Artigos Originais
Água de lastro e bioinvasão: introdução de espécies exóticas associada ao processo de mundialização
Ballast water and bio-invasion: introduction of alien species associated with globalization
Água de lastro e bioinvasão: introdução de espécies exóticas associada ao processo de mundialização
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 10, núm. 1-3, pp. 141-152, 2008
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Resumo: Atualmente, existem centenas de espécies exóticas difundidas pelo mundo em decorrência da intensa e artificial introdução provocada pelo homem, processo este, que, nos últimos tempos, vem se intensificando através do processo de mundialização. Conseqüentemente, a competição gerada entre as espécies exóticas e nativas, além de gerar prejuízos de ordem financeira e social, acaba por impactar o meio ambiente de modo irreverssível. Dentro deste enfoque, este trabalho procura apresentar os riscos da introdução de inúmeras espécies exóticas, sejam elas intencionais ou não em ecossistemas que não são os seus de origem.
Palavras-chave: Espécies exóticas, Água de lastro, Bioinvasão.
Abstract: Nowadays, there are hundreds of exotic plant species around the world due to the intense and artificial introduction caused by human intervention. Lately, this process has been intensified by globalization. Consequently, the competition generated between exotic and native plant species not only creates financial and social damages, but also results in irreversible impact in the environment. This article shows the risks caused by this introduction, whether intentional or not, of numerous exotic plant species into ecosystems different from their original ones.
Keywords: Exotic species, Ballast water, Bio-invasion.
Introdução
A Terra tem sua história datada de bilhões de anos, período em que passou por diversas modificações em decorrência de forças internas e externas, provocando separações, evoluções, especiações1 e extinções de inúmeras espécies.
A presença ou ausência de espécies, nos mais variados ambientes, constituem conseqüências da atuação pretérita de mudanças ecológicas ocorridas naturalmente na Geofísica terrestre. O Homo Sapiens desempenha um importante papel drenando os recursos naturais; interferindo nos ciclos naturais; introduzindo acidentalmente ou não, diversas espécies de animais, vegetais e doenças patogênicas. Tais ações ocasionaram diversas conseqüências para os ecossistemas e para o próprio homem. A introdução de espécies pressiona sensivelmente o equilíbrio existente, levando a situações irreversíveis, como a extinção de espécies nativas. A extinção provocada pela ação antrópica é rápida e massiva, geralmente atingindo habitats inteiros. Como não há o aparecimento de espécies substitutas, reordenando este equilíbrio, a extinção acaba por provocar o empobrecimento dos ecossistemas.
O processo de mundialização do capitalismo permite ao homem intensificar sua apoderaração sobre o espaço-tempo. O dinamismo em que tudo acontece, muitas vezes, não permite que se viabilizem medidas necessárias, uma vez que atualmente o homem perde o verdadeiro sentido da sua relação com a natureza, isto é, com o meio em que vive.
Segundo Oliveira (2000), os processos de internacionalização, multinacionalização e mundialização do capitalismo constituem fenômenos distintos, mas totalmente interconectados, sendo expressões do processo de transformação do capitalismo, centrado principalmente nas economias nacionais, mas conectado em escala global: “A mundialização do capitalismo, [...], é um fenômeno novo na economia. Segundo Ricardo Portella, ele é formado por um conjunto de processos que possibilitam produzir, distribuir e consumir bens e serviços” (PORTELLA apud OLIVEIRA, 2000, p. 246-247).
Para Sene (2004), uma das facetas mais importantes da mundialização é a aceleração, o aumento na velocidade do deslocamento de capitais, mercadorias, informações e de pessoas, acompanhada de uma enorme redução de custos. Tudo isso indiscutivelmente não ocorreria sem os fantásticos avanços tecnológicos, característicos da revolução técnico-científica, que vieram à tona muito recentemente. A alteração na intensidade da velocidade dos fluxos de mercadorias entre países dinamizou substancialmente a velocidade de deslocamento das espécies, principalmente pelo tráfico de navios.
Os navios modernos transportam aproximadamente 150.000 toneladas de água de lastro em seus tanques, fazendo, portanto, com que esta seja atualmente um dos importantes mecanismos para introdução de espécies exóticas. Com a intensificação do processo de mundialização do capitalismo, as tecnologias passam a exercer um papel fundamental, tanto como fator de distribuição das espécies exóticas como também de possível redução dessas distribuições. Algumas das patogenias atuais, como Vibrio cholerae, geram prejuízos econômicos, e de ordem natural, que podem e devem ser atribuídos a essa intervenção antrópica.
Água de lastro, bioinvasão e plataformas petrolíferas: potenciais vetores de introdução de espécies exóticas
A própria dinâmica da Terra permitiu que as espécies naturalmente se dispersassem pelo espaço terrestre, isto é, se distribuíssem pelos continentes, resultando, dessa forma, em especiações.
Em tempos pretéritos, os cascos dos navios eram feitos de madeira e o lastro sempre foi essencial à segurança e à eficiência deles, isso para manter o equilíbrio da embarcação. Porém, mesmo assim, por ser sólido, causava certa instabilidade aos navios, especialmente com o movimento de embarque e desembarque da carga nos portos. No Brasil colonial, as embarcações oriundas de Portugal, em busca de açúcar e de madeira, eram lastreadas com pedras; as então chamadas pedras portuguesas, posteriormente, serviam na construção civil. Porém, outros materiais sólidos, como areia, correntes, madeiras, também eram colocados nos porões dos navios para servirem como lastro. Só a partir de 1870, com a melhoria da estrutura dos navios, começou-se a utilizar água do mar nos tanques como lastro; entretanto, é provável que, somente durante e após a 2º Guerra Mundial, a água de lastro tenha começado a circular em grandes volumes, aumentando em altas proporções a introdução de espécies exóticas por essa via. Os termos “lastro” e “água de lastro” incluem os sedimentos acumulados nos tanques, que freqüentemente são descarregados junto com a água de lastro, contendo grande quantidade de organismos, larvas de espécies aquáticas e também adultas que são transferidos inadvertidamente entre regiões de um mesmo país e em todo mundo.
Segundo Harvey (1992), os avanços tecnológicos e as mudanças provocadas permitem uma apropriação mais intensa dos espaços antigos, tratando o tempo e a história como algo a ser criado, em vez de aceito, pois é bem isso o que vem ocorrendo: o homem cada vez mais se apropria dos espaços e do tempo em benefício próprio.
O aumento do tráfego marítimo, que responde hoje por cerca de 80% do comércio mundial, e o uso de cargueiros cada vez maiores e eficientes têm feito da água de lastro e da bioincrustação mecanismos muito eficientes na dispersão de organismos marinhos e de água doce, intensificando a homogeneização da flora e da fauna em todo o mundo, acarretando sérios prejuízos aos Biomas, à biodiversidade e à saúde humana. No Brasil, são transportados, por via marítima, aproximadamente 95% de todo o comércio exterior.
Atualmente, os navios modernos (Figura 1) transportam cerca de 6 a 10 bilhões de toneladas de água de lastro por ano, através do globo e estima-se que 3.000 espécies de plantas e animais sejam transportadas por dia. Um único navio cargueiro pode exceder 150.000 toneladas de água de lastro, transportando dezenas de milhares de espécies de bactérias, protistas, fungos, animais e vegetais. Já foram documentadas mais de 367 espécies diferentes de invertebrados marinhos e de plantas transportadas rotineiramente em água de lastro dos portos do Japão para a costa oeste dos Estados Unidos:
Os navios utilizam água nos tanques de lastro para manter a segurança, aumentar seu calado e ajudar na propulsão e manobras, compensar perdas de peso por consumo de combustíveis e de água, regular a estabilidade e manter os níveis de estresse na estrutura em patamares aceitáveis (Committee on Ships’ Operations2 , apudSILVA et al., 2004, p. 1).
Normalmente, os navios lastram e deslastram antes de partirem de um porto para outro, com o objetivo de compensar a perda ou a adição do peso da carga, sendo justamente aí, que está o grande risco, pois as águas costeiras possuem grandes populações de organismos, muito mais do que as encontradas em alto mar. Mas eles também podem ajustar o lastro em trânsito. Durante as viagens, combustível e água de lastro potável são consumidos, sugerindo a adição da água de lastro ao longo do caminho para ajustar o equilíbrio perdido. Ao chegar ao porto de destino, a água de lastro e toda a biota transportadas são liberadas (Figura 2). Se as condições ambientais forem favoráveis, as espécies introduzidas podem sobreviver, reproduzir e posteriormente, alterar o ecossistema aquático inteiro.
Nem todas as espécies sobrevivem no ambiente no qual foram introduzidas. A teoria sugere que 10% das espécies introduzidas se estabelecem e 10% daquelas estabelecidas podem causar algum dano ao equilíbrio do ecossistema. Mas, é claro que existem exceções associadas a esta proposição.
O estabelecimento de uma espécie depende de vários fatores; os mais importantes são:
as características biológicas das espécies e as condições do meio ambiente onde elas estão sendo introduzidas (alteração do ecossistema, dejetos humanos entre outras);
o clima;
o número de indivíduos introduzidos (número suficiente para estabelecimento de uma população);
a competição com as espécies nativas por espaço e alimento e a disponibilidade de alimento.
Os pontos de descargas são a chave para o sucesso da colonização, sendo as áreas fechadas, como os portos, as mais suscetíveis. Se os portos de carga ou descarga forem ecologicamente semelhantes, o risco da introdução é alto. Dragagens e drenagens mudam o regime hidrológico e abrem as portas para colonização de novas espécies, já que o ambiente está alterado ou degradado criando oportunidades em diferentes nichos3.
Mundialização: vetor fundamental para a difusão de espécies exóticas
A relativa ampliação do espaço, adquirida com as Grandes Navegações, parece agora invertida. Harvey (1992) utiliza a palavra “compressão” para expressar o acelerado ritmo de vida que, ao vencer as barreiras espaciais com muita intensidade, por vezes mostra-nos o mundo parecendo encolher sobre nós. Com isso, amplificam-se os fluxos.
Espécies como o Limnospernafortunei, conhecido popularmente como mexilhão dourado, vêm trazendo diversos prejuízos não só ao Brasil, mas também a diversos países. Essa espécie foi introduzida em nosso país via China e sudeste Asiático através da água de lastro. Seu estabelecimento, em nosso ecossistema, vem provocando redução de diâmetro e obstrução de tubulações das companhias de abastecimento de água potável, e o entupimento de filtros dos sistemas de arrefecimento das turbinas no setor de geração de energia, demandando manutenções específicas e mais freqüentes, com custos elevados, forçando mudanças nas práticas de controle ambiental, na rotina de pesca de populações tradicionais, prejudicando o sistema de refrigeração de pequenas embarcações, além de fundir motores. A Usina de Itaipu, por diversas vezes, teve que parar algumas turbinas para fazer sua remoção. O Limnospernafortunei ainda compete com as espécies nativas, e devido ao seu alto poder de propagação, acaba muitas vezes eliminando-as.
Acredita-se que Vibriocholerae tenha alcançado o continente americano e diversas partes do mundo através da água de lastro, pois já se sabe que esse vírus possui habilidade de sobreviver em água salina, enquadrando, portanto, ambientes estuarinos. Em 1991 a cólera causou 1.2 milhões de casos e 12 mil mortes. O Brasil alcançou o maior número de casos em todo o continente, nos anos de 1993 e 1994 e mais recentemente em 1999, no litoral do Paraná (Paranaguá) onde 467 casos foram confirmados. Evidências mostram que os primeiros casos de cólera aconteceram na região costeira dos portos, o que sugere que os surtos e epidemias poderiam ter sido provocados pela água de lastro de navios provenientes de áreas endêmicas (ANVISA, 2005).
Medidas para tratamento de água de lastro estão sendo testadas como, por exemplo, a filtração, aplicação de biocidas, ultravioleta, acústico, desoxigenação e tratamento térmico, elétrico e biológico. No entanto, os navios precisam ainda, adequar-se para a maioria das técnicas com tratamentos físicos.
O sistema de filtração já existe para impedir o acesso aos tanques de organismos maiores, embora vários aspectos na engenharia dos navios precisem ser adequados à filtração para remoção de espécies indesejáveis na água de lastro. O alto fluxo e a grande quantidade de volume, associados à carga e descarga, são desafios especiais no uso da filtragem. Além da complexidade do equipamento a ser utilizado, é necessária a análise dos custos dos filtros, que aumentam com a quantidade de organismos removidos.
O aquecimento da água dos tanques é uma providência efetiva sem prejuízo ao meio ambiente. Este tipo de tratamento geraria algumas modificações na engenharia dos navios, pois o aquecimento causa expansão, que se estenderia por várias partes, não apenas às áreas-alvo, e assim poderia causar estresse à estrutura dos navios.
Uma ressalva faz-se necessária quanto ao tratamento térmico, pois o nível de aquecimento para mortandade das diversas espécies ainda não é totalmente conhecido e pode variar consideravelmente nos estágios de vida dos organismos envolvidos. Além disso, estágios císticos de vários organismos aquáticos podem ser resistentes a esse tipo de tratamento.
De acordo com Silva e Fernandes (2004), outra alternativa é o Ozônio (O3), biocida usado no tratamento de água potável e em indústrias que não formam subprodutos tóxicos em água doce. No entanto, em água salgada e salobra, produzem os mesmos resíduos que o cloro, sendo que o ozônio é um gás instável e altamente corrosivo, além de muito caro.
Choques elétricos vêm sendo testados com sucesso, em laboratórios. A porcentagem de esterilização da água aumenta conforme a intensidade da energia elétrica. Nenhum resíduo químico foi detectado, embora pesquisas nesta área ainda não sejam conclusivas.
Em 1993, o Serviço de Inspeção e Quarentena da Austrália (AQIS), constatou que o tratamento com ultravioleta é eficaz para eliminar microorganismos, mas não tem o mesmo efeito em organismos maiores, cistos, esporos de protozoários, fungos, microalgas e macroalgas; portanto, seu uso vem sendo indicado em conjunto com a filtração.
Schormann et al. (1990) vêm fazendo pesquisas em laboratórios com ondas sonoras para eliminar organismos marinhos, mas esta técnica ainda não foi testada em água de lastro, em tanques de navios. Esse método destrói os organismos através da freqüência das ondas sonoras. Portanto, é necessário determinar a freqüência das ondas.
Segundo Silva e Fernandes (2004), estão sendo realizadas pesquisas demonstrando que a falta de oxigênio causa a morte de grande quantidade de peixes, larvas de invertebrados e bactérias aeróbicas, mas é um método ineficaz contra bactérias anaeróbicas, cistos e esporos, incluindo cistos de dinoflagelados. Seria uma solução parcial para eliminação da grande variedade de espécies existentes dentro dos tanques de lastro.
Esses mesmos autores consideram que a grande vantagem do tratamento com cloro é que este é de fácil aplicação, baixo custo, capaz de tratar grandes volumes de água e de eficiência comprovada em água doce. O cloro pode ser adicionado à água de lastro ou gerado eletronicamente pela água do mar. Estes métodos já são usados a bordo de navios, não para tratamento nos tanques de lastro. Ainda que algumas embarcações não trabalhem com cloro, navios rotineiramente carregam compostos industriais perigosos e lubrificantes necessários a sua operação; logo, a preocupação com segurança em relação ao manuseio de produtos químicos a bordo não seria um impeditivo ao uso do cloro.
Em virtude da formação de Trihalometanos4 (THM), alternativas à cloração vêm sendo utilizadas. Dióxido de cloro (CIO2) e O3 são desinfetantes efetivos, apesar de mais caros e de difícil aplicação e controle, mas os riscos associados aos seus subprodutos são menores do que o uso do cloro:
O Método Seqüencial (MS) trata-se de operações em seqüência do deslastreamento total do tanque e subseqüente lastreamento. Este método é considerado o mais eficaz para a troca da água de lastro, porém ele expõe o navio e sua tripulação a problemas de segurança (stress excessivo, eventual falta de estabilidade do navio e outros).
O Método de Transbordamento (TOM) é menos eficaz, apresenta menos problemas de segurança do que o MS, mas os tanques de lastro podem ser expostos à pressão excessiva durante o transbordamento. A grande desvantagem desse método refere-se ao fato de que a tripulação pode entrar em contato com a água contaminada no convés do navio (risco de doenças). (Disponível em: http://www2.petrobras.com.br/tecnologia.pdf).
O Brasil faz parte do programa Global de Gerenciamento de Água de Lastro (GloBallast) e, através de várias instituições e pesquisadores, faz análise e levantamento do histórico da introdução de diversas espécies, além de desenvolver métodos que mais se ajustem às normas ambientais e que sejam ao mesmo tempo mais seguros.
Foi a partir desses fatos que a PETROBRAS desenvolveu o método de diluição brasileiro para troca de água de lastro – the brazilian dilution method for ballast water exchange(acrônimo inglês: BDM) ou Método de Diluição (acrônimo inglês: DM) – que consiste no carregamento da água de lastro (lastreamento) através do topo do tanque e, simultaneamente, a descarga dessa água (deslastreamento) através do fundo do tanque, à mesma vazão, de tal forma que o nível de água no tanque de lastro seja controlado para ser mantido constante. Dessa forma, o navio pode manter sua condição de carregamento de lastro normal durante toda a viagem, inclusive, durante a troca da água.
Plataformas como vetores de dispersão
Em tempos pretéritos, a forma mais eficaz de dispersão de espécies era a incrustação em cascos de navios. Atualmente, este processo continua sendo extremamente relevante. O acúmulo de seres incrustantes em cascos de navios pode ocasionar uma redução significativa na velocidade e na capacidade de manobra de embarcações, além de aumentar o consumo de combustível, sobrecarregando seus motores de propulsão, acarretando um maior tempo de docagem. Atualmente, e cada vez mais, a intensidade das relações comerciais, ordena o tempo de modo a reduzi-lo. Tempo poupado é sinônimo de eficácia, principalmente para aquelas empresas que trabalham diretamente com transporte.
Com o objetivo de evitar a incrustação, as estruturas submersas feitas pelo homem são pintadas com tintas especiais, as chamadas tintas antiincrustantes. As tintas à base de tributil-estanho - TBT são as mais eficientes no mercado, porém, devido a sua alta toxidade e persistência no ambiente marinho, foram banidas a partir de 1º de janeiro de 2003 pela International Maritime Organization - IMO.
A maioria dos fabricantes se comprometeu a não mais fabricar tintas antiincrustantes à base de TBT, e novas tintas passaram a ser utilizadas em substituição ao TBT. Entre elas, estão: pinturas convencionais à base de cobre (cobre metálico, óxido cuproso ou tiocianato cuproso); pinturas à base de cobre com resinas de autopolimento, com compostos secundários (zinco-piritiona ou cobre-piritiona), estas tóxicas, porém menos prejudiciais; e pinturas não tóxicas com o uso de Teflon, o qual evita ou minimiza a adesão de organismos quando a embarcação encontrar-se em movimento, além de outra variação, que é feita usando-se polímeros de silicone. Porém, essas novas tintas, até o presente momento, não mostraram a mesma eficiência que as tintas à base de TBT. Em Arraial do Cabo/RJ, o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IAPM) realizou diversos testes com tintas antiincrustantes, mostrando que a garantia prometida pelos fabricantes à Marinha do Brasil não se enquadrava na realidade de seu uso. Por exemplo: a indicação de 2 anos com 25% de cobertura de incrustação biológica nunca foi alcançada. “De fato, na maioria dos casos, em menos de um ano, as incrustações chegaram a 100% de cobertura do casco, podendo estas ter mais de 10 cm de espessura.” (FERREIRA; GONÇALVES; COUTINHO, 2004, p. 152).
Inspeções submersas em plataformas de prospecção mostraram que essas estruturas funcionam como verdadeiros recifes artificiais, podendo transportar para longas distâncias quaisquer tipos de organismos. A falta de fiscalização em navios e plataformas com relação ao tipo de incrustação, além da carência de programas de monitoramento ambiental de longo prazo, propiciam sérias ameaças à integridade dos ecossistemas marinhos. Essas estruturas não possuem proteção antiincrustantes eficazes, o que agrava ainda mais o problema, juntando-se a isso se têm a docagem e a raspagem que são, em sua maioria, realizadas em lugares distantes de onde operam possibilitando, assim, condições de propagação de diversos organismos. Além disso, todas as plataformas existentes no país são construídas fora do país, principalmente em Cingapura e Itália, e desses locais arrastadas para o Brasil. Em 2005, começou a ser construída a primeira plataforma semi-submersível, inteiramente no Brasil, a P-51 que pode, dessa forma, diminuir possíveis introduções de espécies exóticas.
Quanto mais o processo de mundialização se intensifica, maior é a probabilidade da introdução de espécies exóticas e patogênicas, pois o dinamismo desse processo faz acelerar e intensificar as relações entre países, que buscam cada vez mais se inserir no mercado mundial, que é visto como a única alternativa de sobrevivência econômica, reduzindo ou mesmo pulverizando as barreiras ecológicas.
Os países e as empresas cada vez mais intensificam o comércio mundial, interligando diversos locais pelo globo. Locais que até pouco tempo estavam poucos inseridos nesse contexto passam, em alguns anos, a estar amplamente inseridos nesse sistema mundializado, como é o caso, por exemplo, do município de São João da Barra/RJ, que passou a receber investimentos de um grande grupo empresarial para a construção de um grande porto que exportará minério de ferro para diversos países.
Isso será possível através do decreto 38.501 que criou o Reporto Rio (Regime Tributário para Incentivo à Modernização e Ampliação da Estrutura Portuária), para aquisição de bens destinados à modernização dos portos fluminenses. No Norte do Estado, o grupo EBX construirá o Complexo Logístico Integrado do Norte Fluminense, um aporte de US$ 1,3 bilhão. O complexo comportará o Porto do Açu com capacidade para exportar minério de ferro extraído de Minas Gerais e transportado por um duto de 462 quilômetros entre este município e São João da Barra, granéis, álcool e açúcar e funcionará ainda como base de apoio offshore à Bacia de Campos. O início das obras de construção do complexo teve seu início no ano de 2008 (Disponível em: http://www.imprensa.rj.gov.br/SCSSiteImprensa/detalhe_boletimPagPrincipal.asp. Acesso em: 23 set. 2006).
Há preocupação de ambientalistas com a construção de um porto offshore, no município de São João da Barra, mais precisamente nas proximidades da localidade de Barra do Açu (21°54’10’’S e 41°00’30’’W), ainda que haja a promessa de geração de mais de sete mil empregos diretos e indiretos. Porém, devido o município de São João da Barra não possuir mão-de-obra especializada, é bem provável que a maioria dos empregos seja ocupada por pessoas de outras regiões do país e até mesmo, por trabalhadores estrangeiros.
O porto marítimo do Açu terá grande porte e será responsável por embarcar cerca de 15 a 24,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano para exportação, que chegarão de Minas Gerais por meio de um minerioduto de 462 quilômetros, passando por 27 municípios. A empresa responsável do Grupo EBX pretende, ainda, construir uma base de apoio offshore para as Bacias de Campos e do Sul do Espírito Santo, além de instalações de processamento de minério de ferro, uma vez que o minério precisa ser transformado em polpa para ser transportado em dutos. Chegando ao seu destino, essa polpa será transformada em esferas do tamanho de bolas de gude. Inúmeros navios de diversos países, principalmente da China, transportarão um grande volume de água de lastro. E como já foi constatado que Limnosperna fortunei (mexilhão dourado) pode ter tido uma possível entrada em nosso país através daquela nação, as chances de que essas espécies possam se estabelecer em nossos rios e lagunas são muito grandes, de serem possíveis outras implicações.
Vale mencionar, ainda, a construção de uma grande termoelétrica que será abastecida com carvão proveniente da China. Essa usina poderá gerar de 1.400 megawatts/hora a 2.100 megawatts/hora de energia, porém, é importante ressaltar que a queima desse carvão poderá ocasionar poluição do meio ambiente, pois despejará grandes toneladas de monóxido de carbono (CO) na atmosfera, aumentando, assim, o efeito estufa, além de diversos outros problemas ambientais e sociais.
Considerações finais
A água de lastro e a bioincrustação são atualmente os maiores vetores de propagação de espécies exóticas pelo mundo. Isso vem se intensificando devido ao processo de mundialização, uma vez que as distâncias, cada vez mais superadas, provocarão a apropriação do espaço, pois é isso que o processo de mundialização do capitalismo ocasiona, a aniquilação do espaço por intermédio do tempo. É verdade que as distâncias continuam as mesmas, porém, estas são transpostas mais rapidamente, por isso há percepção das pessoas que os espaços estão encolhendo. Daí a expressão “compressão” utilizada por Harvey (1992).
A introdução de espécies exóticas pode gerar diversos problemas, sejam eles econômicos ou ambientais, pois os ecossistemas que não são de origem não estão adaptados a essas espécies, ocasionando competição entre espécies, hibridação das mesmas ou vedação de tubulações de água, que demandam tempo e dinheiro com a sua remoção.
Por fim, vale mencionar os problemas sociais, uma vez que muitas comunidades tradicionalmente vivem da pesca ou de alguma forma relacionada a ela, e as espécies exóticas muitas vezes provocam a supressão das espécies nativas através da competição como já mencionado no decorrer do trabalho.
Referências
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Notas
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