Dossiê Temático "Literaturas africanas de língua portuguesa"

Editorial do Dossiê Temático (v24n1)

Adriano Carlos Moura 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil
Francisco Topa 2
Universidade do Porto, Portugal
Érica Luciana de Souza Silva 3
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil
Solange E. Luis 4
ISCED – Huíla, Angola

Editorial do Dossiê Temático (v24n1)

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 1, 2022

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Literaturas africanas de língua portuguesa: perspectivas históricas e críticas

A Lei 10.639/03 prevê a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas disciplinas das escolas da Educação Básica. Para que se compreenda a dimensão epistemológica do adjetivo “afro-brasileira”, é necessário conhecimento sobre a África, território bastante mitificado e estereotipado pela cultura colonial, imagem que insiste em prevalecer mesmo depois das independências das colônias. Todavia ainda se percebe a escassez de material bibliográfico que contribua para informação acerca das produções literárias de autores africanos.

Desse modo, o objetivo principal do presente dossiê é contribuir com bibliografia para estudantes, pesquisadores, professores e leitores em geral interessados em conhecer e estudar a cultura e a história do continente por meio de textos científicos que investiguem esses aspectos nas literaturas africanas dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Para o crítico moçambicano Francisco Noa (2017), a literatura pode ser entendida como um palco onde a humanidade busca respostas ou aprofundamento para questões relativas à identidade e à existência.

É com o aprofundamento das questões relativas às civilizações africanas que esta proposta visa a contribuir para o conhecimento das realidades que o texto literário permite acessar sob diferentes perspectivas. Trata-se de um dossiê composto por sete artigos originais, organizado por pesquisadores do Brasil, Portugal e Angola.

O primeiro intitula-se “A loucura feminina nos romances de Paulina Chiziane como estratégia de resistência” de Érica Luciana de Souza Silva. O texto analisa o status de loucura, sob a luz de Michel Foucault e Evandro Nascimento, impingido à mulher nos romances de Paulina Chiziane. O que se verifica é que a designação de louca, na verdade, são estratégias de resistência desenvolvidas pela autora, a qual usa o espaço de poder propiciado pela escrita para colocar em evidência os conflitos e as perspectivas sociais de mulheres moçambicanas.

“As mulheres do meu pai, um road movie de José Eduardo Agualusa”, de Renata Flávia da Silva e Lucas Silva Marciano dos Santos aborda o romance do escritor angolano José Eduardo Agualusa, As mulheres do meu pai, que narra duas viagens em simultâneo pela África Austral, e nos convida a investigar o fenômeno de espelhamento, que é só uma das estratégias do autor na composição de seu singular universo ficcional. O artigo objetiva aproximar a obra ao gênero cinematográfico de road movie, apoiados por Umberto Eco em seus bosques da ficção e pelas noções de tempo e espaço de Shuichi Kato.

Francisco Topa aborda o periódico angolano Mensagem, publicado em Luanda em 1951-1952 pela Associação dos Naturais de Angola. Chamando a atenção para alguns dos aspectos da revista que continuam por estudar, o autor acrescenta algumas informações sobre as dificuldades de impressão do segundo número e revê a avaliação histórica não consensual que tem sido feita do periódico. Isto posto, analisa com algum detalhe o primeiro número, detendo-se no projeto da publicação e nos textos aí incluídos. Em conclusão, reconhece o papel decisivo de Mensagem na ruptura com a literatura colonial e na afirmação de uma literatura angolana.

Solange Evangelista Luis, no artigo “A PM 44, o microfone, a nação angolana e a voz feminina”, aborda as experiências de resistência de Deolinda Rodrigues, guerrilheira na luta de libertação e de Eva Rap Diva, rapper angolana. Enquanto a guerrilheira, na luta pela conquista do lugar da nação, silencia a sua voz num diário em prol da libertação coletiva, a rapper projeta-a com o microfone, marcando o seu lugar individual na nação. Ao causar interrupções no discurso dominante, a rapper possibilita novas construções identitárias na nação angolana, que se quer, conforme a guerrilheira imaginou, independente de restritivas amarras engendradas.

Em Ritos de passagem, a escritora Paula Tavares inaugura uma nova dicção poética angolana escrevendo sobre o corpo feminino a partir de uma oralidade erótica que recusa o imposto silêncio colonial (MATA, 2009). Neste artigo, de Eliza de Souza Silva Araújo e Ana Ximenes Gomes de Oliveira, a produção de sentidos poéticos inventados para preencher as fissuras provocadas pela colonialidade é lida como um ato de rememória. Alguns poemas e desenhos do livro de Tavares são transcritos e estudados neste texto, no intuito de compreender as unidades textuais que traduzem uma angolanidade, corpo, gênero e sociedade recém-livres do domínio colonial.

Lucas Esperança, em “No princípio era o verbo: a escrita de resistência e identitária nas produções da Casa dos Estudantes do Império” aborda o papel fundamental na formação das lideranças luso-africanas na segunda metade do século XX, da Casa dos Estudantes Império, que se situava no coração de Lisboa e reunia muitos jovens africanos que iam à metrópole para seus estudos. Além da consciencialização política, a produção literária destacou-se com inúmeras publicações dando visibilidade aos escritores que utilizavam da palavra como instrumento de luta e resistência contra o colonialismo e a opressão nas então colônias. Assim, alguns textos são analisados neste artigo demonstrando essa luta.

Devido ao fato de a educação brasileira ainda ser moldada por valores herdados da mentalidade colonialista, que tende a apagar o papel dos africanos na construção da nação, Adriano Carlos Moura, em “Literaturas africanas de língua portuguesa na sala de aula por uma educação pós-colonial”, propõe uma reflexão sobre o papel das literaturas africanas de língua portuguesa na construção de uma mentalidade pós-colonial, conceito que norteia teórica e metodologicamente a pesquisa da qual o estudo resulta, e o romance como gênero capaz de possibilitar acesso à cultura e história da África. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e de campo ancorada no trabalho de pesquisadores da crítica pós-colonial.

A diversidade temática que compõe este dossiê reflete a pluralidade de questões suscitadas pelas literaturas africanas de língua portuguesa, cuja versão impressa tem pouco mais de um século. Conhecer a cultura literária de África implica contribuir para uma educação e sociedade antirracista, visto que pode levar o leitor a desconstruir a imagem negativa sobre o continente, seus habitantes e descendentes, erguida durante séculos de política e opressão colonial.

Boa leitura!

Referências

MATA, I. Recensões: TAVARES, Paula. Ritos de passagem. Lisboa: Caminho, 2007. 70 p. In:MATA, I. Recensões: TAVARES, Paula. Ritos de passagem. Navegações, Porto Alegre, v. 2, n. 1, p. 76-77, jan./jun. 2009. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/navegacoes/article/view/5142. Acesso em: 14 set. 2021.

NOA, F. Uns e outros na literatura moçambicana. São Paulo: Editora Kapulana, 2017.

Notas de autor

1 Organizador do Dossiê
2 Organizador do Dossiê
3 Organizadora do Dossiê
4 Organizadora do Dossiê
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