a dar ao trabalhador em geral, jovem ou adulto, sem distinção de sexo, não habilitado ou diplomado, uma qualificação profissional. Para isso, deveriam ser organizados em épocas determinadas e de curta duração. Os cursos poderiam ser de avicultura, apicultura, sericicultura, máquinas agrícolas, defesa agrícola, tratamento e alimentação dos animais domésticos, industriais agrícolas, combate às pragas e moléstias das plantas cultivadas, e outros que fossem julgados convenientes e possíveis, consoante as possibilidades e instalações dos estabelecimentos onde fossem ministrados (BRASIL, 1943b).
Aos alunos que concluíssem o curso Agrícola Básico seria conferido o diploma de Capataz Rural; aos que concluíssem o curso de Ensino Rural, um certificado de Trabalhador Rural; e àqueles que finalizassem o curso de Adaptação seria emitido um certificado de Habilitação Profissional com a indicação da especialização feita.
A Portaria n.º 708/43 (BRASIL, 1943b) autorizou a alguns Aprendizados ofertar as três modalidades dos cursos aludidos e a outros apenas as duas modalidades de nível mais baixo. Segundo a portaria, eles foram autorizados a ofertar tais cursos conforme suas condições de emparelhamento.
Ao Aprendizado Agrícola Rio Branco foi permitido manter simultaneamente o curso de Ensino Rural e os cursos de Adaptação. Fornecendo, ao final, um certificado de Trabalhador Rural, o Aprendizado ministrava o curso de Ensino Rural com duração de dois anos, enquanto que, nos de Adaptação, conferia a qualquer pessoa sem distinção de classe, sexo ou idade um certificado de habilitação profissional.
Essa estrutura de funcionamento foi, no entanto, reorganizada com a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola de 1946, instituída através do Decreto-Lei n.º 9.613, de 20 de agosto de 1946 (BRASIL, 1946a), o qual criou novos cursos agrícolas e novos tipos de estabelecimentos de ensino agrícola, extinguindo, portanto, os Aprendizados Agrícolas Federais.
5 Considerações finais
Este artigo teve por objetivo fazer uma análise histórica do Aprendizado Agrícola Rio Branco desde sua instalação no estado do Amazonas, ocorrida em 1941, até a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola em 1946 (BRASIL, 1946a), visto que essa instituição escolar faz parte da história da Educação Profissional e Tecnológica do Brasil, já que, no processo histórico que se seguiu, as instituições de Aprendizado Agrícola foram, em sua maioria, transformadas em campi dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados pela Lei n.º 11.892 (BRASIL, 2008).
Assim, apresentamos a trajetória histórica dessa instituição escolar desde a criação do Patronato Agrícola Rio Branco, perpassando pelas mudanças ocorridas ao longo de sua trajetória, e finalizamos analisando alguns detalhes da Instituição e do local onde ela se instalou no Amazonas.
Foi oferecida, além disso, uma análise do Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas do período em questão, juntamente com a Portaria n.º 708/43 do Ministério da Agricultura (BRASIL, 1943b), e o Relatório do Ministro da Agricultura de 1945 (BRASIL, 1945).
Destacamos que, apesar de o Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas determinar diversas atribuições para essas instituições, observa-se que o Aprendizado Agrícola Rio Branco ainda não tinha, naquele período, as instalações adequadas para seu pleno funcionamento, o que não o impediu de desenvolver parte das atribuições, como a realização dos cursos aqui expostos.
Esperamos, com isso, que esse escrito possa contribuir com os desvelamentos da Educação Profissional Agrícola, tanto no Amazonas quanto em outros estados brasileiros, na discussão sobre a cultura escolar vivenciada na instituição.
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Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): SOUZA, A. C. R.; CRUZ, N. B. Educação Profissional Agrícola no Amazonas: uma análise histórica sobre o Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946). Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 267-280, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p267-280. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16986.
COMO CITAR (APA): Souza, A. C. R., & Cruz, N. B. (2022). Educação Profissional Agrícola no Amazonas: uma análise histórica sobre o Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946). Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 267-280. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p267-280.