Artigos Originais
Lei de Cotas e desigualdades de classe, raça e sexo: a política de permanência estudantil na educação profissional do Instituto Federal Fluminense
Law of Quotas and inequalities of class, race and sex: the student retention policy in the technical and vocational education and training of the Instituto Federal Fluminense
Ley de Cuotas y desigualdades de clase, raza y sexo: la política de permanencia estudiantil en la formación profesional del Instituto Federal Fluminense
Lei de Cotas e desigualdades de classe, raça e sexo: a política de permanência estudantil na educação profissional do Instituto Federal Fluminense
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 3, 2022
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 25 Abril 2022
Aprobación: 08 Noviembre 2022
Resumo: A partir do conceito gramsciano de Estado Integral e da teoria de justiça social de Nancy Fraser (2001), usando a interseccionalidade como ferramenta analítica, foi investigada a política de permanência e êxito na educação profissional do Instituto Federal Fluminense e como ela aborda as desigualdades de classe, raça e gênero. Os documentos analisados reconhecem que há desigualdade de oportunidade no acesso à educação e que as cotas, com critérios definidos pela Lei 12.711/2012 (BRASIL, 2012a), são necessárias para a democratização da educação. Observa-se uma contradição entre o reconhecimento das desigualdades de oportunidades no acesso, presente nos três documentos analisados, mas o não reconhecimento delas na permanência, com ausência de ações e indicadores que permitam diagnosticar as desigualdades de evasão, retenção e conclusão do curso entre os grupos estudantis com recortes de raça, classe e gênero, e entre os cotistas e os não cotistas. Isso evidencia as diversas ideologias em disputa pela hegemonia no âmbito da sociedade civil na qual se inserem a comunidade do IFF e suas políticas institucionais. Sugerem-se medidas para o aperfeiçoamento do planejamento, execução e avaliação das políticas de permanência estudantil do IFF com foco na justiça social.
Palavras-chave: Educação profissional, Política de permanência estudantil, Interseccionalidade, Indicadores.
Abstract: Based on Gramscian concept of Integral State and the theory of social justice by Nancy Fraser (2001), using intersectionality as an analytical tool, the retention and success policy in technical and vocational education and training at the Instituto Federal Fluminense (IFF) was investigated, and how it addresses the inequalities of class, race and gender. The documents analyzed recognize that there is inequality of opportunity in access to education and that quotas with criteria defined by Law 12.711/2012 (BRASIL, 2012a) are necessary for the democratization of education. It is observed a contradiction between the recognition of inequalities in opportunities of access, present in the three documents analyzed, but the non-recognition of them in retention, with the absence of actions and indicators that allow the diagnosis of inequalities in dropout, permanence and completion of the course among student groups with cuts of race, class and gender, also between quota holders and non-quota holders. It highlights the different ideologies in dispute for hegemony within the scope of civil society in which IFF community and its institutional policies are inserted. Measures are suggested to improve the planning, execution and evaluation of IFF's student retention policies with focus on social justice.
Keywords: Technical and Vocational Education and Training (TVET), Student retention policy, Intersectionality, Indicators.
Resumen: Con base en el concepto gramsciano de Estado Integral y la teoría de la justicia social de Nancy Fraser (2001), utilizando como herramienta analítica la interseccionalidad, se investigó la política de permanencia y éxito en la formación profesional del Instituto Federal Fluminense y cómo ella aborda las desigualdades de clase, raza y género. Los documentos analizados reconocen que existe desigualdad de oportunidades en el acceso a la educación y que las cuotas, con criterios definidos por la Ley 12.711/2012 (BRASIL, 2012a), son necesarias para la democratización de la educación. Se observa una contradicción entre el reconocimiento de las desigualdades en las oportunidades de acceso, presente en los tres documentos analizados, pero su no reconocimiento en la permanencia, con ausencia de acciones e indicadores que permitan diagnosticar las desigualdades en la deserción, retención y conclusión de carrera entre grupos estudiantiles con cortes de raza, clase y género, y entre cuotistas y no cuotistas. Se destacan las diferentes ideologías en disputa por la hegemonía en el ámbito de la sociedad civil en el que se inserta la comunidad del IFF y sus políticas institucionales. Se sugieren medidas para mejorar la planificación, ejecución y evaluación de las políticas de retención estudiantil del IFF con un enfoque en la justicia social.
Palabras clave: Educación profesional, Política de permanencia estudiantil, Interseccionalidad, Indicadores.
1 Introdução
Neste ano de 2022 comemora-se a efeméride do bicentenário da independência do Brasil. A primeira Constituição, outorgada em 1824, estabelecia de forma restritiva aqueles que poderiam usufruir dos direitos da cidadania. Excluídos destes estavam as mulheres e os povos escravizados. Duzentos anos depois, apesar da educação, direito básico da cidadania, ser constitucionalmente reconhecida como um direito de todos, essa igualdade legal não garantiu uma equidade de acesso e menos ainda uma justiça social.
A afirmação da igualdade “perante a lei”, sem distinções de raça e gênero, já estava presente nas Constituições de 1967 (BRASIL, 1967), art. 1501. Mas foi a Carta de 1988, cem anos após a abolição da escravidão, que apresentou um avanço filosófico e conceitual no marco jurídico nacional ao reconhecer que não bastava ser igual perante a lei. Foi ela quem introduziu a discussão sobre equidade e justiça social, como expresso no artigo 3º, que estabeleceu, dentre outros, os seguintes objetivos fundamentais para a República brasileira: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, e a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, gênero, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988).
Foi somente em 2012, com a Lei Federal 12.711 (BRASIL, 2012a), no governo de uma mulher, Dilma Roussef, que o Estado brasileiro, após longo processo de pressão e mobilização política do movimento negro, criou uma ação afirmativa em escala nacional que buscava superar as desigualdades de classe e raça no acesso à educação (FERES JÚNIOR et al., 2018, p. 69). A chamada “Lei de Cotas” introduziu a obrigatoriedade da reserva de vagas nas instituições de ensino superior e educação profissional da Rede Federal2, baseada em critérios socioeconômicos e étnico-raciais. Posteriormente, em 2016, foi alterado para incluir também as pessoas com deficiência.
Passados dez anos, apresenta-se o momento de revisão deste “programa especial”, como previsto pelo artigo 7º da Lei de Cotas (BRASIL, 2012a). O próprio uso do termo destacado com aspas já indica o cenário de polemização em torno da criação das cotas e de pressão para que não se estruturasse como uma política de Estado. Contexto que não foi superado dez anos depois, especialmente em torno das subcotas por critérios étnico-raciais, o que é facilmente explicado pela nossa longa história de colonização, escravização e construção do mito da democracia racial, concomitante à estruturação de um sistema educacional dual, dividido entre a educação para as elites e a educação para as classes trabalhadoras e que permitisse a reprodução das desigualdades historicamente consolidadas, entre elas, as de classe, gênero e raça.
Como condição sine qua non para a justiça social, a política de acesso por cotas deve ser acompanhada por uma política de permanência que enseje a conclusão dos cursos no tempo previsto e com uma formação de qualidade. Para tanto, este artigo buscará traçar um panorama das ações, objetivos, indicadores e metas utilizados para a execução e avaliação da política de “permanência e êxito” do IFFluminense em relação aos estudantes ingressantes pela política de cotas. E se ela foi desenhada para diagnosticar e implementar ações para a superação das desigualdades de classe, raça e gênero em suas interseções.
2 Políticas públicas no contexto do Estado Integral
Se a última década do século XX, com suas medidas neoliberais (SADER; GENTILI, 1995), consolidou o dualismo na educação brasileira (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012) e um Estado fragilizado na sua capacidade de garantir os direitos da cidadania para todos, o início do século XXI apresentou algumas mudanças.
A retomada da possibilidade de oferta do ensino médio integrado (EMI), com o Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004 (BRASIL, 2004), que revogou o Decreto 2.208 de 1997 (BRASIL, 1997) e alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e a expansão e interiorização da Rede Federal de Educação Profissional a partir da criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, com a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008a) ampliaram as possibilidades de uma educação voltada para a superação das dualidades ao estabelecer a oferta do ensino técnico “prioritariamente na forma de cursos integrados” (BRASIL, 2008a, artigo 7º, inciso I). E a Lei Federal de Cotas (BRASIL, 2012a) representou um novo avanço no sentido de superar as históricas desigualdades econômicas, sociais e étnico-raciais no acesso à educação básica profissionalizante e ao ensino superior. Juntas, essas políticas educacionais possuem um potencial histórico inédito de transformar as estruturas da educação brasileira.
Entretanto, enquanto política econômica, ou seja, como política de Estado, o neoliberalismo está intimamente ligado às políticas públicas educacionais e a uma dada visão de mundo, uma ideologia hegemônica que, apesar de complexa e, por vezes, contraditória, é construída por meio de consensos nas sociedades capitalistas. Isso implica dizer que não apenas essas leis com suas políticas públicas surgiram em meio a uma dinâmica e complexa realidade social de relações de força e poder, como também sua implementação se deu de forma heterogênea e multifacetada. Especialmente porque, apesar de terem resultado de demandas sociais, suas implementações nos Institutos Federais por força de lei, ou seja, de “cima para baixo”, sem maiores discussões institucionais, trouxe dificuldades (COSTA; MARINHO, 2018). Por isso, para além das legislações federais e do acesso à educação por cotas, é necessário entender como essas políticas educacionais se concretizam no âmbito das instituições federais de ensino.
Isto ocorre porque a sociedade civil, no conceito gramsciano, é distinta da sociedade política, embora ambas componham o Estado.
Estamos sempre no terreno da identificação de Estado e Governo, identificação que é, precisamente, uma reapresentação da forma corporativa-econômica, isto é, da confusão entre sociedade civil e sociedade política, uma vez que se deve notar que na noção geral de Estado entram elementos que devem ser remetidos à noção de sociedade civil (no sentido, seria possível dizer, de que Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção). (GRAMSCI, 2007, p. 244, C. 6, § 88)
Portelli (1990) explica que na sociedade civil encontram-se as organizações “privadas”, como as igrejas, escolas, associações, partidos, sindicatos etc., e é nela que se busca a construção de consensos, estando em disputa todas as formas de ideologia enquanto concepções de mundo, seja como filosofia, religião, senso comum ou folclore. O Instituto Federal Fluminense (IFF), que executa essas políticas públicas educacionais, faz parte dessa sociedade civil. Para Gramsci, a sociedade política deve ser entendida no sentido hegeliano:
É preciso distinguir a sociedade civil tal como é entendida por Hegel e no sentido em que é muitas vezes usada nestas notas (isto é, no sentido de hegemonia política e cultural de um grupo social sobre toda a sociedade, como conteúdo ético do Estado) do sentido que lhe dão os católicos, para os quais a sociedade civil, ao contrário, é a sociedade política ou o Estado, em oposição à sociedade familiar e à Igreja. (GRAMSCI, 2007, p. 225, C. 6, § 24, grifo nosso)
A sociedade política, por outro lado, é o campo da coerção e compreende tanto o sistema jurídico quanto o militar.
Por enquanto, podem-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos designados vulgarmente como “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, planos que correspondem, respectivamente, à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente organizativas e conectivas. (GRAMSCI, 2001, p. 20, C. 12, §1)
Este conceito gramsciano de Estado, chamado de Integral ou Ampliado, para diferenciar de Estado num sentido restrito, é um “conceito fértil para análises de políticas educacionais” (JACOMINI, 2020, p. 9), posto que
Análises de políticas públicas, compreendidas como ações que visam a responder a um problema público e que têm centralidade nas decisões governamentais, em que pese a influência de outros sujeitos da sociedade civil, demandam o estabelecimento de um entendimento do que seja o Estado e de sua atuação. (JACOMINI, 2020, p. 10)
Este entendimento de Estado Integral como “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, 2007, p. 244, C. 6, § 88), permite distinguir entre as políticas educacionais enquanto planejadas e normatizadas na escala nacional, no âmbito da sociedade política, e sua forma de implementação, execução e avaliação na escala local, ou seja, na sociedade civil, o que inclui as normativas produzidas no âmbito institucional por seus “funcionários”.
A análise não seria exata se não se levassem em conta as duas formas sob as quais o Estado se apresenta na linguagem e na cultura das épocas determinadas, isto é, como sociedade civil e como sociedade política, como “autogoverno” e como “governo dos funcionários”. […] sociedade política […], na linguagem comum, é a forma de vida estatal a que se dá o nome de Estado e que vulgarmente é entendida como todo o Estado. (GRAMSCI, 2007, p. 279, C. 8, § 130, grifo nosso)
Os servidores que elaboram e executam as políticas de permanência e “êxito” do IFF, realizam o planejamento institucional, escolhem indicadores de diagnóstico da execução do planejamento e das políticas de permanência estudantil, atuam como “intelectuais”:
Os intelectuais são os “prepostos” do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso “espontâneo” dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce “historicamente” do prestígio (e, portanto, da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de coerção estatal que assegura “legalmente” a disciplina dos grupos que não “consentem”, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade na previsão dos momentos de crise no comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo. (GRAMSCI, 2001, p. 21, C. 12, §1)
Para Gramsci, este Estado integral, as interações entre sociedade civil e política, a dialética entre estrutura e superestrutura, e os intelectuais devem ser compreendidos “historicamente” (GRAMSCI, 2001, p. 21, C. 12, §1), “na cultura de épocas determinadas” (GRAMSCI, 2007, p. 279, C. 8, § 130), ou seja, dentro de um determinado “bloco histórico”.
O conceito gramsciano de bloco histórico “[…] isto é, unidade entre a natureza e o espírito (estrutura e superestrutura), unidade dos contrários e dos distintos” (GRAMSCI, 2007, p. 26, C. 13, §10), não pode prescindir, segundo Hugues Portelli (1990) de três aspectos: i) para haver mudança de bloco histórico é preciso haver uma desagregação da hegemonia da classe dirigente; ii) a análise do bloco histórico não pode ser dissociada da análise do bloco ideológico; e iii) o estudo das relações entre estrutura e superestrutura.
Quanto ao primeiro aspecto, não é possível afirmar que houve uma mudança de bloco histórico, no sentido gramsciano, entre a década de 1970, marco inicial do neoliberalismo, e as décadas iniciais do século XXI, período que compreende as políticas públicas educacionais que são objeto desta pesquisa. Perry Anderson (1995) historiciza a evolução do pensamento neoliberal e analisa a adoção de medidas neoliberais em diversos governos e países da Europa Ocidental e Oriental e nas Américas, e demonstra que o neoliberalismo, enquanto ideologia, conquistou adeptos tanto em governos de direita quanto em governos de esquerda que se declaravam contrários a este ideário. Ou, conforme Gramsci, o neoliberalismo alcançou o status de consenso, marca de um determinado bloco ideológico.
Por ser um processo histórico em construção, o neoliberalismo se apresenta de formas distintas em cada sociedade. Apesar disto, ele pode ser historicamente identificado como um fenômeno social com um “corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional.” (ANDERSON, 1995, p. 22) e, portanto, como uma ideologia “hegemônica” (ANDERSON, 1995, p. 23).
O atual “bloco ideológico” é identificável, portanto, por uma hegemonia, exercida por um grupo dirigente que se articula entre estrutura e superestrutura, no esforço de manter o consenso social que o sustenta no poder e para o qual a educação é peça fundamental. A hegemonia, entretanto, está sempre em disputa, já que ela é enraizada numa dada realidade social e histórica. E os intelectuais tanto podem atuar para reproduzir quanto para construir um novo consenso no âmbito da sociedade civil, na qual se incluem instituições de ensino como o IFF.
Nicos Poulantzas alerta que a divisão social do trabalho, entre outras consequências, trouxe a separação entre trabalho (e trabalhador) intelectual e trabalho manual (2000, p. 54). São os “trabalhadores intelectuais” que compõem e operam o aparato estatal e as políticas públicas. Com a “cristalização do trabalho intelectual”, os aparelhos do Estado capitalista, inclusive os ideológicos como as instituições de ensino,
implicam exatamente a efetivação e o domínio de um saber e de um discurso (diretamente investidos na ideologia dominante ou constituídos a partir de formações ideológicas dominantes) em que as massas populares estão excluídas. Aparelhos baseados em sua ossatura numa exclusão específica e permanente das massas populares situadas ao lado do trabalho manual, que aí são subjugadas indiretamente pelo Estado. (POULANTZAS, 2000, p. 54)
Os aparelhos de Estado e seus agentes monopolizam o “saber” que vai também determinar as funções de organização e de direção do próprio Estado e, portanto, de suas políticas públicas. Neste contexto, a apropriação do aparelho do Estado por uma classe hegemônica se revela na cooptação de “trabalhadores intelectuais”, de agentes do Estado que, enquanto operadores das políticas públicas, atuam como reprodutores da divisão social do trabalho (por classe, gênero ou raça, dentre outros). Para Poulantzas, “É assim que Gramsci incluía os agentes dos aparelhos de Estado, aí incluídos os aparelhos repressivos (policiais, guardas, militares), entre os intelectuais (orgânicos e tradicionais) em amplo sentido” (2000, p. 54, grifos do autor).
Essa cooptação dos atores locais-institucionais das políticas públicas de educação, porém, não é absoluta pois, como ressalva Gramsci, “[O Estado] não tem uma concepção unitária, coerente e homogênea, razão pela qual os grupos intelectuais estão desagregados em vários estratos e no interior de um mesmo estrato” (GRAMSCI, 1999, p. 112, C. 11, §12).
No contexto do capitalismo global, a hegemonia ideológica é exercida por grupos sociais específicos sobre as sociedades em geral, o que somente pode ser obtido através do controle do Estado Nacional enquanto agente econômico (e de políticas públicas), que detém funções de organização social e criação de consensos, características do Estado Integral de Antonio Gramsci (LIGUORI, 2017). Esse controle, porém, é dinâmico, fruto de relações de poder hierarquizadas, mas em constante conflito e disputas no âmbito da sociedade civil. É nela que se disputa e constrói a hegemonia que legitima a classe dominante e nela prevalece não a coerção, mas a persuasão e o consenso.
Como a relação entre a sociedade política e a sociedade civil é dialética, fruto de relações de produção que geram contradições e lutas de diferentes grupos sociais, essa sociedade civil também pode ser, nas palavras de Márcia Jacomini, o “[…] lugar de construção de uma hegemonia que possa dar às classes subalternas a condição de direção política (moral e intelectual), qualificando-as a se tornar governo.” (JACOMINI, 2020, p. 6).
É neste espaço de conflitos entre diferentes visões de mundo que buscam construir consensos e hegemonias através de normativas que organizam o próprio Estado, suas políticas públicas, seus aparelhos e agentes, que serão analisadas três resoluções do Conselho Superior do Instituto Federal Fluminense (IFF) que, juntas, constituem os pilares para o planejamento, implementação e avaliação da política de permanência e conclusão de curso dos estudantes da educação profissional. São eles o Plano Estratégico de Permanência e Êxito (IFFLUMINENSE, 2017a), o Programa de Assistência Estudantil (IFFLUMINENSE, 2016) e o Plano de Desenvolvimento Institucional (IFFLUMINENSE, 2018).
A compreensão de qual consenso ideológico informa os intelectuais do IFF e como ele se revela nestes documentos, ou seja, nas políticas institucionais voltadas para a permanência dos estudantes cotistas, se dará a partir da interseccionalidade como ferramenta analítica, nos termos propostos por Patricia Hill Collins e Sirma Bilge:
Essa definição prática descreve o principal entendimento da interseccionalidade, a saber, que, em determinada sociedade, em determinado período, as relações de poder que envolvem raça, classe e gênero, por exemplo, não se manifestam como entidades distintas e mutuamente excludentes. De fato, essas categorias se sobrepõem e funcionam de maneira unificada. Além disso, apesar de geralmente invisíveis, essas relações interseccionais de poder afetam todos os aspectos do convívio social. (COLLINS; BILGE, 2021, p. 16)
Como apontado por Collins e Bilge (2021) ao analisar o movimento das mulheres negras no Brasil, a categoria mulher não explica todas as desigualdades que elas enfrentam, nem tampouco a categoria racial. Somente classe também não é suficiente, sendo necessário inclusive considerar a nação e o contexto social do Sul Global. Desta forma, também na análise da permanência estudantil nas instituições de ensino não é possível compreender o fenômeno da evasão escolar apenas pela categoria “estudante” ou por sua classificação em critérios de renda e classe. É na interseção entre classe, raça, gênero, tipo de ingresso (cotas ou ampla concorrência) e outras desigualdades que se pode compreender a complexidade do fenômeno e planejar ações efetivas de incentivo à permanência e conclusão do curso no tempo regular.
A escolha da abordagem interseccional considera que a Lei de Cotas prevê subcotas3 que interseccionam critérios sociais, econômicos e/ou étnico-raciais como reconhecimento da construção histórica de desigualdades de classe e raça na sociedade brasileira. Logo, a chave da análise documental será a partir da identificação da incorporação, ou não, das categorias gênero e ingresso por cotas e/ou dos critérios das cotas, inclusive os étnico-raciais, nos documentos que estruturam a política institucional de permanência estudantil. O pressuposto é histórico: dado que as desigualdades educacionais de origem, produzidas historicamente por questões de classe e étnico-raciais, não são “zeradas” a partir do acesso, elas tendem a se manifestar também na permanência desses estudantes e na conclusão dos cursos. Apesar de não ser um critério previsto pelas cotas, a herança do patriarcado, notadamente forte nas ex-colônias da Península Ibérica, demanda também usar a categoria gênero.
A análise interseccional quanto à presença ou não dessas categorias nos critérios, ações, metas e indicadores previstos para a permanência estudantil nos documentos institucionais pressupõe a compreensão do papel que essas normas exercem para a construção do consenso hegemônico na sociedade civil. Especialmente em instituições de educação. Como aponta Silvio Almeida,
A estabilidade dos sistemas sociais depende da capacidade das instituições de absorver os conflitos e os antagonismos que são inerentes à vida social. Entenda-se absorver como normalizar, no sentido de estabelecer normas e padrões que orientarão a ação dos indivíduos. […] Assim, as instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos sentimentos e preferências. […]
Assim, detêm o poder os grupos que exercem o domínio sobre a organização política e econômica da sociedade. Entretanto, a manutenção desse poder adquirido depende da capacidade do grupo dominante de institucionalizar seus interesses, impondo a toda sociedade regras, padrões de condutas e modos de racionalidade que tornem “normal” e “natural” o seu domínio. (ALMEIDA, 2018, p. 29-31, grifos nossos)
Rogério Medeiros (2019) também aponta cinco mecanismos e riscos de reprodução e produção de desigualdades na implementação de políticas públicas a partir da interseccionalidade: os desequilíbrios de poder e falhas de conectividade entre os grupos sociais que participam da elaboração e execução das políticas no âmbito institucional; a instrumentação seletiva e dispositivos de fixação de sentidos, que não são neutros e podem produzir vieses de desigualdade; as resistências e divergências entre as prescrições formais (documentos nacionais de referência) e a ação local-institucional (documentos institucionais); as classificações e julgamentos no acesso a bens e serviços públicos; e a regulação moral nas interações em torno da manutenção/exclusão do apoio público.
Desigualdades históricas e hegemonia, no conceito gramsciano, permeiam as disputas da sociedade civil e, portanto, as políticas institucionais. Elas podem ter em suas normativas instrumentos estruturantes de reprodução de antigas desigualdades, já que são frutos das relações de força de uma dada sociedade num determinado bloco histórico, ou podem trazer visões de mundo transformadoras. Para tanto, é necessário entender como as políticas institucionalizadas, dentre elas, a de permanência estudantil, revelam esses conflitos e se naturalizam ou não as desigualdades.
3 A política de permanência estudantil
Esta pesquisa é um estudo de caso com análise documental. Pretende-se investigar se o IFF, em sua política institucionalizada de permanência estudantil, atua para a superação das desigualdades e o alcance da justiça social, oportunizando aos estudantes cotistas do EMI condições de equidade para a permanência e a conclusão dos cursos e reconhecendo as desigualdades de classe, étnico-raciais e de gênero.
Considera-se como política institucionalizada de permanência estudantil as ações, programas, diretrizes e outros instrumentos de planejamento, execução e avaliação elaborados, deliberados e publicados nos termos do Estatuto do IFF (IFFLUMINENSE, 2017b). Esses instrumentos normativos estão sujeitos a mecanismos de controle e avaliação, podendo aplicar-se a todos os campi, quando emanados da Reitoria ou do Conselho Superior, ou apenas a um dos campi, quando emanados da Direção Geral ou do Conselho de Campus. Para tanto, foram buscados documentos nos sítios4 oficiais do IFF e através da Lei de Acesso à Informação. As buscas resultaram em três resoluções do Conselho Superior: o Plano Estratégico de Permanência e Êxito (IFFLUMINENSE, 2017a), o Programa de Assistência Estudantil (IFFLUMINENSE, 2016) e o Plano de Desenvolvimento Institucional (IFFLUMINENSE, 2018). Não foram encontradas publicadas outras resoluções, portarias, regimentos específicos ou ordens de serviço no âmbito da Reitoria ou dos campi que tratassem de políticas referentes à permanência estudantil.
3.1 O Instituto Federal Fluminense
Os documentos investigados aplicam-se aos estudantes de todos os 12 campi5 do IFF, atualmente distribuídos em municípios de quatro mesorregiões do estado do Rio de Janeiro. A instituição, criada em 1909 como Escola de Aprendizes e Artífices, possuía, no ano de 2021, 19.995 matrículas6 distribuídas entre cursos de qualificação profissional, cursos técnicos e cursos superiores, incluindo bacharelados, licenciaturas e pós-graduações lato e stricto sensu.
Entre 2019 e 2021, das 14.017 novas vagas ofertadas pelo IFF, 6.623 foram ocupadas por estudantes cotistas. Dentre elas, 10.384 foram ofertadas em cursos da educação profissional de nível técnico7 e 4.892 foram preenchidas por cotistas, correspondendo a 47,1% do total de vagas. Esse percentual, na Rede Federal, e para o mesmo período e cursos, foi de 49,6% (468.734 novas vagas na educação profissional de nível técnico, sendo 232.478 delas preenchidas por estudantes cotistas).
São milhares de estudantes cotistas em condições socioeconômicas e culturais historicamente desiguais, que ingressaram na educação profissional em cursos que, dependendo da matriz curricular, podem ter durações que variam de um ano e meio (técnicos concomitantes e subsequentes) a quatro anos (técnicos integrados), e que demandam ações de permanência para a conclusão no tempo regular, com qualidade e igualdade de oportunidades.
3.2 O acesso pelas cotas e a permanência na educação profissional
Pesquisas recentes apontam que as cotas para ingresso em cursos da educação profissional do IFF foram efetivas na democratização do acesso ao ensino médio integrado (EMI). Em análise das notas de ingresso dos cotistas para os cursos EMI do Campus Campos Centro (RIBEIRO; COSTA; RISSO, 2021; RIBEIRO; RISSO, 2019), concluiu-se que sem o sistema de reserva de vagas a maior parte dos cotistas não teriam ingressado no IFFluminense, dadas as baixas notas no processo seletivo de ingresso. Essa conclusão é corroborada por pesquisas sobre o IFFluminense voltadas para outros campi: Campos Guarus (MACHADO-COSTA, [2022?]) e Campus Itaperuna (RODRIGUES, 2020). Os dados nacionais da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica indicam a mesma efetividade no acesso. Os relatórios para os anos base de 2019, 2020 e 2021, indicam que 50,65%, 50,25% e 50,26%, respectivamente, das vagas da rede foram preenchidas por estudantes cotistas em cursos técnicos8.
Essas mesmas pesquisas, porém, evidenciaram grandes desigualdades de permanência e conclusão do curso entre os estudantes cotistas e os ingressantes pela ampla concorrência. No Campus Campos Centro, a cada 10 (dez) estudantes reprovados no primeiro ano dos cursos do EMI, 7 (sete) eram cotistas; 35,3% dos estudantes cotistas abandonaram o curso (matrículas canceladas e evasão), enquanto entre os não cotistas a taxa foi inferior à metade (14,7%) (RIBEIRO; COSTA; RISSO, 2021, p. 324). No EMI do Campus Campos Guarus, 36% dos cotistas ingressantes no ano de 2016 não concluíram o curso, taxa que foi de 10% para os não cotistas. Entre os estudantes autodeclarados pardos, 30% estavam em situação de exclusão escolar (matrículas canceladas e evasão), sendo 18% entre os brancos. Já entre as mulheres, 26% encontravam-se nesta situação, contra 15% dos estudantes do sexo masculino (MACHADO-COSTA, [2022?]). Também no Campus Itaperuna do IFFluminense essa desigualdade foi apontada: evasão de 33,7% entre os cotistas e de 9,1% entre os matriculados pela ampla concorrência (RODRIGUES, 20209).
Se a Lei de Cotas é efetiva no acesso, mas os dados de conclusão dos cursos indicam profundas desigualdades, o problema estaria localizado entre o acesso e o “êxito”, ou seja, na permanência estudantil. Não se pretende aqui discutir o conceito do termo êxito, que é polissêmico e controverso, por isto será usado entre aspas, ou sem aspas quando se tratar do nome oficial de algum documento. Também não é o objetivo desta pesquisa discutir o conceito de permanência, que será abordada conforme consta nos documentos do IFF e como política pública de promoção de justiça social.
3.3 Permanência estudantil e justiça social
A conclusão do curso no tempo regular e com qualidade é direito de todos os estudantes. A igualdade das condições de permanência e de “êxito” é condição basilar para a justiça social. E sem justiça social na política de permanência estudantil, não há possibilidade de se falar em democratização da educação.
Nancy Fraser, ao construir uma teoria de justiça social, propõe que os remédios para as injustiças socioeconômicas e culturais não podem ser reduzidos apenas à redistribuição ou ao reconhecimento (FRASER, 2001). Políticas redistributivas tenderiam a homogeneizar grupos que, no mundo social, são culturalmente desiguais, e a reproduzir, portanto, situações de injustiça. Já políticas de reconhecimento tenderiam a promover a diferenciação, podendo reproduzir injustiças socioeconômicas. “Assim, os dois tipos de reivindicação estão em tensão; eles podem interferir, ou até mesmo atrapalhar uma à outra.” (FRASER, 2001, p. 254). Como solução para os grupos sociais em que tanto as injustiças culturais quanto as econômicas e sociais se interseccionam, como classe, raça e gênero, as políticas de justiça social deveriam ser transformativas, o que implicaria a combinação entre reconhecimento e redistribuição. Redistribuição sem reconhecimento, ou reconhecimento sem redistribuição são, ambos, práticas de injustiça social quando considerados os grupos sociais marcados por categorias de desigualdade interseccionais (COLLINS; BILGE, 2021; FRASER, 2001).
A partir deste conceito de justiça social, políticas afirmativas como a Lei de Cotas podem ser transformativas na medida em que buscam a igualdade distributiva de oportunidades educacionais de acesso e adotam critérios que reconhecem as injustiças culturais, sociais e econômicas, interseccionando as categorias de desigualdade de classe, étnico-raciais e pessoas com deficiência10.
Com base no mesmo conceito propõe-se que as políticas de permanência estudantil, para serem transformativas e caminharem em direção à justiça social, também devem interseccionar essas categorias de desigualdade, reconhecendo-as como produtoras de desigualdades tanto no acesso quanto na permanência e distribuindo oportunidades iguais de permanência e conclusão do curso para estudantes que são, em sua origem, desiguais, e compreendendo que equidade social difere de igualdade formal.
As políticas de permanência também devem ser contextualizadas na realidade brasileira, como alerta Celi Regina Jardim Pinto (PINTO, 2008). A amplitude da desigualdade de classe, identificada muitas vezes como sinônimo de concentração de renda, e o mito da democracia racial produziram historicamente uma tradição de políticas redistributivas em que o reconhecimento é considerado algo distinto. Politicamente, também há uma vertente ideológica para quem a categoria classe é uma unidade e a “única e legítima” luta a ser travada (PINTO, 2008, p. 46). Neste contexto, fica patente a importância do papel do Estado, suas instituições e seus agentes públicos no reconhecimento de outras desigualdades além das de renda e na sua inclusão nas políticas de permanência estudantil.
Dado esse arcabouço conceitual, na análise dos documentos existentes que tratam da execução, avaliação e planejamento da permanência estudantil no IFF será considerado se houve:
o reconhecimento das desigualdades previstas nos critérios das cotas, das desigualdades de gênero, e de possíveis desigualdades entre cotistas e não cotistas que se revelem na adoção de ações com estes critérios na execução da política de permanência e de assistência estudantil (sessão 3.4);
a adoção de indicadores que mensurem essas mesmas desigualdades na etapa de avaliação da política institucional e que permitam diagnosticar e tratar desigualdades na permanência estudantil a partir destas categorias (sessão 3.5);
o estabelecimento de objetivos e metas que busquem a superação dessas desigualdades no planejamento institucional (sessão 3.6); e
interseccionalidade na política de permanência estudantil, à semelhança da política de acesso pelas cotas, combinando distintas categorias de desigualdade e configurando ações de permanência transformativas a partir do binômio reconhecimento-redistribuição (sessão 3.7).
3.4 A política de permanência do IFF e suas ações de intervenção com critérios de classe, raça, gênero e cotas
Em 2017 o IFF publicou o “Plano Estratégico de Permanência e Êxito dos Estudantes”, com vigência de 2017 a 2019, através da Resolução nº 23 do Conselho Superior (IFFLUMINENSE, 2017a). O plano foi elaborado como cumprimento de uma exigência do Tribunal de Contas da União, após um relatório de 2012 (BRASIL, 2012b) e um acórdão de 2013 (BRASIL, 2013), ambos resultantes de uma auditoria nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
O relatório TC 026.062/2011-9 (BRASIL, 2012b) trazia um diagnóstico da Rede Federal apontando que as taxas de conclusão em nível nacional se situavam “em 46,8% para o médio integrado, 37,5% para o Proeja, 25,4% para a Licenciatura, 27,5% para o Bacharelado e 42,8% para os cursos de tecnólogo”, entre outras taxas e problemas levantados (BRASIL, 2012b, p. 11).
Como resultado do diagnóstico, o Acórdão TCU-Plenário nº 506/2013 (BRASIL, 2013) recomendou à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), órgão do Ministério da Educação, que instituísse “em conjunto com os Institutos Federais, plano voltado ao tratamento da evasão na Rede Federal de Educação Profissional” (BRASIL, 2012b, p. 60).
Em decorrência dessa recomendação foi elaborado, como referência nacional, um “Documento orientador para a superação da evasão e retenção na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica”, com orientações para que cada instituição da RFEPCT elaborasse seu “Plano Estratégico de Intervenção e Monitoramento para Superação da Evasão e Retenção” (BRASIL, 2014b, p. 29-31).
Apesar de a Lei 10.63911, um marco nas políticas afirmativas do Brasil, ser de 2003 (BRASIL, 2003), a Lei 11.84512 ser de 2008 (BRASIL, 2008b) e a Lei de Cotas datar de 2012 (BRASIL, 2012a), este documento do MEC/SETEC, de 2014, faz uma única referência às políticas afirmativas e sua relação com a permanência estudantil:
Entretanto, para além de promover a ampliação do acesso por meio da interiorização das instituições, do incremento do número de vagas, da ampliação do alcance e da utilização de ações afirmativas, para garantir a democratização da oferta é necessária a adoção de ações que promovam a permanência e o êxito dos estudantes e a inserção socioprofissional e educacional dos egressos. (BRASIL, 2014b, p. 26-27, grifo nosso)
Como “ações afirmativas” o documento cita a Lei 12.711/2012, conforme índice de referência de nota de rodapé número 14 (BRASIL, 2014b, p. 27). E apesar de dar a entender pelo texto citado que as ações afirmativas de acesso demandariam ser acompanhadas de ações afirmativas de permanência e “êxito”, não há orientação quanto a isso como se verifica após leitura na íntegra do documento.
No que tange às desigualdades sociais em geral, o documento apresenta uma citação sobre a necessidade de redução das desigualdades sociais e regionais e de “promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (GARCIA apud BRASIL, 2014b, p. 14).
O documento, narrativamente, parece reconhecer haver desigualdades sociais de cunho étnico-racial, de gênero e de classe que devem ser combatidas. Também reconhece que o ingresso de estudantes por cotas demandaria correspondentes ações na permanência. Porém, não há orientação específica para esses grupos estudantis nas dezenas de páginas do documento.
No Apêndice C que trata de “Fatores específicos que aumentam as chances de evasão e de retenção”, nenhum dos 110 fatores elencados cita as categorias “sexo” ou “gênero”, “raça” ou “cor” ou “étnico-racial” e “cotistas” ou “cotas” ou “ações afirmativas” (BRASIL, 2014b, p. 41-45). Também não há menções no documento orientador do MEC/SETEC à Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2003) ou à Lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008b), que a alterou, e que foram consideradas importantes ações afirmativas para as relações étnico-raciais na Educação Básica e, portanto, na educação profissional. Neste apêndice são mencionados os Núcleos de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educativas Especiais (BRASIL, 2014b, p. 46, ação 13) como estratégicos para a permanência estudantil, sendo este núcleo responsável pelas pessoas com deficiência, um dos critérios para o acesso por cotas. Mas não são mencionados nem os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) nem os Núcleos de Gênero e Diversidade, apesar de eles existirem nas instituições da Rede Federal e apesar dos critérios étnico-raciais da Lei de Cotas.
No Apêndice D, que prevê especificamente as “Ações de Intervenção para superação da evasão e retenção”, a mesma omissão se reflete, com exceção de “ações afirmativas”, que são mencionadas na ação estratégica número 35 de “Conscientizar a sociedade e a comunidade escolar quanto às políticas de ações afirmativas” (BRASIL, 2014b, p. 47), mas sem indicar como ela atuaria para a promoção da permanência e o combate à retenção dos estudantes que são o público-alvo dessas ações afirmativas.
Apesar disso, o documento orientador deixa a possibilidade subjetiva das instituições adotarem ações de permanência voltadas para grupos sociais marcados por “vulnerabilidade social, cultural e econômica”, considerado um fator “externo” que aumenta as chances de evasão e retenção (BRASIL, 2014b, p. 41, fator 9). Também prevê como risco “interno” o “Desrespeito da comunidade escolar à diversidade e inclusão social” (BRASIL, 2014b, p. 45, fator 88). O documento não reconhece como fator de desigualdade o estudante ser egresso de redes públicas, mesmo tendo cursado integralmente a etapa anterior do ensino nessas redes - uma condição já reconhecida pela Lei de Cotas como produtora de desigualdades na educação. E configura apenas como fator “individual” a “deficiência nos conhecimentos relativos à educação básica” (BRASIL, 2014b, p. 42, fator 46), apesar de existir uma extensa literatura no Brasil sobre os graves problemas dos sistemas públicos da Educação Básica e como eles impactam negativamente seus estudantes. As orientações da SETEC reconhecem como fatores “internos” aos Institutos Federais, que podem aumentar a evasão e a retenção, a ausência, insuficiência ou irregularidade na assistência estudantil, seja na forma de bolsas, auxílios ou “merenda escolar” (BRASIL, 2014b, p. 43, fatores 62, 63, 64, 65 e 66), o que perpassa pelo reconhecimento das desigualdades de classe. Não há referências, ainda que indiretas, às desigualdades de gênero.
A partir dessas orientações nacionais, o IFF elaborou o seu “Plano Estratégico de Intervenção e Monitoramento para Superação da Evasão e Retenção” renomeado para “Plano Estratégico de Permanência e Êxito” – PEPE (IFFLUMINENSE, 2017a). Neste documento, o Plano Nacional de Educação 2011-202013 (PNE) (BRASIL, 2011) e o “Documento orientador” da SETEC (BRASIL, 2014b) são citados como referências.
Na introdução e justificativa do PEPE também há menções diretas à política de cotas no acesso, afirmando que ela favoreceu o ingresso na instituição de “uma população até então muitas vezes alijada” e que “garantir o direito à permanência e ao êxito desses estudantes [cotistas] requer um olhar aguçado na direção de ações da Assistência Estudantil que possam vir ao encontro dessas necessidades” (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 11) já que a política de cotas contribuiu para “uma mudança significativa […] no perfil dos estudantes” (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 26).
O documento também afirma que “Um olhar mais cuidadoso […] nos induz a observar, na construção deste Plano Estratégico, a diversidade socioeconômica, étnico-racial, de gênero, cultural e de acessibilidade” (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 25), embora não faça menções, assim como no documento orientador do MEC/SETEC, às Leis 10.639/2003 e 11.645/2008.
No diagnóstico qualitativo (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 45-102), uma parte extensa do documento, não houve menção à existência ou não de desigualdades na retenção e evasão com recortes de gênero, pessoas com deficiência, étnico-raciais, ou entre cotistas e não cotistas. Dos oito campi em funcionamento na época de elaboração do PEPE, apresentaram diagnóstico qualitativo os de Bom Jesus do Itabapoana, Cabo Frio, Campos Centro, Itaperuna, Macaé, Santo Antônio de Pádua e Quissamã, e dos três campi avançados apresentaram os de Cambuci e São João da Barra. Entre os diagnósticos, apenas o de Bom Jesus do Itabapoana (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 51, 54 e 57) tocou, indiretamente, na desigualdade de gênero e étnico-racial ao citar seu NEABI e seu Núcleo de Gênero como “Intervenção à Evasão” junto aos estudantes do ensino superior e da educação profissional (ensino médio integrado e cursos concomitantes e subsequentes). Não há especificação sobre como esses núcleos atuaram na permanência estudantil, ou sobre as ações por eles desenvolvidas. Os núcleos não foram mencionados em outras sessões do PEPE.
Pelo documento orientador nacional (BRASIL, 2014b, p. 30), o PEPE deveria conter: 1. diagnóstico quantitativo, 2. diagnóstico qualitativo e 3. estratégias de intervenção14, divididas em: i) ações de intervenção; ii) metas; iii) equipe multiprofissional; iv) recursos necessários (financeiros e materiais); v) prazos; e vi) responsáveis.
Dada a constatação da ausência, no PEPE, do registro das ações de intervenção estratégica a serem desenvolvidas no âmbito do IFF, identificou-se que esta atribuição foi delegada aos campi e passou-se a buscar os documentos institucionais com essas ações que deveriam ser elaborados pelos campi e aprovados em várias instâncias até chegar ao colegiado máximo, o Conselho Superior, conforme fluxo determinado pelo plano (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 107).
Após busca infrutífera nos sites institucionais, recorreu-se à Lei de Acesso à Informação15 para acessar os “Planos de Ação” dos campi do IFF. Conforme informação prestada pela instituição, esses planos não foram elaborados e as ações que teriam ocorrido não foram registradas, aprovadas pelos colegiados e conselhos competentes nem institucionalizadas, não sendo passíveis de identificação, verificação ou avaliação.
No Plano de Desenvolvimento Institucional do IFF, o PDI 2018-2022 (IFFLUMINENSE, 2018), também não foram encontradas citações à Lei 10.639/2003 ou à 11.645/2008. Foram mencionadas duas vezes as “ações afirmativas”: uma na sessão dedicada ao NEABI (IFFLUMINENSE, 2018, p. 267) e outra na sessão “2.6.1. O Acesso, a Permanência e o Êxito”:
No caso dos Institutos Federais, para além de promover a ampliação do acesso por meio da interiorização das instituições, do incremento do número de vagas, da ampliação do alcance e da utilização de ações afirmativas, para garantir a democratização da oferta é necessária a adoção de ações que promovam a permanência e o êxito dos estudantes e a inserção socioprofissional e educacional dos egressos. Os mapeamentos periódicos do perfil do estudante realizados pelas instituições integrantes da Rede Federal sinalizam o atendimento de um percentual significativo de uma população socioeconomicamente vulnerável, constituída marcantemente por estudantes de baixa renda, trabalhadores, residentes em localidades distantes ou com necessidades educacionais específicas. (IFFLUMINENSE, 2018, p. 53, grifos nossos)
Aqui vê-se novamente a justificativa da necessidade das ações de permanência como continuidade das ações afirmativas no ingresso estudantil, mas sem a correspondente proposição de como diagnosticar e tratar os possíveis efeitos das desigualdades de origem, já reconhecidas no acesso, também na retenção e na evasão.
O documento cita os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) e os de Gênero, Diversidade e Sexualidade (NUGEDIS) como parte da estrutura organizacional (IFFLUMINENSE, 2018, p. 266-267) e como “iniciativa estratégica” para “Consolidar e ampliar as políticas culturais, inclusivas e afirmativas” (IFFLUMINENSE, 2018, p. 93). Informa o PDI que “Suas referências normativas são o artigo 26-A da Lei 9.394/1996 e a Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004, do Conselho Nacional de Educação”. Nenhum dos dispositivos legais indicados faz referência a “permanência”, “retenção” ou “evasão”. Também não foi observada nenhuma meta para esses núcleos atuarem na permanência estudantil, apesar de terem sido citados no PEPE, pelo diagnóstico qualitativo do Campus Bom Jesus de Itabapoana, como ações de intervenção estratégicas na permanência. Não há, portanto, previsão no PDI de qualquer ação de permanência, inclusive assistência estudantil, que busque combater as desigualdades de gênero, étnico-raciais ou entre cotistas e não cotistas na retenção, evasão e conclusão dos cursos. No que tange às pessoas com deficiência, há referência ao Programa de Acessibilidade Educacional (PROAE) que estaria sendo encaminhado ao CONSUP com o objetivo de regulamentar “o atendimento educacional especializado contribuindo para a democratização do acesso, da permanência e da conclusão do curso dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação” (IFFLUMINENSE, 2018, p. 274) e fala diretamente em prover “assistência estudantil” para estudantes com deficiência como reflexo do “compromisso” do IFF com a construção da cidadania e a “inclusão plena”, citando três artigos da Lei 13.146/2015 (BRASIL, 2015), que, entretanto, não fazerem menção à “assistência estudantil”. Quanto às desigualdades de classe, os objetivos e metas referentes a ela serão tratados a seguir.
3.4.1 A ações de permanência a partir do Programa de Assistência Estudantil
Tanto o Acórdão do TCU (BRASIL, 2013), quanto o PNE (BRASIL, 2014a), bem como o “Documento orientador” da SETEC (BRASIL, 2014b) e o PEPE do IFF (IFFLUMINENSE, 2017a), citam a assistência estudantil como uma importante política para a indução da permanência e conclusão dos cursos. Também o Programa de Assistência Estudantil do IFF - PAE (IFFLUMINENSE, 2016) reconhece o papel das bolsas e auxílios na potencialização destes objetivos e afirma que o advento das cotas reforçou “a importância do tema para toda a comunidade acadêmica” (IFFLUMINENSE, 2016, p. 4).
Analisando o PAE do IFF verifica-se que, das treze modalidades de bolsas e auxílios previstos no documento, nenhuma delas tem como critério interseccional o ingresso pelas cotas para a avaliação e concessão da assistência estudantil. Em leitura exaustiva do documento, verifica-se que esta ausência foi planejada, conforme justificativa: “Cabe destacar que o acesso aos serviços e ações de Assistência Estudantil não está condicionado ao ingresso pelas cotas, uma vez que parte importante dos estudantes com perfil para as modalidades de Assistência Estudantil também ingressa pela ampla concorrência.” (IFFLUMINENSE, 2016, p. 13, grifo nosso)
Constatada a ausência do ingresso pelas cotas como um possível critério, em combinação com outros, seja para diagnóstico de desigualdades, seja para as ações de permanência, inclusive na assistência estudantil, passou-se a analisar a presença das categorias de desigualdade de forma individual no PAE.
Analisaram-se quais os critérios de classe, étnico-raciais ou de pessoas com deficiência, que são previstos pelas cotas16 e que também estariam incorporados como critérios para a assistência estudantil, já que a lei federal relativa às cotas é de 2012 e o PAE data de 2016.
Dentre as bolsas e auxílios previstos pelo PAE, cinco consideram os critérios socioeconômicos previstos pelas cotas (ser egresso de escola pública e renda familiar) (IFFLUMINENSE, 2016, p. 14-15) e uma das bolsas é exclusiva para as pessoas com deficiência, a Bolsa Educação para Necessidades Educacionais Especiais – ENEE (IFFLUMINENSE, 2016, p. 22). Ressalve-se que não há previsão de consideração como fator de desigualdade o estudante ter cursado todos os nove anos do ensino fundamental em escola pública em comparação com aquele que cursou apenas parcialmente.
O cruzamento dos critérios para o ingresso por cotas com os critérios para seleção dos estudantes que receberão bolsas e auxílios evidenciou que apenas um, dos quatro critérios das cotas, não é contemplado pelo PAE: o étnico-racial. Tampouco a assistência estudantil prevê critério de gênero.
A ausência, tanto no PEPE quanto no PAE do IFF, de qualquer ação ou critério que busque reconhecer e superar as desigualdades de gênero e as étnico-raciais, apesar do reconhecimento deste último pela própria Lei de Cotas (BRASIL, 2012a) como uma causa histórica de produção de desigualdades, evidencia que há um conjunto coerente de ideias que orienta, de forma racional, a elaboração da política institucional de permanência estudantil. E que essa concepção de permanência e assistência estudantil não está alinhada com o conceito de justiça social como um binômio entre redistribuição e reconhecimento em face dessas desigualdades (FRASER, 2001).
Embora o PAE (IFFLUMINENSE, 2016, p. 9) justifique a adoção de seus critérios como uma consequência direta de seguir as orientações do Programa Nacional de Assistência Estudantil - PNAES (BRASIL, 2010), esse Decreto não obriga a limitação a esses critérios, ainda que prioritários, e prevê expressamente no artigo 5º, parágrafo único, inciso I, que “além dos requisitos previstos no caput”, as instituições “deverão fixar: I - requisitos para a percepção de assistência estudantil, observado o disposto no caput do art. 2º”, o qual, por sua vez, afirma:
Art. 2º São objetivos do PNAES:
I – democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal;
II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior;
III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e
IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação. (BRASIL, 2010, grifos nossos)
O Acórdão do TCU vem ratificar esse entendimento, quando, ao recomendar que a SETEC estabelecesse o plano para tratamento de evasão da Rede Federal de Educação Profissional, orientou que o plano deveria contemplar uma “análise quanto à viabilidade de adequação dos critérios PNAES ou de normatização/regulamentação de outras linhas de assistência estudantil voltadas ao atendimento de alunos com risco de evasão” (BRASIL, 2012b, p. 60, grifo nosso).
Tanto o Acórdão do TCU quanto o PNE e o PNAES dão possibilidades legais do IFF incorporar em suas políticas institucionais uma perspectiva de visibilização das desigualdades étnico-raciais e de gênero e entre cotistas e não cotistas. Considerando ainda que as pesquisas citadas anteriormente, baseadas nos dados disponibilizados pela própria instituição, indicam, empiricamente, que os estudantes da educação profissional com maior risco de evasão são os cotistas, fica prejudicado o argumento apresentado no PAE (IFFLUMINENSE, 2016) de que, para a permanência estudantil, os perfis de cotistas e não cotistas seriam parecidos ou de que estão impedidos pelo PNAES.
Para traçar ações específicas voltadas para a permanência destes grupos sociais historicamente excluídos e melhor dimensionar essas desigualdades é necessário ter uma política de permanência que as reconheça e que busque avaliá-las. Como a instituição faz seu diagnóstico da permanência estudantil e se ela utiliza indicadores que permitem identificar os grupos com maior risco de evasão são o próximo tema desta análise documental.
3.5 Indicadores de desigualdades de classe, raça e gênero e entre cotistas e não cotistas na avaliação da política de permanência
Partindo do pressuposto afirmado pelo PEPE do IFF de que os estudantes ingressantes pelas cotas seriam um público mais vulnerável na sua permanência, seria razoável esperar que a etapa de “diagnóstico” do PEPE adotasse indicadores que mapeassem essas possíveis desigualdades entre eles e os demais. Conforme o diagnóstico, poder-se-ia adotar estratégias específicas de intervenção para os grupos com maior dificuldade de evasão e repetência.
Porém, na leitura do documento, observou-se que ele:
No diagnóstico quantitativo foram analisadas as taxas de conclusão, retenção e evasão (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 31). Esses indicadores foram apresentados por campus, modalidade, nível, tipo de oferta (integrado, concomitante ou subsequente e superiores) e área do curso (IFFLUMINENSE, 2017a, pp. 32-43 e 111-125). Não houve adoção de indicadores que permitissem desagregar os dados entre os estudantes cotistas e não cotistas, ou por perfis de gênero, pessoas com deficiência, classe ou étnico-racial, inviabilizando o diagnóstico institucional da possível reprodução de desigualdades de origem na permanência estudantil e na conclusão dos cursos.
No PAE do IFF não há menção à adoção de quaisquer indicadores, seja como critério para a concessão de bolsas e auxílios, seja como avaliação da eficácia dessas assistências na permanência estudantil. Mas ele cita o PDI, ao dizer que “No âmbito do Instituto Federal Fluminense, a implantação de Ações de Assistência Estudantil se faz em consonância com o Plano de Desenvolvimento Institucional” (IFFLUMINENSE, 2016, p. 11).
O PDI 2018-2022 (IFFLUMINENSE, 2018), por ser o documento responsável pelo planejamento quinquenal da execução das políticas institucionais, apresenta vários indicadores, objetivos e metas e, entre eles, os de permanência e assistência estudantil.
No PDI 2018-2022 não foi possível identificar, entre seus 65 indicadores (IFFLUMINENSE, 2018, pp. 76-92), algum que permitisse diagnosticar desigualdades de classe, pessoas com deficiência, raça ou gênero no desempenho acadêmico, na permanência, na evasão, na retenção ou na conclusão do curso, seja no tempo regular ou num prazo posterior.
Também não foram encontrados indicadores de desigualdades entre cotistas e não cotistas, o que permitiria inferir se as categorias de desigualdade interseccionadas pelos critérios das cotas resultam em alguma desigualdade entre os estudantes. Não há registros no PDI de que a instituição pretenda adotar, ainda que no futuro, outros indicadores passíveis de serem construídos e aferidos com os dados disponíveis na instituição e que poderiam orientar com maior eficiência e efetividade as políticas institucionais de “permanência e êxito”. E verificar se a garantia de igualdade de oportunidade de acesso se reflete em igualdade de oportunidades de permanência e conclusão no tempo regular dos cursos.
O PEPE e o PDI apresentam, portanto, os mesmos problemas na escolha de seus indicadores e o PAE não adotou nenhum. Em políticas públicas, a construção de bons indicadores, para a avaliação e diagnóstico, é crucial para a correção de rumos na execução dessas políticas com justiça social. Problemas mal identificados não podem ser corretamente tratados. Pior ainda se houver silenciamentos na identificação, por meio de ausência de indicadores, de desigualdades que são socialmente construídas e que já foram apontadas pela literatura científica.
Apesar do problema identificado, é possível que a instituição, através de outros mecanismos que não constem nos documentos que tratam das políticas institucionais, tenha identificado as desigualdades de permanência entre estudantes cotistas e não cotistas, ou de gênero, classe ou raça. Ou mesmo das pessoas com deficiência, única categoria de desigualdade que possui assistência estudantil específica. Essa possibilidade será verificada a partir dos objetivos e metas planejados no PEPE 2017-2019 e no PDI 2018-2022 para a permanência estudantil.
3.6 Objetivos e metas para a superação das desigualdades de classe, raça e gênero e entre cotistas e não cotistas no planejamento da permanência estudantil
O PNE prevê como uma de suas estratégias para a Meta 3, que trata do Ensino Médio e, portanto, também da educação profissional:
Meta 3: universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85% (oitenta e cinco por cento). […]
3.13) implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito ou quaisquer formas de discriminação, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão; (BRASIL, 2014a, grifo nosso)
E dentre as estratégias específicas para a Educação Profissional:
Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público. […]
11.12) Elevar gradualmente o investimento em programas de assistência estudantil e mecanismos de mobilidade acadêmica, visando a garantir as condições necessárias à permanência dos estudantes e à conclusão dos cursos técnicos de nível médio.
11.13) reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais no acesso e permanência na educação profissional técnica de nível médio, inclusive mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei; (BRASIL, 2014a, grifos nossos).
Como apontado anteriormente, o “Documento orientador” da SETEC previa que o PEPE deveria especificar metas (BRASIL, 2014b, p. 30). A única meta prevista pelo PEPE para a educação profissional (IFFLUMINENSE, 2017a, p. 124) foi uma repetição da Meta 11, Estratégia 11 do PNE (BRASIL, 2014a).
Porém, ele não reproduziu as Estratégias 12 e 13 da mesma meta, que tratam da necessidade de aumentar o investimento em assistência estudantil e reduzir as desigualdades étnico-raciais, inclusive na permanência:
11.11) elevar gradualmente a taxa de conclusão média dos cursos técnicos de nível médio na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica para 90% (noventa por cento) e elevar, nos cursos presenciais, a relação de alunos (as) por professor para 20 (vinte);
11.12) elevar gradualmente o investimento em programas de assistência estudantil e mecanismos de mobilidade acadêmica, visando a garantir as condições necessárias à permanência dos estudantes e à conclusão dos cursos técnicos de nível médio.
11.13) reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais no acesso e permanência na educação profissional técnica de nível médio, inclusive mediante a adoção de políticas afirmativas, na forma da lei; (BRASIL, 2014a, grifos nossos).
Embora tanto o “Documento orientador” do MEC/SETEC (BRASIL, 2014b) quanto a Meta 11.12 do PNE tratassem como de importância estratégica para a permanência o incremento do financiamento da assistência estudantil, nem o PEPE 2017-2019, nem o PAE, nem o PDI 2018-2022 do IFF trazem essa demanda. Ou seja, apesar de reconhecidas como relevantes para a permanência estudantil no planejamento das políticas públicas educacionais em escala federal, na escala institucional o IFF não considerou o aumento do financiamento da assistência estudantil como necessário.
Considerando a amplitude da desigualdade de classe e de renda no Brasil e a configuração territorial do IFF que abarca a região mais pobre (26,12% da pobreza, em 2021) fora da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, o Norte e Noroeste Fluminenses17 (NERI, 2022), essa ausência chama a atenção. Também é relevante observar que o PDI foi publicado em 2018, quando a crise econômica no Brasil e o aumento do desemprego já se fazia notável em escala nacional e regional, fazendo-se supor um aumento da demanda por assistência estudantil entre a comunidade discente do IFF, o que já vinha ocorrendo desde anos anteriores (FELIPPE, 2018a; FELIPPE, 2018b).
Sobre a redução das desigualdades étnico-raciais na permanência, presente na Meta 11.13 do PNE para a Educação Profissional (BRASIL, 2014a), ela não foi reconhecida como meta nem no PEPE, nem no PDI do IFF, embora ambos os documentos relacionassem diretamente o ingresso por cotas com a demanda por políticas de permanência estudantil, como visto anteriormente.
Outras ausências identificadas no PDI 2018-2022 relativas a desigualdades entre cotistas e não cotistas, de classe, étnico-raciais e de gênero na permanência estudantil foram:
no objetivo estratégico nº 9, “Aprimorar os processos que conduzem à permanência e ao êxito”, a instituição não faz referência aos estudantes cotistas e apresenta apenas dois indicadores agregados: taxa de evasão e eficiência acadêmica (alunos que se formam no ciclo regular do curso) (IFFLUMINENSE, 2018, p. 94 e 247);
no objetivo estratégico 12, “Aprimorar as políticas de acesso”, que diz respeito diretamente aos cotistas, e que pretende “Reestruturar o processo de ingresso em uma perspectiva inclusiva, ampliando o acesso dos públicos previstos em lei e otimizando os recursos.”, ele não teve suas metas informadas (IFFLUMINENSE, 2018, pp. 84-85). No documento, informa que elas seriam preenchidas após a determinação das metas. Em 2022, último ano de validade do PDI, elas ainda não haviam sido informadas. Após consulta feita pela Lei de Acesso à Informação18, a instituição afirmou que “possivelmente” elas constarão do PDI 2023-2027; e
no objetivo estratégico 15, “Promover a política estudantil do IFFluminense” (IFFLUMINENSE, 2018, p. 86) está previsto em suas metas a manutenção do número de bolsas estudantis concedidas (meta 15.1) em 3.000 bolsas ao ano, e o atendimento à “demanda” estudantil (meta 15.2) em 60% no mesmo período. Entretanto, as metas do indicador 6.1 preveem o aumento do número de alunos de 6.594 em 2018 para 7.569 em 2022, logo, aumentando a “demanda” potencial pelas bolsas. Assim, ainda que o percentual de atendimento possa ser mantido em 60%, não é crível manter a meta 15.1 de número de bolsas em 3.000 e atender, ao mesmo tempo, às metas 6.1 e 15.2. Em consulta à instituição pela Lei de Acesso à Informação19, foi obtida a resposta de que a explicação sobre a metodologia matemática para atendimento a essas metas constaria do futuro Relatório de Gestão.
3.7 Interseccionalidade e justiça redistributivo-reconhecitiva na permanência estudantil do IFF
Entender a permanência como um fenômeno que envolve fatores multidimensionais (culturais, sociais, institucionais e individuais) e relacionar esse entendimento à complexidade da Rede Federal no cumprimento da sua função social, implica articular ações que deem conta do atendimento a um público diversificado, que, em sua maioria, é socioeconomicamente vulnerável e egresso de sistemas públicos de ensino em regiões com baixo índice de desenvolvimento educacional. (IFFLUMINENSE, 2018, p. 53)
Essa citação do PDI do IFF evidencia que há reconhecimento institucional da diversidade e vulnerabilidade social de sua comunidade estudantil e que essas diversidades, que se traduzem em desigualdades e não apenas em diferenças, têm impactos na permanência. Essa compreensão, no âmbito narrativo, se estende aos documentos nacionais e aos documentos institucionais analisados.
Em escala nacional, o que se observou é que o PNE de 2014 estava atento à necessidade de reduzir as desigualdades étnico-raciais e de renda com as metas 11.12 e 11.13. Em comparação com o PNE, o documento orientador do MEC/SETEC, também de 2014, não reconhece raça ou gênero como fatores que geram desigualdade nem considera estratégico adotar ações para a redução dessas desigualdades na permanência dos estudantes cotistas, mas referenda a necessidade de crescimento do financiamento da assistência estudantil. Também o Acórdão do TCU aponta a assistência estudantil como elemento importante para a permanência (BRASIL, 2012b, p. 60).
Nenhum deles faz referência a ações ou metas voltadas para o combate às desigualdades de gênero na educação profissional, o que pode indicar que essa desigualdade não existe, existe, mas foi ignorada ou não foi identificada no âmbito dos dados agregados à escala nacional, cabendo às instituições identificá-las e tratá-las nos casos particulares, ou seja, nas escalas regionais (território de abrangência de cada instituto) e locais (campi e cursos específicos).
A fim de melhor avaliar a possibilidade de influência desses documentos nacionais na construção da política de permanência do IFF, elaborou-se o Gráfico 1. Também é importante considerar se já era possível, à época da construção do diagnóstico do Plano Estratégico de Permanência e Êxito do IFF, identificar as diferenças de permanência estudantil entre cotistas e não cotistas.
Considerando os ciclos regulares dos cursos da educação profissional no IFF e o Gráfico 1, é possível afirmar que à época da elaboração do PEPE, em 2017, já era possível acolher as metas e orientações dos documentos nacionais de referência para a permanência e a assistência estudantil. Também era viável diagnosticar possíveis desigualdades de permanência entre estudantes cotistas e não cotistas20 na educação profissional através dos dados do sistema acadêmico institucional, fonte das informações utilizadas nas pesquisas citadas anteriormente. Isso porque a Lei de Cotas, aprovada em 2012, teve como resultado o ingresso de estudantes cotistas já a partir de 2013. Nos cursos integrados regulares do IFF os ciclos são de 3 anos em quase todos os campi e 4 anos no campus Macaé e Cabo Frio (em 2013) para alguns cursos21. Os cursos subsequentes e concomitantes são de até 2 anos. Desta forma, dados os ciclos regulares dos cursos, ao final do ano letivo de 2016 já teriam sido concluídos dois ciclos nos cursos integrados da maior parte dos campi (2013-2015 e 2014-2016) e 3 ciclos dos cursos concomitantes e subsequentes (2013-2014, 2014-2015 e 2015-2016).
O PDI, elaborado em 2018, também poderia já ter incorporado indicadores, objetivos e metas que contemplassem a avaliação de desigualdades de classe, raça e gênero na permanência estudantil e a adoção de estratégias para combatê-las e garantir a igualdade de oportunidades de permanência e conclusão dos cursos no tempo regular e com justiça social.
Na análise do PEPE, do PAE e do PDI foi possível identificar que, em suas introduções e justificativas, eles seguiram a linha do documento MEC/SETEC (BRASIL, 2014b), atentando-se às ações afirmativas e, dentre elas, às cotas como relevantes na democratização do acesso. Também reconhecem as políticas de permanência como uma continuidade das políticas de acesso e que somente a combinação de ambas pode resultar em uma real democratização da educação. Esse reconhecimento, porém, não se refletiu em ações de permanência que reconheçam as desigualdades étnico-raciais e de gênero no âmbito da assistência estudantil nem as de classe, pessoas com deficiência, étnico-raciais e de gênero na retenção e evasão.
Esse contraste entre reconhecimento (no acesso) e não reconhecimento ou reconhecimento parcial (na permanência), entre cotistas e não cotistas, revela as disputas no campo da sociedade civil e no âmbito institucional (GRAMSCI, 2007; POULANTZAS, 2000). Mesmo o incremento financeiro da assistência estudantil que alcançou consenso nos documentos nacionais de referência, não estava presente nas metas dos documentos do IFF.
As contradições indicam um silenciamento dessas desigualdades na escala local-institucional. Entre o discurso e as ações efetivas, entre o reconhecimento no acesso e o não reconhecimento na permanência, entre o planejamento nacional das políticas públicas e sua execução pelos agentes local-institucionais (MEDEIROS, 2019) existe um vasto e contraditório campo de relações de poder que se desdobram na construção das políticas e normativas da permanência estudantil do IFF. Essas disputas ideológicas se refletem no silenciamento de algumas desigualdades e de suas interseccionalidades. E podem naturalizar, como aponta Silvio Almeida (2018), as desigualdades socialmente construídas e reproduzidas. Não tratar essas desigualdades como estruturais pode resultar na atribuição da responsabilidade pela permanência apenas aos estudantes e a seus méritos pessoais enquanto indivíduos, como identificado no documento orientador do MEC/SETEC (BRASIL, 2014b, p. 42, fator 46). Embora o PEPE esteja atento a esse risco e sinalize que “mesmo aqueles fatores considerados individuais dos estudantes, não isentam da instituição a responsabilidade em acompanhar seus estudantes e apoiá-los nas diferentes situações de sua vida ao longo de sua trajetória formativa” (IFFLUMINENSE, 2017, p. 25) na prática das ações, indicadores, metas e objetivos estabelecidos no PAE, no PEPE e no PDI do IFF, essa preocupação não produziu raízes.
Analogamente ao exemplo de análise interseccional da Copa do Mundo da Fifa (COLLINS; BILGE, 2021), onde o futebol é visto como um local de fair play em que “vence o melhor”, e com base em Almeida (2018) e no conceito de justiça social de Fraser (2001), os documentos institucionais adotam uma perspectiva segundo a qual as desigualdades estruturais só afetam o acesso à educação, bastando as cotas no ingresso estudantil, enquanto política redistributiva e reconhecitiva, para reparar as heranças históricas e democratizar a educação. Após ingressar na instituição (o campo de futebol) os estudantes (jogadores), passariam a jogar em condições de igualdade pelo desempenho acadêmico e pela permanência estudantil, já que as políticas institucionais (regras do jogo) e os agentes do Estado, os trabalhadores intelectuais da educação (a arbitragem), são neutros. Iniciado o jogo (matrícula na instituição), as desigualdades de origem “desaparecem”, cotistas e não cotistas passam a ser iguais (ações e indicadores de permanência não os diferenciam, critérios para a assistência estudantil não os consideram, nem considera gênero ou raça de forma interseccional com os demais critérios), e a partir daí, deve vencer “o melhor” (concluir o curso no tempo regular).
No contexto de uma sociedade marcada pelo racismo estrutural e pelo patriarcado, a ausência da categoria cotista e dos critérios étnico-raciais e de gênero articulados aos critérios socioeconômicos, seja para a concessão de bolsas e auxílios no PAE, seja como identificação de público-alvo para as ações de permanência do PEPE e do PDI, pode indicar uma dimensão institucional do racismo e do sexismo.
4 Considerações finais
Ao contrário dos fatores individuais que impactam na permanência estudantil e que são de difícil mensuração e tratamento pelas muitas variáveis envolvidas, as desigualdades coletivas que atingem a grupos sociais específicos podem ser mais facilmente diagnosticadas e combatidas. Quanto maior a desigualdade, maior a necessidade de políticas públicas e, por conseguinte, da atuação dos agentes de Estado na execução dessas políticas com um olhar atento para a justiça social. Reconhecimento das desigualdades de classe, raça e gênero, entre cotistas e não cotistas, e suas interseções, e redistribuição de bens culturais e materiais precisam estar juntos no desenho, execução e avaliação das políticas de permanência estudantil e conclusão dos cursos da educação profissional.
A partir do conceito gramsciano de Estado Integral buscou-se a compreensão da construção do neoliberalismo como um processo histórico que, ainda que inacabado, conseguiu se constituir como um conjunto coerente de ideias, persuadindo e construindo um consenso hegemônico na sociedade civil. Essa hegemonia somente pode ser efetivada pelo controle das funções do Estado e pela conquista dos seus agentes que atuam na organização social e na criação de consensos, que por sua vez se revelam nas normativas construídas. As instituições de ensino, enquanto aparelhos ideológicos, são espaços privilegiados para o exercício dessas funções. Embora as instituições da sociedade civil, como as de ensino, e seus agentes, não sejam homogêneos, o consenso hegemônico influencia as políticas públicas na sua escala local-institucional, como observado nos documentos de referência da política de permanência do IFF.
As estratégias propostas para a permanência e os critérios da assistência estudantil do IFF são, aparentemente, justos, já que se destinam a todos os estudantes. Porém, se aplicados a todos de forma igual, sem considerar as desigualdades estruturais do racismo e do sexismo, entre quem cursou os nove anos do Ensino Fundamental em redes públicas e os que cursaram apenas parcialmente, essa igualdade se torna apenas formal, posto que não buscaria uma efetiva promoção da justiça social. Nas normativas que conduzem as políticas institucionais de permanência é possível perceber, nas omissões, as naturalizações e consequente responsabilização exclusivamente individual das desigualdades.
Apesar do nosso atual bloco histórico e ideológico marcado pelo neoliberalismo, a sociedade civil é palco de disputas permanentes de todas as formas de ideologia, enquanto concepções de mundo. Essas disputas geram contradições, como aquelas identificadas nos documentos analisados nesta pesquisa. Se o espaço institucional, como parte da sociedade civil, pode ser lugar de construção e reprodução de consensos neoliberais, ele também pode ser o lugar da construção de novos consensos e hegemonias, mais humanos e socialmente justos.
Neste ano que marca os 200 anos do Brasil enquanto nação e os 10 anos da Lei de Cotas, é possível aproximar a comunidade institucional de uma perspectiva mais justa sobre a permanência estudantil, em sintonia com a perspectiva da interseccionalidade entre as desigualdades de classe, raça e gênero no Brasil e com a necessidade de promover a justiça social para todos através de estratégias combinadas de reconhecimento e redistribuição.
Dado o decurso do prazo do Plano Estratégico de Permanência e Êxito do IFF, encerrado em 2019, e do Plano de Desenvolvimento Institucional, válido até este ano, existe uma oportunidade única de reestruturar a política de permanência do IFF. Para tanto, como tentativa de contribuição, sugere-se:
Referências
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Notas
Notas de autor
Información adicional
COMO CITAR (ABNT): Machado-Costa, L. Lei de cotas e desigualdades de classe, raça e sexo: a política de permanência estudantil na educação profissional do Instituto Federal Fluminense. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 3, p. 744-773, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n32022p744-773. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/17152.
COMO CITAR (APA): Machado-Costa, L. (2022). Lei de cotas e desigualdades de classe, raça e sexo: a política de permanência estudantil na educação profissional do Instituto Federal Fluminense. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(3), 744-773. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n32022p744-773.