Artigos Originais
A Lei de Cotas a partir dos seus beneficiários: uma análise dos discursos dos alunos cotistas sobre o Ensino Médio Integrado
Quota Law from the point of view of its beneficiaries: an analysis of the quota student’s discourse on Integrated High School
La Ley de Cuotas desde sus beneficiarios: un análisis de los discursos de estudiantes de cuotas sobre la Enseñanza Media Integrada
A Lei de Cotas a partir dos seus beneficiários: uma análise dos discursos dos alunos cotistas sobre o Ensino Médio Integrado
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 3, 2022
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 27 Febrero 2022
Aprobación: 16 Noviembre 2022
Resumo: Neste artigo analisamos os grupos focais realizados com os alunos cotistas matriculados no ensino médio integrado do Instituto Federal Fluminense Campus Campos Centro, em 2016, nos cursos de Automação Industrial, Edificações, Eletrotécnica, Informática e Mecânica. Como suporte metodológico utilizamos a Análise do Discurso de matriz francesa pela possibilidade de demarcarmos os elementos implícitos nas respostas dos cotistas. Através da relação entre neoliberalismo, individualismo e meritocracia e da sociologia à escala individual de Lahire (2005), sustentamos que os discursos dos cotistas, como responsáveis por “sucesso” e “fracasso”, são decisivos para naturalizar a profunda desigualdade escolar entre os alunos matriculados pelo sistema de cotas e aqueles oriundos da rede privada. Desta forma, a ideologia neoliberal hegemônica fundamenta e legitima a (re)produção das hierarquias e desigualdades sociais não apenas de origem, mas também de destinos.
Palavras-chave: Cotistas, Análise do discurso, Desigualdade escolar, Ensino médio integrado, Instituto Federal Fluminense.
Abstract: In this article we analyze the focus groups carried out with quota students enrolled in the integrated high school of Instituto Federal Fluminense Campos Centro campus in 2016, in the courses of Industrial Automation, Buildings, Electrotechnics, Informatics, and Mechanics. As methodological support, we applied the French Discourse Analysis for the possibility of demarcating the implicit elements in the quota students' answers. Through the relationship between neoliberalism, individualism, and meritocracy, moreover the sociology at the individual scale of Lahire (2005), we argue that the discourse of quota students as responsible for “success” and “failure” are decisive to naturalize the deep school inequality among students enrolled in the system of quotas and those from the private school system. This way, the hegemonic neoliberal ideology grounds and legitimizes the (re)production of social hierarchies and inequalities not only of origin but also of destinies.
Keywords: Quota Students, Discourse Analysis, School Inequality, Integrated High School, Instituto Federal Fluminense.
Resumen: En este artículo analizamos los grupos focales realizados con alumnos matriculados en la enseñanza media integrada del Instituto Federal Fluminense campus Campos Centro, en 2016, en las carreras de Automatización Industrial, Edificaciones, Electrotecnia, Informática y Mecánica. Como soporte metodológico, utilizamos el Análisis del Discurso Francés por la posibilidad de delimitar los elementos implícitos en las respuestas de los titulares de cuotas. A través de la relación entre neoliberalismo, individualismo y meritocracia y la sociología a escala individual de Lahire (2005), argumentamos que los discursos de los estudiantes de cuota como responsables del “éxito” y el “fracaso” son determinantes para naturalizar la profunda desigualdad escolar entre los estudiantes matriculados en el sistema de cuotas y los de la red privada. De esta forma, la ideología neoliberal hegemónica fundamenta y legitima la (re)producción de jerarquías sociales y desigualdades no solo de origen, sino también de destino.
Palabras clave: Estudiantes de cuotas, Análisis del discurso, Desigualdad escolar, Enseñanza Media Integrada, Instituto Federal Fluminense.
1 Introdução
O Brasil é um país que possui enormes desigualdades que o fazem uma das sociedades mais injustas do planeta. O passado escravista combinado com um processo de integração subordinada da população negra a uma sociedade marcada pelo mito da democracia racial (GOMES; PAIXÃO, 2013) fizeram com que a constituição da sociedade de classes esteja profundamente ligada às questões étnico-raciais. Essa herança junto com a conjuntura do capitalismo global e do neoliberalismo na atualidade, nos parecem elementos decisivos para compreendermos por que a mudança social inclusiva é um processo tão difícil de ser desenvolvido no país. Da escravidão herdamos uma visão rebaixada do trabalho manual, do brasileiro como trabalhador, uma indiferença das elites em relação ao destino da maior parte de sua população e uma hierarquia social muito rígida (CARDOSO, 2008). O regime escravista também nos legou como herança o desprezo pela educação dos mais pobres (FRIGOTTO, 2018). É no período pós-emancipação (1888-1930) que esta visão se consolida produzindo-se novas formas de subordinação dos negros, não mais como condição jurídica, mas como um lugar social. O ambiente dominado pelo racismo biológico, seguido do racismo cultural, dificultava, quando não impedia, o acesso aos direitos básicos da cidadania. Consideradas como “classe perigosa”, sem acesso à educação e inseridas de forma precária e informal às relações de trabalho assalariadas, as camadas populares, negras e mestiças, eram alvos constantes de violenta repressão policial e acusações de vadiagem que lhes tolhiam o mais básico direito de ir e vir (NEGRO; GOMES, 2013). Para disciplinar essas camadas populares e integrá-las de forma subordinada e rebaixada ao mercado de trabalho, além do aparato repressor do Estado, era necessária uma educação dual voltada para a reprodução das desigualdades de classe e raça.
Quando analisamos especificamente a questão racial, observamos como as desigualdades estão fortemente demarcadas na ausência de direitos sociais básicos como acesso à saúde, ao saneamento básico, à moradia e à educação. A desigualdade racial é decisiva para demonstrar como o Brasil tem no racismo estrutural (ALMEIDA, 2021) uma dimensão central para explicar seus dilemas sociais e políticos mais importantes, bem como para que possamos compreender a necessidade de ações afirmativas no país. Contudo, antes de abordarmos o surgimento dessa política pública no Brasil, é fundamental apontar que as ações afirmativas têm como dimensão central a justiça social, ou seja, seu caráter focal possui como encaminhamento, a luta contra os mecanismos de exclusão que se mantêm mesmo quando políticas públicas de caráter universal são implantadas (FERES JÚNIOR; DAFLON, 2015). Nesse sentido, as ações afirmativas devem ser compreendidas como o fornecimento de um mecanismo de reparação para grupos secularmente discriminados e vítimas de exclusão socioeconômica e racial (FERES JÚNIOR; DAFLON, 2015).
Feres Junior, Campos e Daflon (2013) assinalam o quanto foi decisiva para que as ações afirmativas fossem institucionalizadas no Brasil, a atuação do movimento negro desde a década de 1980, pois ele atuou no sentido de desnaturalizar o mito da democracia racial e, consequentemente, de defender a existência do racismo como uma chaga nacional, conseguindo com sua luta a receptividade dessas demandas pela Constituição de 1988 e posteriormente pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Nesse sentido, a participação do Brasil na Conferência Mundial contra o Racismo, realizada em Durban, África do Sul, em 2001, foi um marco para a construção de uma reflexão nacional sobre o racismo, bem como para que o governo brasileiro se comprometesse com a implementação de ações afirmativas para o combate às discriminações raciais através da assinatura da declaração de Durban. As ações afirmativas, portanto, seguindo as experiências de países como Estados Unidos e Índia, são uma tentativa de fornecer condições para a ascensão social dos negros em situação de desvantagem quando comparados aos brancos (FERES JÚNIOR; DAFLON, 2015).
As primeiras experiências de ações afirmativas brasileiras ocorreram a partir de 2003, meio século depois da Índia. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) elas foram introduzidas por força da Lei Estadual n.º 4.151 (RIO DE JANEIRO, 2003), e na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), por uma atitude institucional (PICANÇO, 2016). No Art. 1º da Lei Estadual n.º 4.151/2003 (RIO DE JANEIRO, 2003) estão definidos o objetivo de reduzir as desigualdades étnicas, sociais e econômicas e os públicos-alvo, que são:
oriundos da rede pública de ensino;
negros;
pessoas com deficiência, nos termos da legislação em vigor, e integrantes de minorias étnicas.
Após as primeiras experiências, as ações afirmativas se multiplicaram através de leis estaduais e resoluções de conselhos universitários, bem como a partir de iniciativas do governo federal como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), que foram importantes medidas para que as universidades adotassem a política nos cursos superiores (FERES JÚNIOR; DAFLON, 2015).
Em outubro de 2012, foi promulgada a Lei 12.711 (BRASIL, 2012), popularmente conhecida como Lei de Cotas. A partir da Lei e suas alterações, tornou-se obrigatória a destinação de 50% das vagas nas Instituições Federais de Ensino (IFE), de nível médio e superior, para estudantes egressos de escolas públicas, com cotas específicas para pretos, pardos e indígenas. Contudo, a Lei 12.711/2012 (BRASIL, 2012) foi estruturada a partir de uma dupla exigência para que os candidatos fizessem jus às cotas, ou seja, as vagas destinadas a pretos, pardos e indígenas só podem ser disputadas por candidatos que tenham cursado o ensino público. Além disso, metade das vagas é destinada a candidatos que tenham renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.
A aplicação das cotas na educação básica também foi uma medida extremamente importante, visto que negros e indígenas com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita possuem a maior desvantagem na competição, por exemplo, por uma vaga no Ensino Superior (PICANÇO, 2016). Estudos sobre jovens de baixa renda no Ensino Médio conduzidos por Picanço (2016, p. 124) “apontam que a maioria tem expectativas sobre futuro e projeto de vida difusos e poucas informações sobre os mecanismos de acesso ao ensino superior”. Sobre essa questão, Krawczyk (2011) argumenta que a socialização familiar possui um papel central para a naturalização da ausência de “gosto” pela educação e, consequentemente, para a inexistência de projetos futuros a partir do pertencimento a uma instituição de ensino. Krawczyk (2011) afirma ainda que temos uma geração de jovens de baixa renda mais escolarizados que seus pais, mas que ainda possuem muita dificuldade de encontrar sentido dentro da escola para refletir sobre o mundo do trabalho a partir da instituição e conseguir trabalho. Assim, conseguimos observar a centralidade das cotas também no nível médio, pois, além de fornecer o acesso a instituições públicas de qualidade, ainda oferecem condições para que os alunos possam vislumbrar projetos de vida que incluam a formação superior como um elemento decisivo.
A proposta do Ensino Médio Integrado (EMI), por sua vez, tem como objetivo a institucionalização de uma forma de ensino que consiga romper com a dualidade estrutural da educação brasileira, ou seja, a separação entre ensino propedêutico e formação profissional (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012). Dessa forma, as ações afirmativas no EMI têm o duplo significado de possuírem o papel central de democratizar o acesso de alunos pobres e autodeclarados pretos, pardos e indígenas a instituições de ensino que eles não acessariam caso não existisse a Lei de Cotas (RIBEIRO; COSTA; RISSO, 2021) e, também, de fornecer as condições institucionais para que os alunos pobres possam romper com a ausência de sentido em seu relacionamento com a escola.
Diferentemente das experiências precursoras da UERJ, UENF, UNEB e outras universidades estaduais ou federais, não há registros no campo da pesquisa acadêmica da adoção de reserva de vagas por critérios étnico-raciais na rede federal de educação profissional antes da Lei de Cotas, em 2012. Por isso, as discussões em torno das políticas de cotas e sobre a vivência institucional dos cotistas nos Institutos Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica ainda são incipientes e, em geral, são estudos de caso. Entendemos, portanto, que a ampliação das pesquisas sobre esse tema é necessária para que se componha um diagnóstico mais preciso da implementação da política de cotas no Brasil dez anos depois da Lei 12.711/2012 (BRASIL, 2012). Sendo assim, a proposta deste artigo é analisar a política de cotas no EMI a partir dos discursos dos cotistas do Instituto Federal Fluminense.
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF) no seu modelo atual, é o resultado das múltiplas transformações históricas e pedagógicas pelas quais passou a educação do país. De forma sintética, podemos estabelecer a trajetória da instituição fazendo um recuo histórico que começa pelas Escolas de Aprendizes Artífices do início do século XX (1909-1942), às Escolas Industriais e Técnicas (1942-1960), até a reformulação delas em Escolas Técnicas Federais (ETFs) na década de 1960 (FRIGOTTO, 2018). Podemos considerar o IFF um herdeiro direto da Escola de Aprendizes Artífices (1910) e da Escola Técnica Federal de Campos1 (ETFC) estabelecida em 1945 para responder às novas demandas de desenvolvimento industrial. Em 1966 a ETFC passou por sua primeira importante reformulação curricular, criando os cursos técnicos de Edificações, Eletrotécnica e Mecânica, seguidos pelo curso de Estradas e de Química (1973). Ela ainda manteve os cursos profissionalizantes remanescentes da Escola de Aprendizes Artífices até 1970, quando então passou a oferecer apenas cursos técnicos. A Lei de Diretrizes e Bases, Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971), que tornou obrigatória a educação profissionalizante no segundo grau (atual ensino médio), foi um importante marco dessas mudanças e de fortalecimento das Escolas Técnicas Federais.
No início dos anos 1980 a obrigatoriedade do ensino médio profissionalizante foi revogada pela Lei 7.044/1982, mas as Escolas Técnicas Federais continuaram funcionando e ampliando a oferta de cursos. No começo da década de 1990, as discussões em torno de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e sobre os rumos da educação profissional no país, provocaram outra importante mudança com a transformação das Escolas Técnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) e separação do ensino técnico do ensino médio por meio do Decreto n.º 2.208/1997 (BRASIL, 1997). A Escola Técnica Federal de Campos passou então a ser o Centro Federal de Educação Tecnológica de Campos (CEFET Campos).
Os Centros Federais de Educação Tecnológica representaram uma inovação em relação às Escolas Técnicas anteriores em termos de oferta de cursos e modalidades de ensino. Isso se refletiu em 1999 quando o CEFET Campos e outros cinco CEFETs foram autorizados a criar cursos superiores na modalidade Tecnólogo, Bacharelado e Licenciatura juntamente com os cursos técnicos que já ofereciam. Na sequência, a instituição sofreu mais uma mudança de perfil quando, em 2004, ganhou a condição de Centro Universitário, ampliando sua capacidade de oferta de ensino em nível superior.
Durante a primeira década dos anos 2000 as novas demandas da educação nacional e a necessidade de respostas aos desafios tecnológicos e de desenvolvimento da sociedade brasileira, novamente provocaram alterações na organização e legislação da educação profissional, com a reestruturação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) por meio da Lei 11.892/2008 (BRASIL, 2008b). Foram então criados os atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECTs) que absorveram grande parte dos CEFETs e as ETFs que ainda existiam. A mudança na estrutura e perfil das instituições federais de ensino técnico foi também acompanhada de modificação na legislação de ensino, a partir da alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/1996 (BRASIL, 1996) promovida pela Lei 11.741/2008 (BRASIL, 2008a). Com a alteração, a educação técnica voltou a ser integrada ao ensino médio, além da oferta em forma concomitante. Desse modo, os Institutos Federais recém-criados tiveram que assumir a dupla missão de fortalecer a oferta de ensino superior, ao mesmo tempo que garantiam o ensino médio integrado ao técnico como prioridade.
Atualmente, o IFF é formado por oito campi e três campi avançados, que abrangem doze municípios do Estado do Rio de Janeiro. O estudo que apresentamos neste artigo é o resultado da pesquisa que desenvolvemos desde 2016 sobre a política de cotas no EMI no Campus Campos Centro2. Esse campus é o maior e mais antigo do Instituto, tendo sido em sua origem o núcleo básico da ETFC. Ele oferece cinco cursos técnicos integrados ao ensino médio regular (Automação Industrial, Edificações, Eletrotécnica, Informática e Mecânica), três deles, como já citado, criados ainda na década de 1960. Conforme dados de 2018 da Plataforma Nilo Peçanha (PNP3), ano em que realizamos os grupos focais, os cinco cursos totalizavam 1.297 estudantes matriculados no EMI regular.
Neste trabalho, partimos da premissa teórica de que os estudantes cotistas do EMI do Campus Campos Centro do IFF são socializados em perspectiva plural, disposicional e contextual. Através da análise de discurso desses estudantes pretendemos identificar a invisibilidade dessa complexa forma de socialização no contexto da hegemonia do neoliberalismo como ideologia. Para tanto, optamos pela realização de grupos focais com os estudantes do EMI dos cursos técnicos de Automação Industrial, Edificações, Eletrotécnica, Mecânica e Informática integrados ao ensino médio do Campus Campos Centro do IFF. Para definição dos cotistas4 do EMI que participaram dos grupos focais, selecionamos alunos matriculados em 2016 e que estivessem cursando o segundo e o terceiro anos em 2018. Os alunos que compuseram os grupos focais foram identificados através de números para a preservação de suas identidades. A dinâmica dos grupos foi baseada na formulação prévia de seis questões geradoras: 1) o que os alunos(as) achavam do IFF; 2) quais as dificuldades deles(as) nas disciplinas; 3) quais são as dificuldades encontradas no IFF em comparação com a escola anterior; 4) como é a relação com os(as) professores(as); 5) qual a opinião sobre os auxílios e bolsas oferecidos pela instituição; e 6) qual a posição deles(as) sobre as cotas. Outras perguntas foram acrescidas aos grupos a partir das respostas dadas às questões geradoras.
Os grupos foram separados conforme o ano cursado e o tipo de curso técnico e gravados em áudio, mediante prévia autorização por escrito dos seus responsáveis ou dos próprios estudantes, quando maiores. Após a realização dos grupos focais as gravações foram transcritas. As transcrições foram analisadas a partir das categorias dito, não dito, formação imaginária e formação discursiva, através das quais foi possível apresentar os pontos convergentes e divergentes entre os discursos dos participantes de cada grupo focal. Ainda nos possibilitou sustentar que o neoliberalismo como ideologia hegemônica foi elemento estruturante da formação discursiva dos cotistas. Assim, quando planejamos os grupos focais, tínhamos como meta selecionar os alunos a partir de critérios que seriam derivados do desempenho acadêmico. Para os alunos que estavam cursando o terceiro ano em 2018, quando realizamos os grupos focais, utilizamos os seguintes pontos: aluno aprovado com bom desempenho; aluno reprovado; aluno com dependência no 1º ano, mas que foi aprovado no 2º ano sem nenhuma dependência (nem do 1º ano nem do 2º ano); aluno com dependência no 1º ano, mas que foi aprovado no 2º ano sem nenhuma dependência (nem do 1º ano nem do 2º ano); aluno que passou muito próxima da média; aluno que reside distante do IFF. Para os cotistas que cursavam o segundo ano em 2018, por sua vez, elaboramos os seguintes critérios: aluno aprovado com um bom desempenho; aluno reprovado; aluno aprovado com dependência; aluno que passou muito próximo da média; aluno que reside distante do IFF; aluno que reprovou no 1º ano (2016), repetiu o 1º ano em 2017 e conseguiu passar para o 2º ano. Nossa pesquisa não possui aporte financeiro para realizarmos atividades como os grupos focais, o que nos impediu de oferecer algum recurso financeiro como forma de motivar a participação dos alunos cotistas. Como consequência, não conseguimos preencher todos os critérios que estabelecemos e também não foi possível a realização dos grupos com as turmas do 2º ano e do 3º ano separadamente, como tínhamos definido previamente. Devido aos fatores mencionados, realizamos os grupos focais por curso e tivemos um número reduzido de participantes nos cursos de Automação e Mecânica.
O artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução. Na primeira, apresentamos a construção histórica e a evolução do conceito de neoliberalismo a fim de sustentar seu papel para a naturalização da desigualdade contemporânea. Na segunda seção, expomos a sociologia à escala individual de Lahire (2005), pois possibilita engendrar uma explicação plural do processo de construção social dos indivíduos e da desigualdade social. Em seguida, apresentamos a análise do discurso que utilizamos como referencial metodológico para examinar os discursos dos alunos cotistas. Nas considerações finais, realizamos uma síntese dos resultados produzidos pelas análises dos grupos focais e sustentamos que os discursos dos cotistas como responsáveis por “sucesso” e “fracasso” são decisivos para naturalizar a profunda desigualdade escolar entre os alunos matriculados pelo sistema de cotas e aqueles oriundos da rede privada.
2 Neoliberalismo, individualismo e meritocracia
O neoliberalismo é um conceito polissêmico e polêmico, que vem sendo utilizado em diversos contextos e áreas das ciências sociais como fator explicativo de diferentes fenômenos. Rajesh Venugopal faz uma contundente crítica à “proliferação conceitual descoordenada e pouco fundamentada, e seu uso unilateral por críticos e não economistas” (2015, p. 17). Em sua avaliação, a partir da década de 1980, o neoliberalismo passou a descrever uma onda de desregulamentação do mercado, privatização e retirada do estado de bem-estar que varreu o primeiro, segundo e terceiro mundos. Num segundo momento, expandiu-se “acentuadamente como um conceito para significar não apenas um modelo político, mas um fenômeno político, ideológico, cultural e espacial mais amplo” (VENUGOPAL, 2015, p. 3) e, no início dos anos 90, se elevou a um “fenômeno de época”. Para ele, o conceito foi uma vítima de seu próprio sucesso e, por isso, é necessário “reconsiderar a relevância do neoliberalismo como conceito, e deixá-lo para trás” (VENUGOPAL, 2015, p. 15).
Daniel Pereira Andrade também faz uma discussão sobre a pertinência e a definição do conceito de neoliberalismo, e concorda em parte com as críticas de Venugopal quanto à proliferação do uso do termo nas ciências sociais sem, por vezes, o devido cuidado de o delimitar. Porém, Andrade aponta os anos 2000 como o início de uma profunda revisão acadêmica no esforço de oferecer “definições mais precisas” (ANDRADE, 2019, p. 212) e defende a validade e importância de seu uso para explicar um fenômeno que é amplo e multifacetado, mas identificável. E atribui parte da mutabilidade do conceito à constatação de que ele é um processo ainda em construção, o que demanda seu ajuste conceitual às diversas formas de manifestação no tempo, no espaço e nas áreas de estudo. Para Andrade, “o que para Venugopal é uma fragilidade do conceito pode efetivamente constituir a sua potência” (ANDRADE, 2019, p. 215) ao permitir uma melhor compreensão do fenômeno e de sua influência na sociedade na medida em que mobiliza diferentes pesquisas e atores políticos e permite a interação e troca de conhecimentos entre as diversas áreas, bem como entre a pesquisa acadêmica e a militância política.
Entendemos, portanto, que não é possível falar de um neoliberalismo, mas sim de neoliberalismos. Para esta pesquisa, abordaremos o neoliberalismo enquanto ideologia hegemônica historicamente construída e como fenômeno distinto do liberalismo econômico, embora interligado.
Para Perry Anderson (1995) o início do neoliberalismo é historicamente situado na década de 1940, no contexto da disputa eleitoral pelo parlamento britânico e no cenário dos anos finais da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria. Em 1944, às vésperas das eleições, Friedrich August von Hayek divulga sua obra “O caminho da servidão”, apresentando um conjunto de ideias anti-keynesianas, baseadas no liberalismo econômico e acusando as ideias do Partido Trabalhista britânico como sendo de cunho socialista, coletivista e autoritário, usando termos como “poder maligno”, “forças sinistras” e “inimigos do mercado livre” (HAYEK, 1990, p. 39 e 66). Apesar do Partido Conservador, apoiado por Hayek, ter sido derrotado nas eleições de 1945, suas ideias ganham repercussão e em 1947 surge a “Sociedade de Mont Pèlerin”, que congregava “adversários firmes do Estado de bem-estar europeu, mas também inimigos férreos do New Deal norte-americano.” (ANDERSON, 1995, p. 9).
Mas foi somente na década de 1970, com a crise do capitalismo e o acirramento dos conflitos armados da “segunda guerra fria” (ANDERSON, 1995, p. 11), que o ideário da Sociedade de Mont Pèlerin encontrou um campo fértil para se disseminar. Segundo Anderson, a partir da década de 1980 mesmo partidos e atores políticos que faziam críticas ao modelo adotaram medidas neoliberais em seus governos. E, embora tenham alcançado sucesso no aumento do lucro das indústrias e na contenção da inflação da crise econômica da estagflação das décadas de 1970-80, estas medidas não conseguiram restaurar as taxas de crescimento dos estados-nação anteriores a 1973. Além disso, apesar da forte crítica aos gastos do Estado com o Bem-Estar Social, as políticas neoliberais promoveram o crescimento da dívida pública ao produzir enormes taxas de desemprego, precarização das relações de trabalho e redução de salários com o enfraquecimento dos sindicatos, o que demandou dos Estados a ampliação de políticas sociais.
Para Anderson, o que explica o consenso em torno de medidas neoliberais, mesmo entre seus críticos e apesar de seus fracassos, é a hegemonia do neoliberalismo como política e ideologia em escala global. “Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional.” (ANDERSON, 1995, p. 22). E embora seja um movimento ainda inacabado, do ponto de vista histórico, ele logrou disseminar “a simples ideia de que não há alternativas para os seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas […] Este fenômeno chama-se hegemonia […]” (ANDERSON,1995, p. 23).
Enquanto ideologia hegemônica o neoliberalismo perpassa por todas as instâncias e instituições sociais, pelas políticas educacionais, pelas escolas e pelos discursos sobre a educação. A base da filosofia neoliberal é o individualismo e a defesa da desigualdade como um “valor positivo” e “saudável” (ANDERSON, 1995, p. 10-11), pois advém, em geral, da liberdade. Numa sociedade onde há liberdade pessoal e social, a desigualdade é resultado de “escolha consciente” (HAYEK, 1990, p. 128). Mesmo quando essa desigualdade “parecer injusta”, ela ainda é “melhor suportada” numa sociedade de livre mercado do que quando imposta por uma ação do Estado. Neste contexto, a educação não é “para todos”, mas uma mercadoria que só pode e deve ser acessada por mérito pessoal.
Para o ideário neoliberal, portanto, a educação deixa de ser vista como um direito e passa a ser uma mercadoria, assim nem mesmo a escola pública precisa ser acessível a todos. Nesta escola pública de filosofia neoliberal, escondem-se duas funções:
A primeira é a função de reprodução da hierarquia social, ou da separação da força de trabalho em classes sociais que não repousa mais oficialmente na origem social, mas na qualificação, portanto, no sucesso ou no fracasso escolar. Dessa forma, a escola preenche uma segunda função mistificadora: legitimar esta hierarquia social. A ideologia da igualdade de chances dá ao sucesso ou ao fracasso as aparências de uma simples consequência de desigualdade de dons individuais […]. (BONNÉRY, 2011, p. 432).
A ideologia da igualdade de chances é o que aqui chamamos de meritocracia. No ambiente escolar, ela parte do pressuposto de que, dadas oportunidades iguais de ensino (mesmas classes, docentes, métricas de avaliação etc.) todos poderão ter o mesmo resultado, sendo as diferenças explicadas apenas pelo esforço ou mérito individual. Essa ideologia ignora as desigualdades de origem e trata os estudantes como “tábula rasa”. Ao tratar os desiguais como iguais, a escola contribui, em larga escala, para a reprodução dessas desigualdades. Também desresponsabiliza o Estado, as instituições de ensino e a sociedade em geral, buscando explicações baseadas no esforço do estudante como determinantes de seu desempenho acadêmico e defendendo a responsabilização individual pela permanência e conclusão do curso, e, portanto, pelo “fracasso escolar”.
Esse discurso no ambiente escolar visa naturalizar as profundas desigualdades do mundo capitalista, creditando ao esforço/mérito individual o sucesso ou o fracasso também no “mercado de trabalho”. Num cenário de incertezas crescentes, menos valor é dado aos conteúdos, considerados obsoletos (para o tempo presente ou para o futuro) e mais às “competências” individuais, fortalecendo a ideologia da meritocracia e o consenso em torno do ideário neoliberal. Para Christian Laval (2019), existe uma desvalorização do conteúdo e uma associação entre educação - e a educação profissional em especial - e competências definidas pelo mercado, o que contribui para decompor o vínculo entre diploma e emprego e tornar a educação menos atrativa para os jovens.
Em uma sociedade cada vez mais marcada pela instabilidade das posições, sejam elas profissionais, sociais ou familiares, o sistema educacional deve preparar os alunos para um cenário de incerteza crescente. […] Enquanto às vezes as formações profissionalizantes especificamente adaptadas a determinados empregos são declaradas anacrônicas - porque os assalariados terão de mudar de empresa com mais frequência e realizar tarefas diferentes em cada empresa -, são inúmeros os textos segundo os quais o ensino deve armar os estudantes com “competências de organização, comunicação, adaptabilidade, trabalho em equipe, resolução de problemas em contextos de incerteza”. (LAVAL, 2019, p. 41).
[…] Em resumo, o valor social dos indivíduos corre o risco de depender cada vez mais das competências pessoais que o mercado de trabalho sancionará da forma menos institucional, menos “formal” possível. O trabalho se iguala cada vez mais a uma mercadoria como qualquer outra, perdendo ao mesmo tempo sua dimensão coletiva e suas formas jurídicas. (LAVAL, 2019, p. 72).
A educação passa a ser pautada pelas “competências básicas comercializáveis”, para a formação de capital humano, sendo o “mérito” do estudante cada vez mais atrelado ao desenvolvimento dessas competências, que são individuais e devem ser úteis para a organização produtiva.
A competência não é validada por um título que faça valer de maneira segura e estável o valor pessoal; ao contrário, ela justifica uma avaliação permanente no âmbito da relação desigual entre empregador e empregado. De um sistema em que o julgamento sobre o valor de uma pessoa cabia a uma instituição pública passa-se a um sistema em que a avaliação compete diretamente ao jogo do mercado de trabalho. O mercado toma o lugar do Estado e se torna a instância mediadora que estabelece o valor profissional do indivíduo. (LAVAL, 2019, p. 78).
Em síntese, a ideologia da meritocracia no âmbito acadêmico legitima e é legitimada pela lógica neoliberal. A afirmação da existência de um mercado supostamente baseado no mérito justifica a adoção da meritocracia como valor predominante na cultura escolar. Ao mesmo tempo, a pseudoigualdade de oportunidades da escola e as desigualdades creditadas ao esforço individual naturalizam as profundas e crescentes desigualdades sociais no contexto do capitalismo neoliberal.
3 A construção social dos indivíduos
Nesta seção apresentamos a sociologia à escala individual de Bernard Lahire (2005) que utilizamos como referencial teórico, juntamente com a seção anterior sobre a relação entre neoliberalismo, individualismo e meritocracia, para analisar os discursos dos cotistas do EMI nos grupos focais. Para desenvolvermos a perspectiva teórica de modo consistente, vamos expor as críticas aos elementos centrais do “estruturalismo genético” de Pierre Bourdieu, pois além de ser um autor fundamental para a teoria sociológica e a sociologia da educação brasileira (OLIVEIRA; SILVA, 2021), Lahire é o seu principal continuador e crítico ao mesmo tempo (VANDENBERGHE, 2017).
A sociologia bourdieusiana tem como objetivo principal a produção de conhecimento praxiológico constituído através das relações dialéticas entre estruturas e disposições estruturadas, que, por sua vez, representariam o processo de interiorização da exterioridade e da exteriorização da interioridade (BOURDIEU, 2009), sintetizado através do conceito de habitus. Lahire (2015), por sua vez, tece uma série de críticas à síntese bourdieusiana que nos parece essencial para compreender as ações sociais em uma sociedade moderna, plural e complexa.
O conceito de habitus de classe, por exemplo, possui uma constituição problemática, pois além de reproduzir um determinismo excessivo da socialização familiar ainda é baseado em generalização teórica sem sustentação empírica, uma vez que não se respalda na investigação dos contextos nos quais as ações dos indivíduos são constituídas concretamente (LAHIRE, 2005). Nesse sentido, o habitus não consegue explicar como o social é incorporado pelos indivíduos ou, como questiona Lahire (2005), não é possível compreender como a realidade exterior se torna corpo. A teorização bourdiesiana é marcada pela naturalização conceitual, visto que, ao apresentar o papel das disposições, o sociólogo não especifica de forma concreta os elementos centrais para sua efetiva análise, como o tipo de disposição, sua origem e ação correspondente (LAHIRE, 2005). Através do diálogo crítico estabelecido com Bourdieu, Lahire propõe sua sociologia à escala individual que tem como ponto principal oferecer um referencial teórico-metodológico empiricamente informado, isto é, estabelece como base analítica os múltiplos processos de socialização que são responsáveis por formar os indivíduos como seres sociais (LAHIRE, 2005).
O referencial teórico-metodológico de Lahire nos possibilita enfocar os indivíduos como seres plurais, ou seja, que são socializados e determinados de maneiras distintas de acordo com os quadros de socialização com os quais terão contato, como família e escola. Assim, a socialização é compreendida como um processo amplo e multiforme através da ênfase nos quadros de socialização e em suas consequentes particularidades (LAHIRE, 2015). Com essa premissa é possível investigarmos como a herança imaterial é incorporada pelos indivíduos e como ela impactará as formas de agir, crenças, categorias de percepção, interesses, gostos e aversões (LAHIRE, 2015). A ênfase nos quadros de socialização propicia as condições de observarmos os efeitos que eles possuem sobre as ações individuais, ou seja, se são mais ou menos duradouros e, consequentemente, temos a possibilidade de oferecer uma explicação complexa do processo de socialização (LAHIRE, 2015). A partir da análise sociológica à escola individual é possível refletir sobre o social na sociedade moderna individualizante, em que reproduzimos traços mais particulares de cada um de nós (LAHIRE, 2005).
A análise plural calcada nos quadros de socialização fornece as condições para que o pesquisador consiga exprimir de maneira consistente quais são os patrimônios disposicionais que foram incorporados pelos indivíduos nos distintos quadros de socialização. Seria possível demarcar os momentos em que os quadros familiar, escolar e religioso, por exemplo, tiveram papel central na história social dos indivíduos, bem como torna-se possível colocar “o convívio mais ou menos longo, precoce e intensivo com esses diferentes quadros de socialização” (LAHIRE, 2015, p. 1396). Por meio dos quadros analíticos circunstanciados pela pesquisa empírica, conseguimos compreender as desigualdades de resultados entre cotistas e aqueles alunos que ingressaram pela ampla concorrência no EMI, pois partimos de uma perspectiva que não culpabiliza os alunos como responsáveis exclusivos pelo “fracasso escolar”, pois conseguimos observar os efeitos das crenças sobre a conduta dos cotistas:
Mas, se é importante não pressupor logo à partida que uma crença é uma disposição para agir, é porque assim não poderíamos compreender fenómenos como a ilusão, a frustração ou a culpabilidade (ou a “má consciência”), que são igualmente produtos da distância entre as crenças e as disposições para agir, ou entre as crenças e as possibilidades reais de ação (LAHIRE, 2005, p. 18).
Portanto, a compreensão da desigualdade escolar deve ser engendrada através de abordagem disposicional e contextual minuciosa, pois “não se trata de reduzir os que ‘fracassam’ ao seu próprio ‘fracasso’, mas compreender o que fazem para ‘fracassar’” (LAHIRE, 2005, p. 129). É necessário, portanto, formular uma perspectiva ampla e multiforme da socialização que possa demonstrar de maneira empiricamente fundada como os indivíduos são socialmente fabricados pelos quadros de socialização e seus atores com os quais eles estabelecem relações desde a tenra infância.
A partir da análise do processo de socialização em perspectiva plural, disposicional e contextual, temos um referencial teórico-metodológico bastante consistente para compreendermos de forma crítica as situações de “fracasso” e “sucesso”, que são experienciadas, por exemplo, pelos alunos cotistas do EMI do Campus Campos Centro do IFF. Lahire (2005) chama a atenção para a diferença decisiva entre crença e disposição para a agir que nos auxilia a demonstrar concretamente como a culpa pelo “fracasso” é internalizada pelos indivíduos. A análise dos discursos que faremos neste artigo tem como fim enfocar as crenças dos alunos cotistas, bem como as (possíveis) consequências para a naturalização da desigualdade escolar no EMI. O predomínio das crenças nos discursos ocorre porque os indivíduos são multissocializados e multideterminados, o que termina fazendo com que eles não consigam ser conscientes dos determinismos aos quais estão submetidos (LAHIRE, 2005).
4 Análise do Discurso
A análise do discurso (AD) surge na França no final da década de 1960. Proposta pelo filósofo Michel Pêcheux com base nos estudos de Canghuilhem e Althusser, a teoria ampliou o objeto de investigação, sobretudo dos estudos linguísticos (BRASIL, 2011). A teoria proposta por Pêcheux centraliza o discurso como seu objeto de estudo, não só se limitando à investigação estritamente linguística, mas também buscando compreender as situações que levam à construção de um determinado discurso e identificar os padrões que o constituem. O papel central do discurso em sua teoria lança um novo olhar dentro do campo das Ciências da Linguagem sob as possibilidades de estudos acerca da língua.
No início do século XX predominava a corrente estruturalista do suíço Ferdinand de Saussure - que, apesar de atribuir caráter social à língua, dispensava o indivíduo, substituindo-o por um “falante ideal” imaginário sem considerar os diferentes contextos discursivos possíveis. Na década de 1960, Noam Chomsky, linguista norte-americano, deu os primeiros passos na formulação de sua teoria gerativista, segundo a qual a linguagem é inata ao ser humano. Assim como Saussure, ele parte da ideia de um “falante ideal” para que possa focar nos aspectos biológicos da linguagem humana (BRASIL, 2011).
A AD, diferentemente das teorias supracitadas, tem a língua como ponto de partida do longo percurso que pavimenta o caminho da construção de um discurso. A produção de sentidos não se dá apenas entre o emissor e receptor de uma mensagem, mas sim entre tudo que interpela uma simples troca de mensagem - o local onde os indivíduos se encontram, quem são, o tipo de relação estabelecida entre esses indivíduos, entre outros. Como afirma Orlandi (2007, p. 16), a AD trabalha com a língua enquanto fato social, considerando não só sua sintaxe, mas também os inúmeros significados e produções de sentido que o falante constrói.
A AD para além de teoria dos estudos linguísticos, assume papel metodológico que proporciona a pesquisadores de diferentes áreas instrumentos e procedimentos de análise formulados pelos teóricos que possibilitam compreensão acerca do objeto investigado.
Orlandi (2007) apresenta e explica as principais categorias para realizar a AD. Na AD aquilo que é dito, ou seja, o intradiscurso, é apenas a superfície do discurso. O interdiscurso, o já dito, constitui-se não apenas do momento presente, como também de tudo aquilo que não fora dito, da memória coletiva e individual acerca do tema e, também, daquilo que já fora esquecido sobre um assunto, ou seja, é a base do que fora dito, pois “O interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e esquecidas que determinam o que dizemos” (ORLANDI, 2007, p. 29).
O interdiscurso abre caminho para as relações de sentido, ou seja, não há discurso que não esteja relacionado a outro, o que por sua vez contribui para a construção de sentido acerca desses discursos. As relações de sentido, por sua vez, contribuem para as relações imaginárias entre um discurso e outro, uma vez que entre pontos convergentes e divergentes encontram-se significados que apenas existem graças à relação entre esses discursos.
Enquanto o interdiscurso e as relações de sentido existem no plano do discurso, é importante destacar a proximidade entre as relações de força e os indivíduos produtores do discurso. Essas relações são capazes de interferir em um discurso, haja vista que, de forma intencional ou não, o interlocutor tende a adequar o seu discurso para que não ultrapasse limites, ofenda ou sofra algum tipo de retaliação por quem o recebe.
Outra categoria primordial para a nossa análise neste artigo é a formação discursiva que, segundo Orlandi (2007), se define como aquilo que determina o que pode e deve ser dito dentro de uma formação ideológica, isto é, a partir de uma posição em determinada conjuntura sócio-histórica. Através do conceito supracitado, conseguimos compreender como a ideologia produz seus efeitos por meio da discursividade e se materializa no discurso (ORLANDI, 2007).
As categorias de análise acima citadas exercem papel importante na construção dos sentidos de um discurso. É através delas que buscaremos identificar as tendências, padrões e falhas na reprodução dos discursos dos estudantes do EMI. Através da formação discursiva tentaremos expor a relação entre a linguagem e o mundo (ORLANDI, 2007).
5 Os discursos dos cotistas
Nesta seção, analisaremos os discursos dos alunos cotistas dos cursos técnicos de Automação Industrial, Edificações, Eletrotécnica, Informática e Mecânica integrados ao ensino médio do Campus Campos Centro do IFF, tendo como referencial metodológico a AD e, como teoria de fundo a relação entre neoliberalismo, individualismo e meritocracia no capitalismo contemporâneo e a sociologia à escala individual de Lahire. Esses alunos foram identificados com números para a preservação de seus nomes e sempre que suas respostas forem citadas diretamente aqui, usaremos esses números como referência para identificar as falas.
5.1 Informática
Para a realização do trabalho foram entrevistados 4 alunos (um do gênero masculino e três do gênero feminino) da turma de Informática do segundo ano de 2018, turma 201. A opinião dos alunos sobre o IFF foi unânime, com todos considerando a instituição como muito boa, ou seja, uma percepção muito positiva da estrutura e do ensino oferecidos. Novamente a formação imaginária sobre o IFF aparece em respostas como:
Escola muito boa, que abre muitas portas e a mente (Aluno 1).
Escola que tem várias oportunidades, tem bom ensino, com várias portas de emprego (Aluno 2).
Melhor escola em Campos pública, melhor ensino médio (Aluno 3).
O IFF é uma escola maravilhosa, tem um ótimo ensino (Aluno 4).
Um ponto que nos chamou atenção, em todas as falas analisadas até aqui, foi que em meio aos elogios à escola, o fator individual sempre aparece como justificativa para o sucesso ou fracasso dos alunos. Esse ponto se destaca entre os alunos deste grupo focal porque não foi perguntado diretamente, ele emergiu do discurso como forma de explicar os casos daqueles que não conseguem bons resultados. Nesse sentido, observamos no discurso a percepção que coloca o individualismo, ou seja, o esforço de cada um como ponto determinante, independente da qualidade da escola e/ou do ensino oferecido por ela. Isso se verifica nos comentários do Aluno 2: basta você correr atrás, pois tem aqueles também que não estão nem aí, mas se você correr atrás, daqui te levam pra uma vida lá fora, com empregos altos e aí vai.
Todos mostraram através do discurso uma percepção muito positiva da escola inicialmente, ressaltando ao mesmo tempo a necessidade do empenho individual para que o ensino oferecido possa promover o sucesso esperado: “emprego”, “portas abertas”, “vida melhor”. Contudo, à medida que a entrevista avançou, junto com essa formação imaginária positiva do discurso inicial, surgiram pontos de contradição. Problemas com a carga horária do curso (considerada excessiva em todas as falas), falta de tempo para estudar, cansaço causado pelo volume de conteúdo das disciplinas, dificuldades de deslocamento entre a casa e a escola, foram pontos que segundo os alunos, interferem diretamente no desempenho escolar deles. Aqui podemos questionar por que esses problemas não apareceram no início quando questionados sobre o que achavam do IFF: todos foram unânimes em elogiar a escola, com os problemas citados só aparecendo à medida que a entrevista avançou.
Nos parece que a partir do momento em que foram levados a pensar sobre o IFF e suas condições como alunos do EMI, foram também elaborando suas conclusões que se misturaram com as certezas iniciais sobre a “escola de excelência” que imaginavam e a realidade vivida por eles e outros colegas. A formação imaginária muito forte sobre uma escola pública federal de excelência, junto com a percepção de senso comum de que o esforço individual é o que realmente conta para o sucesso escolar, podem explicar essa contradição? E nesse caso, como essas percepções podem aumentar a pressão sobre os alunos em geral e sobre os cotistas em particular?
As respostas para a segunda questão geradora, sobre as possíveis dificuldades nas disciplinas, foram mais diversificadas, embora três pontos em comum tenham se destacado: a falta de tempo para estudar, a carga horária muito grande imposta pelo IFF e a didática dos professores. Foram recorrentes nas falas a importância da aula para a aprendizagem do conteúdo já que tinham pouco tempo para estudar em casa e quase nenhum tempo para estudar na escola com todos os horários ocupados. Nesse ponto a didática dos professores teve destaque:
Dificuldade em alguma matéria específica eu não tenho, estudo pra todas igual, porém com alguns professores eu acabo tendo que passar mais tempo me dedicando a ele, tem algumas aulas que eu vou que eu entendo bem em aula e consigo fazer a prova normal sem precisar (Aluno 4).
Ah, eu acho que eu tenho dificuldade costuma ser o ponto da didática do professor (Aluno 3).
Por mim, eu não por que eu não gosto de exatas, implica também quando a pessoa não gosta da coisa fica meio difícil e pela didática também dos professores também (Aluno 2).
Aqui o esforço individual novamente apareceu como diferencial para o sucesso escolar. Embora a didática das aulas tenha sido citada como ponto importante para a aprendizagem, a forma como cada aluno lida com essa e outras dificuldades, aparece em primeiro plano, ou seja, depende do indivíduo e de sua adaptação às condições da escola. As respostas para as questões geradoras sobre as diferenças do IFF em relação à escola anterior, sobre a relação com os professores e sobre os auxílios/assistência oferecidos para a permanência, apareceram nas entrevistas de forma conexa. Sobre as condições para a permanência que a escola oferece, as percepções foram bem próximas:
São boas. Ajuda. A alimentação ajuda bastante, ajuda todo mundo (…) A bolsa permanência também ajuda muito. Os meus pais não têm emprego. Ajuda bastante dentro de casa também (Aluno 1). A mesma coisa dele, tipo. Se não fosse o almoço, um lanche, como ficaria aqui? Até porque mora longe, pra vir gasta também (…) Eu acho que essas bolsas que o IFF oferece ajuda bastante e faz com que o aluno pense em permanecer aqui (Aluno 2).
Eu acho que o IFF oferece uma infraestrutura muito boa para o aluno ficar aqui o dia todo (…) você tem comida pra ficar aqui. No meu caso, se eu não tivesse bolsa alimentação, eu não conseguiria ficar aqui. Eu não teria dinheiro pra comprar comida todo dia. Se eu não tivesse bolsa permanência eu não conseguiria ficar aqui, porque são muitos gastos que eu tenho pra fazer com o IFF. Eu não teria dinheiro pra comprar (Aluno 3).
A relação com os professores de modo geral é indicada como boa, embora seja relevante o problema da didática das aulas, como já citado. Na percepção de todos a didática seria um ponto a ser melhorado e que contribuiria positivamente para o aprendizado e o sucesso escolar deles. Sobre as diferenças entre o IFF e as escolas anteriores, todos mostraram em suas falas que tiveram dificuldades de adaptação e sentiram as exigências maiores em termos de conteúdo, quantidade de disciplinas e carga horária:
Acho que se fosse menos tempo de aula porque tem professor que dão quatro aulas durante a semana toda e chega lá aula de matemática tem segunda e quinta… Então acho que devia administrar um pouco mais o horário. E tipo, colocam aulas em horários que ficam ruins pra gente. Se eles consultassem as turmas pra arrumar o horário seria uma boa (Aluno 2).
Então só que o IFF consegue ser muito cansativo. Tem alguns alunos que são chamados atenção por ter matado aula, mas eles matam para estudar para outra matéria, pois não tem tempo. O IFF te prende de manhã e de tarde, você só tem a noite, a noite tem gente que mora longe e chega em casa muito cansado não tendo como estudar para alguma coisa, tipo uma prova de manhã (Aluno 4).
E eu acho que é uma escola que sim, com uma carga horária muito grande, a maioria dos alunos ficam aqui a maior parte da sua vida porque só vai pra casa na hora de dormir e fim de semana (…) Porque tem alunos antes de entrar no IFF que já tinha aquela rotina de sempre estudar, no caso, alunos de escola que puxa muito, que cobra bastante do aluno. Esses alunos já vem com esse ritmo de estudar, estudar e estudar. Aí quando a gente vem de uma escola estadual que não cobra tanto da gente, a gente acha que o IFF é doideira (Aluno 3).
Eu moro perto de Quissamã 5[outro município], é 1h e meia também. E sendo que de segunda a quinta eu chego em casa 21:30, pois eu tenho outras atividades. (…) Todo dia eu saio de casa cedo e chego 21:30 (Aluno 2).
E eu acho que é uma escola que sim, com uma carga horária muito grande, a maioria dos alunos ficam aqui a maior parte da sua vida porque só vai pra casa na hora de dormir e fim de semana… Moro em Goytacazes [distrito de Campos]. Demoro uma hora pra chegar aqui porque o ônibus demora e quando passa as vezes não para. As vezes preciso pagar van. Aí a gente consegue chegar aqui. Como eu tenho inglês segunda e quarta eu chego em casa 21h, aí talvez quando chego em casa tenho que estudar porque tem prova no outro dia, aí a gente tem que acordar 5:00 pra pegar o ônibus 6:00. Aí é difícil mais por conta de morar longe (Aluno 3).
Eu moro em Travessão 6 [distrito de Campos], é a uma hora daqui. As vezes eu vou pegar o ônibus no horário de 6:30 e consigo chegar, mas às vezes o fiscal não deixa entrar porque o ônibus lota daí fico esperando o ônibus de 7:00 e às vezes não vem e fico sem ônibus… Aí acabo chegando em casa muito tarde, tipo umas 20:30. Pra estudar ou fazer algum exercício de manhã, não tem como fazer. E você já acorda cedo, você chega em casa cansado e acaba não tenho disposição pra estudar, quando você estuda cansado você lê e não entende nada do que leu pois está cansado (Aluno 4).
Os relatos também apontaram que o auxílio de monitoria oferecido pelo IFF e que poderia ajudar muito nas dificuldades com as disciplinas, acaba não sendo aproveitado por não ser possível conciliá-lo com os horários das aulas. Ao lhes perguntarem sobre o assunto, se destacaram as seguintes respostas:
Não, porque sempre o horário do monitor bate com o de outra aula… Na prática não [tem monitor]. Os próprios professores falam que tem monitoria. Mas na hora de ver o horário, bate com as aulas, bate com a aula de física, bate com aula de matemática, bate com a aula de biologia, ou é de noite. No IFF inteiro todo o horário de monitoria bate com o de aula. (Aluno 2).
Aí a gente se ferra sem monitoria. Aí o professor pega e joga na sua cara que tem monitoria. ‘‘Não, você tem monitoria, você tem recurso, você tem isso, aquilo…’’ Mas como é que você tem recurso se você não tem tempo? Não entendi esse negócio. (Aluno 1).
Monitoria nunca deu, nunca houve monitoria, eu aprendo a base de livro e vídeo-aula, adoro livro (Aluno 4).
Todos reconheceram que em algum momento passaram por problemas emocionais e por pressão psicológica, causados pela rotina de estudos no IFF ou que souberam de algum colega que sofreu com os mesmos problemas. Mas a maioria não procurou ou não conseguiu ajuda. Nesse ponto da entrevista os alunos fizeram algumas conexões com a rotina da escola anterior em comparação com o IFF, o que justificaria a dificuldade de adaptação por terem vindo de escolas menos “exigentes”. Importante ressaltar que houve uma perceptível tensão nos discursos entre a afirmação original das qualidades da escola e o empenho/esforço individual, ou seja, mais uma vez a questão da adaptação de cada um ao “ensino de qualidade” que o IFF oferece, apareceu como o ponto principal para o sucesso escolar.
A formação imaginária nesse caso se manifestou diretamente nas falas e no relato sobre as pressões externas sofridas por eles, pois 2 alunos disseram ter sentido as cobranças das famílias por causa das expectativas que tinham sobre estudarem na instituição. Algumas falas, como a do Aluno 3, são muito reveladoras sobre como perceberam e lidaram com os fatores psicológicos, quando inquiridos se já tinham procurado um psicólogo e se sabiam de alguém que tinha:
Eu não porque nunca precisei de psicólogo, mas tem gente que estuda aqui no IFF e acabam precisando de um psicólogo porque o IFF acaba com o seu emocional. (…) [Você sabe de alguém?] Não, já ouvi falar de algumas pessoas e algumas pessoas também amigos meus que quiseram ir mas não foram e saíram do IFF a propósito. [Saíram?] Porque acharam cansativo demais e não aguentaram a pressão (Aluno 3).
Mais reveladora ainda foi a interferência do Aluno 4 reforçando a ideia de que tudo depende da condição individual, reagindo à resposta do Aluna 3 que respondeu afirmativamente que o “IFF é um lugar de pressão”: Sim, mas depende de cada aluno, porque tem gente que aguenta e tem gente, outras pessoas, que não tem o psicológico pra aguentar (Aluno 4). Importante destacar na fala do Aluno 4, a naturalização da pressão psicológica, visível no trecho em que diz porque tem gente que aguenta e tem gente, outras pessoas, que não tem o psicológico pra aguentar. Na sequência, outras falas continuaram reforçando a existência de pressão psicológica em contraste com a opinião do Aluno 4:
Eu vou muito na assistência estudantil pra falar sobre várias coisas. Já pensei em ir ao psicólogo, minhas amigas já pensaram em ir… Sim, porque como o [Aluno 3] falou, quando a gente vem de uma escola que não cobra muito, você meio que relaxa. Isso aqui no primeiro ano pra mim foi um inferno, acabou com a minha vida emocional. Uma coisa que eu nunca tive na vida ou nunca senti, meio que depressão, você fica depressivo… Foi uma pressão muito grande, 3, 4 trabalho e seminário na cabeça. … Ou seja, eu ficava com aquela pressão de perder de série. Minha cabeça ficou a mil… (Aluno 2).
No primeiro ano pensei [em procurar psicólogo], porque eu tava pensando que tava entrando em depressão, o negócio foi tenso. Muita pressão psicológica, vinha dos professores, dos familiares, de todo mundo “ah, você estuda no IFF, por que está com nota ruim?”. E minha mãe fala assim “ah, meu filho é maravilhoso porque está lá dentro”, mas não sabe o que a gente passa (Aluno 1).
Vale relembrar que todos os alunos que participaram da entrevista são cotistas. Sabendo que um dos critérios para concorrer por cotas no processo seletivo é ter sido aluno de escola pública, mesmo que a condição individual possa ter relevância para um “bom” desempenho escolar no IFF, todos os cotistas ainda terão esse ponto em comum. Isso nos indica, ao menos a princípio, que os problemas que afetam o desempenho dos estudantes apontados aqui podem ser comuns a um grupo mais amplo. Isso tornaria esses problemas estruturais e não só individuais ou de adaptação, como o senso comum faria supor.
A última questão geradora foi sobre as cotas. Foi perguntado como se sentiam na condição de cotistas em suas relações com os outros alunos, o que pensavam sobre as cotas e se tivessem o poder institucional para manter, modificar ou acabar com a política de cotas no IFF, o que fariam. A formação imaginária sobre a política com forte presença de elementos do senso comum, de resistência ao sistema e de valorização da meritocracia, foi marcante nas respostas. Quando interrogados sobre como é ser cotista no cotidiano do IFF, afirmaram que a condição não interfere em nada em suas vidas escolares; mas, ao mesmo tempo, os discursos parecem indicar uma postura de autodefesa, como se quisessem ressaltar a importância menor das cotas ou mesmo que elas são desnecessárias:
Uma coisa que eu não sei é o que é ser cotista, mas… eu não sei o que é cotista… é, não…. Não tive problema com isso, eu tenho uma relação normal, a nossa turma é tranquila, eu não tenho problema com ninguém (Aluno 4).
Acho uma turma bem unida e eu não tenho essa questão de ser cotista ou não porque não interfere em nada na minha vida, até por que a maioria das pessoas que eu tenho bastante integração mesmo são também cotistas, são bolsistas, mas a pessoa não ser cotista e não ser bolsista não interfere em nada no meu relacionamento com ela, nunca interferiu em nada (Aluno 3).
Não tem interferência nenhuma de ser cotista (Aluno 2).
Também, nenhum problema. Converso com todo mundo (Aluno 1).
As justificativas contrárias às cotas que emergiram dos discursos foram variadas, mas todas carregavam traços em comum e revelaram também, certo desconhecimento sobre como funciona o sistema adotado pelo IFF para execução da política: as cotas aumentam a discriminação por cor. as cotas inferiorizam os cotistas. uma pessoa negra não é inferior a uma pessoa branca. todos podem conseguir pelo esforço individual sem precisarem de cotas; tem que melhorar a escola pública no Brasil ao invés de criar sistemas de cotas7.
(…) digamos assim que é uma pessoa branca de escola pública, cota 1 é negro que estuda em escola pública, tipo todos estudaram em escola pública, qual a diferença? Eu não entendi por que um tem que ter uma cota e outro também… [No Brasil tem Racismo?] Tem, até um pouco demais. [Se tem racismo, a cota não é importante?] Mas só porque um é branco e outro é negro não tem interferência na inteligência. [E se só tivesse cota pra alunos de escola pública?] Seria contra porque acho que deveriam dar o mesmo ensino da escola particular na escola pública (Aluno 4).
Eu sou contra a cota racial porque eu acho que acaba tornando as competições ainda mais desiguais. [Por quê?] Porque se uma pessoa quer igualdade … a diferença da cor, porque tem cota pra branco, pra pardo e pra negro… eu acho que, foi o que todo mundo disse aqui, a cor da pele da pessoa não deve interferir na competição dela com outra pessoa, ela deve ter as mesmas chances de competição. É o que acontece no Brasil, muitas pessoas são inferiorizadas por causa da sua cor. [Você se sentiu inferior por ter entrado por cotas?] Não, eu só me senti desconfortável por ter que confirmar a minha cor. [Isso não é normal?] Não, eu acho que eu não devia ter que, a pessoa especificar uma cor pra fazer uma prova, eu acho que a cor não deve interferir em nada na vida da pessoa, porque todo mundo é ser humano e um negro tem a mesma capacidade de um branco de fazer uma prova (Aluno 3).
O último ponto sobre as cotas foi ainda mais revelador quanto ao imaginário dos alunos sobre elas. Embora todos sejam cotistas, dos 4 participantes do grupo focal, 3 responderam que se tivessem poder, acabariam com a política total ou parcialmente no IFF.
Eu assinaria pra acabar. [Mesmo sendo cotista?] Sim, por mim, eu não entraria por cota, porque eu não sou melhor e nem pior que ninguém. [Cota inferioriza?] Sim, me atingiu um pouco no começo. [Ter entrado por cota te atingiu?] Sim, nem foi por amigos meus mesmos daqui, foi de fora tipo ‘ah você entrou por cota, por isso que você passou com essa pontuação né’. (Aluno 2).
Eu acabaria, assim como eu passei com cota, só que eu conheço gente que estudou em escola particular e tirou 11 e eu tirei 21, eu estudei minha vida toda em escola pública, qual é a minha diferença? Acho que foi dedicação, no caso. (Aluno 4).
Eu só sou a favor das cotas quando é pra diferenciar escola pública e particular. Eu tiraria as raciais e deixaria as de escola pública. (Aluno 3).
O destaque foi a resposta do Aluno 1 afirmando a necessidade das cotas tanto raciais quanto para estudantes de escolas públicas e que as manteria se tivesse poder:
Eu iria deixar as cotas de escola pública. Porque não tem condição uma pessoa de escola pública competir com uma de escola particular. Depende da escola e dos professores, mas quase sempre é assim. Tipo, gente do Alpha [escola particular da região] sabe coisas que a gente só estudaria no ensino médio e bem aprofundado até. Eu manteria as cotas raciais também. Porque desde quando nasce, a criança negra se sente inferior por ser alvo do racismo, ela vai criando traumas e se acha incapaz, acho que as cotas também é uma motivação. Seria a forma de combater o preconceito, daí quando combater, aí poderia tirar. (Aluno 1).
Mesmo reconhecendo a existência do racismo e admitindo a necessidade de cotas raciais e para os que vêm de escola pública, o discurso do Aluno 1 ainda carrega fortes traços de individualismo e da noção de meritocracia. Para ele, não tem condição uma pessoa de escola pública competir com uma de escola particular assim como, ainda segundo ele, desde quando nasce, a criança negra se sente inferior por ser alvo do racismo, ela vai criando traumas e se acha incapaz. A ideia de competição entre alunos de diferentes escolas e a afirmação de que a criança negra que sofre racismo “se sente inferior e se acha incapaz” demonstram a nosso ver, uma leitura da realidade social marcada pela luta individual, seja para lidar com os traumas pessoais, nesse caso os raciais, seja para conquistar um lugar numa boa escola. O fracasso ou o sucesso, dependem de cada um.
O mesmo se observa nos discursos dos alunos que se posicionaram contra as cotas e favoráveis ao seu fim. A existência do racismo e da desigualdade socioeconômica não justificam cotas só porque um é branco e outro é negro não tem interferência na inteligência de cada um (Aluno 4) assim como a afirmação do Aluno 3 de que é contra a cota racial porque eu acho que acaba tornando as competições ainda mais desiguais. Nos dois casos, competição e mérito individual, parecem orientar os discursos, sem nenhuma referência às condições estruturais da sociedade brasileira.
5.2 Automação Industrial
No curso de Automação Industrial conseguimos realizar o grupo focal com dois meninos que estavam no terceiro ano. Neste grupo, designamos os entrevistados como aluno 1 e aluno 2. O primeiro aspecto abordado foi a percepção sobre o Campus Campos Centro do IFF. O discurso do aluno 1, por exemplo, possui uma concepção meritocrática segundo a qual “sucesso” ou “fracasso” dependem exclusivamente das escolhas individuais, uma vez que a instituição dispõe de todas as condições necessárias para o êxito escolar. Como não dito no discurso do aluno, os grandes problemas estariam apenas nos alunos e em suas trajetórias anteriores ao ingresso no EMI: Agora, depois de quase três anos passados aqui, eu acho que foi muito válida essa experiência, não só pelo curso técnico e pela estrutura acadêmica que eu tive, mas também como uma experiência de vida. Eu acho isso muito válido.
O aluno 2, por sua vez, faz referência ao quiosque8 como um problema do Campus Campos Centro. Contudo, os dilemas decorrentes da presença naquele espaço seriam frutos das escolhas e condutas individuais, uma vez que o IFF ofereceria, além de condições físicas e profissionais, bolsas que são “desperdiçadas” por ações dos próprios alunos. O discurso do aluno 2 sinaliza para a formação de um imaginário sobre o IFF, ou seja, uma instituição constituída apenas por virtudes, o que será observado, mais adiante, também no discurso dos estudantes de outros cursos. Também parece indicar a presença da ideologia meritocrática como justificativa para a desigualdade escolar, apontando seu percurso no ensino fundamental em escola pública como um problema individual. Aqui observamos uma contradição discursiva entre a afirmação da existência de uma igualdade de oportunidades entre os estudantes, garantida pela excelência institucional, ao mesmo tempo que afirma a desigualdade entre eles devido à origem escolar em rede pública.
Sobre as dificuldades no EMI, o aluno 1 argumenta acerca da diferença entre a escola pública de nível fundamental e o IFF, demonstrando a distinção entre os estudos de meio período e o integral, bem como reconhecendo que há um número muito elevado de disciplinas. Contudo, existe uma importante contradição no seu discurso, pois, apesar de toda a diferença apresentada, a resolução recai novamente no mérito individual, através da auto-organização e da administração do tempo para os estudos. Existe a junção entre a formação imaginária acerca do que é o IFF e o não dito sobre o sucesso escolar ser fruto exclusivo do esforço individual de cada aluno.
Quando os alunos são questionados sobre as dificuldades nas disciplinas, ocorre o reforço do já dito sobre o IFF, ou seja, a formação imaginária segundo a qual a instituição é constituída apenas por virtudes, uma vez que o problema está na escola pública anterior, e não na ausência, por exemplo, de ações institucionais que pudessem auxiliar no processo de permanência dos alunos:
A pessoa quando estuda numa escola estadual, por exemplo, ela vai meio que empurrando com a barriga, porque a média já é meio que baixa, a média é 5, ali você consegue empurrando com a barriga você consegue passar, aí quando você vem pro IFF, um exemplo, o IFF, um instituto, que a média é 6, você tem o dobro de matérias, acaba sendo um pouco puxado, mas é um preço que se paga, porque você já tá fazendo um técnico, estuda no ensino médio, pra daqui a 3 anos já ter os dois terminado, se você não perder é claro (Aluno 1).
Ao abordarmos a relação com os professores, os alunos continuam a culpabilizar a si próprios como os únicos responsáveis pelo bom desempenho escolar. Eles reproduzem um discurso que replica uma imagem estritamente positiva sobre os docentes e a culpabilização dos alunos que “não querem” como responsáveis pelos comentários ruins que são formulados acerca dos primeiros. Quando foram questionados sobre a possível existência de tratamento diferenciado por conta de serem cotistas, os alunos rejeitaram qualquer forma de discriminação e reafirmaram o discurso meritocrático e individualista sobre o “sucesso escolar”, como podemos observar na resposta do Aluno 2:
É, eu também não percebi nenhuma diferença em relação a cota e tal, tratamento, nada, porque a mesma pessoa, por exemplo, uma pessoa da escola particular, uma pessoa da escola pública, entrou no IFF, passou, é porque, vamos dizer assim, tem a mesma capacidade de passar, então a gente tá quase no mesmo nível provavelmente, é claro que normalmente quem tá em escola particular tem um pouco mais de conhecimento vamos dizer assim, mas não tenho nada do que reclamar assim em questão de tratamento, nem nada.
Ao lhes perguntarem sobre a relação professor-aluno, auxílios e a possibilidade de mudanças na Instituição, os cotistas de Automação expressaram a concepção meritocrática do sucesso escolar, isto é, que a responsabilidade é estritamente individual. Ao mesmo tempo, também reproduziram a formação imaginária sobre o IFF como uma escola de excelência e que não gera obstáculos à permanência ou ao sucesso escolar dos alunos oriundos das cotas. No caso específico de Automação, essa formação imaginária presente nos discursos, não permitiu que o tema das cotas e de sua manutenção, por exemplo, fosse aprofundado. Nesse sentido, percebe-se uma problematização sobre cotas e seu funcionamento nos outros cursos e a inexistência dela entre os cotistas de Automação.
5.3 Edificações
Para a realização do trabalho foram entrevistados 4 alunos (dois do gênero masculino e dois do gênero feminino) das turmas de segundo e terceiro anos de Edificações no ano de 2018.
Quando questionados sobre suas percepções acerca da instituição, os alunos afirmaram considerá-la boa, atribuindo à essa concepção a qualidade do ensino, reforçando que por se tratar de uma escola federal e de um curso médio profissionalizante o ensino tende a ter qualidade superior aqueles das escolas que ofertam apenas o Ensino Médio regular. Entretanto, o aluno 1 de Edificações, ainda que concorde com seus colegas quanto à qualidade da instituição afirma:
(…) claro que tem umas coisas boas, mas tem várias áreas deficitárias também. Os psicólogos, médicos, alguns professores e tal, que eu já falei anteriormente da didática e tal, entendeu? É deficitária em algumas coisas.
Quando questionados acerca da relação professor-aluno, afirmam que sentem que os professores não demonstram interesse em certificar-se de que os alunos estão tendo uma aprendizagem significativa e que isso impacta direta e negativamente no desempenho.
Então, o ensino de exatas eu acho bom, eu gosto, de humanas, assim, todos os meus professores de história e geografia, eu gostei de todos, não teve nenhum pra eu dizer assim foi ruim não, mas assim, acho que o que eles podem fazer com a didática poderiam ver mais o nosso lado, porque as vezes a gente tem tanta prova na semana que tem tanta matérias, acho que as vezes poderia reconsiderar trabalho avaliativo, eu sei que é difícil encontrar outro método avaliativo pra trabalho, pra todas as áreas. Acho que às vezes, por exemplo, física, às vezes matemática, fazer umas coisas diferentes pra integrar o aluno porque as vezes o aluno vai bem numa prova, mas não é porque ele sabe, é porque ele colou ou porque ele arrumou outra coisa pra ir bem naquela prova, porque estudou, entendeu? (Aluno 1).
Ou porque decorou (Aluno 4).
Ou porque passou decorando, o que é muito comum, então tá vendo, as vezes não é só o professor chegar lá e dar matéria, não é só o aluno chegar e tirar 10, ele realmente, esse cara que tirou 10, ele sabe a matéria? (Aluno 1)
Destacam também a ausência de alguns professores e o quanto isso é prejudicial, sobretudo no ensino técnico, haja vista que são disciplinas de suma importância para o exercício da profissão escolhida.
Então, do segundo, tem um, que o cara vinha aqui mesmo, só pra, não vou citar nome nenhum aqui não, só vinha mesmo pra bater ponto, tipo assim, a gente conhece muito bem, só vinha aqui bater ponto, tipo assim o cara dava uma aula no bimestre e aí dava prova, dava 10 pra todo mundo, ninguém aprendia, tipo, se alguém colocar alguém pra fazer um cálculo de poligonal foi porque aprendeu sozinho não foi porque ele ensinou (Aluno 1).
Os alunos de Edificações acreditam que o número de disciplinas não seja o problema principal, mas sim a necessidade de uma maior comunicação e organização entre os professores da ala técnica e os docentes do ensino médio e um melhor acompanhamento do desempenho do aluno.
Quando questionados sobre o que mudariam na carga horária, fosse redução, reorganização ou ampliação os alunos afirmam não saber muito bem como e se realizariam tais mudanças, o aluno 2 ressalta que uma vez que ainda que estudem por mais tempo do que qualquer aluno de ensino médio regular, não gostariam e nem acreditam que futuros alunos teriam interesse em ingressar na instituição caso, por exemplo, o curso integrado durasse quatro (4) anos e não três (3):
Olha eu não sei, porque mudar a carga horário pro número de matérias a gente teria que ficar mais tempo aqui e tem outros que acha 3, tipo, tem gente que não fica nem os 3 anos, tem gente querendo sair agora, então colocar 4 anos pra fazer isso? Talvez muita gente não ia entrar aqui no IFF pra ficar 4 anos. Mesmo dividindo o número de matérias nesses 4 anos, então eu não sei o que fazer, a gente já estuda quase o dia inteiro.
Quando questionados sobre a política de cotas na Instituição, os alunos de Edificações foram todos favoráveis à existência das ações afirmativas e destacaram a relevância das cotas sociais e étnico-raciais:
Eu não mudaria nada, porque até mesmo porque foi pelas cotas que eu consegui passar né, se não fosse elas eu não taria aqui. Então eu gosto porque foi uma forma de eu crescer na vida. Porque estudando aqui é uma forma de você tá num nível mais avançado. Então eu acho que não mudaria nada não (Aluno 3)
Eu defendo porque, se você for pegar as notas de todas as turmas do IFF e você separar as notas de quem veio de escola particular, que normalmente a base é muito mais forte. Como pegar um colégio como Auxiliadora, Alpha (escolas privadas), se pegar esses alunos assim e pegar os alunos que vieram de escola pública que ficaram tipo, dois, três anos sem aula de matemática, acho que a diferença já tá aí. Acho que ela tem que existir principalmente por causa disso. Até o pessoal que perde aí, se você for pegar a maioria é de escola pública, não é a maioria de escola particular, ah, mas as vezes aquele de escola particular perde porque ele não quis mesmo, ele perdeu porque ele ficou, ah, ficou muito no quiosque, ficou andando no pátio, não quis mesmo. Agora, aquele que vem de escola particular direito mesmo, ele vai passar aqui direto 90% das vezes (Aluno 1).
5.4 Eletrotécnica
Do curso de Eletrotécnica foram entrevistados 3 alunos (um do gênero masculino e dois do gênero feminino) do terceiro ano de Eletrotécnica no ano de 2018, turma 301. Quando questionados sobre suas percepções acerca da instituição, os três alunos entrevistados afirmaram, apesar de encontrarem algumas dificuldades, tratar-se de uma excelente instituição:
Eu acho uma instituição muito boa, só que é muito diferente do que eu estava acostumada, eu vim de escola pública e tal, aí, totalmente diferente, uma realidade totalmente diferente, aí tem bastante dificuldade, mas é uma instituição muito boa. (Aluno 1).
Quanto a pontos negativos, os alunos destacaram a carga horária excessiva:
Não, e tem os casos negativos também, porque eles cobram muito a carga horaria da gente que é o ensino integrado. (Aluno 2).
Quanto às disciplinas os alunos de Eletrotécnica confessam terem apresentado dificuldades em algumas delas, sobretudo em Matemática, reforçando sempre que a dificuldade é individual:
Eu tenho dificuldade na parte de exatas, dificuldade na parte de exatas, física, matemática e o curso eu escolhi sem saber, então eletro é muito calculo e tenho muita dificuldade nisso. (Aluno 1).
Todos relataram dificuldades nas disciplinas de ciências da natureza - matemática, química e física - sobretudo em matemática. Apesar de serem ofertadas monitorias para que possam esclarecer dúvidas, a carga horária do curso integrado dificulta que os alunos tenham horários vagos para que possam comparecer - na maioria das vezes, o comparecimento nas monitorias resultaria na ausência em aulas de outras disciplinas, ou até mesmo da disciplina para qual precisam de auxílio, dificultando ainda mais a compreensão do aluno.
O aluno 1 quando questionado se não havia sentido a necessidade de comparecer à monitoria de matemática em 2018 constata: Não é que não senti é porque eu já faço dependência, então não tem como, eu já estudo de dia e tem dias também à noite, não bate. Por fim, os alunos afirmam que o grande número de disciplinas pode ser mais prejudicial do que benéfico.
Quando questionados acerca da relação professor-aluno, afirmam haver uma boa convivência, existindo dificuldades apenas com um professor:
É, a maioria as relações são boas, só que eu vejo na maioria da turma, a única professora que a gente não tem um bom relacionamento é professora de matemática, a maioria da turma tem dificuldade, tipo assim, a nossa turma 202, juntou duas, três turmas de eletro ano passado, então metade da turma faz a dependência de matemática (Aluno 1).
Quando questionados acerca da política de cotas, os alunos 1 e 3 mostraram-se contrários às cotas raciais:
Eu acho errado só a cota pra negro, só isso que eu acho errado. porque não é só porque que eu sou negro que eu sei menos que um branco. Escola pública eu acho porque tem diferença entre ensino de escola pública e escola particular, a particular ensina mais no caso, mas pra negro eu acho errado (Aluno 1).
É, a cota, a cota que ela falou. Um negro tem a mesma condição que um branco vindo de escola pública. E renda eu acho que deveria ter também (Aluno 3).
O aluno 1 afirmou não saber que as cotas são, primeiramente, sociais, ou seja, mesmo o aluno negro, pardo ou indígena, só pode ingressar pelo sistema de cotas se for oriundo de escola pública. Já o aluno 2 disse ser a favor e que não faria mudanças no sistema caso pudesse. Apesar das opiniões divergentes, os alunos admitem que não extinguiriam nem mudariam nada na política vigente.
5.5 Mecânica
Assim como ocorrido com o curso de Automação Industrial, também realizamos um grupo focal com dois alunos, mas, diferente do curso supracitado, os cotistas de Mecânica foram repetentes do primeiro ano e cursavam o segundo ano em 2018. Apesar da diferença de desempenho, os cotistas possuem vários pontos de similitude, sobretudo no que se refere à reprodução da formação imaginária sobre o IFF e ao discurso ideológico neoliberal para justificar o fracasso e o sucesso escolar, o que é fundamental para sustentarmos a existência de uma mesma formação discursiva, dialeticamente relacionada a um contexto histórico-social, para a produção dos discursos dos cotistas do ensino médio integrado.
Quando lhes perguntam sobre os servidores, os alunos cotistas disseram que tinham uma relação “normal”, sendo os funcionários terceirizados aqueles com os quais eles estabeleciam maior contato. O interdiscurso sobre o IFF é reproduzido, somado a crítica à escola pública de nível fundamental como o grande entrave para ingresso na instituição, bem como a crítica pontual a alguns professores que eles não consideram “bons”. Os alunos argumentam que o IFF é uma instituição que gera oportunidades devido aos auxílios permanência e alimentação, bem como pela disponibilização de monitores. O aluno 2 destaca a “liberdade” proporcionada pelo IFF e as boas condições estruturais, como a existência de armário individual, a alimentação, a monitoria para disciplinas como Física e Química. Sobre a monitoria, o aluno 2 defende que sua eficácia depende do interesse dos alunos em procurá-la, já que os horários ficam marcados nos corredores, pois Tem que aproveitar o que estão te oferecendo. O aluno 2 apresentou o exemplo das dificuldades financeiras da família e o papel central dos auxílios para o pagamento de contas familiares:
No ano passado foi bom, porque minha mãe agora acabou de voltar de um recente acidente, então tipo as faxinas que ela tinha antes se perderam, então ela tá voltando agora, graças a Deus já está com três e ela tá procurando mais ainda. E quando ela sofreu acidente o fato de eu ter a permanência foi muito bom “pra” entrada da água, da luz. Esse celular que eu tenho aqui, eu administrei as prestações dele, mais a luz lá de casa, então entrou eu pagando isso aqui dando metade da luz que vinha da minha irmã trabalhando (Aluno 2).
Ao lhes perguntarem acerca das dificuldades no EMI, os cotistas argumentam sobre os obstáculos enfrentados na disciplina Física. Mesmo reconhecendo os problemas existentes na escola pública anterior, a resolução mostra-se um componente essencialmente individual, como observamos através do aluno 1: Então, tipo sempre foi uma barreira muito grande, essa, a questão da Matemática e da Física para mim, mas como diz minha mãe: Tem que persistir que uma hora você vai conseguir pular esse muro aí! Se você acreditar nos seus sonhos você vai conseguir realizar, só você persistir e ter fé no que você acredita!!
A percepção sobre os professores é bifurcada em críticas àqueles que, segundo os alunos, por contada formação com mestrado e doutorado, apenas colocam a matéria no quadro sem se preocuparem com eles, e aqueles professores que se preocupam com o processo formativo dos alunos. Apesar de criticar a conduta de alguns docentes, os cotistas de Mecânica terminam reproduzindo, mais uma vez, o não dito segundo o qual o sucesso e o fracasso são responsabilidades fundamentalmente individuais, como podemos observar através do aluno 2 que sustenta que o uso do telefone celular em casa foi fator preponderante para que ele repetisse o primeiro ano do EMI. O aluno 2 reforça o não dito acerca da responsabilização individual sobre o sucesso e o fracasso escolar, pois afirma que também foi reprovado porque brincou e “não levou a sério” os estudos. Essa responsabilização é reforçada pelo aluno quando ele afirma que a “liberdade” que os alunos possuem para usarem as dependências do ginásio, da concha acústica e do quiosque é benéfica por um lado, pois ele utiliza os espaços para “matar aula” nos momentos em que precisa “arrumar a cabeça” devido ao cansaço. Contudo, a “liberdade” termina sendo prejudicial por conta das condutas individuais, pois há colegas que usam esses espaços antes das 7 h da manhã e, quando as aulas começam, prosseguem em lugares como o quiosque “sem fazer nada”. Ainda sobre a questão, o aluno 2 argumenta que ele administra bem a liberdade que é dada pela Instituição.
Quando são questionados sobre o impacto da carga horária para o desempenho escolar, não a consideram um problema, pois apenas sobrecarregam nas semanas em que são realizadas provas de disciplinas como Física e Química pela necessidade de organizar o tempo para estudar para as avaliações das disciplinas. O aluno 1 também concorda com o argumento do aluno 2: Como ele falou, semana passada teve teste de Química 14h20 e 16h10 Física, se você não… sei lá… eu também não vou colocar a culpa na gente, a gente estudou, mas a nossa cabeça tá… a gente é humano, a gente dorme mal, a gente tem fome, tem sono, então. As respostas sobre as possíveis dificuldades nas disciplinas apresentaram três pontos em comum: a falta de tempo para estudar, a carga horária muito grande imposta pelo IFF e a didática dos professores. Contudo, o dito nos discursos dos cotistas encobre o já dito em torno da conduta individual como premissa para o êxito escolar.
Quando foram abordados sobre o relacionamento com a turma, os cotistas afirmaram a existência de várias situações de preconceito sofridas através de outros colegas. No caso do aluno 1, o problema ocorreu por conta do seu sotaque nordestino e por ter a “língua presa”, o que o fez pensar em desistir do EMI. Já o aluno 2, apesar de concordar que havia discriminação em relação ao aluno 1, não se importa de ser chamado de “Neguinho” pelos colegas, visto que sua mãe usava o designativo para chamá-lo.
Então para mim, tipo desde pequeno minha mãe me chamava de meu Neguinho, até hoje chama. Então essa coisa de neguinho, negão sempre pra mim foi muito normal, mas tem certas palavras que assim irmão, já passa do limite. Então tem gente que desde a turma passada me chama assim, então pra mim não ligo Uma coisa que eu não gosto que acho pesado é chamar de crioulo, mano, pode me chamar e tal de negão assim, mas não chama de Crioulo que uma coisa que já vai ser meio que ofensivo.
Quando abordamos a percepção dos alunos sobre as cotas no EMI, encontramos o primeiro ponto de divergência profunda entre eles, uma vez que têm posicionamentos diametralmente opostos em relação, por exemplo, às cotas de cunho racial. O aluno 1 possui uma percepção positiva sobre a questão racial, como a valorização do “Dia da Consciência Negra”, que significaria a lembrança do sofrimento, do desrespeito e da humilhação a que os negros foram submetidos no passado. Assim, a data marcaria a necessidade de respeito aos negros e as cotas teriam o papel de igualar as oportunidades, pois afirma que sem elas ele não seria aluno do EMI: Eu acho que ninguém é pior que ninguém, mas muito branco acha sim que negro é inferior. Então a cota ela quebra isso, e dá uma oportunidade, porque já que o branco tem oportunidade em uma certa coisa, o negro também vai ter.
Se o discurso sobre o desempenho escolar reproduz a lógica neoliberal que reduz o “sucesso” e o “fracasso” às ações individuais, a abordagem sobre as cotas trouxe uma perspectiva distinta, visto que existe o reconhecimento de que as oportunidades não são iguais, ou seja, de que a desigualdade racial não pode ser explicada por uma perspectiva individual, já que o não dito é que ela é produzida socialmente. É importante frisar que este foi o único aluno, dentre todos os participantes dos grupos focais, que não colocou a culpa totalmente em si mesmo. Contudo, conseguimos observar uma importante contradição no discurso do aluno 1 pois, apesar de defender as cotas e argumentar que as oportunidades não são as mesmas, termina reproduzindo o discurso individualista quando analisa a própria trajetória como estudante cotista.
O aluno 2, por sua vez, que foi matriculado pela cota 1 (que considera critérios étnico-raciais e socioeconômicos), possui um posicionamento contrário às cotas raciais, cuja justificação parece estar na incompreensão das ações afirmativas e no não dito em torno do sucesso escolar individualista e meritocrático: Eu sou totalmente contra, vamos supor, vai distinguir a minha inteligência pela minha cor, isso é “otarisse”, isso é sem noção. Ah, o branco tem mais oportunidade que um negro, quem te disse isso?
Apesar das diferenças nas percepções dos dois alunos sobre o sistema de cotas, a análise dos seus discursos nos possibilitou observar que os dois reproduzem a mesma formação discursiva em torno da explicação do desempenho escolar como fruto das ações fundamentalmente individuais. Por outro lado, possuem compreensões diferentes sobre as cotas com critérios étnico-raciais, embora não houvesse discordância em relação aos critérios socioeconômicos.
6 Considerações finais
Através da análise dos discursos dos cotistas foi possível sustentar que eles reproduzem o interdiscurso sobre o IFF, sobretudo por conta das condições infraestruturais, do corpo docente e da “liberdade”, mesmo a última sendo composta por importante ambiguidade. A reprodução da formação imaginária sobre a Instituição é reforçada pelo ideário neoliberal presente nos discursos, o que nos faz defender que este é o núcleo comum que perfaz a formação discursiva dos alunos cotistas dos cinco cursos que analisamos.
A partir da sociologia à escala individual é possível sustentar que os alunos cotistas reproduzem crenças que são decisivas para a naturalização da desigualdade escolar no EM, pois através delas grande parte interioriza a culpa pelo “fracasso” escolar como um dado exclusivamente individual. Por meio da distinção entre crenças e disposições elaborada por Lahire (2005), ou seja, entre aquilo que pensamos e aquilo que fazemos, podemos compreender por que os alunos cotistas que não incorporaram as disposições necessárias para obterem situações de sucesso escolar têm dificuldades no EMI e terminam incorporando a culpa pelo “fracasso”.
As falas revelaram também os efeitos psicológicos e emocionais negativos sobre os alunos, provocados pela dinâmica pedagógica do IFF. Embora não houvesse no roteiro original uma pergunta específica sobre o assunto, a questão emergiu do discurso em resposta à pergunta sobre a assistência estudantil oferecida, particularmente quanto ao acesso deles a assistentes sociais e psicólogos, e nas respostas quanto à relação com os professores que levaram a repetidas menções à carga horária letiva e seus efeitos emocionais.
Podemos resumir a partir das respostas que os principais problemas vivenciados pelos alunos são a carga horária muito grande exigida pelo ensino médio integrado, a ausência de tempo para estudar e a distância entre a moradia e a escola, o que, por sua vez, impacta no aumento do cansaço e na falta de tempo para se dedicarem aos estudos.
É possível, contudo, identificar nos discursos dos estudantes algumas contradições. Ao mesmo tempo que apontam desigualdades comuns - ter cursado o ensino fundamental em escola pública; o tempo de deslocamento entre sua moradia e o campus; a necessidade de apoio da assistência estudantil, seja econômica, psicopedagógica ou acadêmica (monitorias), nem sempre contemplada -, e seus reflexos nas dificuldades de desempenho, esses discursos não levaram a uma consciência das dificuldades coletivas como um fator de desigualdade entre os cotistas e os não cotistas. Dado o falso pressuposto da igualdade entre todos os estudantes após seu ingresso no IFF, que seria uma instituição de “excelência”, caberia a cada um deles, individualmente, esforçar-se mais para superar suas dificuldades que são consideradas pessoais e não sociais. Dentro do ideário neoliberal, não cabe ao Estado prover políticas públicas que tratem essas desigualdades, que são de classe e raça, ampliando, por exemplo, os recursos para a assistência estudantil, ou ao IFF, enquanto instituição de Estado, organizar os horários e a jornada escolar de forma compatível com a realidade dos estudantes do EMI. Caberia apenas ao esforço e ao mérito individual a superação (ou não) dos problemas e o consequente “sucesso” ou “fracasso” escolar.
Mesmo as críticas quanto à ausência de oferta de monitorias, problemas pedagógicos dos docentes e sobrecarga curricular não os fazem considerar que essas questões, embora impostas a todos os estudantes, possam ter impactos maiores sobre os cotistas, ainda que todos os grupos focais tenham apontado a origem escolar em rede pública, que é o critério comum a todas as cotas, como um fator gerador de dificuldades de desempenho. Em nenhum momento das entrevistas houve qualquer discurso que assinalasse uma consciência dos estudantes cotistas de que há uma desigualdade social que implica uma desigualdade de desempenho acadêmico entre eles e os não cotistas. E essa desigualdade existe, como evidenciado pelos discursos e pelos números institucionais.
Entre os estudantes do EMI matriculados em 2016 - o que inclui os alunos que participaram dos grupos focais -, somente no primeiro ano dos cursos, 46,5% dos cotistas foram reprovados, taxa que foi de 16,5% para os ingressantes pela ampla concorrência. Dito de outra forma, a cada 10 estudantes reprovados no primeiro ano, 7 eram cotistas. Em 2020, quatro anos após o ingresso no curso, a exclusão escolar era de 35,3% entre os cotistas e 14,7%, menos da metade, para os demais. E enquanto 61,8% dos ingressantes pela ampla concorrência já haviam se formado, essa taxa era de 31,4% para os cotistas. Na prática, apesar dos estudantes cotistas ouvidos nos grupos focais não quererem um curso de 4 anos, 68,6% deles se forma em 4 anos ou mais, ou não conclui (RIBEIRO; COSTA; RISSO, 2021). A ideologia da meritocracia, que atende a maioria dos estudantes ingressantes pela ampla concorrência, mas a uma minoria dos ingressantes pelas cotas, está naturalizada no discurso dos estudantes cotistas.
O suposto desconhecimento, ou não reconhecimento, quanto às desigualdades de desempenho entre os cotistas e os ingressantes pela ampla concorrência pode se dar por vários fatores, mas os discursos dos estudantes deram algumas pistas: o desconhecimento evidenciado nas falas sobre os critérios para as cotas e, consequentemente, de quem era cotista, o que impede a criação de uma identidade coletiva e a busca por soluções coletivas; uma recusa na aceitação de uma desigualdade que poderia configurá-los como “inferiores” - como a profunda rejeição de alguns estudantes às cotas com critérios étnico-raciais, apesar de elas serem as responsáveis por matricular mais estudantes do que as demais cotas -; e a hegemonia do individualismo e da ideologia da meritocracia que impedem os estudantes, apesar das evidências empíricas e cotidianas de suas vulnerabilidades sociais, de considerá-las como fatores que determinam desigualdades de desempenho. Independentemente do motivo, o resultado é apenas um: a naturalização das desigualdades de origem e, portanto, a legitimação dos resultados acadêmicos como sendo fruto do mérito individual de cada estudante, já que todos, independentemente de sua origem social, teriam oportunidades iguais após o ingresso no IFF. Desta forma, a cultura da meritocracia, dada a hegemonia da ideologia neoliberal, fundamenta e legitima as hierarquias e desigualdades sociais não apenas de origem, mas também de destinos.
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Notas
Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): RISSO, S. R. et al. A Lei de Cotas a partir dos seus beneficiários: uma análise dos discursos dos alunos cotistas sobre o Ensino Médio Integrado. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 3, p. 774-805, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n32022p774-805. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16996
COMO CITAR (APA): Risso, S. R., Ribeiro, M. A., Machado-Costa, L., & Silva, C. C. S. (2022). A Lei de Cotas a partir dos seus beneficiários: uma análise dos discursos dos alunos cotistas sobre o Ensino Médio Integrado. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(3), 774-805. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n32022p774-805.