Artigos de Revisão
Controvérsias da indicação de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19
Controversies over the indication of chloroquine and hydroxychloroquine for the treatment of covid-19
Controversias sobre la indicación de cloroquina e hidroxicloroquina para el tratamiento de covid-19
Controvérsias da indicação de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 25, núm. 1, e25117147, 2023
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 18 Abril 2022
Aprobación: 29 Noviembre 2022
Publicación: 07 Marzo 2023
Resumo: A crise de saúde mundial ocasionada pela pandemia do novo coronavírus representa um momento de incertezas. Devido à rápida propagação do vírus e à ausência de um plano de contingência apropriado, alguns medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina passaram a ser utilizados de forma preventiva, em especial no combate às infecções oportunistas como a pneumonia; porém a indicação desses fármacos rapidamente apresentou controvérsias. O objetivo desta pesquisa foi realizar uma revisão bibliográfica sobre as controvérsias da indicação de cloroquina e hidroxicloroquina, associadas ou não, à azitromicina para o tratamento da covid-19. A metodologia utilizada foi a revisão narrativa da literatura realizada no período de março de 2020 a março de 2021. Os diferentes autores foram unânimes em afirmar que devido às dificuldades impostas, existem grandes barreiras para comprovar o uso de cloroquina e hidroxicloroquina, tanto pela incerteza das pesquisas publicadas até o momento quanto pela qualidade duvidosa ou até mesmo questionável das metodologias utilizadas. Conclui-se que até o momento não há um tratamento específico para covid-19 devido à ausência de resultados robustos. Sendo assim, a comunidade científica vai se opor ao uso desses dois fármacos enquanto não forem divulgados dados de ensaios clínicos bem desenhados, com maior quantidade de participantes, metodologias mais claras e resultados mais consistentes.
Palavras-chave: coronavírus, covid-19, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina.
Abstract: The global health crisis caused by the new coronavirus pandemic represents a moment of uncertainty. Due to the rapid spread of the virus and the absence of an appropriate contingency plan, some drugs began to be used preventively: chloroquine, hydroxychloroquine, and azithromycin, especially in the fight against opportunistic infections such as pneumonia. However, the indication of these drugs quickly became controversial. The objective of this research was to conduct a literature review on the controversies of the indication of chloroquine and hydroxychloroquine, associated or not, to azithromycin for the treatment of covid-19. The methodology used was the narrative review of the literature conducted from March 2020 to March 2021. The different authors were unanimous in stating that due to the difficulties imposed, there are great barriers to proving the use of chloroquine and hydroxychloroquine, both due to the uncertainty of the research published so far and the dubious or even questionable quality of the methodologies used. It is concluded that to date there is no specific treatment for covid-19 due to the absence of robust results. Therefore, the scientific community will oppose the use of these two drugs until data from well-designed clinical trials are published, with a greater number of participants, clearer methodologies, and more consistent results.
Keywords: coronavirus, covid-19, chloroquine, hydroxychloroquine, azithromycin.
Resumen: La crisis sanitaria mundial provocada por la pandemia del nuevo Coronavirus representa un momento de incertidumbre. Debido a la rápida propagación del virus y la ausencia de un plan de contingencia adecuado, algunos medicamentos comenzaron a usarse de forma preventiva: cloroquina, hidroxicloroquina y azitromicina, especialmente en el combate a infecciones oportunistas como la neumonía. Sin embargo, la indicación de estos fármacos rápidamente se volvió controvertida. El objetivo de esta investigación fue realizar una revisión bibliográfica sobre las controversias de la indicación de cloroquina e hidroxicloroquina, asociadas o no, a la azitromicina para el tratamiento de la covid-19. La metodología utilizada fue la revisión narrativa de la literatura realizada desde marzo de 2020 hasta marzo de 2021. Los diferentes autores fueron unánimes en señalar que, debido a las dificultades impuestas, existen grandes barreras para acreditar el uso de la cloroquina y la hidroxicloroquina, ambas por la incertidumbre de las investigaciones publicadas hasta el momento y la calidad dudosa o incluso cuestionable de las metodologías utilizadas. Se concluye que a en este momento no existe un tratamiento específico para el covid-19 debido a la ausencia de resultados robustos. Por ello, la comunidad científica se opondrá al uso de estos dos fármacos hasta que se publiquen datos de ensayos clínicos bien diseñados, con mayor número de participantes, metodologías más claras y resultados más consistentes.
Palabras clave: coronavírus, covid-19, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina.
1 Introdução
A crise de saúde mundial ocasionada pela pandemia do novo coronavírus representa um momento de muitas incertezas devido à rápida propagação do vírus, bem como pela necessidade de tratamento especializado dos pacientes (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
Em dezembro de 2019, identificou-se pela primeira vez a transmissão de um novo coronavírus (SARS-CoV-2), na cidade de Wuhan, província de Hubei, República Popular da China, causador da doença denominada covid-19. A nova doença apresenta sintomas clínicos variados, desde infecções assintomáticas até quadros graves e foi rapidamente disseminada e transmitida tornando-se pandemia em março de 2020 (BRASIL, 2020).
De acordo com dados chineses da nova doença, no dia 11 de fevereiro de 2020, a covid-19 já se apresentava como uma doença de grande transmissibilidade e gravidade, além da alta letalidade, efeitos já observados em outros países onde a epidemia estava em estágio inicial. Em 18 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) já possuía dados confirmados da covid-19 em nível mundial que ultrapassaram 214.000 casos (FREITAS; NAPIMOGA; DONALISIO, 2020).
Em 16 de março de 2021 já se registravam 120.883.312 casos acumulados confirmados de coronavírus em todo o mundo, sendo que 2.672.207 desses faleceram. Esse número de casos confirmados representava na época mais da metade da população do Brasil. Em dezembro de 2021 esses números chegaram a 270.155.054 de casos em todo o mundo, sendo 22.193.479 casos no Brasil (DASA ANALYTICS, 2021). Desde o início da propagação do novo coronavírus, quando ainda se tratava de um surto, houve uma grande preocupação com a velocidade na qual a doença se espalhava pelo mundo e produzia seus efeitos.
Até o momento não existe um protocolo clínico que possa ser utilizado no controle da nova pandemia. A OMS, o Ministério da Saúde (MS), o Centers for Disease Control and Prevention (CDC, Estados Unidos) e outras organizações nacionais e internacionais têm recomendado a aplicação dos mesmos “planos de contingência” utilizados na pandemia de influenza, bem como as mesmas ferramentas, devido às semelhanças clínicas e epidemiológicas entre os vírus. Esses planos de contingência preveem ações diferentes de acordo com a gravidade das pandemias (FREITAS; NAPIMOGA; DONALISIO, 2020).
Sendo assim, diante da ausência de um protocolo clínico e de um plano de contingência apropriado para a nova pandemia, algumas hipóteses de tratamento medicamentoso preventivo passaram a incluir diferentes fármacos no combate à nova doença, com destaque para a cloroquina (CQ) e para seu análogo hidroxicloroquina (HCQ). A CQ pertence à família das 4-aminoquinolinas, que derivada da quina, cujo nome científico é cinchona, uma árvore muito conhecida na América do Sul (GOLDSMITH et al., 2012). Posteriormente, através da análise da estrutura da CQ foi possível obter o seu análogo, a HCQ, que apresentava uma toxicidade três vezes menor em relação a CQ (IMPERADOR et al., 2020).
Eles são utilizados clinicamente para o tratamento de malária e de afecções reumatológicas. A indicação dos dois fármacos no combate à covid-19 se deu principalmente pelos seus efeitos inibidores do novo coronavírus (SARS-CoV-2) in vitro, associados ou não, com o antibiótico macrolídeo azitromicina (AZ). Diante do temor e da desinformação, o uso indiscriminado desses medicamentos aumentou consideravelmente (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
Em março de 2020, a OMS divulgou nota contendo informações sobre o uso da CQ como terapia adjuvante ao tratamento das formas graves da covid-19. No mesmo dia, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) divulgou a liberação de pesquisas com uso de HCQ, associada ou não, com AZ no intuito de evitar complicações em pacientes com infecções leves e moderadas causadas pelo novo coronavírus e avaliar a segurança e eficácia clínica do medicamento em pacientes com pneumonia causada por infecção pelo SARS-CoV-2 em pacientes não graves (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
A indicação de associação com a AZ, é devida a sua capacidade de inibir a síntese de proteínas, pois esse antibiótico se mostra particularmente eficaz contra bactérias atípicas (como Mycoplasma pneumoniae). Quando associado ou não com CQ e HCQ é utilizada de forma preventiva na ocorrência de pneumonia secundária causada por bactérias oportunistas (SANDMAN; IQBAL, 2020).
Desde então, esse e outros antibióticos têm sido usados sozinhos ou em combinação com CQ e ou HCQ para tratar pacientes com covid-19. E por último, e não menos importante, vale reforçar que embora o uso da HCQ seja seguro devido à sua grande utilização em dermatologia e patologia reumática, sua indicação para o tratamento da covid-19 ainda desperta grandes preocupações (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
De acordo com Imoto et al. (2020), mesmo que alguns estudos mais recentes apresentem resultados eficazes a partir do uso da CQ e HCQ no tratamento contra a covid-19, os dados das pesquisas até o momento não são suficientes para confirmar que esses fármacos sejam definitivamente indicados no combate ao novo coronavírus, bem como em suas variantes mutantes.
Estudos mais recentes têm pesquisado também imunizantes (vacinas) candidatas ao combate da nova doença com resultados promissores e animadores. Em dezembro de 2020, menos de um ano depois de ter sido declarada pandemia pela OMS, alguns desses imunizantes já haviam recebido autorização para uso emergencial em alguns países (OPAS, 2021).
O objetivo desta pesquisa foi realizar uma revisão narrativa da literatura por meio de artigos científicos sobre o tema: as controvérsias da indicação da CQ e HCQ associadas ou não com a AZ para o tratamento da covid-19.
2 Metodologia
A metodologia utilizada na pesquisa foi a revisão narrativa da literatura realizada com a seleção, leitura e fichamento de artigos científicos sobre o tema no período de março de 2020 a março de 2021, utilizando os seguintes descritores: coronavírus, covid-19, cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina.
3 Revisão narrativa da literatura
3.1 Um breve histórico sobre o novo coronavírus, a covid-19 e a nova pandemia
Até o ano de 1937, o coronavírus (SARS-CoV-1) não era um vírus muito conhecido. Apenas na década de 2000 foi possível seu reconhecimento e identificação, após um ser humano apresentar os sintomas da síndrome respiratória aguda grave (SARS): febre e insuficiência respiratória. Naquela época a doença não havia se espalhado, e afetava somente alguns países. Com o trabalho incansável dos pesquisadores e dos profissionais de saúde, foi possível conter a expansão do coronavírus e evitar que ele se espalhasse, aumentando o número de casos (BORBA et al., 2020).
Porém, em 1 de dezembro de 2019, identificou-se pela primeira vez um novo coronavírus, na cidade de Wuhan, na província de Hubei, República Popular da China. O caso foi reportado em 31 de dezembro do mesmo ano. O novo vírus é o responsável por causar a doença que ficou conhecida com o nome de covid-19. Acredita-se que o vírus tenha origem zoonótica, porque os primeiros casos confirmados apresentavam algum tipo de ligação com o Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, onde se vendem animais vivos. Em 11 de março de 2020, a OMS declarou o surto como pandemia (BRASIL, 2020).
A nova pandemia, ainda em curso, ficou então conhecida como a pandemia do novo coronavírus. O vírus pertencente à família Coronaviridae é o responsável por causar a doença respiratória aguda e a síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2). O nome “corona” vem da sua aparência com uma “coroa” ao redor dos vírions quando visto por microscopia eletrônica, que tem sua superfície coberta por proteínas espiculadas (Figura 1) (MENEZES, SANCHES, CHEQUER, 2020; OPAS, 2021).
Em humanos, o novo coronavírus, assim como outros vírus da mesma família, provoca infecções respiratórias leves e graves, como por exemplo a síndrome aguda respiratória severa 1 (SARS) e a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
Hui et al. (2020) relatam que os cientistas chineses conseguiram isolar rapidamente o novo coronavírus, que foi codificado como SARS-CoV-2, mapearam e disponibilizaram sua sequência genética a qual apresentou uma semelhança de 70% com a do SARS-CoV.
Em um mês, após a OMS classificar a doença como pandemia, quase dois milhões de casos de covid-19 já tinham sido identificados em mais de duzentos países, resultando em mais de cem mil mortes (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
De acordo com os dados da DASA ANALYTICS, 2021, em 13 de dezembro de 2021 já se registravam 270.155.054 de casos acumulados e confirmados de coronavírus e 5.305.991 óbitos em todo o mundo, e 22.193.479 casos e 617.095 óbitos no Brasil (Figura 2).
Inicialmente, o vírus não mostrou a mesma gravidade para a SARS, porém apresentou um contágio maior. Segundo a OMS, a maior parte da população infectada pelo novo coronavírus pode apresentar casos assintomáticos ou oligossintomáticos, ou seja, em que há poucos sintomas e não havendo a necessidade de atendimento de emergência ou até mesmo de suporte ventilatório (BRASIL, 2020).
3.2 Algumas considerações importantes sobre a cloroquina (CQ), a hidroxicloroquina (HCQ) no tratamento da covid-19
3.2.1 A utilização clínica da cloroquina (CQ) e da hidroxicloroquina (HCQ)
A cloroquina é um fármaco, conhecido desde a década de 1940, amplamente utilizado no tratamento da malária por alguns anos, porém seu mecanismo de ação contra infecções virais não está totalmente elucidado (BORBA et al., 2020). Tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina são fármacos utilizados no tratamento de malária e de artrite reumatoide e são considerados imunomoduladores e não imunossupressores (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
Diante da ausência de uma terapia específica para a covid-19, o tratamento da doença passou a se basear no controle sintomático e suporte ventilatório (os respiradores). Rapidamente surgiram muitas publicações apontando a indicação do uso de drogas já conhecidas para o combate da nova doença. Porém, algumas publicações apresentarem metodologias duvidosas e até mesmo questionáveis (BORBA et al., 2020).
Fato é que todos esses acontecimentos descritos passaram a movimentar bastante a comunidade científica na busca de um tratamento curativo eficaz. Nesse contexto, desde o início da pandemia muito se discutiu o papel do fármaco cloroquina e de seu análogo, a hidroxicloroquina, para o tratamento da covid-19. As estruturas químicas dos dois fármacos (CQ e HCQ) são mostradas na Figura 3.
As diferenças estruturais entre as duas moléculas se devem à existência do grupo hidroxila terminal presente na HCQ e ausente na CQ. A introdução do grupamento hidroxila na molécula da cloroquina, promove uma diminuição de sua toxicidade em relação ao seu análogo, a hidroxicloroquina, bem como outras alterações conformacionais (FANTINI et al., 2020).
Diante da rápida divulgação de informações e publicações sobre a utilização de novos fármacos para o combate da covid-19, incluindo o uso de CQ e HCQ, Pacheco et al. (2020) relatam que até 30 de abril de 2020, 687 testes clínicos estavam em andamento, sendo que vários medicamentos em todo o mundo foram utilizados nesses testes, dos quais 147 – o que representa 21,3% – foram realizados com a CQ e a HCQ.
De acordo com a pesquisa conduzida por Pacheco et al. (2020, p. 2):
37% dos que trataram a covid-19 em pacientes acreditam que a Hidroxicloroquina (HCQ) é a terapia mais eficaz. Os dois regimes de tratamento mais comuns com a HCQ foram: (38%) 400 mg duas vezes ao dia no primeiro dia; 400 mg por dia durante cinco dias (26%); 400 mg duas vezes ao dia no primeiro dia; 200 mg duas vezes ao dia por quatro dias.
Imperador et al. (2020) relatam que o uso de CQ e HCQ está associado a muitos efeitos adversos, sendo os mais comuns: coceira, náusea, tontura, dor de cabeça, perda de apetite, diarreia e febre. Além disso, esses medicamentos também podem levar à insuficiência cardíaca, tornando os pacientes suscetíveis a arritmias graves, sendo que esse efeito depende da concentração da droga utilizada.
Ainda de acordo com Borba et al. (2020), a ação antiviral da CQ e HCQ para o tratamento da MERS causada pelo novo coronavírus apresenta resultados conflitantes e carecem de um refinamento de suas metodologias. Segundo os mesmos autores, esses ensaios clínicos apresentam uma falta de dados sobre as doses utilizadas e o grupo controle, bem como o tamanho da amostra, que são pequenos, quase sempre com menos de 100 voluntários. Sendo assim, para eles, ainda não há dados suficientes sobre a eficácia e segurança dos dois medicamentos para a covid-19.
De acordo com Menezes, Sanches e Chequer (2020), embora a HCQ apresente um limite de segurança conhecido graças ao seu uso em diferentes patologias (dermatológicas e reumatológicas), há um grande receio no que se refere a sua cardiotoxicidade em situações de uso decorrente em pacientes expostos a situações médicas crônicas, como disfunção renal, hepática ou imunossuprimidos. O risco de hemólise ou supressão da medula óssea também é considerado, portanto as contagens sanguíneas devem ser mantidas e monitoradas. A intoxicação decorrente do uso da HCQ pode ser rapidamente letal, e deve-se iniciar o quanto antes um tratamento intensivo.
O uso da CQ e HCQ pode submeter o paciente a vários efeitos colaterais, como problemas cardíacos e arritmias cardíacas graves. Isso ocorre devido à cardiotoxicidade dos compostos (JUURLINK, 2020).
Para Menezes, Sanches, Chequer (2020) existe uma maior ameaça de efeitos colaterais decorrentes do uso de CQ e HCQ em casos de comprometimento renal e hepático. Houve informações isoladas de lesão renal e hepática causada pela covid-19.
Em 18 de maio de 2020 foram publicadas as Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da COVID-19 (Consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), as quais não recomendam a utilização da CQ e da HCQ para o tratamento da covid-19, devido à ausência de base científica que sustenha os seus benefícios (FALAVIGNA et al., 2020).
Apesar do otimismo, em alguns, o entusiasmo, do uso de cloroquina ou hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19, a possibilidade de que os medicamentos possam influenciar negativamente o curso da doença tem sido pouco considerada (JUURLINK, 2020).
3.2.2 O uso da azitromicina, associada ou não, a cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento de covid-19
A azitromicina (Figura 4) é um antibiótico macrolídeo de amplo espectro, derivado da eritromicina, bastante utilizado e considerado seguro. É amplamente utilizado em todo o mundo contra bactérias gram-negativas, embora seja eficaz contra certas bactérias gram-positivas (SANDMAN; IQBAL, 2020).
Sobre a ação antiviral dos antibióticos, de acordo com Menezes, Sanches, Chequer, (2020, p. 3), estudos recentes demonstraram que: “Alguns antibióticos e agentes antiparasitários podem inibir a replicação viral” sendo que “a azitromicina apresentou ação antiviral comprovada contra o zika vírus in vitro reduzindo sua proliferação em células da glia, componentes do sistema neurológico”.
No entanto, assim como qualquer outro medicamento, a azitromicina apresenta efeitos adversos, sendo os principais deles: sintomas gastrointestinais, sintomas neurológicos como parestesias, erupções cutâneas e possível perda auditiva são comuns (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
Devido à sua capacidade de inibir a síntese de proteínas, esse antibiótico é particularmente eficaz contra bactérias atípicas (como Mycoplasma pneumoniae). Por esse motivo, esse e outros antibióticos têm sido utilizados sozinhos ou em combinação com cloroquina e/ou hidroxicloroquina para tratar pacientes com covid-19 como forma de prevenir a ocorrência de pneumonia secundária causada por bactérias oportunistas (SANDMAN; IQBAL, 2020).
De acordo com Menezes, Sanches, Chequer (2020, p. 3), “Têm sido levantadas hipóteses sobre macrolídeos que agem inibindo sincicial respiratório viral ao diminuir receptores de proteínas de fusão e inibição da ativação da Rho quinase em células epiteliais das vias aéreas humanas”.
Por outro lado, já foi constatado que a associação da azitromicina com cloroquina e hidroxicloroquina pode levar ao agravamento dos quadros clínicos relacionados a cardiotoxicidade, elevando a probabilidade de arritmias cardíacas irreversíveis, com risco de ser fatal (JUURLINK, 2020).
Como a azitromicina tem sido usada na terapia ambulatorial para covid-19, determinar se a azitromicina é útil no início do curso da doença torna-se uma prioridade no que diz respeito às pesquisas. Por outro lado, caso a azitromicina não traga benefícios aos pacientes, deve-se evitar seu uso, reduzindo assim o consumo desnecessário desse antibiótico a fim de não se estimular resistência bacteriana (MENEZES; SANCHES; CHEQUER, 2020).
“Juntamente com efeitos adversos comuns, como prurido, náuseas e dor de cabeça, a cloroquina e a hidroxicloroquina podem predispor os pacientes a arritmias com risco de vida, um efeito que pode ser reforçado pelo uso concomitante de azitromicina” (JUURLINK, 2020).
3.3 As controvérsias quanto à indicação clínica da cloroquina (CQ) e hidroxicloroquina (HCQ) para o tratamento da covid-19
Desde o início da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, o uso da CQ e HCQ, que possuem efeitos inibitórios de replicação viral, para o tratamento da covid-19 tem sido amplamente discutido, gerando muitas controvérsias. A pressão política de vários governantes de diversos países, incluindo o Brasil, sobre o uso desses dois fármacos tem promovido o reconhecimento deles. Embora os estudos sobre a sua aplicação para este fim sejam inconclusivos e até mesmo confusos, alguns estados incitaram seu uso (IMPERADOR et al., 2020).
Ademais, Tarek & Savarino et al. (2020) efetuaram ensaios in vitro sobre a farmacocinética da CQ e HCQ, averiguando a provável diminuição de carga viral concomitante à utilização desses fármacos, e concluíram que para uma ação eficaz anti-SARS-CoV, é imprescindível o uso de doses elevadas de CQ, que ultrapassam a janela terapêutica de segurança do medicamento, atingindo concentrações que podem alcançar até cinco vezes as doses indicadas, a saber que a dose máxima indicada é de 600 mg duas vezes ao dia, sendo mais perceptível ainda quando se trata da HCQ, já que para esse último existe a necessidade de doses ainda maiores, em razão da baixa taxa de absorção da droga. Esses dados corroboram uma pesquisa clínica realizada em Manaus/AM, cujo estudo foi interrompido devido à alta toxicidade (BORBA et al., 2020).
Um estudo observacional, realizado em maio de 2020, publicado na revista JAMA com cerca de 1.400 pacientes em um hospital de Nova York, ponto central da doença naquela época, não evidenciou nenhuma vantagem para a intervenção com HCQ. No entanto, essa mesma pesquisa foi questionada por exibir dados apenas observacionais e em apenas um centro, porém sugerindo direcionamento. Posteriormente, a revista The Lancet publicou um artigo envolvendo cerca de 96 mil enfermos constatando aumento de mortalidade e arritmias ventriculares com HCQ. Tendo em vista ser um periódico de extremo reconhecimento, a OMS concluiu uma pesquisa de solidariedade clínica, que envolveu pesquisas sobre esses medicamentos. Poucos dias depois, devido a possíveis erros na execução do projeto, três dos quatro autores solicitaram a retirada de seus nomes do artigo, o que invalidou o artigo (IMPERADOR et al., 2020).
Uma outra questão polêmica relacionada ao uso profilático de CQ e HCQ para a covid-19 é o fato de que pacientes em terapia com CQ para tratamento da malária não apresentaram menores taxas de contaminação por SARS-CoV-2 (BORBA et al., 2020; IMPERADOR et al., 2020; TAREK; SAVARINO, 2020).
Em 18 de maio de 2020, a Sociedade Brasileira de Medicina Intensiva, a Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas e a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Dermatologia emitiram um consenso através da publicação das Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da COVID-19 não recomendando não utilizar a combinação de hidroxicloroquina ou cloroquina e azitromicina de rotina no tratamento da covid-19 classificando a recomendação desse combinação como fraca e com nível de evidência muito baixo (FALAVIGNA et al., 2020).
Atualmente, o uso de CQ ou HCQ e AZ para tratar ou prevenir a infecção por SARS-CoV-2 é suportado principalmente por dados in vitro e estudos populacionais com amostragens muito pequenas envolvendo humanos. E, se for usado um estudo mais bem planejado para determinar seus benefícios no tratamento ou prevenção de covid-19, os médicos e pacientes devem estar cientes das muitas reações adversas incomuns, porém potencialmente fatais. Os danos causados pelo tratamento podem ser mitigados por meio da seleção e monitoramento cuidadosos do paciente (JUURLINK, 2020).
As evidências existentes até o momento não indicam que o uso de HCQ ou CQ combinado com a terapia com azitromicina tenha significado clínico. Entende-se que a combinação de CQ/HCQ e azitromicina aumentará o risco de eventos adversos cardiovasculares (especialmente arritmia), e mais cuidado ainda se faz necessário para esses eventos adversos. Até o momento, os estudos comparativos existentes avaliaram apenas pacientes internados ou ambulatoriais. O uso, portanto, é recomendado apenas em pacientes criticamente enfermos ou pacientes hospitalizados e em decisão conjunta entre médico e paciente (FALAVIGNA et al., 2020).
4 Considerações finais
A partir desta revisão narrativa da literatura realizada sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, associado ou não com a azitromicina, para o tratamento da covid-19 é possível fazer algumas ponderações, ainda que sucintas. O que tem sido relatado é que as pesquisas realizadas até o momento possuem queda de qualidade, os ensaios clínicos possuem um número de pacientes muito baixo, com resultados confusos e metodologias questionáveis e duvidosas.
Diante das dificuldades impostas pela situação atual e da incerteza dos trabalhos publicados, fica claro que até o momento existem muitas barreiras para se comprovar o uso da cloroquina e hidroxicloroquina devido à baixa janela terapêutica e alta cardiotoxicidade.
Ainda que já tenham sido aprovados recentemente alguns medicamentos e até mesmo os imunizantes (vacinas), até o momento não há um protocolo clínico para o uso de CQ e HCQ e, portanto, esses fármacos não podem ser utilizados como tratamento de primeira escolha no combate à covid-19. O temor e a desinformação foram os grandes motivadores para o uso indiscriminado desses medicamentos.
Fato é que enquanto não forem publicados novos dados de ensaios clínicos mais bem desenhados, com maior número de pacientes, que apresentem metodologias mais claras e menos confusas, e resultados mais consistentes, a comunidade científica vai continuar se opondo ao uso desses dois fármacos no combate à covid-19.
Como não existe consenso acerca do uso de CQ ou HCQ para tratamento ou prevenção da covid-19, a contribuição deste trabalho é incentivar novas pesquisas que contenham ensaios clínicos mais bem desenhados, com metodologias mais claras e resultados mais consistentes a fim de se elaborar um protocolo clínico de tratamento para a covid-19 e assim se excluir definitivamente a indicação controversa desses dois fármacos.
Referências
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Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): GOMES, A. T.; NUNES, N. S. C.; OLIVEIRA, M. A. S. A. Controvérsias da indicação de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 25, n. 1, e25117147, 2023. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n12023.17147. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/17147.
COMO CITAR (APA): Gomes, A. T., Nunes, N. S. C., & Oliveira, M. A. S. A. (2023). Controvérsias da indicação de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19. Vértices (Campos dos Goitacazes), 25(1), e25117147. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n12023.17147.