Artigos Originais

A política de cotas étnico-raciais em perspectiva da inclusão social e da afirmação da identidade negra: análises das primeiras experiências com discentes cotistas negros do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/ UFF) a partir do ENEM/SISU

The racial and ethnic quota policy in the perspective of social inclusion and of the affirmation of black identity: analyses of the first experiences with black quota students at the Institute of Society Sciences and Regional Development of the Fluminense Federal University (ESR/UFF) from the ENEM/ SISU

La política de cuota étnico-racial en la perspectiva de la inclusión social y la afirmación de la identidad negra: análisis de las primeras experiencias con estudiantes de cuota negra en el Instituto de Ciencias de la Sociedad y Desarrollo Regional de la Universidad Federal Fluminense (ESR/UFF) del ENEM / SISU

Gabriela do Rosario Silva 1
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Brasil
Shirlena Campos de Souza Amaral 2
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Brasil

A política de cotas étnico-raciais em perspectiva da inclusão social e da afirmação da identidade negra: análises das primeiras experiências com discentes cotistas negros do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/ UFF) a partir do ENEM/SISU

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 25, núm. 1, e25117149, 2023

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Recepción: 22 Abril 2022

Aprobación: 04 Diciembre 2022

Publicación: 21 Marzo 2023

Resumo: O presente estudo traz à baila a Política de Cotas étnico-raciais na Educação Superior por uma perspectiva de justiça social/distributiva e afirmação da identidade negra, a partir das primeiras experiências do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/UFF) com a aprovação da Lei Federal nº 12.711/2012 e com a implementação do ENEM/SISU. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, por intermédio de pesquisas bibliográfica, documental e de campo, com o objetivo de analisar, dentre outros aspectos, se a política contempla as demandas do seu público-alvo, qual seja, estudantes cotistas negros ingressos no lapso temporal de 2013 a 2015 no curso de maior e de menor demanda da instituição. Pode-se considerar, a partir dos critérios propostos como investigação, que as questões envolvendo os aspectos social e econômico da Política de Cotas se sobressaíram nos depoimentos dos entrevistados. Não obstante, no que concerne à autoafirmação do negro, da sua identidade e do seu lugar social, a política ainda não foi bem trabalhada, ratificando a questão de uma identidade positivada, porém carente de promoção por justiça cultural.

Palavras-chave: cotas étnico-raciais, ESR/UFF, ENEM/SISU, inclusão social, identidade negra.

Abstract: The present study brings up the Racial and Ethnic Quota Policy in Higher Education from a perspective of social/distributive justice and the affirmation of black identity, based on the first experiences of the Institute of Society Sciences and Regional Development of the Fluminense Federal University (ESR / UFF) with the approval of Federal Law No. 12.711/2012, and the implementation of ENEM/SISU. This is a qualitative study, through bibliographic, documentary and field research, with the objective of analyzing, among other aspects, whether the policy contemplates the demands of its target audience, that is black quota students enrolled in the period from 2013 to 2015, in the institution's highest and lowest demand course. Based on the criteria proposed as an investigation, it can be considered that the issues involving the social and economic aspects of the Quota Policy stood out in the interviewees' testimonies. However, regarding the self-affirmation of black people, their identity and their social place, the policy has not yet been well worked, ratifying the issue of a positive identity, though lacking promotion for cultural justice.

Keywords: racial and ethnic quota, ESR/UFF, ENEM/SISU, social inclusion, black identity.

Resumen: El presente estudio plantea la Política de Cuotas Étnico-raciales en la Educación Superior desde una perspectiva de justicia social/distributiva y afirmación de la identidad negra, a partir de las primeras experiencias del Instituto de Ciencias de la Sociedad y Desarrollo Regional de la Universidad Federal Fluminense (ESR/UFF) con la aprobación de la Ley Federal nº 12.711/2012 y con la implantación del ENEM/SISU. Se trata de un estudio cualitativo, a través de una investigación bibliográfica, documental y de campo, con el objetivo de analizar, entre otros aspectos, si la política contempla las demandas de su público objetivo, es decir, los estudiantes negros de cuota matriculados en el lapso de tiempo de 2013 a 2015 en el curso de mayor y menor demanda de la institución. Con base en los criterios propuestos como investigación, se puede considerar que las cuestiones que involucran los aspectos sociales y económicos de la Política de Cuotas se destacaron en los testimonios de los entrevistados. Sin embargo, en cuanto a la autoafirmación de los negros, su identidad y su lugar social, la política aún no ha sido bien trabajada, ratificando el tema de una identidad positiva, pero carente de promoción para la justicia cultural.

Palabras clave: cuotas étnico-raciales, ESR/UFF, ENEM/SISU, inclusión social, identidad negra.

1 Introdução

De acordo com Gomes (2007), denominam-se por Ações Afirmativas (AA) o conjunto de políticas públicas e privadas orientadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material, bem como à neutralização dos efeitos provenientes da discriminação étnico-racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de aparência física.

Consoante Daflon (2012), medidas com enfoque afirmativo, isto é, volvidas ao favorecimento de minorias socialmente discriminadas têm sua gênese de aplicação na Índia, inclusive pelos colonizadores britânicos no final do século XIX, cuja manutenção de continuidade foi assegurada pela Assembleia Constituinte depois da conclusão do processo de independência do país, em 1947. Portanto, confere à Índia o título de nação com a mais extensa experiência com Políticas de AA da qual se tem registro, aderindo a elas nos anos de 1950, quando foi inserido um dispositivo na sua Constituição, que permitia a adoção de medidas destinadas à eliminação, à diminuição das disparidades oriundas do tradicional regime indiano de divisão da sociedade em castas (dalits), de acordo com a origem étnica e socioeconômica dos indivíduos. Inclusive, apresentando uma multiplicidade de desafios para tais políticas, aplicadas às diversas áreas, a saber: educação básica e superior, legislaturas, serviços públicos, promoção de emprego, dentre outras.

Embora o surgimento das Políticas de AA tenha ocorrido na Índia, o emprego do termo “Ação Afirmativa” tem sua origem nos Estados Unidos, na década de 1960, cunhado em meio a um cenário no qual se evidenciavam reivindicações democráticas internas, sobretudo com a organização de ações e movimentações orientadas às lutas pelos direitos civis, em que a ideologia principal consistia na expansão da igualdade de oportunidades para todos. Sendo assim, leis discriminatórias passaram a declinar, emergindo, então, o Movimento Negro como um dos principais atores, contando, ainda, com o suporte dos liberais e progressistas brancos nesse processo de reivindicações por direitos (MOEHLECKE, 2002). A priori, nos Estados Unidos, as políticas afirmativas dedicavam-se unicamente às questões envolvendo a população negra[1] e/ou afrodescendente. Todavia, tais políticas foram se expandindo, atendendo às demandas que envolvessem os demais grupos socialmente minoritários.

Cabe ressaltar que as Políticas de AA não ficaram restritas somente à Índia e aos Estados Unidos, pelo contrário, experiências semelhantes ocorreram em diversas nações ao redor do mundo, contemplando países como: Malásia, Austrália, Canadá, Nigéria, África do Sul, Argentina, Cuba, Nova Zelândia, Brasil, dentre outros. Nas palavras de Sowell (2016), em cada contexto em que tais políticas foram aplicadas, elas passaram a assumir diversos formatos, adequando-se a cada realidade, bem como demandas para aplicação, quais sejam: ações voluntárias, de caráter obrigatório, ou uma estratégia mista; programas governamentais ou privados; leis e orientações, a partir de decisões jurídicas ou agências de fomento e regulação. Almejando, assim, ofertar aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado, a fim de compensar as desvantagens provenientes da situação de vítimas do racismo e demais formatos de discriminação (MOEHLECKE, 2002; MUNANGA, 2001).

No contexto brasileiro, conforme assevera Moehlecke (2002), o processo de redemocratização do País constitui-se como algo recente e transpassado por diversas lacunas, das quais muitas, ainda, carecem de resoluções mais profícuas. Nesse sentido, um dos pontos que emergem como necessários é o que concerne à permanência de condições incorporadas, isto é, características não mutáveis, inerentes a um indivíduo, como cor e gênero, que ainda continuam influenciando na definição das oportunidades de ingresso no mundo do trabalho, na progressão de carreiras, no desempenho educacional, no acesso à Educação Superior, bem como na participação da vida política.

Com isso, com o objetivo de amenizar e erradicar essa grande problemática que assola o País, a implementação de Políticas de AA, também designadas por Política de Cotas, reserva de vagas, ação compensatória – que veiculam temas e experiências relativamente novos no debate e na agenda pública brasileira, visando atingir a um indivíduo ou a grupo de indivíduos específicos como resposta à problemática elencada – emergiu como necessária. Para Gomes (2007), indivíduos específicos serão o alvo de tais políticas, que nada mais são do que experiências de concretização da igualdade substancial ou material. Na compreensão das Políticas de AA, a igualdade deixa de ser simplesmente um princípio jurídico que deve ser respeitado por todos; mas torna-se um objetivo constitucional a ser alcançado pelo Estado em conjunto com a sociedade civil (GOMES; SILVA, 2001).

Nesse sentido, em inúmeras regiões do Brasil, as Políticas de AA angariaram adesão, sendo vinculadas a diversas áreas sociais, em que a educação, principalmente a de nível superior, configura-se como um dos principais setores contemplados por tais políticas. Com isso, fruto de discussões iniciadas a partir da década de 1990, as Políticas e/ou Programas de AA com enfoque na discussão das questões atinentes à Educação Superior angariaram destaques a partir dos anos 2000, sendo conferidas às universidades estaduais do Rio de Janeiro, à época, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), por meio das Leis nº 3.524/2000 e nº 3.708/2001, as primeiras experiências de Política de Cotas, em virtude de reserva de vagas exclusivas para estudantes oriundos da rede pública estadual de ensino e para a população negra, a partir do processo seletivo 2002/2003 (HERINGER, 2004; AMARAL, 2006).

Por intermédio das Leis nº 3.524/2000 e nº 3.708/2001, o processo seletivo para ingresso em 2003 reservou 50% das vagas para alunos egressos de escolas públicas e 40% para alunos afrodescendentes. As duas Universidades Públicas tornaram-se, a partir de 2003, palco da implementação dessas polêmicas Políticas de Cotas, aprovadas pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) em 2002. Posteriormente, foi criada a Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Norte (UEZO), que também passou a utilizar, em suas formas de ingresso, a reserva de vagas por meio das cotas (AMARAL, 2013).

Em 4 de setembro de 2003, foi sancionada a Lei nº 4.151 pela governadora Rosinha Garotinho. Esse novo regulamento passou a vigorar a partir do processo seletivo de 2004, atendendo a várias sugestões das universidades, como a introdução do critério carência, a ser definido pelas Universidades Públicas Estaduais, levando-se em consideração o nível socioeconômico do candidato (AMARAL; MELLO, 2013).

No que tange a esse acontecimento, Feres Júnior (2005) assevera que as universidades brasileiras começaram a adotar as Políticas de Cotas com enfoque étnico-raciais (candidatos pretos e pardos) e social (para estudantes de baixa renda) somente em 2003, quando o Estado do Rio de Janeiro, a partir da Lei Estadual nº 4.151, deu o pontapé inicial na adoção de Políticas de AA ao estabelecer cotas para pretos, pardos e alunos oriundos de escolas públicas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro.

Nas universidades em questão, novos critérios de seleção e admissão em seus cursos de graduação foram fixados, em decorrência de sucessivas leis estaduais. Em 17 de julho de 2007, incluiu-se na Lei nº 5.074, no artigo 1º, inciso III, como beneficiários das cotas, os “[…] filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço”.

Em 11 de dezembro de 2008, substituindo as Leis 4.151/2003 e 5.074/2007, foi instituída a Lei nº 5.346 que continuou a manter os critérios de autodeclaração e carência, e dispôs sobre o novo sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, a saber, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Fundação Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (UEZO), incluindo os indígenas no rol dos beneficiados nas cotas para integrantes de outras minorias étnicas que antes eram de 5% passando a ser de 20% considerada juntamente com a cota destinada aos negros, prevista no artigo 2º, inciso I e instituindo por dez anos o sistema de cotas nas referidas universidades.

Tal legislação destaca que as universidades públicas estaduais têm autonomia para se responsabilizar pelos processos seletivos, pela maneira como devem ser preenchidas as vagas, até mesmo com relação à quantidade e aos critérios de qualificação dos estudantes. A Lei nº 5.346/2008 trouxe outras inovações tais como: o artigo 4º modificou as exigências de que o aluno tivesse que ter cursado o ensino médio em escolas públicas situadas no Estado do Rio de Janeiro, passando a serem definidos como alunos oriundos da rede pública de ensino aqueles que tinham cursado de forma integral todos os anos do segundo segmento do ensino fundamental e todo o ensino médio em escolas públicas situadas em território nacional. Também o prazo de 10 (dez) anos para ser vigorado o sistema de cotas estabelecido no artigo 2º, conforme exposto, parece atentar para diminuir as marcas da Política de Cotas para acesso às universidades como caráter permanente e não emergencial (AMARAL, 2013). Atualmente, nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, a Lei nº 5.346, de 11 de dezembro de 2008, foi atualizada pela Lei nº 8.121, de 27 de setembro de 2018, que prorrogou por mais dez anos o sistema de cotas nas mencionadas universidades.

Desde o pioneirismo do Estado do Rio de Janeiro com as cotas, inúmeras instituições públicas estaduais e federais pelo País passaram a adotar tais políticas por critérios variados, quer aderindo ao mecanismo cotas de vagas quer a programas de reservas de vagas extras, de modo que o quantitativo de universidades que adotaram o programa de cotas foi ascendendo, rapidamente, em um curto período (HERINGER; FERREIRA, 2009; MACHADO, 2007).

Hoje, após vastos anos com as primeiras iniciativas com as cotas, elas se tornaram obrigatórias também nas instituições públicas de âmbito federal, mediante aprovação da Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei das Cotas, a qual institui a reserva de 50% das vagas nas universidades e institutos federais para estudantes egressos de escolas públicas, em especial, negros e indígenas. Lembra-se que, no tempo de sua aprovação, ficou estabelecido o compromisso das instituições federais de que o cumprimento do preenchimento de 50% das vagas ocorresse até o final do ano de 2016.

Em particular, a Universidade Federal Fluminense (UFF), com um dos campi em Campos dos Goytacazes, a saber, o Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/UFF), vinha, desde o Vestibular de 2008 até a aprovação da Lei das Cotas em 2012, reservando 25% das vagas para candidatos de escolas públicas municipais e estaduais, com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita, ou seja, os estudantes de escolas municipais e estaduais tinham direito a um bônus de 20% na pontuação final do vestibular. A partir da aprovação da Lei das Cotas, em 2012, já no Processo Seletivo para ingresso em 2013, a UFF foi obrigada a alterar sua política de ação afirmativa. Para o vestibular realizado no ano de 2013, a universidade reservou 12,5% do total de vagas para candidatos beneficiados pela lei, percentual mínimo exigido para entrada em 2013. No entanto, prosseguiu, assim como tantas outras instituições federais do País, buscando adequação à proposta democrática de inclusão social para seleção de estudantes às universidades, de reserva de até 50% das vagas até o final do ano de 2016.

Tais mudanças demandam a realização de pesquisas, a partir da análise de modelos de Políticas de AA adotadas nas universidades ao longo dos anos. Alguns estudos disponíveis sobre o tema apontam uma ampliação do número de estudantes no ensino superior (PAIXÃO; CARVANO, 2008). Esse crescimento se deve a uma série de elementos: combinação de Políticas de AA nas instituições públicas de ensino superior, ampliação do número de instituições, de campi e de vagas, além dos efeitos do Programa Universidade para Todos (PROUNI), que destina bolsas integrais e parciais para estudantes em instituições privadas.

De forma paralela à implementação de políticas de cotas que visam à inclusão de minorias, em especial, negros no ensino superior, bem como de legislação que as têm aperfeiçoado, o Censo Demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2010, evidenciou crescimento significativo da população brasileira autoafirmando-se negra. Em virtude de tal afirmação, de acordo com pesquisas realizadas, discursos foram gerados quanto a essa questão, atribuindo tal fato às cotas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Esse fato instigou a realização de uma pesquisa no âmbito do Mestrado, a qual nos impulsionou a investigar na população universitária, ingressa por meio de cotas étnico-raciais, de quais fatores sucede sua autoafirmação como negro. Assim, emergiu o seguinte problema de pesquisa: Será por causa das cotas, ou, de fato, está acontecendo um reconhecimento e assunção da identidade negra por parte da população universitária brasileira, ou, ainda, a afirmação ocorre apenas no momento de pleitear a vaga na universidade?

Ante a problemática apresentada, a hipótese foi que poderia estar havendo um reconhecimento como negro por parte da população negra, em especial daqueles que se encontravam matriculados nas instituições de Ensino Superior brasileiras, sendo, portanto, esse o perfil dos sujeitos que iriam compor a presente pesquisa; todavia esse reconhecimento poderia ser evidenciado atrelado aos aspectos relacionados à justiça social ou distributiva, ao direito negado por conta da escravidão, a dívida histórica com a população negra, em detrimento do fator autoafirmação da identidade negra, no sentido de um empoderamento social do negro, sendo, inclusive, esse o discurso que poderia mais se sobressair nos depoimentos dos estudantes entrevistados, como motivação no momento da opção pela cota étnico-racial para ingresso nos cursos de graduação da instituição eleita para a realização da pesquisa.

Como objetivo geral da pesquisa, intencionou-se investigar a aceitação ou não aceitação da identificação “racial” da forma que tem sido proposta pela Lei das Cotas, de modo a analisar como os discentes negros se veem enquanto cotistas e se percebem na universidade, com seus colegas e professores, se são alvos de preconceitos ou discriminações, dentre outros aspectos. A meta almejada foi diagnosticar se existe afinidade ou não afinidade entre as demandas dos estudantes e as propostas desta política focalizada para os autodeclarados negros, os quais são carentes na proposta da Lei. Tal averiguação se sucederia a partir dos discursos proferidos pelos discentes pesquisados.

Especificamente, buscou-se investigar a extensão das possíveis interferências da utilização do ENEM/SISU na política de cotas para negros e carentes do ESR/UFF como medida de inclusão social no que tange ao acesso em relação aos anos de 2013, 2014 e 2015; verificar se os estudantes se autodeclaram negros somente na assinatura da autodeclaração ou se, de fato, a sua identidade tem sido assumida e autoafirmada, mediante os discursos empregados pelos grupos investigados; averiguar se a projeção do direito de uns – implícito na Lei das Cotas, e o direito de todos, conforme a concepção universalista presente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) – reflete nos espaços universitários e como se apresenta na demanda dos estudantes; e conferir a existência de afinidade entre as demandas dos estudantes e as propostas da política focalizada para os autodeclarados negros.

Com o propósito de alcançar os objetivos propostos, a pesquisa revela-se em um estudo sobre a Política de Cotas, em especial acerca da investigação dos discursos empregados pelos estudantes ingressos pela modalidade de cotas para negros e a relação que a política exerce na construção da sua identidade étnico-racial, bem como qual o seu posicionamento sobre a Política de Cotas e sua eficácia no quesito inclusão social.

Na trajetória histórica da escravidão no Brasil, averiguou-se que o município de Campos dos Goytacazes, assim como a região Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, à qual o município pertence, foi uma das últimas a abolir o sistema de escravidão de pessoas negras no Brasil, o que implicou grande herança de descendentes de pessoas que foram escravizadas na população campista, sendo uma das cidades brasileiras de maior contingente populacional de cor negra.

Cabe ressaltar, ainda, que o município se constitui como importante polo universitário em todo o País, comportando importantes instituições de Ensino Superior públicas e privadas, o que atrai estudantes oriundos de diversas cidades, estados e regiões do Brasil, a fim de cursar a Educação Superior. Dentre as instituições públicas e federais que oferecem estritamente a Educação Superior no município, destaca-se o Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/UFF), instituição de excelência comprovada nos dados oficiais do Ministério da Educação.

Desde 2010, o ENEM já era utilizado pelo ESR/UFF para composição da nota da primeira fase do vestibular ou como bônus de 10% a 15% na nota da segunda etapa do processo seletivo, exclusivamente para alunos da rede pública. E, a partir de 2013, o desempenho do candidato no Exame passou a ser utilizado como critério único de seleção para os cursos de graduação, bem como para vagas remanescentes. Desde então, o acesso tem sido exclusivamente pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), a partir da nota obtida pelo candidato na prova do ENEM.

Por intermédio da apresentação desse quadro atinente à cidade de Campos dos Goytacazes/RJ, bem como do histórico populacional do município, principalmente no que concerne ao ESR/UFF, estudou-se como a questão orientadora da pesquisa poderia ser investigada a partir dessas variáveis.

2 Metodologia

O presente trabalho é fruto das investigações desenvolvidas no Mestrado, as quais corroboram para a construção da Dissertação intitulada A política de cotas étnico-raciais como instrumento de inclusão social e afirmação da identidade negra: um olhar a partir dos discursos de estudantes cotistas da UENF e da UFF, defendida no ano de 2017, junto ao Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem, da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). A pesquisa desenvolvida no Mestrado contou com coleta de dados na Secretaria Acadêmica do ESR/UFF, análise e discussão dos dados levantados, aplicação de entrevistas com os discentes matriculados na instituição que se dispuseram a participar da pesquisa, cujos dados foram mantidos em sigilo, a fim de garantir a confiabilidade da pesquisa e a preservação da identidade dos estudantes participantes.

Para tanto, a pesquisa teve como base empírica alunos cotistas negros matriculados no Ensino Superior de uma universidade pública federal do município de Campos dos Goytacazes, a saber, o ESR/UFF, ingressos entre os anos 2013 e 2015, e traçar um paralelo de análise entre os grupos pesquisados, cujos critérios estabelecidos consistiram em entrevistar alunos do curso mais concorrido e menos concorrido da instituição.

Por um desenho da metodologia da pesquisa de campo, a priori, assinala-se que antecedeu e perpassou ao processo de coleta de dados a revisão bibliográfica e documental atinente ao tema de forma interdisciplinar. Para aprofundar nos levantamentos bibliográfico e documental, as principais fontes de informação foram livros, dissertações, teses, artigos, bem como as revistas indexadas disponíveis, quer em bibliotecas, quer em centros de investigação, bem como legislaturas.

Posteriormente, foi realizada a coleta de dados das informações na Secretaria Acadêmica do ESR/UFF, nos sites institucionais, no setor de assistência social, a fim de mapear o curso de maior e menor demanda para ingresso de estudantes na instituição, a partir de seus registros acadêmicos, levando em consideração os ingressantes dos anos de 2013 a 2015. Após o mapeamento, fez-se a aplicação do pré-teste para fins de validação da pesquisa e, por fim, a realização de entrevista semiestruturada com os alunos, em virtude de consistir em um instrumento que permite a abertura do entrevistado se colocar mais à vontade frente às questões investigadas, sem perder o enfoque na temática proposta.

Com relação ao tratamento dos dados, a pesquisa envolveu análise quantitativa em algumas etapas, principalmente na etapa da coleta de dados empíricos, nos aspectos concernentes aos cursos de maior e menor demanda instituição. Todavia, predominou a vertente qualitativa na pesquisa, especificamente na apreciação dos dados coletados por meio da entrevista semiestruturada. Consoante Minayo (2010), a modalidade de pesquisa qualitativa responde a questões extremamente particulares, em virtude de essa modalidade ocupar, nas Ciências Sociais, um nível de realidade que não pode ou não deveria ser quantificado, isto é, por trabalhar com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes, os quais na concepção da autora incidem em um conjunto de fenômenos humanos que podem ser compreendidos como elementos da realidade social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas também por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e partilhada com os seus semelhantes.

Diante do caráter subjetivo da pesquisa, foram eleitos, como metodologia para subsidiá-la, os pressupostos teóricos do campo da Análise do Discurso (AD) dos estudantes universitários cotistas, que, segundo Orlandi (2015, p. 26), “[…] visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”, em especial, pelo interdiscurso presente nas falas dos estudantes, o qual, em consonância com Maingueneau (2008), antecede o discurso, imperando sobre este. Nesse aspecto, é destacado pelo autor que o elemento de diagnóstico fundamental, ao ser analisado um determinado discurso, não é o discurso em si, mas a atmosfera de trocas entre os diversos discursos selecionados dentro de uma determinada situação discursiva, ou seja, o interdiscurso. Nessa vertente, profere-se que um discurso é examinado na sua relação com outros discursos, tornando-se, assim, fundamental, pois há espaços de legitimidade importantes que permitem a entrada de outros discursos na sua composição.

Numa época em que se propaga o zelo por igualdade e justiça, o tema das AA no Brasil, em especial, a política de cotas étnico-raciais, é objeto de intensas discussões. Tratar esse assunto na atualidade tem sido um desafio, tanto do ponto de vista ideológico quanto do ponto de vista da análise da eficácia de tal política pública.

Assim, ainda que quase sempre permeado por debates intensos, nas duas últimas décadas tem se falado muito sobre a Política de Cotas e crescido do mesmo modo o interesse em estudar essa temática no Brasil. Igualmente, o discurso em torno da incorporação do contexto acerca do multiculturalismo[2] em nosso panorama cultural tem se ampliado, sobretudo a partir dos movimentos ligados às demandas formuladas por afrodescendentes, em legítima manifestação de descontentamento pela situação de exclusão social em que se encontra parcela significativa desse grupo.

Com isso, o estudo proposto vem somar nesse sentido, em virtude de que, nos estudos realizados, são destacados que no ano de 2010 o percentual de jovens brasileiros negros na faixa etária dos 18 aos 24 anos matriculados no ensino superior era de 26,2% (IBGE, 2010). Em levantamento realizado pelo MEC no ano de 2013, sobre os que cursavam ou concluíram um curso de graduação no Brasil, foram obtidos os seguintes resultados: em 1997, o percentual de jovens pretos, com idades entre 18 e 24 anos, que cursavam ou haviam concluído o ensino superior era de 1,8% e o de pardos, 2,2%. Em 2013, esses percentuais já haviam subido para 8,8% e 11%, respectivamente (SEPPIR, 2016).

No caso da proposta de pesquisa, a análise dos discursos de estudantes negros, ingressos por meio das cotas no ESR/ UFF, também apresenta importância, por integrar uma universidade que modificou o seu modelo de ingresso por meio de legislação, além de se situar na cidade de Campos dos Goytacazes – uma das últimas cidades brasileiras a aderir à abolição da escravidão e que apresenta uma memória de concentração de pessoas que foram escravizadas. Portanto, conhecer as experiências, os posicionamentos, as afinidades ou não entre as demandas dos estudantes e as propostas desta política focalizada para estudantes negros carentes, afora a relevância da aproximação nos estudos sobre linguagem e identidade[3], análise do discurso, e o papel atrelado aos investigados nas pesquisas, constituem-se como elementos que justificam a presente investigação.

Na busca pela ratificação ou refutação da hipótese, alguns critérios foram estabelecidos para a realização do estudo. Nesse aspecto, estabeleceu-se o perfil do público-alvo da pesquisa: discentes cotistas negros, ingressos no curso de maior e menor demanda do ESR/UFF entre os anos de 2013 e 2015. No que se refere aos cursos de maior e menor demanda, partiu-se do pressuposto de que para o curso de maior concorrência, a opção pela cota é um fator de extrema relevância para o acesso. Não obstante, para o curso de menor concorrência, o candidato não necessariamente precisaria optar pela cota. Todavia, essa opção foi realizada, qual foi a motivação para fazê-la?

Nessa perspectiva, realizou-se a coleta dos dados no ESR/UFF para investigar o curso de maior e menor concorrência, o que foi feito por meio de acesso direto à secretaria de graduação da instituição, ao departamento de serviço social, ao site da universidade, dentre outros, a fim de obter os dados dos alunos ingressos e contatá-los posteriormente, para a realização da entrevista. No período analisado, o Curso de Graduação de maior concorrência para ingresso no ESR/UFF foi o Bacharelado em Psicologia; por sua vez, o de menor demanda foi o Bacharelado em História.

Findada a análise diagnóstica da pesquisa, deu-se prosseguimento à coleta de dados com os sujeitos da investigação, a qual contou com a utilização da entrevista como instrumento. No que tange à entrevista, Gil (2008) ressalta ser uma das técnicas mais utilizadas no âmbito das ciências sociais para coletar dados, em que psicólogos, sociólogos, pedagogos, assistentes sociais e praticamente todos os outros profissionais que tratam de questões relacionadas à humanidade se valem dessa técnica, não apenas com o objetivo de coletar dados, mas também para realizar diagnósticos e orientação.

No trabalho em questão, a utilização da entrevista também encontrou relevância como metodologia na coleta de dados objetivos e subjetivos, porquanto, de acordo com Minayo (2010), caracteriza-se por uma comunicação verbal que reforça a importância da linguagem e o significado do discurso. A modalidade de entrevista adotada pela pesquisa foi a do tipo semiestruturada, a qual tem como atributo um roteiro composto por perguntas abertas e indicadas para estudar um fenômeno com uma população específica, em que o informante tem a possibilidade de discorrer acerca do tema proposto (MANZINI, 2012). Para esse intento, foram formuladas 17 (dezessete) questões abertas para compor o roteiro da entrevista. Os depoimentos dos entrevistados foram gravados e transcritos, de modo a facilitar a análise do material coletado.

Após a coleta dos dados, deu-se prosseguimento à fase de análise, cuja etapa teve como objetivo organizá-los de forma tal que possibilitassem o fornecimento de respostas ao problema proposto para investigação. Todas as perguntas exigiram respostas abertas, as quais foram fornecidas pelos sujeitos pesquisados de formas diversas. Na perspectiva de que as respostas fornecidas pelos entrevistados pudessem ser adequadamente analisadas, adotaram-se os pressupostos teóricos do campo da AD de linha francesa (AMOSSY (2011); BRANDÃO (2009); MAINGUENEAU (2008) e ORLANDI (2015)), em virtude de consistir em um dos instrumentos metodológicos bastante coerentes para interpretação da realidade em questão, a qual se constitui por um corpus empírico ou experimental[4].

A AD trabalha com o sentido, na busca dos efeitos de sentido relacionados ao discurso, preocupando-se, também, em compreender os sentidos manifestados pelo sujeito no seu discurso. Portanto, ao utilizar a AD, o analista precisará realizar uma leitura do texto enfocando a posição discursiva do sujeito, legitimada socialmente pela composição dos fatores sociais, históricos e ideológicos, produzindo, assim, os sentidos de um discurso ao ser enunciado, o qual não existe a priori em um texto, sendo construído gradativamente na interação sujeito-texto, que se encontra representado pelo interdiscurso dos entrevistados.

Não obstante, a aplicação da AD foi embasada por teorias que justificam o discurso dos entrevistados, que não se constitui como neutro, sendo necessária a compreensão de fatores que amparam a construção de estereótipos que implicam formações de identidade(s), bem como de estigmas socialmente construídos que interferem em uma afirmação e reconhecimento de pertencente a essa identidade. Para tal, recorreu-se aos construtos identitários de Hall (2006; 2007), dentre outros para a construção do que é concebido como negro cotista no Ensino Superior brasileiro.

3 Desenvolvimento

De forma especial, no que concerne ao acesso a esse nível de escolaridade nas instituições públicas brasileiras, a aplicabilidade dessas políticas na área da Educação Superior se justificam, porquanto, desde que essa etapa educacional foi formulada, predomina o entendimento de que a graduação é um caminho para a obtenção da ascensão econômica e, por conseguinte, social. Partindo desse pressuposto, vem sendo pressionada a demanda por vagas nessa instância da educação brasileira, impulsionando o Estado brasileiro, especificamente, o Governo Federal, a implementar medidas que atendam tal expectativa (AMARAL, 2006).

Com isso, os sistemas de reservas de vagas, também denominados por Política de Cotas para grupos específicos – em geral, os identificados como negros ou afrodescendentes, os egressos de escolas públicas, que compõem, em sua maioria, a população carente – tiveram como finalidade em seu surgimento a democratização do acesso à Educação Superior e a redução das taxas de desigualdades sociais e étnicas presentes no Brasil.

Estatísticas de estudos apontam que o ensino superior no país passou por um considerável crescimento quantitativo a partir da década de 90, com a taxa de expansão anual de 7% em média na graduação, segundo Censo da Educação Superior de 2010, divulgado pelo INEP. Simultaneamente, consta-se que as universidades públicas brasileiras se constituíam por um universo branco e rico, predominando o acesso de estudantes oriundos de escolas privadas, de famílias com situação socioeconômica confortável e pais com elevado nível de escolaridade. Negros e indígenas carentes eram minorias, estavam em cursos pouco valorizados e, por isso, eram conduzidos a espaços de pouco privilégio no mundo do trabalho, o que acentuava ainda mais a desigualdade histórica (OLIVEIRA, 2016).

Ao se analisar o percurso histórico do desenvolvimento e da expansão da Educação Superior no Brasil, até o final do século XIX, verifica-se que o acesso a esse nível de ensino era compreendido, tradicionalmente, como privilégio de poucos pertencentes a classes de maior poder aquisitivo, haja vista que as condições de ordem econômica e social, politicamente impostas no país naquela época, não proporcionavam igualdade de oportunidades de acesso para integrantes de camadas populares e de grupos historicamente desfavorecidos. Assim, as muitas reivindicações públicas desses grupos demandaram o desenvolvimento, por parte do Governo Federal, de políticas públicas visando à democratização da distribuição da oferta e da equidade de vagas no Ensino Superior.

Inicialmente, a adesão de políticas que visam à inclusão de “minorias” ao acesso ao ensino de nível superior e público ocorreu não apenas no estado do Rio de Janeiro, mas também em outros estados e regiões brasileiros, mesmo que não de forma equivalente, no sentido da utilização do aparato legal, como foi o caso das universidades estaduais da Bahia e do Mato Grosso do Sul, a saber, UNEB e UEMS, ambas no ano de 2002.

Em 2003, com a notoriedade da Universidade de Brasília (UnB) como a primeira instituição federal a implementar uma política dessa natureza – em resposta a um caso de discriminação na pós-graduação, o qual ganhou grande repercussão – em junho de 2004 é que o primeiro vestibular com reserva de 20% das vagas para estudantes negros foi realizado.

A experiência no âmbito federal teve sequência com a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que buscou também nesse período, atendimentos a estudantes negros. Destaca-se que a adoção das ações afirmativas pela UnB serviu para expandir a discussão sobre cotas na graduação para além do Estado do Rio de Janeiro, o que contribuiu para demonstrar que as demais universidades federais do país não poderiam se eximir do debate e implementação da política.

É preciso ainda ressaltar que a implantação das cotas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro ocorreu de forma imposta de “cima para baixo” (lei estadual), enquanto na UnB partiu de sua própria iniciativa (FERES JÚNIOR et al., 2018). A partir de tais experiências, a medida passou a ganhar aderência por parte de diversas instituições de nível superior, as quais passaram a adotar majoritariamente o sistema de cotas, variando os percentuais estabelecidos, inclusive, algumas seguiram por outros critérios, conforme elencado por Heringer e Ferreira (2009), as quais não deram sequência apenas ao modelo de cotas, como foi o caso das seguintes instituições: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), Faculdade de Tecnologia de São Paulo (FATEC), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal Fluminense (UFF), que optaram pela adoção ao sistema de acréscimo de pontos e bonificação no vestibular. Merecem destaques também a Universidade Federal do Paraná (UFPR), que implantou em 2004 um programa de Ações Afirmativas e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que desde o ano 2006 vem fazendo uso do argumento da inclusão, criando programas de bonificação no vestibular para alunos oriundos da rede pública de ensino.

Com base no levantamento realizado por Ferreira (2008), denominado de O mapa das ações afirmativas nas instituições públicas de ensino superior e técnico, Heringer e Ferreira (2009) afirmam que diversas instituições federais do país, dentre as duzentas e vinte e quatro instituições públicas de ensino superior, setenta e nove promovem algum tipo de ação afirmativa.

No bojo da adesão de políticas de AA pelas universidades brasileiras, teve-se a regularização da Política de Cotas nas universidades públicas federais, no intuito de ampliar o acesso de jovens carentes em desigualdade de oportunidades, a partir da aprovação da Lei das Cotas nº 12.711/2012, em que no Art. 3º da legislação foi decretado que, dentro do percentual de vagas a ser reservado, essas deveriam ser preenchidas por estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas sendo o número de vagas distribuídas por curso e turno em proporção no mínimo igual entre pretos, pardos e indígenas da população que compõe a unidade da Federação na qual se encontra instalada a instituição de ensino de acordo com o último censo do IBGE (DAFLON; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2013).

A postura das universidades, ao aderirem ao sistema de reservas de vagas para negros, gerou discussões efervescentes, principalmente por parte daqueles contrários à Política de Cotas étnico-raciais, cujo argumento de justificação foi pautado no princípio da constitucionalidade. Não obstante, as cotas foram declaradas como medidas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, por unanimidade da corte, inclusive no componente étnico-racial, estruturando, desse modo, que a reserva de vagas para negros nas universidades públicas não ofende a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, doravante, CRFB/1988 (HERINGER, 2014; TAPAJÓS, 2015). Apesar de a discriminação étnico-racial ser constantemente mascarada neste país, há um evidente esforço em prol de sua desconstrução, como a própria Política de Cotas abalizada na “raça” no Ensino Superior público brasileiro, no âmbito da graduação, quando as políticas surgidas primeiramente no estado do Rio de Janeiro em 2001, por força de lei e aprovada por aclamação na Assembleia Estadual, possuía, segundo os proponentes, o objetivo de minimizar a desigualdade racial; e hoje, há mais de vinte anos após as primeiras iniciativas, é obrigatório que as instituições públicas de ensino, a partir da aprovação da Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei das Cotas, e o Decreto Federal n.º 7.824/2012, regulamento executivo que a normatizou estendendo as cotas para as Universidades Federais e Institutos Federais de Ensino Técnico de Nível Médio, reservem até 50% das vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas. Consoante Ferreira (2013), a legislação em questão é oriunda do polêmico Projeto de Lei nº 180/2008, que criara uma política de Ação Afirmativa nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), sancionado pela presidenta da República, Dilma Vana Rousseff, em 2012, tornando-se a Lei Federal nº 12.711.

Segundo o autor, o texto normativo é a base da Política de Cotas pátria. Por isso, a referida Legislação ficou conhecida como Lei de Cotas. Em 2012, quando decretada a aprovação da Lei das Cotas, alguns argumentos foram retomados, cuja justificativa foi pautada nos princípios constitucionais da legislação brasileira a autonomia universitária e ampliação do número de vagas disponibilizadas nos cursos de graduação. Outros colocaram ressalvas à política, cujo discurso corrente foi o de que estava ferindo o Princípio da Isonomia, expresso no Art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o qual aduz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […]” (MARTÍNEZ; AMARAL; GANTOS, 2014).

A problemática suscitada pelo tema das Ações Afirmativas em nosso País compromete tanto a noção moderna de igualdade e justiça social quanto a tradicional construção identitária brasileira da mestiçagem – tida como constitutiva da unidade nacional. Assim, o interesse da presente pesquisa é justamente investigar de que modo a política de cotas com base na “raça” vem sendo percebida e avaliada pelo seu potencial público-alvo.

4 Resultados

A pesquisa contou com 6 (seis) discentes, ingressos por cotas para negros no ESR/UFF. Os entrevistados tiveram os seus nomes mantidos em sigilo. Sendo assim, foram denominados como E1, E2, E3, E4, E5 e E6, sendo três discentes do curso de maior demanda e três discentes dos cursos de menor demanda nos processos seletivos do ENEM/SISU no ESR/UFF, ingressos entre os anos de 2013 e 2015. A fim de manter uma padronização na presente pesquisa, a pesquisadora foi referenciada pela letra P. Os entrevistados discorreram acerca de diversas questões, todas em caráter subjetivo, as quais perpassaram por aspectos relacionados à instituição na qual estavam matriculados, curso de graduação, período do curso até o momento em que a entrevista foi realizada, idade, gênero e cidade de origem (Quadro 1).

Quadro 1.
Perfil dos discentes entrevistados do ESR/UFF
DiscentesInstituiçãoCursoPeríodoIdadeGêneroCidade de origem
E1 ESR/UFFPsicologia25MasculinoCampo Grande/ MS
E2ESR/UFFPsicologia20FemininoCampos dos Goytacazes/RJ
E3ESR/UFFPsicologia19FemininoRio de Janeiro
E4ESR/UFFHistória25MasculinoRio de Janeiro
E5ESR/UFFHistória21FemininoItaperuna/RJ
E6ESR/UFFHistória19FemininoCastelo/ES
Fonte: Elaboração própria

Assim, foi averiguada dos entrevistados qual a cor considerada por eles em consonância com as categorias de classificação adotadas pelo IBGE, se concordavam com essa classificação e o porquê, se era como ele/ela realmente se identificava. As respostas serão mais bem explanadas ao longo da presente seção, entretanto encontram-se de forma sintética no Quadro 2.

Quadro 2.
Posicionamento dos discentes entrevistados do ESR/UFF sobre a sua cor (1)
DiscentesInstituiçãoCursoCor em consonância com a classificação do IBGEConcordância com a classificação do IBGEReal identificação
E1 ESR/UFFPsicologiaNegraSimNegra
E2 ESR/UFFPsicologiaNegraSimNegra
E3 ESR/UFFPsicologiaPardaNão se posicionouNegra
E4 ESR/UFFHistóriaPardaSimParda
E5 ESR/UFFHistóriaPardaSimParda
E6 ESR/UFFHistóriaNegraSimNegra
Fonte: Elaboração própria1 Na presente pesquisa, nota-se em alguns dos depoimentos dos entrevistados cotistas negros no que concerne à cor, que eles, em suas respostas, consideraram a cor negra como sinônimo da cor preta. Sendo, portanto, a cor parda para alguns dos depoentes uma categoria de cor diversa da categoria negra. Entretanto, dentro da classificação do IBGE, a cor negra refere-se à junção da cor preta com a cor parda.

Averiguaram-se, também, os posicionamentos dos entrevistados sobre a Política de Cotas para negros no ensino superior, qual era a opinião dele/dela sobre a política e se a mesma era eficaz na sua concepção e em sua opinião, o porquê da opção pelo ingresso na modalidade cotas, se atualmente faria a mesma opção, como ele/ela se percebia perante os seus colegas, professores e a universidade como um todo, se já havia sido vítima de racismo ou injúria racial no âmbito acadêmico, quais personalidades negras influentes, célebres e reconhecidas socialmente por seus trabalhos ele/ela conhecia, se ele/ela acreditava que a política de cotas poderia ser um caminho para uma sociedade mais justa, no sentido da garantia de direitos a todos e se na opinião dele/dela, a Política de Cotas étnico-raciais atendia as demandas dos estudantes negros. Os discursos enunciados em respostas às questões propostas na entrevista, constituem o corpus empírico em exposição no presente trabalho.

4.1 Análise das entrevistas dos estudantes negros cotistas do ESR/UFF

Por meio da coleta de dados realizada, foi constatado que no ESR/UFF o curso mais concorrido no processo seletivo no período analisado foi o Bacharelado em Psicologia, e o de menor demanda, o Bacharelado em História.

4.1.1 O curso de maior demanda

No curso de Psicologia, o curso de maior concorrência no processo seletivo do ESR/UFF, a idade dos entrevistados foi 25, 20 e 19 anos. Eles, no momento da realização da entrevista estavam cursando o 7º, o 5º e o 2º período, não são todos campistas, residindo em cidades como Campo Grande, no estado do Mato Grosso do Sul, Campos dos Goytacazes e Rio de Janeiro. Ambos os entrevistados E1, E2 se classificaram como negros ou pretos e E3 utilizou a classificação parda.

Quando foi perguntado se eles concordavam com a classificação, sétima pergunta no roteiro de entrevista, as seguintes respostas se sucederam:

E1 – Sim, me autodeclaro assim, porque é realmente como sou.

E2 – Sim, porque eu sou [risos]. Porque meus pais são negros e eu também sou.

E3 – Eu acho que, eu não sei. Eu não tenho uma opinião formada sobre, mas eu acredito que… sei lá não tenho um posicionamento sobre.

Nos discursos proferidos, ficou evidenciada a questão de um não posicionamento sobre a identidade desses sujeitos, o que contradiz a opção de E3 quando assinou a autodeclaração.

Na oitava pergunta, a qual indagou se era realmente como eles se identificavam, ambos disseram que sim, contudo E3 fez uma ressalva:

E3 – Eu me identifico como negra. Eu respondi que me classifico como parda porque está na minha certidão de nascimento. Mas me identifico como negra.

Observa-se que na pergunta anterior, foi dito por E3 que não tinha uma opinião formada, um posicionamento, contudo fez a ressalva acima elencada.

Na nona pergunta, sobre posicionamento deles sobre a Política de Cotas para negros e afro-brasileiros no ensino superior e da eficácia da política na opinião deles, foram elencadas as seguintes respostas:

E1 – Concordo com a política de cotas, em virtude da realidade social. Porém, ela ainda não é eficaz, no sentido de maior representação do negro na universidade. Mas, se os governos previrem o aumento da porcentagem gradativa, será eficaz.

E2 – Eu concordo com a política. Eu acho que ela tem sido eficaz.

E3 – Eu acho que sim é importante porque através disso nós estamos tendo uma oportunidade de entrar nas universidades. Uma oportunidade para quem não tinha, para quem já vem com um histórico social desde então. Por isso eu acho importante.

Na décima pergunta, investigou-se o porquê da opção pelo ingresso na modalidade cotas. Teve-se como respostas obtidas:

E1 – Porque talvez eu não fosse conseguir ingressar no curso por ampla concorrência.

E2 – Porque eu não tive durante o ensino fundamental e o ensino médio uma base muito boa para o vestibular. Aí eu percebi que pelas cotas eu teria mais chance de entrar do que pela ampla concorrência.

E3 – Na real, pela nota mesmo, e pelo fato de eu me identificar como negra. E é mais fácil você conseguir por cota, do que por ampla concorrência com pessoas que conseguiram notas maiores. Como eu não tirei uma nota tão boa, então a cota foi uma entrada para eu poder estar aqui.

A questão do direito à cota, mediante o histórico familiar e dívida social novamente sobressaíram-se nos discursos enunciados.

Na décima primeira questão, foi indagada se, atualmente, fariam a mesma opção em caso de um novo processo seletivo. Todos os entrevistados disseram que sim, que fariam a mesma escolha.

A décima segunda questão levantada foi concernente à assunção deles como cotista na universidade. E quando lhes são indagados. As respostas foram estas:

E1 – Sim, me assumo. Também, não tenho problemas quando sou indagado por ser cotista.

E2 – Ah, não muito [risos]. Se me perguntarem eu digo sim, mas não chego falando fico meio quieta. Porque tem meio um… não sei se é um preconceito, mas as pessoas acham que você é inferior, algo assim.

P – Você percebe isso aqui?

E2 – Ah, muito! Percebo sim, algumas pessoas ainda pensam assim. Quando perguntam eu digo que sou cotista.

E3 – Sim. Também, falo especificando qual é a cota.

E1 e E3 declararam assumirem-se como cotistas, entretanto E2, não. Isso constitui-se como exemplo que ratifica existência de um “lugar” simbólico a ser ocupado pelos indivíduos negros, bem como a imagem do grupo social negro na sociedade, representado com complexos de inferioridade e negação da diferença claramente presente no seu discurso ao proferir que “as pessoas acham que você é inferior”.

A décima terceira pergunta foi com relação à percepção deles perante os seus colegas, professores e a universidade como um todo. Foram obtidas as seguintes respostas:

E1 – Como alguém que apesar de ser cotista, se dá muito bem nos aspectos de aprendizagem.

E2 – Uma aluna como outra qualquer, igual a todos eles.

E3 – Ah! Normal, acho que não tem essa só porque é cotista, não tem essa diferença. Pelo menos aqui não tem essa diferença. A gente até brinca, no sentido de que ampla concorrência fez tanta questão e nós estamos aqui todos juntos, sentados na mesma cadeira.

Conforme evidenciado nos discursos dos alunos, analisados na seção anterior, nota-se o ressaltar da questão do demérito entre os alunos do curso de psicologia, quando a locução prepositiva “apesar” foi enunciada, expressando uma ideia contrária, em relação à outra parte do enunciado. Isso especifica a questão do “lugar” simbólico do cotista como incapaz de conseguir bons rendimentos acadêmicos, asseverando o que Orlandi (2015) destaca como um dizer que tem relações com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis, no qual a ideologia do negro, socialmente construída, implica o depoimento do sujeito do discurso.

A décima quarta pergunta estava relacionada a se eles já tinha sido vítimas de racismo ou injúria racial no âmbito acadêmico.

E1 – Não, nunca fui.

E2 – Aqui dentro, não diretamente. Já ouvi falar de casos, mas não comigo.

E3 – Não. Por enquanto, não.

No que se refere às personalidades negras influentes, célebres e reconhecidas socialmente por seus trabalhos, referente à décima quinta questão, foi ressaltado por eles que:

E1– Conheço o Joaquim Barbosa, o Mandela, Neil deGrasse Tyson

E2– Celebridade, assim, ator atriz, conheço três. Agora no geral, na música acho que tem mais. Eu busco muitas referências negras, então ter mais referências de artistas negros é bem comum para mim. Os principais são: Lázaro Ramos, Tais Araújo, Elza Soares, Emicida, Karol Conka, Rihanna, Beyonce.

E3– Eu não sei, não sei dizer nenhuma.

Foi percebido no depoimento de E3 o desconhecimento de personalidades negras célebres, influenciadoras por seus trabalhos, elencando a baixa representação do negro como elemento empoderador da população negra. Isso ressalta a construção de uma identidade de sujeitos negros em uma perspectiva de dominação eurocêntrica, que nega os referenciais negros e a busca pela valorização desses referenciais por esse segmento da população, isto é, uma concepção que se reflete em sentimentos como: perda, negação, uma não construção autoimagética positiva e elevada da pessoa negra. Nessa perspectiva, vigora a imagem negativa associada à situação de opressão, escravidão, na qual a população negra, descendente de africanos escravizados, encontrou-se ao longo da história do Brasil.

Quando indagados se acreditavam que a Política de Cotas pode ser um caminho para uma sociedade mais justa, em uma lógica de garantia de direitos a todos, a décima sexta pergunta, as seguintes respostas foram enunciadas:

E1– Sim, eu acredito.

E2– Eu acredito que sim, mas não sozinha eu acho que deveria trabalhar mais a educação básica, né o ensino fundamental e médio né para dar base ao público que é onde se concentra a maior parte da população negra para garantir direitos e a Política de Cotas como reparação da dívida histórica. Antes de eu entrar na faculdade eu concordava com a Política de Cotas muito porque eu sabia que era pela busca da igualdade de direitos no âmbito acadêmico, mas eu não tinha muita noção do contexto histórico que estava relacionado às cotas. Depois que eu entrei, eu me informei melhor e aí percebi que realmente a população negra foi muito prejudicada ao longo da história nesse quesito da educação, dos direitos e tudo mais, e é por isso que a Política de Cotas é necessária também por isso, essa reparação histórica, somada a outros esforços da política de cotas. Então, tem sim sido efetiva.

E3 – Sim, eu acredito que é importante mesmo. Só isso.

Foi elencada por E2 a questão dos sentidos da escravidão e seus efeitos sociais nos seres humanos. Orlandi (2015, p. 36) ressaltou como efeitos entre repetição e diferença. “Esses sentidos se constituíram ao longo de uma história a que já não temos acesso e que “falam” em nós”. Orlandi ressalta que essa memória é o interdiscurso.

A décima sétima questão foi se na opinião deles, a Política de Cotas étnico-raciais atende as demandas dos estudantes. Os entrevistados disseram que:

E1: Ainda não atende, mas acredito que possa atender no futuro.

E2: Atende, mas eu acho que poderia ser melhor, na questão, por exemplo, de, na UENF normalmente quando você entra por cota, você já entra com bolsa etc. e, aqui, na UFF, não, você entra só com a cota, se você quiser bolsa você tem que fazer uma outra inscrição, em um outro edital. Eu acho que poderia ser melhor, principalmente nas cotas sociais, que muitas vezes está associada a cota racial, então poderia se esforçar para atender melhor essas questões econômicas, porque geralmente os cotistas não tem tantas condições de se manter na universidade, e a gente sabe que a universidade não é só entrar é se manter. Entrar é fácil, difícil é sair. Acho que poderia melhorar nisso, nessa questão de garantir uma assistência maior para os cotistas. Na UENF tem bolsa que pode ser acumulada, aqui não, só auxílio creche, que é muito difícil de conseguir, são apenas cinco vagas, e auxílio moradia. Agora, outras bolsas não podem, é só aquela ali e acabou, e ainda tem que passar por um outro edital. Então, é bem difícil.

E3: Depende. Atende, mas não plenamente. Com o passar do tempo eu percebo que o número de acesso de cotistas negros aqui só vem diminuindo.

A análise do corpus investigado permitiu verificar, por meio dos discursos proferidos, que a questão da Política de Cotas necessita atender a demanda dos estudantes para além das questões envolvendo o acesso, mas também da permanência deles na universidade, sinalizando o empoderamento da sua existência como negros.

4.1.2 O curso de menor demanda

No ESR/UFF, o curso de menor demanda no processo seletivo referente ao lapso temporal analisado foi o Bacharelado em História. Neste, a idade dos entrevistados foi de 25, 21 e 19 anos. Estavam cursando o 7º, o 6º e o 3º períodos, não são todos campistas, residindo em cidades como: Rio de Janeiro, Itaperuna e Castelo, no estado do Espírito Santo.

A sexta pergunta foi concernente à classificação estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no que diz respeito à raça/etnia, como eles se classificavam. Assim, as seguintes enunciações foram proferidas:

E4– Como pardo.

E5– Eu sou mais clara que a maioria da minha família. Os meus pais são pardos. Eu não sou branca, apesar de ser mais clara do que eles, acho que sou parda.

E6– Me identifico como negra.

Esses enunciados ressaltaram diversos aspectos no campo semântico-discursivo. Principalmente no depoimento de E5, que evidenciou, como bem aponta Amossy (2011), que as imagens feitas pelos sujeitos precisam estar assumidas em representações partilhadas. A autora explica que a comunidade avalia os indivíduos conforme modelos pré-construídos e, assim, realiza as suas classificações. Na perspectiva do argumento, o estereótipo permite designar os modos de raciocínio próprios de um grupo e os conteúdos globais no setor no qual ele se situa.

Quando questionados se concordavam com a classificação, sétima pergunta do roteiro de entrevista, as seguintes respostas sucederam-se:

E4– Sim, concordo. Porque eu me identifico como pardo.

E5– Sim, por causa do histórico da minha família.

E6– Sim, eu concordo porque eu acho importante a gente reafirmar sabe, porque a gente vive em uma sociedade muito preconceituosa. Então muitas vezes as pessoas têm vergonha de dizerem, de se classificarem como negras devido ao preconceito. Ou também é toda uma construção social que está naturalizada, a questão do racismo e tudo mais. Então, eu sempre tive muito orgulho de reafirmar a minha cor e sempre fiz questão de não esconder isso de ninguém.

Nessa questão, demarca-se, nos depoimentos dos discentes entrevistados, a questão da identificação como negro e a justificativa no histórico familiar. Inclusive, cabendo à família a construção dessa identidade. Souza (2015) elenca que os negros ficaram com a incumbência de trabalharem sozinhos na “redenção da sua raça”.

Na oitava pergunta, momento no qual se indagou se era realmente como eles se identificavam, todos disseram que sim.

Na nona pergunta, sobre posicionamento deles sobre a Política de Cotas para negros no ensino superior e da eficácia da política na opinião deles, foram elencadas as seguintes respostas:

E4 – Eficaz, acho que nem sempre. Dizer que inclusão social é só colocar o aluno nos bancos universitários, está muito longe disso, porque a tão idealizada inclusão nem sempre acontece, são muitos fatores que interferem na nossa permanência no curso.

E5 – É importante por causa da dívida histórica, mas ela sozinha não é suficiente. Em minha opinião, tem sido eficaz, mas ainda precisa estar associada a outras questões, políticas e programas de assistência aos cotistas na universidade.

E6 – Então eu sou a favor das cotas, porque tem a questão da dívida histórica e tudo mais, e eu acho que é muito importante você abrir o espaço da universidade que sempre foi muito elitizada para o negro, porque mesmo com as cotas infelizmente temos muitos pouco negros nas universidades. Mas eu ainda acho que é importante em não somente ter as cotas quando você ingressa na universidade, mas também promover uma forma para que não haja evasão desses alunos negros. Eu acho que deveria haver uma reforma nessa questão das cotas, porque eu estou acompanhando vários debates sobre as fraudes, que são as pessoas que não são negras, mas que se autodeclaram negras, porque no SISU para você ingressar tem a questão da autodeclaração e quando eu vim para a universidade eles não me pediram nenhum documento, nada assim que provasse, é lógico que a minha cor automaticamente iria provar que eu sou negra. Mas existem alunos, não aqui na UFF eu nunca ouvi falar, mas em outras universidades, pessoas brancas que entram com cota de negro e em nenhum momento isso é cobrado, isso é visto, a universidade não tem um controle muito grande sobre essa questão. Mas eu sou a favor, acho que tem que ter algumas reformas por causa disso que eu falei. Eu acho que é eficaz, mas ainda não totalmente, porque ainda temos poucos negros nas universidades.

Novamente, a questão da formação discursiva com enfoque no histórico do negro na sociedade brasileira – o lugar de representação e a ocupação de espaços ainda restritos – foi mencionada.

Investigou-se, na décima pergunta, o porquê da opção pelo ingresso na modalidade cotas. As seguintes respostas foram obtidas:

E4 – Porque a minha nota até daria para ampla concorrência, mas para não correr o risco eu fui pela cota, vi que era um direito meu e não quis arriscar, até porque o curso de História sempre foi o meu sonho.

E5 – Pela renda familiar, a minha condição socioeconômica que se enquadrava e por ser um direito meu, devido ao meu histórico familiar de descendente de negros.

E6 – Então, é porque eu acho muito importante eu entrar e ter orgulho de dizer que eu estou ocupando um espação que é meu por direito, não tinha justificativa eu entrar por ampla concorrência, sendo que eu tenho uma oportunidade de estar aqui, a partir de todas as condições da minha cor, da minha questão social, do meu contexto social, que é totalmente diferente, pois além de ser negra, eu venho da periferia. Então, isso implica totalmente no meu ingresso na universidade. Eu acho importante eu entrar como cota para negros, porque isso vai só reafirmar a minha condição.

Predominou, nesses depoimentos, a questão da justiça social para acesso a um bem e o fator econômico. Assim, percebe-se, sobretudo no depoimento de E4, a representação da preponderância da falta de justiça cultural, no sentido de proporcionar uma autoconfiança, ratificada por E4 ao enunciar que, mesmo a nota sendo suficiente para ingresso no curso por ampla concorrência, a opção pela cota sobressaiu, pois ele não queria “correr o risco de perder a vaga”.

Na décima primeira questão, foram indagados se atualmente fariam a mesma opção. E4 e E5 disseram apenas que sim, que fariam a mesma escolha. E6 respondeu de forma afirmativa, indicando o seguinte:

E6 – Sim, totalmente. Inclusive, uma vez na minha sala, teve um professor, ou alguém que fez uma pergunta sobre isso e eu falei que era cotista. Só que eu tenho duas amigas que não são cotistas e são negras, e elas falaram que não quiseram entrar por cotas. Aí elas ainda disseram que não tem nada contra quem entrou por cota, mas elas não quiseram entrar por cota, porque preferiram entrar por ampla concorrência e aí começou a fazer todo um discurso, sabe? Inclusive, presenciamos aqui na universidade, no curso de História diversos colegas negros que conseguem aprovação por ampla concorrência fazendo festa, porque não entraram por cota, dizendo que não precisam da cota, como se fosse algo ruim ser cotista. E aí fica meio que difícil né, como você vai tentar colocar na cabeça dessas pessoas que a cota não significa humilhação, você não vai querer ser beneficiado só porque você ingressou por cota. Inclusive, bem recentemente, essas duas amigas que são negras e falaram que não quiseram entrar por cotas, porque vai acontecer a Bienal da UNE em Fortaleza. Aí eu fui anunciar no grupo falando sobre a bienal e tudo mais e falei que cotista tem desconto de 30% e paga só R$70,00, aí foi que elas falaram: eu me arrependo muito de não ter entrado como cotista. Só que aí eu parei para pensar: cara a pessoa só quer ser cotista na hora do benefício, na hora do desconto, e aí quando tem que colocar a cara a tapa e falar eu sou cotista, eu estou aqui porque eu sou preta e preciso estar aqui, elas não falam, sabe. Então eu achei muito contraditório da parte delas.

Tem-se, nesse discurso, a questão da identidade ou identidades construídas ou negociadas, conforme apontamentos de Woodword (2014), em que até que ponto convém o posicionamento por uma ou outra identidade, ocasionando conflitos identitários.

Na décima segunda questão, foram questionados se eles se assumiam como cotistas na universidade. Inclusive, quando eram indagados sobre o tema, todos os entrevistados disseram que sim.

A décima terceira pergunta foi com relação à percepção deles perante os colegas, os professores e a universidade como um todo. Foram obtidas as seguintes respostas:

E4 – Como um aluno como todos os outros, não sou tratado com diferença.

E5 – Percebo mais nos aspectos relacionados à formação na educação básica, pois a vida toda estudei em escolas públicas e os meus colegas, pois a grande maioria estudou em escolas particulares.

E6 – Então, eu percebo que não só eu, mas como a maioria dos negros aqui devem se sentir, é que nós somos muito poucos. A maioria dos meus professores é branca. Assim, eu estou no 3º período ainda, mas a maioria dos meus professores é branca. Eu só tive um professor negro até agora, eu acho que ele é um dos únicos que tem aqui. Então, a universidade ainda não está atendendo totalmente a nós negros em questão de pertencimento, por ser um espaço ainda muito elitizado, por ter apenas professores brancos. Mas, eu acredito que nós os poucos negros que estão aqui, quando nos formarmos e formos professores, a gente vai conseguir reverter um pouco. Por isso que eu acho importante a cota, porque a cota não é só questão econômica, a partir da cota será permitido que negros entrem nas universidades, e futuramente terão professores negros para poder dar aulas para os alunos, aí vai gerar um ciclo, porque vai incentivar mais alunos negros a entrarem nas universidades.

Essas atitudes, representações e imagens, por sua vez, estão relacionadas com a posição social de onde os sujeitos falam ou escrevem, estão associadas às relações de poder que são estabelecidas entre eles e que são expressas quando interagem entre si. É nesse sentido que Brandão (2009) sinaliza que se pode falar em uma formação ideológica colonialista, capitalista, neoliberal, socialista, religiosa, dentre outras, e essa formação ideológica, mediante o discurso proferido, representa um ethos.

A décima quarta pergunta foi com relação ao fato de eles já terem sido vítimas de racismo ou injúria racial no âmbito acadêmico. E4 e E5 disseram apenas não. Não obstante, foi elencado por E6 que:

E6 – Não. Mas assim, eu já ouvi algumas palavras pejorativas, não em relação a mim, porque eu sempre tento corrigir. Foi um caso que aconteceu no grupo dos estudantes de história, no WhatsApp, não foi aqui, aconteceu quando um calouro foi me elogiar e ele me chamou de mulata. Aí eu fui educada e falei que mulata não é uma palavra que você usa como elogio e expliquei a etimologia da palavra. Expliquei que ela era usada no período Brasil-Colônia para poder ofender os negros e negras. Também, várias vezes eu já vi amigos chamando uma pessoa negra de moreninho. Ah! aquele moreninho, aí eu falo: não, é negro! porque muitas vezes as pessoas têm medo de falar que a pessoa é negra e medo de estar sendo racista. Ah, mas fica assim: aquela ali é moreninha! Não, ela é negra. As pessoas ficam com esse receio, porque o preconceito ainda é muito naturalizado, sabe. Então, isso fica meio que inconsciente nas pessoas e aí tudo o que elas vão falar, elas repensam assim, com medo, só que muitas das vezes evitar falar é de certa forma um preconceito.

A expressão “preconceito ainda é muito naturalizado” sinaliza o que Benites e Moura (2012) ressaltaram sobre o interdiscurso como uma voz originária das raízes da cultura brasileira, da visão que a sociedade tem sobre o fenômeno social da raça inscrito na história.

No que se concerne às personalidades negras influentes, célebres e reconhecidas socialmente por seus trabalhos, referentes à décima quinta questão, foram salientados os seguintes nomes:

E4 – Milton Santos me influencia bastante na área acadêmica. Têm também, os artistas de televisão e da música como Tais Araújo, Lázaro Ramos, Thiaguinho.

E5 – Gosto muito do Nelson Mandela, Martin Luther King.

E6 – Olha é muito difícil, acho que de cabeça assim, eu não sei nenhum. Por exemplo, na universidade, os professores não falam. É muito difícil a gente ler autores negros. Eu estou fazendo uma disciplina optativa sobre a escravidão na historiografia brasileira, mas eu nunca parei para me perguntar quais são os escritores, os autores que são negros, inclusive eu vou até me informar sobre isso, porque eu fiquei bem curiosa agora. Na verdade, isso é até uma crítica contra mim mesma, porque eu nunca parei para me perguntar, eu sei que são muito poucos. Até agora dos que eu li que são negros, mas os que realmente são negros eu não parei para pesquisar sobre eles e tudo mais. Mas agora, eu vou começar a me policiar mais sobre isso.

A pergunta envolvendo os famosos foi intencional, a fim de averiguar as possíveis referências negras para esses estudantes, de modo a diagnosticar um empoderamento social e identidade nacional de que o negro também pode alcançar e conquistar espaços bem visados socialmente. Contudo, é notório, mediante os discursos proferidos, que a representatividade ainda é baixa nesses grupos, com discursos que ressaltaram total desconhecimento de pessoas negras capazes de exercerem, provocarem sentimentos de estima, principalmente no âmbito acadêmico, sendo a maioria dos nomes citados ligados à área artística, saber, música, televisão, cinema, futebol, teatro.

Nessa perspectiva, implica pensar que a temática da identidade nacional sinaliza o pensamento social brasileiro ainda nos jovens universitários da instituição analisada, isto é, a herança que o período escravocrata deixou na população egressa da escravidão e em seus descendentes ainda se perpetua mesmo transcorridos mais de quatrocentos anos de abolição. Inclusive, configurando como elemento fundante da nação, em que a mestiçagem do povo brasileiro continua provocando profundos desconfortos, principalmente em uma cultura que ainda impõe a valorização de traços e gostos europeus (SILVA, 2017).

Quando indagados se acreditavam que a Política de Cotas pode ser um caminho para uma sociedade mais justa, no sentido da garantia de direitos a todos, os seguintes discursos foram enunciados:

E4 – Sim acredito, não é a solução ainda, porque a questão é bem maior que a cota, mesmo sendo ainda longa.

E5 – Sim, mas precisa estar associada a outras políticas, para que não seja necessário ter cotas a vida toda.

E6 – Com certeza! Foi o que eu disse. Possibilitando o acesso vai permitir o acesso de muito mais pessoas. Uma vez eu estava discutindo com uma menina e ela disse que cota racial não era a solução, porque o certo era ter cota social, mas aí eu expliquei para ela que, na minha opinião, a cota social até irá garantir que pessoas que não tenham boas condições de ensino entrem na universidade, mas você ter cota para negro, você ter cota para índio, você ter cota para pessoas com deficiência vai garantir que a universidade seja ocupada por cada um desses grupos que são afetados na sociedade, porque não adianta juntar tudo e fazer uma cota só. É preciso ter cota para negro, para que os negros estejam nas universidades, ter cotas para indígenas e assim por diante. Então, eu acho que é muito importante ter a cota, porque ela vai influenciar mais pessoas a entrarem na universidade, vai provocar uma igualdade e a gente tem mesmo que aumentar o número de negros na universidade, para poder eliminar cada vez mais o preconceito e o elitismo, porque a gente pensa que a academia é um local totalmente fora de preconceitos, mas não é assim, a gente chega aqui e percebe que ainda tem um preconceito muito forte e a gente tem que combater isso enchendo a universidade de negros, para eles perceberem que esse espaço aqui também é nosso.

Partindo do princípio de que a AD trabalha com o sentido e que o discurso é heterogêneo, isto é, marcado tanto pela história quanto pela ideologia, ela não tem como proposta o descobrimento do novo, somente realiza uma nova interpretação ou uma releitura de um dado fato ou realidade. Ademais, evidencia a funcionalidade do discurso, não tendo como pretensão dizer o que é certo, porque isso não está em julgamento (CAREGNATO; MUTTI, 2006). No entanto, por meio da AD, algumas inferências foram possíveis, como a questão da não representação do negro dentro das universidades, exercendo cargos ligados ao âmbito acadêmico, o que se constitui como algo a ser levado em consideração no que concerne ao incômodo para os universitários entrevistados, no qual o combate ao preconceito, conforme explanado pelos discentes do ESR/UFF, ratifica o depoimento de E6, ao enunciar: “a gente chega aqui e percebe que ainda tem um preconceito muito forte e a gente tem que combater isso enchendo a universidade de negros, para eles perceberem que esse espaço aqui também é nosso.”(sic)(E6).

A décima sétima questão foi referente a se, na opinião deles, a Política de Cotas étnico-raciais atendia as demandas dos estudantes. Os entrevistados disseram o seguinte:

E4 – Eu acho que ainda não chegou a atender tanto, porque ainda tem falhas no sistema, mas é um caminho possível até a chegada da igualdade de direitos, porque muita coisa já foi modificada.

E5 – Atende em partes, porque ainda é muito pequeno o número de negros nas universidades, tanto de alunos quanto de professores, funcionários e acadêmicos de forma geral.

E6 – Então, não muito. Porque ainda somos muito poucos aqui na universidade e tem ainda a questão de bolsas, porque a gente concorre às bolsas junto com todo mundo. Eu, por exemplo, tenho uma situação socioeconômica que é muito complicada. Então, se eu não tiver a bolsa eu não consigo me manter aqui. Só que eu já vi pessoas brancas que tem dinheiro que andam com Iphone 6 no bolso que pedem o mesmo tipo de bolsa que eu. E aí isso fica muito desigual. Então, eu acho que não é só a questão econômica que promove a evasão do aluno, mas a questão também é social, porque geralmente querendo ou não a maioria dos negros tem condições financeiras muito baixas em relação a outros grupos. Porque nós somos vindos da periferia, porque tem todo um contexto histórico em que os negros foram simplesmente marginalizados e jogados para os cantos mais longes das cidades. Não tem muitas oportunidades de empregos, porque muitos deles não tiveram a oportunidade de estudar. Eu sou a primeira da minha família a cursar uma universidade federal, então eu vou ser a única até agora que vai ter a oportunidade de ter um bom emprego e de garantir futuramente uma educação de qualidade para eles. Nessa questão, eu acho que atenderia muito mais se eles fizessem uma análise quando nós entramos na universidade juntamente com a observação da questão das bolsas porque, por exemplo, teve um casal de calouros que vieram de São Paulo, é muito longe eles não tinham condições financeiras de permanecer aqui e, infelizmente, na metade do primeiro período eles tiveram que ir embora. Então, eu fico me perguntando se tivesse alguma política afirmativa quando você ingressa, a gente tem a bolsa acolhimento tudo bem, mas se fosse uma coisa voltada especialmente para a questão social e racial eu acho que eles não teriam problemas. Se você chegasse aqui e fosse na assistente social e provasse, porque eu acho que eles iriam conseguir provar que eles não têm boas condições de ficar aqui, eu acho que seria muito mais eficaz do que concorrer com todo mundo junto, sendo que tem a possibilidade da gente não ganhar e uma pessoa conseguir passar a nossa frente.

Cabe ressaltar que o depoimento de E6 vai ao encontro do que foi explanado por Brandão (2009, p. 8), ao ressaltar que um conceito fundamental para a AD é o de condições de produção, entendido como “[…] o conjunto dos elementos que cerca a produção de um discurso, são eles: ‘o contexto histórico-social, os interlocutores, o lugar de onde os sujeitos falam, a imagem que fazem de si, do outro e do assunto de que estão tratando’.”.

Ratificando a hipótese de que poderia prevalecer nos discursos dos estudantes cotistas a questão da autodeclaração justificada como justiça social ou distributiva e não afirmação de identidade, percebeu-se que a resposta foi praticamente a mesma para todos os entrevistados do ESR/ UFF, que, de forma predominante, consideraram a política como uma questão de dívida histórica, justiça social, em que o elemento afirmação de identidade pouco foi evidenciado e, quando ressaltado, não foi capaz de superar a questão da justiça social, acesso a um bem, ficando em segundo plano uma relação associada a outros aspectos (Quadro 3).

Quadro 3.
Posicionamentos dos discentes entrevistados sobre a Política de Cotas étnico-raciais
DiscentesInstituiçãoCursoPosicionamento quanto à eficácia da Política de Cotas étnico-raciaisMotivo da opção pela cota para ingresso na instituiçãoAtualmente faria a mesma opção pela cota
E1 ESR/UFFPsicologia-Concordo com a política por conta da realidade social; -A política ainda não é eficaz no sentido de maior representatividade do negro na universidade; -Se houver o aumento do percentual de vagas para cotistas, por parte do governo, a política será eficaz.-Porque talvez não fosse conseguir por ampla concorrência.-Sim
E2 ESR/UFFPsicologia- Concordo com a política; - Acho que tem sido eficaz.-Porque por cota a minha chance de ingresso seria maior do que por ampla concorrência.-Sim
E3 ESR/UFFPsicologia-Acho que é importante, porque está dando oportunidade para quem antes não tinha, para quem já vem com um histórico social desde então desfavorável.-Por conta da nota obtida no ENEM, que não foi tão alta e, também, pelo fato de eu me identificar como negra.-Sim
E4 ESR/UFFHistória- Eficaz, acho que nem sempre; - Inclusão social vai além de colocar o aluno nos bancos universitários; -A tão idealizada inclusão social nem sempre acontece, pois são diversos os fatores que interferem na nossa permanência no curso.-A minha nota até daria por ampla concorrência, mas não quis arriscar, porque História sempre foi o meu sonho.-Sim
E5 ESR/UFFHistória-É importante por conta da dívida histórica, mas sozinha a política não é suficiente; -É necessário a associação de outras questões como políticas e programas de assistência aos cotistas na universidade.-Pela renda da minha família que se enquadrava, pela cota ser um direito meu, devido ao histórico familiar de descendente de negros.-Sim
E6 ESR/UFFHistória-Eu sou a favor das cotas porque tem a questão da dívida histórica e tudo mais; -Acho que é importante a abertura de espaços da universidade que sempre foi muito elitizada, para o negro; -Importante para o ingresso, mas precisa haver formas de erradicar a evasão dos alunos negros; -Precisa haver uma reforma na política de cotas para evitar as fraudes, sobretudo na questão da autodeclaração; -Acho eficaz, mas não totalmente, porque ainda há um número pequeno de negros nas universidades.-Porque eu acho importante ingressar e ter orgulho de afirmar que estou ocupando um lugar que é meu por direito. Portanto, não teria motivos para ingressar por ampla concorrência.-Sim
Fonte: Elaboração própria

Conforme ressaltado por Brandão (2009), foi notória, na pesquisa, uma formação ideológica, ou seja, um conjunto de atitudes e representações, as quais consistem em imagens que os depoentes têm sobre si mesmos e o assunto em pauta, cujas atitudes, representações, imagens estão relacionadas com a posição social de onde os sujeitos se encontram e discursam, sinalizando as relações de poder que são estabelecidas entre a sua concepção como sujeito, que são expressas quando interagem entre si, evidenciando uma formação ideológica escravagista que exerce influência interna e externa (Quadro 4).

Quadro 4.
Posicionamento e percepção dos discentes entrevistados acerca da sua assunção como cotista e negro
DiscentesInstituiçãoCursoAssunção como cotista na universidadePercepção como negro/a no ambiente acadêmicoJá foi alvo de racismo ou injúria racial no ambiente acadêmico
E1 ESR/UFFPsicologia-Sim- Como alguém que apesar de ser cotista, se dá muito bem nos aspectos de aprendizagem.- Não
E2 ESR/UFFPsicologia-Não- Uma aluna como outra qualquer, igual a todos.- Não
E3 ESR/UFFPsicologia-Sim- Normal, como os demais alunos.- Não
E4 ESR/UFFHistória-Sim- Como todos os outros alunos. Não sou tratado com diferença-Não
E5 ESR/UFFHistória-Sim- Percebo diferenças com relação aos conhecimentos da educação básica, pois a maioria dos meus colegas estudou em escolas particulares, e eu, em públicas.-Não
E6 ESR/UFFHistória-Sim-Percebo que nós negros, somos poucos aqui dentro. Não há representatividade aqui dentro, nem mesmo de professores e funcionários negros. Até agora só tive aula com um professor negro, e acredito que ele seja o único aqui dentro.-Não, mas já ouvi alguns termos pejorativos, que busco sempre corrigir.
Fonte: Elaboração própria

Ademais, evidenciou-se a questão do assujeitamento ideológico, quando os cotistas negros trouxeram para o interdiscurso a voz de que as cotas são eficazes; todavia com ressalvas: “É um processo, uma etapa” (BENITES; MOURA, 2012). No assujeitamento ideológico desaparece a autonomia do indivíduo, autor de uma enunciação, e prevalece o papel do portador de um enunciado. Os alunos, em questão, foram portadores de vozes que admitiram as cotas, não obstante, essas não têm sido eficazes no sentido de promover uma seguridade para os egressos no mundo do trabalho, ressaltando a questão de insumos como elemento fundamental para manutenção dos cotistas na universidade (Quadro 5).

Quadro 5.
Posicionamento dos discentes entrevistados sobre personalidades negras influentes e acerca da eficácia da Política de Cotas étnico-raciais
DiscentesInstituiçãoCursoPersonalidades negras que lhes influenciamOpinião sobre a política de cotas ser um caminho à promoção de direitos a todosPosicionamento acerca da eficácia da política de cotas no quesito atendimento às demandas dos cotistas negros nas instituições de ensino superior
E1 ESR/UFFPsicologia- Sim- Sim- Ainda não atende, mas acredito que possa atender no futuro.
E2 ESR/UFFPsicologia- Sim- Sim, mas não sozinha. Deveria ser trabalhada mais a Educação Básica.- Atende, mas acho que poderia ser melhor, no sentido de dar uma assistência maior aos cotistas.
E3 ESR/UFFPsicologia- Não-Sim, eu acredito que é importante.Depende. Atende, mas não plenamente. Com o passar do tempo eu percebo que o número de cotistas negros aqui só vem diminuindo.
E4 ESR/UFFHistória- Sim-Sim, acredito. Mas não é a solução ainda, porque o problema é bem maior do que cota.- Eu acho que ainda não chegou a atender tanto, porque ainda tem falhas no sistema, mas é um caminho para a igualdade de direitos, porque muitas coisas foram modificadas.
E5 ESR/UFFHistória- Sim- Sim, mas precisa estar associada a outras políticas para que não seja necessário ter cotas para a vida toda.- Atende em partes, porque ainda é muito pequeno o número de negros nas universidades, tanto alunos quanto, professores, funcionários e acadêmicos de forma geral.
E6 ESR/UFFHistória-Não- Sim. Com certeza! Possibilitando o acesso, vai permitir que mais negros possam ingressar nas universidades.- Não atende muito, porque ainda somos muito poucos aqui na universidade. -Tem também a questão das bolsas para assistência aos cotistas e promoção da permanência na instituição, cuja seleção não leva em consideração apenas os carentes.
Fonte: Elaboração própria

Ao longo dos depoimentos dos cotistas entrevistados, sobretudo nas três últimas questões sintetizadas no Quadro 5, a questão do acesso encontra-se em desenvolvimento satisfatório, o que representa, na opinião dos cotistas, a eficácia da Política de Cotas. Entretanto, a política ainda não conseguiu alcançar a permanência dos cotistas na instituição, possibilitando, assim, a conclusão do curso de graduação, o que demanda uma ação conjunta, visando estratégias que culminem na permanência deles na instituição, dentre essas, a questão das bolsas de apoio aos estudantes carentes no ESR/UFF.

De acordo com os cotistas entrevistados, discentes da instituição, o processo de seleção deveria ser da forma como acontece nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, onde os estudantes cotistas têm a Bolsa Cota-Auxílio assim que ingressam na universidade, logo no ato da matrícula, prosseguindo com ela até a conclusão do curso de graduação.

Mediante os depoimentos dos discentes entrevistados do ESR/UFF, as bolsas são disputadas de forma conjunta com todos os alunos da instituição. Para eles, esse processo de concessão de bolsas deveria ser mais criterioso, em perspectiva de amparar os alunos carentes, principalmente os ingressantes por cotas, trazendo, como consequências desse processo para a instituição, desigualdades e casos de evasão de cotistas, sobretudo daqueles que vêm de outras cidades, estados e regiões para estudar em Campos dos Goytacazes/RJ.

5 Considerações finais

A problemática suscitada pela temática das Políticas de AA, especificamente as cotas étnico-raciais em nosso País, compromete tanto a noção moderna de igualdade e justiça social quanto a tradicional construção identitária brasileira da mestiçagem, considerada como constitutiva da unidade nacional, implicando modelos de identidade(s) socialmente construídos e simultaneamente cambiantes.

Assim, em meio a um cenário de implementação de Políticas de Cotas com enfoque na inclusão de minorias, especialmente da população negra na Educação Superior, bem como de legislação que as têm aperfeiçoado, o último Censo Demográfico, realizado pelo IBGE no ano de 2010, evidenciou um crescimento bastante significativo da população brasileira afirmando-se negra. Em virtude de tal afirmação, discursos concernentes a essa questão emergiram e um deles foi: “É por causa das cotas no ENEM”. O que motivou a investigação dos fatores que contribuem para tal fato? Será por causa das cotas, ou está de fato acontecendo um autorreconhecimento e assunção da identidade negra por parte da população universitária brasileira, ou isso acontecia somente no momento da assinatura da autodeclaração para pleitear a vaga no ensino superior?

Refletindo acerca dessas questões, realizou-se uma investigação com a finalidade de compreender de que modo a política de cotas com base na “raça” vem sendo percebida e avaliada pelo seu potencial público-alvo: alunos cotistas, ingressos no Ensino Superior por cotas étnico-raciais.

A partir do problema de pesquisa atrelado à conjuntura social brasileira, partiu-se do pressuposto de que poderia estar havendo um autorreconhecimento como negro por parte dos estudantes universitários, sujeitos da pesquisa. Todavia, seria nos aspectos relacionados à justiça social, ao direito negado por causa da escravidão, à dívida histórica com a população negra, em detrimento do fator autoafirmação da identidade negra e sua valorização, sendo, portanto, o discurso da justiça social que mais iria se sobressair nos depoimentos dos entrevistados, como elemento motivador para a opção pela cota étnico-racial, para acesso aos cursos de graduação na universidade pesquisada.

Por um desenho da metodologia da pesquisa de campo, a priori, foi realizada a coleta de dados das informações na Secretaria Acadêmica do ESR/UFF, sites oficiais da instituição e contato com o setor de serviço social e, posteriormente, entrevistas semiestruturadas com os alunos em virtude de ser caracterizada pela possibilidade de permitir a abertura do entrevistado se colocar mais à vontade frente às questões que estavam sendo investigadas na entrevista, composta por 17 (dezessete) perguntas abertas e falar com maior liberdade sobre o assunto, sem perder o enfoque na temática proposta.

Os depoimentos coletados foram transcritos e analisados, construindo-se, assim, o corpusda pesquisa, em que o discurso dos estudantes universitários, especificamente as formações discursivas, o interdiscurso presente na fala dos sujeitos-objeto da pesquisa sobre as questões propostas na investigação foi examinado na sua relação com outros discursos, se tornando fundamental, haja vista o espaço de legitimidade no qual o mesmo foi proferido, sendo importante à medida que permitiu a entrada de outros discursos na sua composição evidenciando as respostas para as questões propostas na presente pesquisa.

Mediante a análise realizada, foi possível a constatação da desregionalização do município de Campos dos Goytacazes com o ENEM/SISU, mediante o número grande de alunos de outras cidades, estados e regiões nas universidades campistas, o que antes do ENEM/SISU, com os vestibulares específicos de cada instituição, consistia como característica predominante a presença de candidatos oriundos da cidade de Campos dos Goytacazes e municípios vizinhos.

Verificou-se, também, a tensão existente entre o direito de uns e o direito de todos, na demanda dos estudantes no sentido de que há um conflito fortemente presente no depoimento deles que, mesmo supostamente vivendo em harmonia, a política de cotas ainda não angariou aceitação no ambiente acadêmico, o que contribuiu para colocar em evidência as relações simbólicas de poder e o lugar a ser ocupado pelo negro, que tem sido construído no imaginário social desde a abolição e o pós-abolição, principalmente com a pouca representatividade da população negra dentro das academias, ocupando os cargos mais visados em grandes empresas, como famosos e intelectuais socialmente reconhecidos, exercendo influência positiva na mídia, sendo ressaltado no depoimento dos entrevistados que eles são bem poucos.

Foi pretensão, ainda, analisar se existia afinidade entre as demandas dos estudantes e as propostas da política focalizada para os autodeclarados negros carentes. Para essa questão, evidenciou-se, em algumas situações, o ser negro como demérito, por meio das formações discursivas dos sujeitos da pesquisa, sobressaindo um ethos culturalmente construído da identidade do negro no Brasil, fortalecendo a formação discursiva de não querer ser parte desse grupo.

Outro fator de evidência foi no que concerne à questão social e econômica, sendo, inclusive, comparada na enunciação dos alunos que deveria ter uma bolsa cota-auxílio como a que os alunos cotistas das universidades estaduais do Rio de Janeiro têm, a partir do momento em que ingressam na universidade, pois se constatou que os alunos precisam lutar e muito para se manterem na universidade, e que o critério de pobreza não é levado em consideração na hora da seleção para as bolsas de auxílio na instituição, o que implica grande evasão dos alunos, principalmente dos não residentes em Campos dos Goytacazes/RJ.

Destarte, pôde-se concluir, por meio desta e dos critérios propostos como investigação, que a questão do social e do econômico da política de cotas se sobressaiu nos depoimentos dos entrevistados; contudo a questão da autoafirmação do negro, no sentido de proporcionar um empoderamento da sua identidade e do seu lugar social, ainda não foi bem trabalhada pela política, ratificando a questão cultural de uma identidade positivada, mas ainda carente de promoção por justiça cultural.

Assim, o estudo possibilitou a seguinte reflexão: que identidade é essa proposta pelas políticas afirmativas e como ela se constrói? Isto é, pensar a composição dessa identidade contemporânea da categorização do ser negro para os alunos cotistas se remete a um histórico passado, que constantemente vem dialogando com o presente. Trata-se de conciliar fins, pois à medida que a política almeja uma inclusão social, são necessárias novas estratégias para alterar as estruturas socialmente construídas para alcançar tal intento, mas também é preciso mais, a busca por justiça cultural, o que se espera a partir de um processo de ações, de modo a poder encontrar novos resultados em um campo amplo e fértil, a ser trilhado em futuras pesquisas envolvendo a referida instituição.

Referências

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Notas

1 Garcia (2012) ressalta que nos Estados Unidos a escravidão foi abolida em 1865 em todo o território americano. Não obstante, essa ainda trouxe diversas implicações e penalidades para a população oriunda da escravidão, em virtude de não permitir que os negros pudessem ter plena participação social e desenvolvimento na sociedade americana. Como consequência do passado escravocrata, os negros e seus descendentes foram extremamente prejudicados pela segregação que lhes impuseram, com um sistema educacional inferior ao ofertado aos demais segmentos populacionais, especialmente o orientado à população branca, não lhes permitindo viajar nos mesmos vagões e frequentar as mesmas escolas. Ademais, os negros não podiam participar na condição de integrantes de júri popular, testemunhar, votar, ocupar cargos públicos, serem servidos em lanchonetes, serem proprietários, obterem licenciamento para trabalhar em determinadas profissões, frequentar parques, praias e hospitais, beber água nos mesmos bebedouros, hospedar-se nos mesmos hotéis ou dirigir nas mesmas estradas, sentarem-se na mesma sala de espera ou residirem nos mesmos quarteirões habitados por brancos. Era proibido, também, o casamento entre negros e brancos. Esse cenário colaborou para a formação de duas sociedades em uma mesma nação.
2 Amaral e Mello (2013) apontam que o multiculturalismo como realidade a pôr em xeque ideais republicanos estão mais presentes na Europa do que nos países de modernidade periférica, provocando comportamentos nacionalistas e mesmo xenófobos que revelam as fragilidades mesmas das instituições.
3 Para a demarcação de uma identidade socialmente aceita sempre existirão operações de inclusão e exclusão, assim afirmar “o que somos” ou “quem somos”, significa também dizer o “que ou quem não somos”, “quem pertence” e “quem não pertence” dentro de uma matriz identitária (HALL, 2006, 2007).
4 Para Caregnato e Mutti (2006), na Análise do Discurso (AD) existe o corpus de arquivo e o corpus empírico. Em AD, quando o objeto de análise é o material já existente, a saber, documentos, legislação, pronunciamentos em jornais, livros e outros, referem-se ao corpus de arquivo; contudo, se o material é construído especialmente para a pesquisa, como por exemplo, entrevista, refere-se ao corpus empírico, experimental.

Notas de autor

1 Pós-Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Professora do Instituto Superior de Educação Professor Aldo Muylaert (ISEPAM). Professora da Universidade Candido Mendes (UCAM). Professora do Centro Universitário Fluminense (UNIFLU). Tutora do Curso de Graduação em Licenciatura em Pedagogia da UENF (Consórcio CEDERJ/Fundação CECIERJ) e Pesquisadora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: gabi.dorsilva@gmail.com.
2 Doutora em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora Associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: shirlenaarquivo@gmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): SILVA, G. R.; AMARAL, S. C. S. A política de cotas étnico-raciais em perspectiva da inclusão social e da afirmação da identidade negra: análises das primeiras experiências com discentes cotistas negros do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/UFF) a partir do ENEM/SISU. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 25, n. 1, e25117149, 2023. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n12023.17149. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/17149.

COMO CITAR (APA): Silva, G. R., & Amaral, S. C. S. (2023). A política de cotas étnico-raciais em perspectiva da inclusão social e da afirmação da identidade negra: análises das primeiras experiências com discentes cotistas negros do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (ESR/UFF) a partir do ENEM/SISU. Vértices (Campos dos Goitacazes), 25(1), e25117149. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n12023.17149.

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