Artigos de revisão
Reflexões sobre a gestão democrática e o avanço da educação na atualidade
Reflections on contemporary democratic management and advance in education
Reflexões sobre a gestão democrática e o avanço da educação na atualidade
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 18, núm. 2, pp. 141-163, 2016
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 12 Marzo 2015
Aprobación: 09 Octubre 2015
Resumo: Este trabalho aborda a importância da gestão democrática no processo educacional por acreditar que a participação coletiva contribui para a qualidade da educação, sendo uma possibilidade de avanço. Constitui primeiramente um levantamento conceitual e a partir disso propõe uma breve contextualização sobre o momento histórico em que é instituído o princípio democrático no país. Em seguida, discute a importância do papel do gestor neste processo, por promover condições para que a democracia aconteça de fato no ambiente escolar. E por fim, aborda os instrumentos para a efetivação da gestão democrática na escola, destacando o projeto político-pedagógico e as instâncias colegiadas como mecanismos de promoção de uma educação emancipadora, capaz de formar cidadãos críticos e participativos.
Palavras-chave: Gestão democrática, Participação, Qualidade da educação.
Abstract: This paper addresses the importance of democratic management in the educational process based on the belief that collective participation contributes to the quality of education, and represents a possibility of advancement. The article is primarily a conceptual review, an, from this, it proposes a brief contextualization of the historical moment in which the democratic principle is established in the country. The paper discusses the importance of the manager’s role in this process, as he/she creates the necessary conditions for democracy to take place in the school environment. The study closes by discussing the tools for effective democratic management in schools, point out the political-pedagogical project and the collective institutions as mechanisms for promoting emancipatory education - one able to prepare for critical and participatory citizenship.
Keywords: Democratic management, Participation, Quality of education.
1 Introdução
Partindo do contexto de uma sociedade que se transforma num processo dinâmico e globalizado, em que novas realidades no sentido político, social, cultural e econômico são evidentes, percebe-se a necessidade da mudança no ambiente escolar. Ou seja, diante dessas transformações na sociedade surge um novo tipo de organização da escola, baseado nos princípios da democracia, autonomia e construção coletiva, caracterizando o conceito de gestão democrática.
Por esta razão, este trabalho se desenvolve com a finalidade de demonstrar a importância da efetivação desse modelo de gestão democrática no processo educacional como possibilidade de avanço para a educação com a finalidade de melhoria da qualidade do ensino ofertado, destacando o papel do gestor como principal articulador das ações que permitirão que a democracia aconteça de fato na escola.
Num primeiro momento, busca-se conceituar teoricamente gestão democrática, contextualizando o momento em que o ideal de escola democrática surge na sociedade brasileira. A partir disso, fundamentou-se este trabalho nas ideias de diferentes autores que concebem a gestão democrática como ferramenta para alcançar a qualidade da educação, tomando como referencial teórico Bordignon (2005), Veiga (2008), Cury (2005; 2011), Gadotti (1994), dentre outros.
Num segundo momento, discute-se o papel do gestor, compreendendo sua atuação como aspecto relevante no processo educacional, por ser ele um dos principais responsáveis por promover as condições necessárias para a efetivação da gestão democrática. Destaca-se a necessidade de políticas públicas que auxiliem na promoção dessa gestão, que tem por finalidade proporcionar a participação da comunidade nas atividades relacionadas ao processo de aprendizagem e na formação do aluno. Para isto, fundamenta-se nas contribuições de Dourado (2007), Lück (2009), Drabach e Mousquer (2009), Gracindo (2005) e outros autores.
Neste contexto, os instrumentos para democratização do ambiente escolar são apresentados, enfatizando a elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola e as instâncias colegiadas, como principais mecanismos para promoção dessa democracia, além de citar outras estratégias para democratização. Destaca-se a discussão sobre a forma mais adequada de escolha do diretor escolar nos dias atuais. A partir das contribuições de Paro (1996; 2010; 2011), Vieira e Vidal (2015), além das de outros autores, são apresentadas as dificuldades no que se refere à participação da comunidade escolar na escolha do seu diretor e as implicações desse quadro para o processo democrático vivenciado pelas escolas.
De modo geral, este trabalho defende a adoção do modelo democrático de gestão por entender que, somente no contexto da participação no ambiente escolar, são oferecidas as condições necessárias para promoção de uma educação emancipadora.
2 Gestão democrática no contexto educacional
O conceito de gestão democrática apresentado por Cury (2005), partindo da significação dessas duas palavras, refere-se à geração de um novo modo de administrar pelo envolvimento coletivo e pelo diálogo, associando-se aos conceitos de transparência, autonomia, participação, liderança, trabalho coletivo, entre outros.
Baseado nesse conceito e para melhor entender em que contexto o termo gestão democrática surge no Brasil, apresenta-se um breve histórico dessa temática, reportando ao final dos anos setenta e início dos anos oitenta, quando ocorre o ressurgimento dos ideais de democracia.
Tais ideais reaparecem no país, de acordo com Drabach e Mousquer (2009), com maior força após um período de ditadura militar, a partir do processo de redemocratização política, quando o país clamava por reformas, pela necessidade da mudança do modelo vigente, pautado na administração centralizada, que refletia em todas as áreas sociais, com forte influência na educação.
Segundo Bordignon (2005), é nesse cenário de reabertura política do país que são retomados os movimentos em favor da democratização da educação. Esses movimentos existiam desde os anos vinte encabeçados por educadores como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Lourenço Filho, entre outros, que lutaram por uma “educação como fundamento de um projeto nacional democrático” (p. 3).
Para Drabach e Mousquer (2009), esses educadores foram grandes colaboradores para a educação do país. O movimento liderado por eles resultou em um documento chamado de Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Suas reivindicações garantiram que na Constituição de 1934 a educação fosse organizada e concebida como um projeto de cidadania.
Neste contexto, aponta-se a necessidade de mudança no âmbito da gestão educacional, mostrando a importância de incluir o fator social na divisão do trabalho dentro do ambiente escolar na perspectiva da participação nas decisões.
Drabach e Mousquer (2009) ressaltam que nesse processo de mudança, algumas proposições dos pioneiros da educação são evidenciadas, principalmente por tratar-se de instrumentos na busca da qualidade da educação.
Embora essas conquistas tenham permanecido adormecidas durante algum tempo, em 1988, com a reabertura política no país, foi afirmada a gestão democrática como princípio na Constituição, como segue inscrito no artigo 206, inciso VI: “gestão democrática do ensino público, na forma de lei” (BRASIL, 1988). Sendo esse princípio reafirmado oito anos mais tarde na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/96 (LDBEN). A partir dessas iniciativas, temos legitimada a importância da construção de um ambiente escolar democrático.
Neste sentido, destaca-se na Lei nº 9.394/96 (LDBEN), no Art. 14, o princípio da participação:
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político da escola;
II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996, art.14).
Desta forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional destaca a participação coletiva como principal instrumento na elaboração do Projeto Político-Pedagógico e na criação do Conselho Escolar, sendo essa participação um aspecto crucial da gestão democrática.
Assim, desde que a gestão democrática foi instituída na forma de lei, discute-se a participação da comunidade, a necessidade de a gestão da escola se adequar para garantir sua efetivação.
Segundo Gracindo et al. (2004),
Para que a participação seja realidade, são necessários meios e condições favoráveis, ou seja, é preciso repensar a cultura escolar e os processos, normalmente autoritários, de distribuição do poder no seu interior (GRACINDO et al., 2004, p. 17).
Sendo assim, torna-se importante voltar-se para a comunidade no intuito de fazê-la entender que seu papel é essencial para o desenvolvimento desse processo, que consiste em uma busca coletiva por avanços que são do interesse de todos, neste caso, a melhoria da qualidade do ensino.
No entanto, este permanece sendo um desafio à gestão democrática, uma vez que o entendimento sobre o necessário papel da comunidade escolar na discussão dos rumos da educação ainda parece estar distante.
De acordo com Santana e Schmitz (2012),
A legislação educacional brasileira prevê a participação da sociedade e, principalmente, dos pais/responsáveis para eles contribuírem na forma e na organização da concepção pedagógica, como também nos processos decisórios na gestão da escola. Não compreende a participação como atuação cooperativa em executar tarefas esporádicas ou isoladas (SANTANA; SCHMITZ, 2012, p. 166).
Aproximações pontuais e não duradouras entre escola e comunidade não produzem os objetivos esperados e, portanto, não auxiliam no desenvolvimento educacional nem da comunidade, que acaba não experimentando o crescimento que a participação pode trazer, pois “voltada para um processo de decisão baseado na participação e na deliberação pública, a gestão democrática expressa um anseio de crescimentos dos indivíduos como cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática” (CURY, 2007, p. 494).
Por isso, Gracindo et al. (2004, p. 17) fazem referência à participação como processo a ser construído coletivamente e ressaltam que “a participação não se decreta, não se impõe e, portanto, não se pode ser entendida apenas como mecanismo formal/legal”. Decorre desse fato a necessidade de pesquisas na área que investiguem como a participação da comunidade escolar vem se dando no interior das escolas do país, como forma de apresentar propostas que oportunizem a vivência da gestão participativa (SANTANA; SCHMITZ, 2012).
O Plano Nacional de Educação, instituído a partir da Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001, também reforça a necessidade de a gestão democrática ser implantada nas escolas, obedecendo aos princípios da participação, tanto dos profissionais, quanto das comunidades escolar e local, destacando-se como objetivo dessa democratização. Aponta-se como prioridade neste Plano a
democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou eqüivalentes (BRASIL, 2001).
Contudo, em análise desse Plano, Cury (2011) destaca que as metas elencadas fragilizaram-se em sua efetivação devido à postura governamental.
[...] apesar de aprovado pelo Congresso Nacional, o presidente da República o vetou em seus aspectos de financiamento. Com isso, resultou um plano sem a devida sustentação econômico-financeira o que, por sua vez, tornou os Estados e Municípios lenientes na produção de seus respectivos planos de educação. E tudo isso trouxe limitações de largo espectro quanto à obtenção de suas metas (CURY, 2011, p. 805).
Recentemente, com a aprovação do novo Plano Nacional de Educação, Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014, a gestão democrática da educação, assim como a melhoria da qualidade da educação e a formação para a cidadania, são apresentadas como metas a serem alcançadas para que ocorra o avanço na educação brasileira.
Destaca-se o princípio da participação na proposição de que os estados e municípios elaborem, de forma participativa, seus Planos educacionais.
Art. 8o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei.
§ 2o Os processos de elaboração e adequação dos planos de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de que trata o caput deste artigo, serão realizados com ampla participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil (BRASIL, 2014).
Assim, o novo Plano Nacional de Educação preconiza a participação como princípio fundante, buscando aproximar a esfera das decisões da localidade na qual a escola está inserida, priorizando a realidade vivenciada pelas pessoas que dela fazem parte.
Para tal fim, a escola necessita tornar-se um ambiente necessariamente comprometido, no qual todos os envolvidos nas ações que norteiam as práticas pedagógicas estejam engajados, pois a educação dá-se não apenas na sala, mas no ambiente escolar como um todo.
Assim, Lück (2009) enfatiza que
a escola é uma organização social constituída pela sociedade para cultivar e transmitir valores sociais elevados e contribuir para a formação de seus alunos, mediante experiências de aprendizagem e ambiente educacional condizentes com os fundamentos (LÜCK, 2009, p. 20).
Diante disso, Gadotti (1994) defende a implantação de uma escola pública de modelo democrático de gestão, baseando-se na necessidade de a escola formar para a cidadania e pela melhoria da qualidade da educação. Para esse autor, a adoção desse modelo de gestão já seria um exercício de democracia e uma possibilidade de melhoria do ensino.
Segundo Gadotti (1988), para alcançar uma escola pública popular e democrática é necessário que ocorra a democratização de sua gestão, supondo a participação da comunidade nas decisões, apontando para os órgãos colegiados, para eleição de diretor, entre outras formas de contribuição para essa democratização.
A gestão democrática é um instrumento que permite o envolvimento e que procura, a partir do relacionamento dialógico, proporcionar transformações das práticas escolares. Para que esse modelo seja adotado e efetivado nas ações educativas, deve haver uma ruptura nos modelos tradicionais existentes, implicando o que afirma Lück (2009), quando declara que a gestão nesse instante passa a ser vista como uma mudança de paradigma, tendo como premissa o empenho de seus ideais na busca da participação coletiva.
Desta forma, diferentemente do modelo de administração, em que o poder das decisões ficava restrito nas mãos dos diretores; no modelo atual de gestão em que a democracia é o ponto referencial, as decisões são tomadas coletivamente, necessidade que se torna cada vez mais visível nos dias atuais.
Diante disso, é importante ressaltar que embora o termo “democracia” esteja muito presente nos discursos oficiais, na prática, a realidade ainda parece outra, uma vez que a utilização do termo não assegura sua efetivação. Bordignon (2005, p. 38) ressalta que “é preciso ter clareza de que o discurso da gestão democrática não é suficiente para uma pedagogia emancipadora”. Por esta razão, Veiga (2007) afirma que a existência da lei é um importante instrumento para a democratização, mas sobretudo “é necessária a existência de políticas que viabilizem a participação e a democracia” (p. 2).
Segundo Lück (2009), quando na escola é adotado o modelo de gestão democrática, tendo como objetivo a melhoria da qualidade do ensino, esta deve enfrentar o desafio do desenvolvimento da competência profissional, colocando no centro do processo o gestor. Competência, neste sentido, refere-se ao “conjunto sistêmico de padrões mínimos necessários para o bom desempenho das responsabilidades que caracterizam determinado tipo de atividade profissional.” (p.12).
A partir disso, ressalta-se que a postura do gestor ao assumir este compromisso é de grande importância, pois passa a ser o intermediário das ações que promoverão a interação e a participação da comunidade escolar e local, reconhecendo dentre os desafios o de enfrentar contradições, como afirma Paro (2001):
Organizar o trabalho pedagógico requer enfrentar contradições oriundas das diversas realidades que se encontram numa escola pública, daí a necessidade da escola educar para a democracia, e essa tendência pedagógica deverá ser observada ao longo dessa labuta (PARO, 2001, p. 45).
Torna-se necessário que o gestor esteja focado no objetivo maior de avançar nos processos socioeducacionais que priorizam o conhecimento, viabilizando a organização e a execução de todas as etapas constituintes desse processo. Para melhor esclarecer a função do gestor nesse processo de democratização da escola, dedica-se o próximo item.
3 Papel do gestor no processo de democratização do ambiente escolar
A gestão escolar no Brasil, nos dias atuais, recebe influência do modelo de administração, baseado na gestão autocrática, centralizada e hierarquizada. De acordo com essa visão, a figura do diretor escolar era compreendida como um técnico que tomava decisões no ambiente escolar, inspirado nos princípios da administração geral, “adaptando-os” à sua realidade (DRABACH; MOUSQUER, 2009).
Essa identificação da escola com os princípios da administração geral trouxe significativos prejuízos ao processo educacional, não se sustentando mais devido à incompatibilidade com a função da escola, que se refere a atuar na formação de sujeitos críticos que possam exercer sua cidadania, contribuindo para a sociedade da qual fazem parte.
Segundo Drabach e Mousquer (2009),
É a partir destas críticas ao conceito e prática de administração escolar, baseada no enfoque tecnocrático, que começa a aparecer na literatura deste campo o conceito de gestão escolar. É este caráter de essência política e de preocupação com o pedagógico que dão base ao conceito de gestão escolar, como forma de diferenciar-se da visão técnica que historicamente permeou o conceito de administração escolar (DRABACH; MOUSQUER, 2009, p. 274).
Como apresentado anteriormente, a partir das transformações da sociedade no contexto da abertura política, surgiu a necessidade da mudança desse modelo burocrático para um que favoreça o desenvolvimento do indivíduo, a partir das novas atribuições necessárias para atuar nessa sociedade, configurando assim a gestão democrática.
Vale ressaltar que quando se fala em administração ou gestão escolar a questão central diz respeito à organização do trabalho nestas instituições. As bases teóricas da gestão, ao desmistificar a visão ingênua de que esta organização do trabalho é algo definido no âmbito da própria instituição, dos objetivos educacionais e de suposta racionalidade científica desinteressada, estimula nesta forma de organização a instauração de reflexão crítica e do reconhecimento da existência de diferentes interesses. Reconhecer este campo, perante as conseqüências de sua não neutralidade e sim de sua função política no âmbito da sociedade, abre espaço para possibilidades de construção de uma gestão pautada em uma racionalidade que atenda aos interesses da maioria (DRABACH; MOUSQUER, 2009, p. 281).
Lück (2009) aponta que essa mudança paradigmática refere-se à mudança da visão fragmentada para uma visão globalizada, pela visão de conjunto, demandando uma visão abrangente e articulada, e incluindo “a perspectiva humana do trabalho educacional” (p. 82).
Neste sentido, Bordignon (2005, p. 6) defende a gestão democrática da educação “que preconize uma educação emancipadora, como exercício de cidadania em uma sociedade democrática.”
Segundo Ferreira (2000), nesse processo,
[...] o cerne da participação é a educação, se a compreendermos como arte maiêutica de motivar a construção própria do sujeito social. Desta forma, chegamos também a entender o vínculo da educação com a emancipação. Em processos emancipatórios, a peça-chave é sempre o sujeito social que assim se entende e como tal realiza sua própria emancipação (FERREIRA, 2000, p. 171).
Uma educação emancipadora, portanto, lança as bases para que o indivíduo seja capaz de estabelecer e desenvolver seu próprio projeto de desenvolvimento. Não há como fazer isso por ele, uma vez que a iniciativa de quem quer emancipar-se é fundamental no percurso empreendido. “O desafio mais importante - e aí aparece o papel da educação - está em arregimentar todas as forças no sentido de preservar e cultivar a emancipação contra os riscos de manipulação (FERREIRA, 2000).
Diante deste quadro e baseado nas transformações da sociedade, tem-se na educação a necessidade de adaptação para que se torne capaz de oferecer um ensino de qualidade que forme cidadãos com vista a acompanharem as novas exigências da sociedade.
O que se tem buscado ao propor essa mudança de administração para gestão incluindo a perspectiva humana, é a formação cidadã do aluno a partir da melhoria da qualidade do ensino, com a finalidade de cumprir o papel social da escola.
Para Cury (2007, p. 488), “[...] a qualidade do ensino, (...) será sempre uma meta, seja pelo caráter cumulativo do conhecimento, seja pelas circunstâncias históricas que a condicionam e para as quais ele deve buscar caminhos cada vez mais abertos”. Para que isto se efetive, os profissionais da educação desempenham papel crucial, na medida em que, diante das informações que rapidamente se tornam disponíveis aos alunos, devem “exercer sua autoridade em bases críticas e reflexivas” (p.488).
Assim, uma educação com qualidade social é caracterizada por um conjunto de fatores intra e extra-escolares que se referem às condições de vida dos alunos e de suas famílias, ao seu contexto social, cultural e econômico e à própria escola – professores, diretores, projeto pedagógico, recursos, instalações, estrutura organizacional, ambiente escolar e relações intersubjetivas no cotidiano escolar (DOURADO, 2007, p. 941).
Qualidade e formação cidadã são termos indissociáveis neste caso, pois só se tem a qualidade do ensino a partir da perspectiva do alcance dessa formação que capacita os indivíduos para a vida social, tornando-os participantes da sociedade. Ferreira (2000, p. 171) ressalta a “responsabilidade conjunta de diferentes instâncias e setores da escola, em todos os seus níveis de ensino, em face da formação do cidadão, do homem e da mulher”, numa ação institucional compartilhada.
Diante disto, o novo paradigma de gestão apresentado à escola, como forma de alcançar a qualidade, não mais se apresenta nos moldes empresariais, na lógica de mercado, mas a partir da lógica social, como afirma Gracindo (2005). Contudo, essa ênfase empresarial ainda se faz muito presente no cotidiano das políticas educacionais da atualidade, provenientes do modelo neoliberal, adotado ao final do século passado, como forma de superação da crise enfrentada pelo capitalismo.
Segundo Drabach e Mousquer (2009, p. 277),
[...] iniciou-se um processo de reorganização do sistema ideológico, político e de reprodução do capital. As expressões mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a redução do Estado no controle da economia, e a adoção do padrão de acumulação flexível (...).
Neste contexto, princípios legítimos da gestão democrática foram cooptados pelo neoliberalismo, uma vez que termos como participação, trabalho em equipe, descentralização, autonomia passam a ser usados pelos governos como forma de contenção das reivindicações dos trabalhadores (DRABACH; MOUSQUER, 2009) e como manobra de desresponsabilização do Estado frente aos serviços básicos para a população, dentre eles, a Educação. Por isso, no neoliberalismo, esses termos estão destituídos de sua essência transformadora.
Fruto deste contexto, a desejada Gestão Democrática do Ensino Público surge multifacetada. De um lado, guardadora de um projeto democrático com vistas à ampliação dos espaços de cidadania e construção de uma educação de qualidade, de outro, como estratégia do gerencialismo econômico global no fortalecimento do sistema capitalista de sociedade (DRABACH; MOUSQUER, 2009, p. 279).
Ao conviver com esses dois projetos antagônicos de educação, as escolas sofrem cotidianamente. O neoliberalismo exerce forte influência, pois está presente nas políticas educacionais que chegam às escolas para serem seguidas. Opondo-se a esse cenário, está presente a luta dos trabalhadores da educação conscientes de que a gestão democrática é a única forma de garantir o direito do cidadão a uma educação de qualidade, emancipadora e cidadã, a ser efetivada a partir da democratização do ambiente escolar.
No meio desse impasse, aparece o gestor escolar, responsável por conduzir a escola por entre essas possibilidades opostas de se pensar e fazer educação. Para que consiga desempenhar um papel relevante nesse contexto, o gestor deve apresentar, além de competência, a qualificação. Para tanto, Castiglioni (2011, p. 5) afirma que desses profissionais são exigidas “múltiplas e variadas habilidades e competências”.
Segundo Lück (2009), existe a necessidade de se reconhecer a realidade e de desenvolver essas competências com a finalidade de que nas ações educativas consiga-se atender a essa demanda.
Destaca-se a figura do gestor neste processo, pois são
[...] os profissionais responsáveis pela organização e orientação administrativa e pedagógica da escola, da qual resulta a formação da cultura e ambiente escolar, que devem ser mobilizadores e estimuladores do desenvolvimento, da construção do conhecimento e da aprendizagem orientada para a cidadania competente (LÜCK, 2009, p. 22).
Assim, o gestor além de gerenciar, organizar, planejar, monitorar, orientar e avaliar as atividades educacionais deve, numa visão estratégica, motivar a comunidade escolar, realizando ações que promovam o envolvimento coletivo. Com todas essas características, o gestor da atualidade deve ter, na sua atuação, a clareza do objetivo maior da educação, que é o de promover a aprendizagem dos alunos.
Além de atuar como motivador da sua equipe, permitindo o envolvimento dos mesmos para que se efetive a participação, o gestor propõe condições de aproximação entre escola e comunidade, estabelecendo um ambiente aberto e participativo, a fim de promover e garantir avanços nos processos socioeducacionais.
O gestor necessita reconhecer ainda os desafios para orientar o desencadear das ações que vão promover a qualidade do ensino, pois, como afirma Lück (2009), “novos desafios e exigências são apresentados à escola, que recebe o estatuto legal de formar cidadãos com capacidade de não só enfrentar esses desafios, mas também de superá-los” (p. 16).
Desta forma, Castiglioni (2011) afirma que ao refletir sobre esses desafios é necessário nos remetermos “ao contexto de uma sociedade que se transforma num processo dinâmico e globalizado” (p. 3), desencadeando novas realidades sociais, econômicas, políticas e culturais.
Segundo Lück (2009), a qualidade do ensino está intimamente relacionada à competência profissional dos gestores sobre a forma como desempenham sua função, afirmando que
[...] a qualidade do ensino se assenta, dentre um dos aspectos mais fundamentais, sobre a competência profissional dos diretores escolares e sua capacidade de organizar, orientar e liderar as ações e processos promovidos na escola voltados para a promoção da aprendizagem e formação dos alunos (LÜCK, 2009, p. 9).
Evidenciando-se, assim, que a função do gestor em todos os processos que envolvem as ações educativas é de essencial importância, pois como líder se torna o mentor, o coordenador e orientador de todas essas ações, como afirma Lück (2009). Além de ser também o responsável por permitir a abertura para a participação no ambiente escolar, a partir de meios que favoreçam para que essas relações aconteçam efetivamente, como afirma Gracindo (2005).
Torna-se importante ressaltar que, embora a participação do gestor seja essencial nesse processo, é necessária a existência de políticas públicas que viabilizem o que é definido na legislação, garantindo, como menciona Veiga (2007), “o espaço para processos de deliberação coletiva sobre a prática pedagógica da escola, como algo instituído” (p. 2).
A concretização dessa gestão permite a efetivação de estratégias, como a criação do Conselho Escolar, a construção do Projeto Político-Pedagógico, da proposta de eleição para diretores, a criação do Grêmio Estudantil e da Associação de Pais e Mestres, ou seja, permite a participação da comunidade escolar e local a partir desses importantes instrumentos abordados a seguir.
4 Alguns instrumentos de democratização da escola
Este modelo democrático, que preza pela participação da comunidade nas ações desenvolvidas na escola, emerge com a Constituição Brasileira de 1988, é reafirmado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº 9.394/96 e ganha destaque no Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001, e ainda no Plano Nacional de Educação atual, aprovado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.
Como faz notar, são apresentados discriminadamente a partir dessa legislação os instrumentos para efetivação da participação, a partir dos Conselhos Escolares ou equivalentes e da elaboração do Projeto Político-Pedagógico da escola.
Assim, as principais formas de democratização escolar são apresentadas pela concretização do Conselho Escolar e elaboração coletiva do Projeto Político-Pedagógico, embora outros instrumentos também sejam utilizados, como a eleição direta para diretores, a consolidação de grêmios estudantis, associação de pais e mestres, conselho de classe, entre outros.
O Conselho Escolar (CE) constitui um órgão colegiado formado por representantes de todos os segmentos da escola, entre gestores, professores, funcionários, pais, alunos e também por representantes da comunidade local que desejarem fazer parte de sua composição.
Segundo Dourado (2007, p. 394-395),
Os conselhos escolares configuram-se, historicamente, como espaços de participação de professores, funcionários, pais, alunos, diretores e comunidade nas unidades escolares. Em alguns casos, constituem-se em espaços coletivos de deliberação, assumindo, desse modo, o papel de órgão co-responsável pela gestão administrativa e pedagógica das escolas e, em outros, em razão de sua atuação restrita à aprovação da prestação de contas e medidas disciplinares (...).
Numa perspectiva de objetivar a participação, Bordignon (2005) apresenta o significado dos Conselhos a partir do que é concebido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
O significado dos Conselhos Escolares, concebidos pela LDB, na educação básica, parte do mesmo pressuposto de expressar a voz da sociedade, como exercício de poder, via participação, das “comunidades escolar e local” (LDB, art. 14). Sua atribuição é dizer ao governo (da escola) o que a comunidade quer, o que deseja ser feito, deliberando e aconselhando os dirigentes, no que julgarem prudente, sobre as ações a empreender e os meios a utilizar para o alcance dos fins da escola (BORDIGNON, 2005, p. 8).
Para isso, o MEC apresenta material didático que pode ser utilizado pelas escolas que desejam implementar o Conselho Escolar com o objetivo de atuar em regime de colaboração, uma vez que se sabe da importância dessa implantação. Assim, apresentam o Conselho Escolar como
órgão consultivo, deliberativo e de mobilização mais importante do processo de gestão democrática na escola. Sua tarefa mais importante é acompanhar o desenvolvimento da prática educativa e, nela, o processo ensino-aprendizagem (BRASIL, 2004, p. 23).
A criação do Conselho Escolar assegura que a escola assuma uma gestão participativa, uma vez que seja considerada como a base da democratização da gestão. Gadotti (1994) afirma que é necessário que os objetivos da criação dos Conselhos Escolares estejam claros, num sentido de não serem instituídos “como uma medida isolada e burocrática” (p. 6), atendendo a objetivos adversos ao da promoção da educação emancipadora.
Pautado nas ações de acompanhamento das práticas educativas, busca-se discutir, analisar e propor medidas para serem implementadas na escola com a finalidade de definir diretrizes que interfiram na sua realidade, buscando os objetivos de acordo com a função social da escola.
Para isso, os membros do Conselho Escolar devem se comprometer a participar efetivamente dos processos de decisão, sendo necessário levar em conta a pluralidade de ideias, de interesses e de visões, além de garantir que essas decisões sejam realmente tomadas coletivamente. Esse comprometimento é imprescindível para o sucesso das práticas realizadas na escola, uma vez que refletem sobre suas decisões.
Sendo assim, a partir do exposto, podemos concluir que muitas são as atribuições dos Conselhos Escolares, pois suas atividades englobam várias dimensões da escola, tornando-se necessário frisar que o objetivo da sua efetivação deve ser voltado para a melhoria da qualidade da educação. Qualidade, no sentido de promover crescimento intelectual, afetivo, político e social.
Por esta razão, Gracindo (2005) afirma que a efetivação do Conselho Escolar “se expressa numa ação sistemática e planejada, com o intuito de interferir sobre a realidade, transformando-a” (p. 40). Desta forma, explicita-se a importância do objetivo do Conselho Escolar no que diz respeito à sua função político-pedagógica, uma vez que o foco principal deve ser o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem a partir da prática educativa com intencionalidade de formar cidadãos.
É neste contexto que a elaboração do projeto político-pedagógico se insere, pois além de retratar a realidade da escola, o projeto tem a característica de dar uma direção e tornar-se caminho para o acompanhamento das ações norteadoras do processo educativo, uma vez que procura organizar o trabalho pedagógico da escola.
Segundo Dourado (2007),
[...] o processo educativo é mediado pelo contexto sociocultural, pelas condições em que se efetiva o ensino-aprendizagem, pelos aspectos organizacionais e, consequentemente, pela dinâmica com que se constrói o projeto político-pedagógico e se materializam os processos de organização e gestão da educação básica (DOURADO, 2007, p. 922).
O projeto político-pedagógico é um instrumento de democratização da escola, uma vez que para sua construção é necessário o envolvimento de todos os envolvidos nas ações pedagógicas, por constituir-se a partir do processo democrático de decisões, com intuito de atender aos interesses da maioria e concretizar sua função política, pois como o próprio nome diz, esse projeto apresenta dimensão política e pedagógica.
Político e pedagógico são termos indissociáveis. Veiga (2008) afirma que todo projeto pedagógico é também político, “por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos” (p. 13). Político porque considera a escola como espaço para formação dos cidadãos e pedagógico porque essa formação se dá pelo processo ensino-aprendizagem.
Constituindo-se como um planejamento coletivo, o projeto político-pedagógico é construído a partir de propostas e ações necessárias ao processo ensino-aprendizagem, tendo como base “o contexto escolar e melhoria da prática desenvolvida na escola, com vistas a uma educação de qualidade (...)”, como afirma Gracindo (2005, p. 41). A respeito disso, a importância da participação coletiva se dá pela necessidade de conscientização de realizar o fazer pedagógico de forma coerente.
Daí a importância do planejamento participativo, caracterizado como aquele processo que começa pela tomada de consciência crítica que evolui para a formulação de projeto próprio de enfrentamento dos problemas conscientizados e sublima-se no reconhecimento da necessidade de organizar-se de modo competente (FERREIRA, 2000, p. 171).
Ao se construir o Projeto Político-Pedagógico com a participação dos atores envolvidos na ação educativa, busca-se através da identificação das necessidades iminentes da escola, propostas direcionadas a desencadear mudanças para a resolução dos problemas, além de fazer com que eles reflitam sobre que tipo de escola e de cidadãos desejam formar. Em outras palavras, Veiga (2008, p. 13) ressalta que é preciso “[...] considerar o projeto político-pedagógico como um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade”.
Segundo Veiga (2008), para que a construção do projeto político-pedagógico seja possível é preciso considerar alguns princípios norteadores para que essa construção não seja em vão. Neste sentido, afirma que “a construção do projeto político-pedagógico parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade, gestão democrática e valorização do magistério” (p. 22). Juntos, esses princípios garantem que o objetivo maior do projeto político-pedagógico, que é a melhoria do ensino, não seja perdido.
A importância desses princípios está em garantir sua operacionalização nas estruturas escolares, pois uma coisa é estar no papel, na legislação, na proposta, no currículo, e outra é estar ocorrendo na dinâmica interna da escola, no real, no concreto (VEIGA, 1991 apud VEIGA, 2008, p. 22).
Desta forma, Veiga (2008) enfatiza que a construção e vivência do projeto político-pedagógico se torna instrumento de luta, que visa transformar a organização do trabalho pedagógico, reduzindo os efeitos da divisão do trabalho, fruto dos efeitos negativos do poder autoritário e centralizado.
Nesta direção, a partir de instrumentos que levam à democratização e consequentemente, à participação e efetivação de práticas que busquem a qualidade da educação, que surgem as instâncias colegiadas, como suporte às ações propostas no projeto político-pedagógico. Segundo Veiga (2007, p. 4), “a criação das instâncias colegiadas é importante para garantir a representatividade, a legitimidade e a continuidade das ações educativas propostas no projeto político-pedagógico”.
Dentre as instâncias colegiadas, tem-se a Associação de Pais e Mestres e o Grêmio Estudantil, além do Conselho Escolar anteriormente citado. Essas instâncias constituem espaços de participação democrática e fortalecimento da função social da escola.
A Associação de Pais e Mestres é uma instância colegiada representada pelos pais e funcionários da escola, que tem como objetivo desenvolver medidas de interesse comum e auxiliar a gestão da escola na oferta de uma educação de qualidade.
Envolve, portanto, a necessária presença dos pais/responsáveis no cotidiano escolar, mesmo que para isto tenham que ser pensadas formas que possibilitem essa participação, uma vez que, geralmente, no horário escolar, encontram-se envolvidos com a rotina de trabalho, dificultando a permanência na escola para as discussões necessárias.
Para isto, podem ser pensados horários alternativos, o que também necessita ser negociado com os professores participantes, pois sua rotina de trabalho também é intensa, envolvendo muitas vezes mais de uma escola para lecionar. Coletivamente, portanto, deve-se proceder à consulta e para a definição da melhor forma de possibilitar a participação efetiva de todos os envolvidos na Associação de Pais e Mestres.
Segundo Lino (2012),
Dentro da área da gestão democrática, verifica-se também a importância das Associações de Pais e Mestres (APM), instância reconhecida legalmente como espaço de participação e de realização da gestão democrática, como administradora de recursos da escola, sejam públicos - vindos de programas dos governos federais, estaduais e municipais - , sejam privados - de empresas e pessoas físicas (LINO, 2012, p. 10).
Já o grêmio estudantil como instância colegiada representada pelos alunos também tem o objetivo de defender os interesses coletivos e participar da gestão da escola, além de ser espaço oportuno para o desenvolvimento da cidadania.
De acordo com Pavão e Carbello (2013), o grêmio estudantil “é uma organização sem fins lucrativos, cujos objetivos centram-se em ações cívicas, culturais, desportivas e sociais” (p. 1.389).
Caracterizado pelo protagonismo da participação juvenil, o grêmio estudantil até hoje parece não ter sido plenamente instituído, enfrentando problemas quanto à criação e/ ou operacionalização até mesmo em escolas de nível médio cujo alunado já é reconhecido por ser mais ativo no sentido de sua participação nas várias instâncias possíveis.
“Assim, a organização de grêmios estudantis, na forma como está instituída hoje, na maioria das escolas, não foge deste controle e manipulação, mas, caso os grêmios ousem ir além, outros aparatos externos são acionados, com vistas a dificultar sua ação” (CARLOS, 2006, p. 17). Constata-se a dificuldade que ainda existe para a efetivação plena das instâncias colegiadas no cotidiano escolar.
Bogatschov et al. (2012) ressaltam que as instâncias colegiadas ganham destaque na luta pela democracia a partir das políticas educacionais, pois
As instâncias colegiadas passam, então a ser focalizadas pelas políticas educacionais como espaços para concretização da gestão democrática a partir das práticas coletivas de planejamento e participação da comunidade nas tomadas de decisões que envolvem o processo ensino-aprendizagem (BOGATSCHOV; FERREIRA; VOLSI, 2012, p. 2798).
Enfim, a efetivação das instâncias colegiadas, tanto dos Conselhos Escolares, quanto da Associação de Pais e Mestres e Grêmio Estudantil tem por finalidade fazer com que a comunidade escolar e local compreenda a importância de sua participação no processo de democratização, não só da escola, mas da sociedade, uma vez que a realidade da escola não deve se distanciar da realidade social, por ser a escola uma instituição inserida na sociedade.
Por fim, apresenta-se a eleição de diretores como instrumento de democratização da escola. Paro (1996) afirma que esse princípio eletivo surge no mesmo período da redemocratização da política do país, na década de 80, quando vários Estados adotaram a obrigatoriedade do processo eletivo como critério de escolha de diretores nas escolas públicas. Desejava-se a partir dessa participação democrática eliminar práticas clientelistas que favoreciam a uma pequena parcela da sociedade e que não atendiam aos preceitos de uma educação cidadã.
Embora tenha sido defendida como instrumento democrático, a eleição de diretores perde força no final dos anos 80 e início dos anos 90, sendo produto da ação de governantes pouco comprometidos com a democracia e preocupados em defender interesses próprios (PARO, 1996).
Contudo, de acordo com Esquinzani (2013, p. 101), “a eleição de diretores aponta uma tendência de ação que consolidaria, no espaço da escola, todos os avanços sociais em relação ao contexto de democratização pelo qual vem passando a escola pública (...)”, uma vez que a própria comunidade escolar participaria do processo, elegendo a equipe gestora que representasse sua escolha.
Além da eleição de diretores, há outras formas de provimento do cargo de direção de uma escola. Para Paro (2011, p. 37), “grosso modo pode-se falar em três modalidades de escolha: nomeação pura e simples pelo poder executivo, concurso público e eleição pela comunidade escolar.”
A nomeação acontece quando o chefe do poder executivo ou o secretário de educação escolhe o diretor da escola. Normalmente ligada à questão político-partidária (PARO, 2011), a nomeação geralmente não atende aos anseios da comunidade escolar, mas aos interesses políticos que fornecem o cargo a uma pessoa de confiança. Daí a expressão “cargo de confiança”.
Na maioria das vezes, questiona-se a preparação da pessoa indicada para ocupar tal posição. É comum o relato de profissionais da educação que denunciam a nomeação de diretores que nada sabem de escola, processo educativo, interação com a comunidade. Mas pertencem ao partido político da situação e, por isso, permanecem no cargo, trazendo sérios prejuízos à unidade escolar.
Silva (2009) afirma que
Quando um representante da população, no exercício do seu mandato, toma decisões de grande importância sem que os representados tenham conhecimento da discussão do tema, afasta os cidadãos da elaboração das leis, podendo fazer com que não as reconheçam mais. Esse afastamento contribui para que ocorra uma confusão, pelos representantes, entre os seus próprios interesses e os interesses corporativos, com o interesse geral da população (SILVA, 2009, p. 96).
A escolha política, de acordo com Paro (2011), é uma alternativa antidemocrática aos olhos de todos que compõem a comunidade escolar. Portanto, constitui a pior das três formas de provimento do cargo de direção, pois está baseada no clientelismo político, que deve ser superado.
A segunda forma de escolha de diretores citada refere-se ao concurso público. Paro (2011) considera que a justificativa da realização de exames para a escolha da direção da escola refere-se à imparcialidade dos concursos de provas e títulos, baseando-se em questões exclusivamente técnicas. Alega-se, ainda, que essa forma seria democrática, pois proporcionaria chances iguais a todos que estivessem concorrendo ao cargo de diretor.
Entretanto, Paro (2011) ressalta que é inegável a contribuição do concurso público para provimento de diversos cargos, mas há que se deter à especificidade do cargo em questão. Um professor, por exemplo, pode ser escolhido por concurso público porque constatará o conhecimento técnico de Pedagogia e Didática, imprescindível ao exercício profissional.
Já o diretor necessitará de mais do que conhecimentos técnicos. Segundo Paro (2011, p. 39), além de conhecimentos técnicos, deverá apresentar competência política e legitimidade na coordenação dos diversos setores da escola, “competência essa que só se dá com o exercício da política, e legitimidade essa que só se pode aferir pela manifestação livre dos ‘dirigidos’ expressa no voto”.
Quanto ao argumento democrático de chances iguais a todos os participantes do concurso, Paro (2011) pondera que a livre escolha fica restrita aos candidatos à direção que escolhem a sua escola, ao passo que a comunidade escolar fica refém dessa escolha, sem oportunidade de opinar quanto à sua satisfação ou não com o diretor aprovado no concurso público.
Nesse sentido, há que se pensar em formas de escolhas democráticas que superem o anacrônico processo burocrático de provimento por concurso, bem como a clientelística nomeação político-partidária, as quais costumam, ambas, impingir aos trabalhadores e usuários da escola uma figura estranha à sua unidade escolar e a seus interesses mais legítimos (PARO, 2010, p. 776).
Por fim, a terceira opção é a eleição para diretor pela comunidade escolar. Segundo Paro (2010), já existem vários estudos que evidenciam que um diretor escolhido pela própria comunidade escolar constitui a opção mais democrática, uma vez que está baseada na participação daqueles que compõem a escola.
“Todavia, uma gestão escolar democrática não é assegurada apenas pela eleição dos cargos de gestão, uma vez que compromete outras dinâmicas tangíveis e intangíveis” (ESQUINZANI, 2013, p. 106). A autora considera que mesmo eleito pela maioria, um diretor ainda pode ser escolhido por interesses outros que não os eminentemente democráticos, pois mecanismos lícitos da eleição podem conter, ainda que implicitamente, algumas práticas antidemocráticas.
Neste contexto, pode-se mencionar a existência de estratégias manipuladoras diversas no ambiente escolar por parte de candidatos à direção nas proximidades do pleito. Tais estratégias podem se referir desde promessas infundadas até a infusão de medo na comunidade, levantando os possíveis malefícios trazidos pelos oponentes em caso de vitória.
Paro (1996) acrescenta que a estratégia de adoção do processo eletivo fundamenta-se na crença da capacidade do sistema de neutralizar as práticas clientelistas e de favorecimento pessoal, embora se tenha notado em alguns casos, que mesmo com a eleição houve brechas para a influência política que favorecesse a este clientelismo.
O fato, entretanto, de a incipiente prática política introduzida pelas eleições de diretores não ter sido capaz de eliminar por completo essas expectativas e comportamentos clientelistas não pode levar a que se impute às eleições as causas desses males que nada mais são na verdade, do que remanescentes de uma cultura tradicionalista que só a prática da democracia e o exercício autônomo da cidadania poderão superar (PARO, 1996, p. 380).
Desse modo, é fundamental compreender que o processo de democratização da escola consiste em um processo lento, que demanda mudança de mentalidade e que leva a uma nova cultura escolar. Sendo necessário que a gestão articule com a comunidade escolar a consolidação de práticas participativas que promovam essas mudanças.
A existência de experiências desabonadoras em termos da escolha do diretor escolar não deveria suscitar desânimo ou retrocesso nas negociações pela garantia da forma mais adequada, que é a adoção da eleição no ambiente escolar, aberta à comunidade. Cumpre ressaltar, no entanto, que a simples abertura à participação da comunidade não basta. Há que se conversar, ouvir, buscar entender os anseios da comunidade escolar neste sentido. Com a preparação devida dos participantes da escola, os resultados do processo eletivo provavelmente serão mais fidedignos aos interesses da coletividade.
Diante deste cenário, Vieira e Vidal (2015) alertam:
Ainda que novas formas de ascensão ao cargo de diretor tenham estimulado processos de escolha democrática, é visível, porém, que estas convivem com práticas que ferem o princípio constitucional estabelecido há mais de 25 anos, caso da indicação política, admitida por um conjunto significativo de diretores de escola. Do mesmo modo, escolas cultivam práticas em flagrante descompromisso com os dispositivos da ldb, expressas pela inexistência de Conselhos Escolares e pela presença de formas segregacionistas de elaboração do Projeto Politico Pedagógico, conforme apontam os dados analisados (VIEIRA; VIDAL, 2015, p. 35).
Assim, ainda que esses desafios permaneçam na busca por uma educação de qualidade, os avanços também podem ser constatados durante o que foi aqui exposto, objetivando, portanto, contribuir à discussão acerca da importância da gestão democrática para a escola brasileira, ressaltando o princípio da participação neste processo como essencial e fundante.
5 Considerações Finais
Diante das transformações que ocorrem na sociedade em nível global, a escola tem a difícil tarefa de se adaptar para oferecer uma educação emancipadora, que forme cidadãos participativos e capazes de atuar nessa sociedade de forma consciente. Neste contexto, revela-se a importância do seu papel social e a necessidade de a democracia se fazer presente nesse ambiente, uma vez que a escola é uma instituição social inserida na sociedade.
A partir desta realidade, a gestão democrática, assegurada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, surge como proposta de mudança de um modelo de administração pautado em práticas de poder centralizado e autocrático para um modelo baseado em novas práticas, que se fundamentam na participação coletiva, responsável por articular e envolver todos os atores das ações educativas, tornando-se capaz de melhorar o que é específico da escola, a educação.
Entendemos que é a partir da adoção desse modelo de gestão, no contexto da participação, que se oferecem as condições para o desenvolvimento do indivíduo no que tange à sua formação cidadã, através de uma educação emancipadora, sendo esta a principal característica de qualidade da educação, pois além de promover a construção do conhecimento, promove uma aprendizagem orientada, capaz de formar um cidadão atuante na sociedade em que vive.
Este novo modelo, baseado na participação coletiva, propõe o desenvolvimento das ações pedagógicas a partir de instrumentos de democratização, como o Conselho Escolar e o projeto político-pedagógico principalmente, sendo ferramentas estratégicas, que têm por finalidade o envolvimento das comunidades escolar e local, o que demonstra que a escola é um lócus privilegiado para a democracia acontecer, permitindo através da sua efetivação o exercício da cidadania.
Em vista disso, destacamos o gestor como principal articulador das ações que levam à democratização, por promover as condições para que a democracia e o exercício da cidadania aconteçam de fato na escola, logicamente a partir de políticas que o favoreçam para tal ação. Acreditamos que a partir de sua postura possa se fazer avançar os processos socioeducacionais.
Diante disto, torna-se urgente discutir sobre as formas de escolha do diretor. A nomeação permanece presente em muitas localidades brasileiras, baseada em práticas clientelistas que muito vêm prejudicando as unidades escolares. Ligados à política partidária, esses diretores nomeados representam os interesses de quem os indicou ao cargo, afastando-se do ideal democrático.
Outra forma de escolha de diretor abordada, o concurso público, em um primeiro momento parece ser uma alternativa democrática de escolha, uma vez que todos os candidatos serão avaliados objetivamente em relação a questões técnicas da educação. Entretanto, ao diretor são necessárias competências outras, voltadas à política e à legitimidade, imprescindíveis ao seu exercício profissional.
Por fim, a eleição de diretores foi apresentada como a alternativa que melhor representa os interesses da comunidade escolar. No processo eletivo, todos têm a oportunidade de participar da escolha e entender que o voto da maioria prevalecerá. Para isto, toda a comunidade escolar deve estar bem esclarecida quanto ao processo, a fim de evitar manobras manipuladoras que cerceiam o direito dos participantes da escola de engajarem-se na decisão dos rumos da unidade.
Portanto, baseado no que foi exposto no transcorrer do desenvolvimento do trabalho, pode-se afirmar que a educação muito tem a avançar a partir da consolidação deste modelo de gestão participativa, que permite o envolvimento e que procura, a partir do relacionamento dialógico, proporcionar transformações nas práticas escolares, levando à melhoria da sua qualidade.
Isto posto, reconhecemos que as instâncias de participação aqui tratadas não são facilmente implementadas e vivenciadas no cotidiano escolar. Há significativos impedimentos para a sua efetivação, a começar pelas políticas educacionais, que muitas vezes ainda permanecem distantes dos anseios democráticos da comunidade escolar.
Os profissionais da educação também carecem de formação no sentido de apreenderem a relevância do seu papel na condução dos rumos da escola por meio das instâncias de participação. Aliado a isto, os pais/responsáveis e a comunidade como um todo necessitam de diálogo e acessibilidade quanto às suas demandas, dúvidas, reivindicações, sentindo-se responsáveis, junto com a escola, pelas dificuldades enfrentadas no cotidiano da unidade.
Tudo isto não é fácil, mas é na participação cotidiana feita de avanços e recuos que se dá a construção da experiência democrática. Reiteramos que mudanças são necessárias para ampliar as possibilidades de alcançar uma educação coerente diante das necessidades, demonstrando que não basta somente estar presente nos discursos e nas leis, mas sim concretamente dentro da escola.
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Notas de autor