Artigos Originais
Uma análise a respeito de coerência e de coesão textual em redações de alunos do Ensino Médio Técnico
An analysis regarding coherence and textual cohesion in compositions written by Secondary Vocational Education students
Uma análise a respeito de coerência e de coesão textual em redações de alunos do Ensino Médio Técnico
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 18, núm. 2, pp. 97-108, 2016
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 12 Junio 2015
Aprobación: 02 Febrero 2016
Resumo: Este trabalho analisa o uso dos mecanismos de coerência e de coesão textuais em redações de alunos do terceiro ano do Ensino Médio Técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO – campus de Ariquemes. Utilizamos as concepções sobre texto, coerência e coesão de Bakhtin (1992), de Beaugrande e Dressler (1981), de Bernárdez (1982), de Kock (1998; 2003), de Koch e Travaglia (1997; 2004) e de Marcuschi (1983; 2008). Observamos que as abordagens sobre coerência e coesão textuais podem se tornar mecanismos de discussão em sala de aula e levar o aluno à prática da reescrita.
Palavras-chave: Produção textual, Coerência, Coesão.
Abstract: This study analyzes the use of mechanisms of coherence and textual cohesion in compositions written by third-year students from the Secondary Vocational Education at the Technical Federal Institute of Education, Science and Technology Rondônia – IFRO – campus Ariquemes. We use the concepts of text, coherence and cohesion by Bakhtin (1992), Beaugrande and Dressler (1981), Bernardez (1982), Kock (1998, 2003), Koch and Travaglia (1997; 2004) and Marcuschi (1983; 2008). We observed that approaches to textual coherence and cohesion can become discussion mechanisms in the classroom and take students to the practice of rewriting.
Keywords: Textual Production, Coherence, Cohesion.
1 Introdução
O presente trabalho faz uma revisão bibliográfica a respeito de dois princípios de textualidade, coerência e coesão, bem como analisa esses elementos textuais em redações de alunos. Deste modo, analisamos textos de alunos do terceiro ano do Ensino Médio Técnico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – IFRO / campus de Ariquemes. Os textos, redigidos pelos discentes, foram direcionados pela proposta de redação do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM de 2004.
Para tanto, dividimos este estudo em quatro itens. Destinamos um item para explicar o processo metodológico utilizado no desenvolvimento desta pesquisa. Em seguida, temos um tópico em que são apresentadas algumas concepções a respeito de texto, ancoradas, principalmente, nos trabalhos de Bakhtin (1992), Koch (1998) e Marcuschi (1983; 2008). Destinamos também outro tópico de cunho teórico em que discutimos alguns conceitos a respeito de coerência e coesão textual, sustentados nos estudos de Beaugrande e Dressler (1981) e Koch e Travaglia (1997; 2004). Na sequência, temos a análise dos textos dos alunos, a qual está inter-relacionada com o material teórico.
Assim, considerando a importância e a função social da produção textual no contexto da sociedade moderna, procuramos pesquisar, refletir, analisar e buscar ações que viabilizem uma metodologia diferenciada para trabalhar com os elementos de coesão e de coerência textuais em sala de aula e, principalmente, motivar os alunos à prática da (re)escrita.
2 Metodologia
A partir da experiência em sala de aula, da observação da visão tradicional de redação segundo a qual o texto deve ser apresentado com a estrutura clássica (introdução, desenvolvimento e conclusão) e do uso da norma-padrão (de acordo com a gramática normativa), percebemos a necessidade de realizar trabalhos que vão além das cobranças de atividades metalinguísticas desenvolvidas a partir de palavras, de frases soltas e de texto apenas com o intuito de se abordar o ensino gramatical. Dentro destas perspectivas, realizamos um trabalho que objetiva discutir os estudos referentes aos elementos de coesão e de coerência textuais nas redações de alunos, bem como fomentar a prática da reescrita.
Nesse sentido, fizemos uma pesquisa qualitativa. Com intuito de diagnosticar as ocorrências presentes nos textos dos alunos, propusemos, em sala, a produção de texto dissertativo-argumentativo da proposta de redação do ENEM 2004 que teve o seguinte tema: Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação? Elegemos essa proposta, porque já havíamos trabalhado com edições anteriores do ENEM. A proposta de redação trouxe quatro fragmentos de textos norteadores, para suscitar argumentos pelos alunos. Com isso, 21 alunos redigiram textos seguindo os critérios exigidos pelo exame, sem utilizar qualquer tipo de recursos, tais como: caderno, livros, dicionários, internet, esclarecimento de dúvidas com o professor em relação à grafia, semântica, sintaxe e estrutura textual.
A respeito da seleção dos textos dos alunos, de acordo com a necessidade de identificar alguns elementos de coesão e coerência textuais, selecionamos e analisamos fragmentos de textos dos discentes, levando em consideração os dois princípios de textualidade os quais nos propomos a discutir neste trabalho.
Assim sendo, não utilizamos todas as redações dos alunos, mas um total de oito textos que, a nosso ver, apresentavam os fenômenos discutidos neste trabalho: coesão e coerência. Fizemos citação de treze fragmentos de texto. Para a identificação dos alunos, utilizamos os seguintes marcadores: A1, A2, A3, A4, (...). Já para remetermos aos fragmentos de texto, utilizamos as seguintes referências: F1, F2, F3, F4, (...).
3 Texto: buscando uma definição
A coesão e a coerência são elementos linguísticos que contribuem para a produção de sentido do texto. Desta forma, neste item, apresentaremos algumas concepções a respeito de texto para melhor compreendermos como os elementos de coesão e coerência funcionam na tessitura textual.
Para Bakhtin, o texto é uma unidade da manifestação do significado, do pensamento, da emoção e do sentido. O texto é um conjunto coerente de signos e não uma unidade apenas verbal. Ele é uma representação de uma realidade imediata do pensamento e da emoção. O texto é um conjunto de informações presentes em todas as linguagens, em todas as semióticas (BAKHTIN, 1992, p. 329-330). Assim, percebemos que o autor estende o seu conceito de texto para além do texto verbal, incluindo também o texto não verbal, presente em todas as semióticas (gestos, sinais, ícones, símbolos, imagens, etc.).
Para Koch (1998, p. 22), o texto pode ser conceituado como:
[...] uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais.
A esse respeito, Costa Val (1999, p. 3-4) afirma que um texto é “uma unidade de linguagem em uso, cumprindo uma função identificável num dado jogo de atuação sociocomunicativa”. Desse modo, o texto também constitui “uma unidade semântica” e se caracteriza “por sua unidade formal, material”. Analisando por essas óticas, temos o texto como uma atividade interativa entre indivíduos sociais. Ele é sistematizado pela integração de elementos linguísticos que possam transmitir sentido para o leitor.
De acordo com Marcuschi (1983, p. 2), o texto não deve ser visto como um conjunto de frases que contenham coesão, mas como sequências de atos escritos e falados. Nesse sentido, inserem-se, na análise textual, as condições gerais dos sujeitos, bem como as concepções institucionais de “produção e recepção” de sentidos.
Com isso, compreendemos que os textos expressam situações ligadas à sociedade, ou seja, se relacionam com a história de um grupo social visto e contextualizado de formas variadas. Segundo Marcuschi (2008, p. 155), “o texto é uma unidade concreta que se materializa em algum gênero textual. Já o discurso se realiza no texto, cada vez que um texto é lido o discurso pode ser modificado de acordo com a vivência e a experiência de vida e de mundo de cada leitor”.
Ancorado na perspectiva linguística, Bernárdez (1982, p. 85) define que:
Texto é unidade linguística comunicativa fundamental, produto de uma atividade verbal humana, que possui sempre caráter social, está caracterizado por seu campo semântico e comunicativo, como por sua coerência profunda e superficial, devido à intenção (comunicativa) do falante criar um texto íntegro, e à sua estruturação mediante os conjuntos de regras: as próprias de nível textual e as do sistema da língua.
Em outras palavras, o texto tem a função comunicativa e social, dessa forma, torna-se uma atividade interativa entre o emissor e o receptor, pois ambos dialogam produzindo o sentido do texto verbal e não verbal. Um conjunto de frases entrelaçadas entre si, produzidas pelo sujeito temporal de um lado e do outro lado pelo contexto, precisa das duas unidades para que se chegue a um sentido. Portanto, é interessante analisar os gêneros textuais de forma global a partir de seu contexto de produção, seus recursos linguísticos, visuais e outros que estiverem presentes e se constituem como texto.
Por fim, essas discussões apontam o texto, principalmente, como uma manifestação verbal do pensamento, do significado, da emoção e do sentido organizada pelos falantes. Para essa manifestação verbal ter tessitura, é fundamental o uso dos mecanismos de coerência e coesão textuais que serão abordados no próximo item.
4 Princípios textuais: coerência e coesão
A respeito de coerência textual, Koch e Travaglia (2004, p. 21-22) conceituam-na como uma unidade ou uma relação de sentido entre os elementos do texto e acrescentam dizendo que a coerência é global. Ela “está diretamente ligada à possibilidade de estabelecer um sentido para o texto”, ou seja, ela proporciona um significado para o leitor, possibilitando a sua compreensão e o seu entendimento numa situação de comunicação.
[...] Considera-se, pois, a coerência como princípio de interpretabilidade, dependente da capacidade dos usuários de recuperar o sentido do texto pelo qual interagem, capacidade essa que pode ter limites variáveis para o mesmo usuário dependendo da situação e para usuários diversos, dependendo de fatores vários (como grau de conhecimento sobre o assunto, grau de conhecimento de um usuário pelo outro, conhecimento dos recursos linguísticos utilizados, grau de interação dos usuários entre si e/ou com o assunto, etc.). [...] A coerência tem a ver com boa formação em termos da interlocução comunicativa, que determina não só a possibilidade de estabelecer o sentido do texto, mas também, com frequência, qual sentido se estabelece (KOCH; TRAVAGLIA, 2004, p. 36).
Desse modo, vimos que, em síntese, a coerência proporciona interpretabilidade ao leitor, colaborando para a interlocução comunicativa, ela pode ser global, pois possui a capacidade de estabelecer entendimento através da unidade de sentido do texto.
Van Dijk e Kintsch (1983 apud KOCH; TRAVAGLIA, 2004, p. 41) salientam sobre coerência local:
A coerência local advém do bom uso dos elementos da língua em sequências menores, para expressar sentido que possibilitem realizar uma interação comunicativa. Incoerências locais advêm do mau uso desses mesmos elementos linguísticos para o mesmo fim.
Nesse sentido, sobre coerência global, temos uma unidade no sentido geral do texto e, na coerência local, temos sequências menores de sentido. A falta de coerência local não compromete a coerência global, mas pode dificultar o entendimento do texto. Vale lembrar que, internamente ao texto, temos a coesão textual que utiliza de recursos menores para estabelecer conexão de sentido nos enunciados.
A esse respeito, Kock e Travaglia (1997, p.13) asseveram que a coesão, ao contrário da coerência, “é explicitamente revelada através de marcas linguísticas, índices formais na estrutura da sequência linguística e superficial do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já que se manifesta na organização sequencial do texto”. Podemos entender que a coesão se manifesta na relação interna do texto através de marcas linguísticas, mecanismos de ligação entre palavras e orações, possibilitando uma sequência linear de sentido nas informações do texto.
Com a mesma linha de pensamento, mas dando ênfase a uma concepção voltada para a semântica, Halliday e Hasan (1976 apud KOCK; TRAVAGLIA, 1997, p. 14-15) afirmam:
[...] que a coesão tem a ver com o modo como o texto está estruturado semanticamente. É, portanto, um conceito semântico que se refere às relações de significado que existem dentro do texto e fazem dele um texto e não uma sequência aleatória de frases. A coesão é a relação semântica entre dois elementos do texto, de modo que um deles tem de ser interpretado por referência ao outro, pressupondo-o.
Portanto, a coesão textual contribui para a ligação interna do texto, possibilitando a tessitura do mesmo. Já a coerência é externa, pois diz respeito aos contextos situacionais (KOCK; TRAVAGLIA, 1997, p.15). Com esses entendimentos, ao considerar os fatores de coesão e de coerência, Beaugrande e Dressler (1981, p. 187) mostram a dificuldade de se integrar, na análise, elementos linguísticos e não linguísticos. Os “fatores centrados no usuário” evidenciam elementos que constituem uma “argumentatividade” do texto, cuja estruturação é constituída por elementos complexos, linguísticos e não linguísticos.
5 Coerência e coesão nos textos dos alunos
Neste item, como aludidos anteriormente, serão apresentados 13 fragmentos de textos recortados das redações produzidas pelos alunos sobre o tema Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação? A análise dos fragmentos está direcionada para os mecanismos de coesão e de coerência textuais.
Assim sendo, a respeito de coesão textual, Halliday e Hasan (1976 apud KOCH, 2003, p. 16), ancorados em uma concepção semântica, como especificada no item anterior, apontam os seguintes fatores como recursos de coesão textual: a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical. Veremos, a seguir, algumas concepções e exemplos a respeito desses fatores.
Os elementos de referência são constituídos pelos itens da língua “que não podem ser interpretados semanticamente por si mesmo, mas remetem a outros itens do discurso, necessário à sua interpretação” (KOCH, 2003, p.19). A referência pode ser situacional (exofórica) ou textual (endofórica). A situacional faz remissão a algum elemento que está fora do texto. Na referência textual, o referente está dentro do texto e pode ser anafórico quando se refere a elementos antes do item coesivo ou catafórico quando o referente está depois.
Vejamos alguns fragmentos de textos dos alunos:
F1.
Buscamos constantemente informações em diferentes meios de comunicação, onde através de notícias, anúncios e propagandas somos fortemente influenciados (A1).
F2.
Todos os dias nos deparamos com os noticiários anunciando assaltos, mortes, estupros, dentre outros. Muitas das vezes, estas notícias chegam até nós de uma forma inadequada, violando a vida privada dos cidadãos (A2).
Encontramos, em F1, uma gradação composta por substantivos que proporcionam ao período uma sequência de informações, sustentando uma explicação. Em F2, temos também uma gradação composta, em sua maioria, por substantivos “assaltos, mortes, estupros” que é reiterada pela referência textual anafórica, utilizando o pronome demonstrativo “estes”. Desse modo, temos um exemplo de coesão por referência textual endofórica, ou seja, o referente encontra-se dentro do texto e, nesse caso, o item coesivo faz referência às informações que precedem.
F3
Está faltando mais conteúdo na televisão, nos jornais, nas rádios... O seu filho liga a TV e vê um programa do tipo teste de fidelidade (A3).
Nesse caso, em F3, temos um exemplo de coesão textual por referência situacional (ou exóforica) no qual o termo “O seu filho” faz referência a algo que não está presente no texto.
Outro mecanismo de coesão é a substituição que consiste na mudança ou troca de um termo ou de um item em lugar de outro (s) elemento (s) do texto, ou até mesmo, de uma oração inteira. Ela se realiza na parte interna do texto e é usada em lugar da repetição de um item particular com objetivo de dar ao texto um determinado estilo (HALLIDAY; HASAN, 1976 apud KOCH, 2003, p. 20).
F4.
Um mesmo fato pode ser noticiado por diversas emissoras de televisão por exemplo, porém cada uma transmite a notícia em diferente versão [...].(A1)
Nesse trecho (em F4), temos um exemplo de substituição, o Aluno 1 utiliza a troca do sintagma nominal “emissoras de televisão” pela expressão “cada uma”, tal expressão foi usada para evitar a repetição do termo dentro do mesmo período. Para Halliday e Hasan (1976 apud KOCH, 2003, p. 20), existem diferenças entre a substituição e a referência, pois, na primeira, ocorre sempre uma redefinição entre o item de referência e o pressuposto; já, na referência, há total identidade referencial entre os termos.
Ainda em F4, encontramos uma incoerência local, pois o interlocutor espera um exemplo que foi sugerido pela expressão “por exemplo” e a leitura se perde, pois, em seguida, temos uma oração exprimindo uma oposição ou contraste. Nesse caso, o professor poderia orientar o aluno a fazer uma revisão das informações de seu texto e acrescentar informações onde estiver vago ou talvez retirar algumas expressões que dificultem a compreensão dos enunciados, como no período a seguir “Um mesmo fato pode ser noticiado por diversas emissoras de televisão, porém cada uma transmite a notícia em...”.
A elipse é uma forma de substituição em que se omite um termo, uma expressão, uma oração ou todo um enunciado que pode ser facilmente recuperado, no contexto, pelo interlocutor. Ela também evita as repetições, assim, contribuindo para a estética do texto.
Analisaremos mais um fragmento:
F5
Sem a devida fiscalização a mídia deixa de ser um meio de propagação do conhecimento e informação e passa a ser uma ameaça, uma arma de alienação e humilhação de desrespeito com os telespectadores (A4).
Em F5, o Aluno 4 utilizou o mecanismo de coesão denominado elipse nominal, em que o sujeito da segunda oração é retomado pelo interlocutor através da menção realizada à primeira oração “e (a mídia) passa a ser uma ameaça”. Temos, ainda, em F5, o emprego da conjunção aditiva “e” impossibilitando uma sequência gradativa: “uma arma de alienação e humilhação de desrespeito com os telespectadores” em que poderíamos ter “uma arma de alienação, de humilhação e de desrespeito com os telespectadores”. Observamos que o Aluno 4 fez bom uso da elipse nominal, mas não se atentou ao conectivo “e”. As devidas ocorrências podem despertar, no aluno, um olhar diferenciado sobre o emprego dos conectivos de ligação que contribuem para estabelecer sentido entre os enunciados e orientá-lo ao exercício da reescrita. Desse modo, esse fragmento (F5) pode ser um exemplo para o professor incentivar a reescrita em sala de aula ou com o próprio aluno.
F6
Hoje a informação é importante em qualquer meio, o problema é como ela é produzida, se é alterada, ou não, antes de chegar ao cidadão (A5).
Observamos, em F6, que o sujeito “a informação” na primeira oração foi reiterado pelo mecanismo de referência textual anafórico “ela” na segunda oração e, ainda, remetido em forma de elipse na última oração “se (a informação / ela) é alterada, ou não, antes de chegar ao cidadão”.
Outro elemento de coesão textual são as conjunções. Elas proporcionam conexão entre elementos do texto, pois têm a função de ligar palavras ou orações, estabelecendo relações de significado nas informações internas do texto. Tais conectivos “são assinalados explicitamente por marcadores formais que correlacionam o que está para ser dito àquilo que já foi dito” (KOCH, 2003, p.21).
Desse modo, vejamos o fragmento abaixo:
F7
O mundo vive nas últimas décadas um grande avanço tecnológico, esse avanço proporciona vários benefícios aos cidadãos, mas proporciona problemas, como a invasão da privacidade, que hoje pouco se tem (A6).
Encontramos, em F7, um exemplo de coesão realizado pelos mecanismos de conexão (ou conjunção): temos a conjunção adversativa apontando uma ressalva “esse avanço proporciona vários benefícios aos cidadãos, mas proporciona problemas”; ainda utilizando-se de conectivos, temos uma conjunção explicativa “como” esclarecendo o tipo de problema. O aluno utilizou esses conectivos de coesão que proporcionou uma relação de sentido entre as orações do parágrafo, porém ele finaliza o período com uma oração subordinada apositiva “que hoje pouco se tem” acrescentando informação a termos da oração anterior que resulta numa incoerência local, pois não se sabe ao certo a qual termo a última oração está se referindo: “invasão” ou “privacidade”.
Assim sendo, Koch e Travaglia (2004) salientam que as incoerências locais ocorrem pelo mau uso dos elementos da língua para expressar sentido que possibilitem realizar uma interação comunicativa.
De acordo com Koch (2003, p. 22, grifos do autor), temos:
A coesão lexical é obtida por meio de dois mecanismos: a reiteração e a colocação. A reiteração se faz por repetição do mesmo item lexical ou através de sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos [...]. A colocação ou contiguidade, por sua vez, consiste no uso de termos pertencentes a um mesmo campo significativo.
Vejamos os próximos fragmentos:
F8
Ele procura paz, ele procura fugir um pouco de sua realidade para aliviar a tensão, ou seja, ele busca entretenimento. Mas esse entretenimento entretém mesmo? (A7).
F9
Esse preço quem paga são os próprios espectadores. Os espectadores por sua vez não tem noção disso e nem do tanto que são explorados (A7).
F10
No Brasil existem leis que amparam tanto a informação quanto a privacidade, diante disso cada um deve não só saber de seus direitos, mas também buscá-los [...] (A2).
Temos uma coesão lexical por reiteração do mesmo item lexical em F8 e F9, pois as palavras entretenimento e espectadores se repetem. Já em F10, temos um exemplo de coesão lexical por colocação, porque as palavras leise direitos correspondem ao mesmo campo lexical.
A respeito de coerência, Van Dijk e Kintsch (1983 apud KOCH; TRAVAGLIA, 2004, p. 42-46) apontam alguns tipos de coerências que valem ser ressaltadas: a coerência semântica que se refere à ligação entre significados das palavras que compõem um texto; a coerência sintática se refere aos meios sintáticos para expressar a coerência semântica que é um aspecto de coesão; a coerência estilística que consiste em manter uma linearidade no estilo ou no registro linguístico; e a coerência pragmática que se apresenta como uma sequência de atos da fala presentes em uma dada situação comunicativa.
Veremos, nos próximos fragmentos, algumas ocorrências relacionadas a esses tipos de coerência:
F11
Com o decorrer com a evolução da televisão, canais de televisão têm abordado em noticiário os temas de violência, tráfico e operações especiais da polícia com objetivo de alertar a população sobre os perigos da sociedade atual, porém com o uso inadequado da imprensa com esses assuntos perde-se o seu principal objetivo: informar (A8).
Independente dos problemas que possam ser detectados e comentados, observamos, em F11, algumas incoerências locais. Encontramos um problema sintático no início da sentença, a palavra decorrer rege um complemento que não foi mencionado e não é possível identificar ou recuperá-lo no contexto. E, ainda, na expressão “evolução da televisão” entende-se que o aparelho de televisão foi quem evoluiu (percebemos que não é esse o sentido que o aluno tenta transmitir), possibilitando matérias que abordam a violência, o tráfico, operações policiais, etc. Com isso, temos respectivamente aquilo que Van Dijk e Kintsch (1983 apud KOCK; TRAVAGLIA, 2004, p. 43) chamam de incoerência sintática e incoerência semântica.
Continuando nossa análise, observemos os enunciados:
F12
Os problemas citados serão difíceis de se combater devido a grande força dos canais de televisão e as leis que deixam brechas permitindo atitudes antiéticas [...] (A6).
F13
Um cidadão comum acorda cedo, vai pro seu serviço, volta para sua residência e descansa até chegar a hora de voltar para o seu trabalho [...] (A1).
Em F12, a palavra brechas nos remete à linguagem coloquial, assim pode fugir do estilo formal de um texto técnico. Já em F13, tempos a contração da preposição para com o artigo definido o, empregado pelo aluno como pro, nesse caso, temos também o uso oralidade em redação técnica, porém, no mesmo período, o aluno faz uso, por duas vezes, da preposição para sem a contração. Com isso, temos uma incoerência estilística. Kock e Travaglia (2004, p. 45) salientam que o uso de estilos diversos não prejudica a coerência textual entendido como um princípio de interpretabilidade. Portanto, em F12 e F13, conseguimos compreender o sentido das informações, no entanto temos um desvio no estilo linguístico.
Com essas análises, verificamos que a coesão e coerência contribuem para a organização interna e geral do texto, além de contribuir para a relação interativa entre seu emissor e interlocutor. A coerência e coesão não se limitam às abordagens supracitadas, mas sim a um leque de mecanismos linguísticos que contribuem para a organização lógica e de sentido da atividade verbal.
6 Considerações Finais
O presente estudo contemplou parcialmente dois princípios da linguística textual necessários para a tessitura do texto: a coerência e a coesão. Fizemos um estudo investigativo desses princípios nos textos de alunos do Ensino Médio Técnico e observamos sua utilização nas construções textuais.
Assim, nosso objetivo não foi apontar os problemas textuais dos alunos, mas sim observar como o conhecimento e o uso dos mecanismos de coerência e de coesão textuais podem contribuir para uma sequência linear e para a construção de uma unidade de sentido no texto, além de fomentar a atividade da reescrita.
Diante do exposto, verificamos que os textos dos alunos podem se tornar materiais didáticos para se trabalhar em sala de aula e podem despertar o interesse dos discentes em aperfeiçoar a sua escrita, pois, como vimos, alguns alunos fizeram o uso adequado de determinados princípios textuais, o que proporcionou textos coesos e coerentes. Entretanto, também vimos que alguns estudantes não utilizam e não se atentam para o bom uso desses recursos, o que culminou em textos com incoerências locais e também sem coesão.
Portanto, acreditamos que trabalhar com os elementos de coesão e de coerência textuais, nas redações produzidas pelos discentes, pode colaborar para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da escrita dos alunos. Identificar esses elementos seria uma forma de revisar o que foi escrito e trabalhar, na prática, com a reescrita, pois os alunos trabalhariam com a teoria e a prática em suas próprias produções. Com isso, o estudo e a reflexão dos elementos de coerência e de coesão textuais bem como a prática da reescrita poderiam preencher algumas lacunas nas produções, proporcionando uma linearidade das informações e uma unidade de sentido no texto.
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
BEAUGRANDE, Robert de; DRESSLER, Wolfgang. Introduction to text linguistics. London: Longman,1981.
BERNÁRDEZ, Enrique. Introducción a la lingüística del texto. Madrid: Espasa-Calpe, 1982.
COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e textualidade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
KOCH, Ingedore G. Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1998.
KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual.18. ed. São Paulo: Contexto, 2003.
KOCH, Ingedore G. Villaça; TRAVAGLIA, Luis Carlos. Texto e coerência. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
KOCH, Ingedore G. Villaça. A coerência textual. 16. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Linguística de texto: que é e como se faz? Recife: UFPE, 1983.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio 2004. Caderno de questão: Prova 03 - Rosa, p. 2.
Notas de autor