Dossiê Temático: “A pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica: temas, abordagens e fontes”

Formação Profissional para o Mundo do Trabalho: o papel dos Institutos Federais

Professional Training for the World of Work: the role of federal institutes

Formación Profesional para el mundo del trabajo: el papel de los Institutos Federales

Alessandra da Rocha 1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil
Geiza Lessa Sobral da Conceição 2
Secretaria Municipal da Educação de Aracaju, Brasil
José Luis de Santana Santos 3
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil
Renata Costa Fonseca Artiles 4
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil
Sandra Helena de Araújo Lima 5
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil
José Augusto Ferreira da Silva 6
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), Brasil

Formação Profissional para o Mundo do Trabalho: o papel dos Institutos Federais

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 24, núm. 2, 2022

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2022 pelos autores.

Recepción: 22 Agosto 2022

Aprobación: 22 Agosto 2022

Resumo: O presente artigo tem como tema o papel dos Institutos Federais (IF) de Educação na formação profissional para o mundo do trabalho. Seu objetivo é compreender esse papel, bem como a importância que os IF exercem na sociedade. A realização de pesquisas bibliográficas e documentais possibilitam um resgate histórico da trajetória da educação profissional no Brasil, relacionando-a com diferentes contextos, bem como com os projetos de sociedade dominantes em cada época. A instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em 2008, bem como a descrição dos objetivos e pilares que estruturam suas ações também são apresentadas neste trabalho. A análise dos resultados indica que a expansão da indústria 4.0 e as transformações vivenciadas no período pandêmico conferem aos IF relevância ainda maior no que tange à formação profissional integral, humana e emancipatória que contribuirá para a ressignificação do mundo do trabalho, das relações que nele se estabelecem e da sociedade como um todo.

Palavras-chave: Institutos Federais, Educação Profissional, Mundo do Trabalho.

Abstract: The present article has as its theme the role of the Federal Institutes (IF) of Education in professional training for the world of work. It aims to understand this role, as well as the importance the IF have for the society. Bibliographic and documentary research allows a historical review of the vocational education trajectory in Brazil, relating it to different contexts, as well as to the dominant social projects of each period. The institution of the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education, creating the Federal Institutes of Education, Science and Technology, in 2008, the description of the objectives and pillars that structure their actions are also presented in this work. The analysis of the results indicates that the expansion of Industry 4.0 and the transformations experienced in the pandemic period give the IF even greater relevance in terms of integral, human and emancipatory professional training. This will contribute to the re-signification of the world of work, the relationships that are established in and society as a whole.

Keywords: Federal Institutes, Professional Education (TVET), World of Work.

Resumen: El presente artículo tiene como tema el papel de los Institutos Federales (IF) de Educación en la formación profesional para el mundo del trabajo. Su objetivo es comprender este papel, así como la importancia que los IF tienen para la sociedad. La investigación bibliográfica y documental permite una revisión histórica de la trayectoria de la formación profesional en Brasil, relacionándola con diferentes contextos, así como con los proyectos sociales dominantes de cada época. La institución de la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica, creando los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología, en 2008, la descripción de los objetivos y los pilares que estructuran sus acciones también se presentan en este trabajo. El análisis de los resultados indica que la expansión de la industria 4.0 y las transformaciones vividas en el período pandémico confieren a los IF una relevancia aún mayor en lo que respecta a la formación profesional integral, humana y emancipatoria que contribuirá a la resignificación del mundo del trabajo, de las relaciones que se establecen y de la sociedad en su conjunto.

Palabras clave: Institutos Federales, Formación Profesional, El mundo del trabajo.

1 Introdução

O presente estudo constitui-se de uma pesquisa bibliográfica sobre o papel dos Institutos Federais na formação profissional para o trabalho. A partir da definição e delimitação do tema, realizou-se um breve levantamento de estudos já realizados, a construção de uma perspectiva teórica, por meio de artigos publicados em revistas científicas. Outras fontes, tais como a legislação existente sobre a temática principal, também foram pesquisadas. O texto busca resgatar historicamente os diferentes momentos da educação profissional no Brasil, visitando as transformações ocorridas em cada período, de acordo com as concepções pedagógicas e com as demandas do setor produtivo.

Inicialmente foram apresentados os dispositivos legais que regulamentaram a educação profissional desde o período em que tinha caráter meramente assistencialista, passando à preparação para o trabalho operário e descrevendo essa trajetória até os dias atuais.

Destaca-se nesse contexto a importância dos Institutos Federais (IF), que, desde sua criação, vêm desempenhando papel fundamental na formação do trabalhador brasileiro. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (BRASIL, 2021), o programa de expansão dos Institutos Federais elevou o total de 132.784 matriculados em 2008 para 332.727 em 2021. Os Institutos que atendiam a 4,22% dos alunos da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) atualmente ofertam 8,91% das vagas disponibilizadas no país. Na perspectiva do atendimento às novas demandas geradas pelo surgimento da indústria 4.0, analisa-se a possibilidade de articulação desta com a EPT e o modo como os IF se reinventam para atuar no contexto social e econômico pós-pandemia.

2 A Educação Profissional: contexto histórico e dispositivos legais desde a criação aos dias atuais

Apresentamos aqui um breve resumo do contexto histórico em que ocorreu a criação da primeira escola profissionalizante no país bem como a legislação que norteou as adequações realizadas durante sua trajetória até os dias atuais com o surgimento dos Institutos Federais.

Pouco depois da abolição da escravidão no Brasil, o presidente Nilo Procópio Peçanha, por meio do Decreto nº 7.566 de 23 de setembro de 1909, criou a Escola de Aprendizes Artífices, destinada ao ensino profissional primário. Na época, foi criada uma em cada capital, totalizando 19 unidades escolares. De acordo com o Decreto, a Escola tinha como objetivo a formação de operários e contramestres (ofício ligado à navegação), os candidatos deveriam ser “desfavorecidos da fortuna” e possuir no mínimo 10 anos e, no máximo, 13 anos de idade. Segundo Moura (2007, p. 6), a educação profissional tinha, inicialmente, o objetivo de atender aos que não dispunham de boas condições sociais e eram amparados para que não praticassem ações que atentassem contra a ordem e os bons-costumes.

Em 1927, surge o novo Decreto nº 5.241 de 27 de agosto, que torna o ensino profissional obrigatório nas escolas primárias mantidas pela União, ofertando os programas: desenho, trabalhos manuais e rudimentos de artes e ofícios ou indústrias agrárias. Dez anos depois, a Lei nº 378, de 13 de janeiro, em seu art. 37, transforma todas as escolas de aprendizes artífices, mantidas pela União, em Liceus, que Moura (2007) define como “sociedades civis destinadas a dar amparo a crianças órfãs e abandonadas, possibilitando-lhes uma base de instrução teórica e prática e iniciando-as no ensino industrial”, conservando o caráter assistencialista já observado até esse período.

Para além das escolas mantidas pela União, o ensino profissionalizante começa a ocupar um novo espaço e mais significativo no país. Ainda em 1937, Getúlio Vargas, por meio do art. 129 da constituição, torna dever das indústrias e sindicatos econômicos criar escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. Em 1942, por meio do Decreto-Lei nº 4.048, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI; em 1946, por intermédio do Decreto-Lei nº 8.621, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac, já com caráter diferente, buscando a preparação dos estudantes para atendimento às demandas do mercado produtivo.

Com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, Decreto-Lei nº 9.613/46, que se destinava essencialmente à preparação profissional dos trabalhadores da agricultura, foram criadas as primeiras escolas de ensino agrícola federais no Brasil. Os cursos eram divididos em três categorias: cursos de formação; cursos de continuação; e cursos de aperfeiçoamento. A partir de 1959 foram instituídas as Escolas Técnicas Federais, autarquias com personalidade jurídica própria e autonomia didática, administrativa, técnica e financeira.

Os primeiros Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET – foram criados em 1978, quando as Escolas Técnicas Federais de Minas Gerais e do Paraná são autorizadas a ministrar cursos de curta duração de Engenharia de Operação e são transformadas em CEFET por intermédio da Lei nº 6.545. Com a promulgação da Lei nº 8.948, de 8 de dezembro de 1994, as demais escolas técnicas federais também se tornam Centros Federais de Educação Tecnológica.

Atualmente a Educação Profissional e Tecnológica é regulamentada pela Lei 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que possui um capítulo específico para tratá-la, garantindo a integração dos diferentes níveis e modalidades de educação e as dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia, além de organizá-la por eixos tecnológicos, possibilitando itinerários formativos diversos.

2.1 Da Criação dos Institutos Federais

Dentro desse contexto de natureza histórica, política e social tem-se, em 2008, a Lei 11.892/2008, que Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008).

Os Institutos Federais são autarquias, de natureza pluricurricular e multicampi, com finalidades e objetivos específicos que definem a sua identidade: a territorialidade e a proposta político-pedagógica. São instituições de ensino especializadas em educação profissional e técnica em seus diferentes níveis de ensino de formação básica no ensino médio integrado à graduação (tecnólogo, licenciatura e bacharelado) e pós-graduação. Os institutos se apresentam como verdadeiras “incubadoras de políticas sociais” na medida em que contribuem para a “construção de uma rede de saberes que entrelaça cultura, trabalho, ciência e tecnologia em favor da sociedade” (PACHECO, 2010, p. 16), principalmente para os provenientes das classes trabalhadoras e excluídos.

A estrutura multicampi e a clara definição do território de abrangência das ações dos Institutos Federais afirmam, na missão destas instituições, o compromisso de intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social (PACHECO, 2010, p. 13).

O trabalho industrial presente na primeira parte do século XX enfatiza a fase mecanicamente produtiva. A proposta para a educação profissional preconizada na lei que criou os institutos federais atesta uma nova fase em que não há mais espaço para a ideia de meramente formar trabalhadores para o “imediatismo do mercado”, autômatos ou robôs, “sem preocupações com os valores universais” (NOSELLA; AZEVEDO, 2012, p. 27), com foco na qualificação de pessoas desprovidas de conhecimentos sobre a sua ocupação, limitadas “às operações de produção apenas ao aspecto de máquinas físicas” (GRAMSCI, 1976 apudCARNEIRO, 2018, p. 474).

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) deve não apenas combinar técnicas operacionais de trabalho; acima de tudo, deve incorporar uma compreensão do trabalho como categoria da prática social e educativa, que se faz por meio da análise do contexto sócio-histórico (ANJOS, 2021).

O aluno não é visto como mera força de trabalho adaptável ao capitalismo que se impõe: antes pelo contrário, ele se integraria a uma tripla dimensão subjetiva e objetiva, em que se valoriza a concepção humana, profissional e escolar. […] Não interessa à EPT produzir mais um trabalhador pós-industrial, capacitado a manejar múltiplas máquinas simultaneamente (BATISTA, 2019, p, 535).

A ideia central é formar sem conformar, sem rotular, “propiciar aos sujeitos o acesso aos conhecimentos e à cultura construídos pela humanidade, a realização de escolhas e a construção de caminhos para a produção da vida” (RAMOS, 2008, p. 3), qualificar no contexto de uma compreensão em que o trabalhador assume uma postura crítica face às múltiplas formas de trabalho.

Os pilares que estruturam as ações dos institutos federais são a verticalização, a transversalidade e a territorialidade combinados com os princípios educativos da formação humana integral, do trabalho enquanto princípio educativo, da prática social como fonte de conhecimentos, e da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão.

- a verticalidade – implica na implantação de fluxos que permitam a construção de itinerários formativos entre os cursos da EPT, construídos livremente pelos educandos em diálogo com os educadores.

- a transversalidade, envolve o diálogo permanente entre educação e tecnologia. Este é o elemento transversal presente no Ensino, na Pesquisa e na Extensão. […]. Envolve também o diálogo entre disciplinas, cursos, diferentes campi, Institutos e com a sociedade, objeto central de toda a ação educativa.

- a territorialidade, representa o compromisso com o desenvolvimento soberano sustentável e inclusivo de seu território de atuação (PACHECO, 2020, p. 10-11).

A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia compreende um importante avanço da educação profissional do país, uma quebra de paradigmas, não representando apenas uma ampliação no número de instituições, o que, sem dúvida, contribuiu para o processo de interiorização, de inclusão educacional e social, mas também trazendo a concepção de uma educação que integra ciência, tecnologia e cultura, na qual o estudo dos conteúdos científicos e tecnológicos se dá de maneira articulada a questões éticas, históricas, políticas, culturais e socioeconômicas tão fundamentais para o empoderamento e para o processo de emancipação dos sujeitos sociais.

O compromisso e a responsabilidade social se traduzem no conceito de um projeto que marca sua posição como instituição de ensino profissional e técnico, visando à formação de indivíduos com competências sociais, cognitivas e produtivas por meio da prática interativa e crítico-reflexivas diante da realidade de um mundo em constante transformação.

3 Revoluções Industriais e a Indústria 4.0

A humanidade está em permanente evolução, em cada período histórico se concretizam novas formas de viver e conviver. Alguns marcos de transformações tecnológicas importantes foram conceituados como Revoluções Industriais:

Segundo Santos; Manhães e Lima (2018), a Primeira Revolução Industrial ocorreu a partir do século XVIII e modificou o modelo de produção, o que antes era artesanal passou a ser produzido por meio de máquinas a vapor, com aumento de produtividade, mudanças na economia e impactos no estilo de vida das pessoas. A segunda Revolução Industrial chegou e fez a introdução da energia elétrica nos sistemas produtivos, fomentou a produção em massa e a divisão do trabalho. A terceira incorporou o uso da eletrônica e da tecnologia da informação para aprimorar a automação nos processos produtivos.

Atualmente vivemos um novo momento tecnológico, iniciado na última década, que, mais do que uma nova forma de produção, vem sendo considerado um novo capítulo no processo de desenvolvimento humano (SCHWAB, 2016), a Quarta Revolução Industrial, a Indústria 4.0. Silveira (2016) descreve as inovações percebidas: conta com sistemas cibernéticos, internet das coisas, redes e inteligência artificial que podem operar de forma autônoma prevendo falhas e necessidades de manutenções, além de se poderem ajustar às mudanças de planejamento na produção.

3.1 Indústria 4.0 e Seus Profissionais

Discutida no Fórum Econômico Mundial como mais do que uma mudança de base tecnológica, a indústria 4.0 é descrita como uma transformação mais profunda que as demais revoluções. Trata-se não só de mudança nos modos de produção e trabalho, mas também das relações humanas: comunicação instantânea, realidade aumentada e computação quântica são exemplos de tecnologias que interferem na vida de todos. Paralelamente temos a exposição das desigualdades que nega a grande parte da população mundial o direito de usufruir dos benefícios desses avanços. No mundo globalizado a miséria de parte da população mundial interfere diretamente no destino do planeta, trazendo à tona a necessidade de incluir todas as populações nos moldes da quarta Revolução Industrial. Nessa perspectiva, a educação se torna ferramenta de inclusão fundamental, formando novos profissionais aptos a dominar as tecnologias e seres humanos capazes de garantir uma revolução democrática, justa e segura (SCHWAB, 2016).

A Indústria 4.0 exigirá profissionais com um perfil diferente, que necessitem de competências específicas, acompanhem a evolução das tecnologias aplicadas, possuam capacidade de se integrar aos recursos físicos e digitais e estejam preparados para atuar nos departamentos estratégicos, táticos e operacionais.

Para as indústrias com características que contemplem a concepção de Indústria 4.0, novas tarefas serão criadas, enquanto outras serão aperfeiçoadas (DOMBROWSKI; WAGNER, 2014; GORECKY et al., 2014; BECKER; STERN, 2016). Tarefas atuais de produção, caracterizadas como fáceis, repetitivas e estressantes, serão automatizadas e executadas por sistemas mais autônomos. A indústria 4.0 demanda competências básicas tais como: comunicação, aperfeiçoamento de habilidades interpessoais, de linguagem; liderança, entendida como a gestão adequada dos recursos humanos e dos conflitos; criatividade, como capacidade de posicionar ideias comuns ou inovadoras sobre um assunto ou situação; conhecimento técnico, compreensão dinâmica das tecnologias da comunicação, informação e operações diversas, uma vez que o conhecimento aprofundado de tecnologia e de processos inteligentes serão indispensáveis; habilidades analíticas, como monitorar e supervisionar os sistemas com auxílio de softwares e tecnologias específicas, facilitando decisões em tempo real, compreendendo a operação de tecnologias e extraindo resultados das mesmas; a inovação, entendida como a facilidade em acompanhar mudanças tecnológicas e organizacionais, tendo boa adaptabilidade às mudanças nos cenários e alterações nos fluxos de trabalho; e processos decisórios, relativos ao trabalhador como solucionador de problemas criativos quando confrontado com problemas complexos e dinâmicos (SILVA; KOVALESKI e PAGANI., 2019).

Diante do exposto, ressalta-se a importância da reformulação curricular na Educação Profissional e Tecnológica. A formação dos futuros profissionais 4.0 necessita tanto das competências sociais e comportamentais quanto das competências funcionais/tecnológicas. Uma formação tão abrangente é chamada de integral/omnilateral e tem por finalidade a autonomia e a emancipação dos sujeitos (GUIMARÃES, 2020, p. 30).

Nesse contexto, destacam-se os Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica, que possuem o potencial para uma formação de excelência. Seu formato único de educação básica integrada às possibilidades de verticalização do ensino os tornam cruciais na oferta da oportunidade de formação para os trabalhadores e cidadãos brasileiros.

4 A pandemia e a formação profissional nos Institutos Federais: perspectivas para o futuro pós-pandemia – para onde vamos?

Ao analisar o atual cenário da Educação no Brasil não se pode desconsiderar que esta sempre esteve vinculada a um Projeto de Sociedade correspondente à visão de mundo preponderante em cada contexto histórico. Isso leva a um desconforto justificável, posto que, mesmo antes da declaração realizada em 11 de março de 2020 por Tedros Adhanom, diretor Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), de que o estado de contaminação da doença causada pelo novo coronavírus havia sido elevado à pandemia1 de covid-19, já vivíamos momentos de incertezas econômicas, políticas e éticas que certamente influenciaram a forma pela qual a população brasileira e consequentemente a Educação foram afetadas por esse anúncio.

O abismo existente entre as diferentes classes sociais ficou ainda mais evidente, alguns tiveram acesso ao melhor em termos de saúde, enquanto outros precisaram amargar enormes filas de espera por leitos. Fatores como a precarização das relações de trabalho e o aumento exponencial da informalidade e do desemprego2 contribuíram para a exposição ao vírus, sobretudo das classes mais vulneráveis economicamente, que não puderam cumprir com o isolamento social tão amplamente recomendado pelos órgãos de imprensa. Nessa direção concordam Cruz, Bizelli, Bizelli (2021) ao afirmarem que “as desigualdades sociais do Brasil se somam à pandemia e as consequências da covid-19 têm caráter de classe”.

Esse dualismo também foi percebido nas escolas (ou seria nas telas por onde as relações se estabeleceram? E quem não tinha telas ou como acessá-las?). Durante o período em que as aulas aconteceram, quando aconteceram, de maneira não presencial, dois grupos de estudantes ficaram mais evidentes: um primeiro, que tendo acesso tecnológico e condições de usá-lo bem como de se dedicar apenas aos estudos e aguardar o retorno às atividades presenciais, e um segundo, que não usufruiu de tal acesso – ou o teve de forma limitada – e que precisou deixar a escola, ou colocá-la em segundo plano para ingressar no Mundo do Trabalho e garantir sua sobrevivência e por vezes de toda sua família no contexto pandêmico.

O último Censo Escolar3 traz dados referentes ao ano letivo de 2021, os quais comparados aos de 2020 revelam as diferentes consequências desse momento para estudantes de diferentes classes sociais, que devem ser considerados a fim de se garantir o direito à Educação conforme o princípio de “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”, expresso no Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O índice de abandono escolar no Ensino Médio brasileiro subiu de 2,3% em 2020 para 5,0% em 2021, embora, nas redes federais, esse aumento tenha sido menos expressivo, de 1,8% para 1,9%. Outra informação relevante é que o índice de abandono também aumentou na rede estadual, onde está concentrado o maior número de matrículas no Ensino Médio, diferentemente do que ocorreu com a rede privada, a única em que não houve aumento da taxa de abandono.

São inegáveis os efeitos da pandemia para a educação brasileira, porém, partindo do pressuposto de que toda crise4 revela uma oportunidade de reflexão capaz de levar a ações transformadoras, talvez caiba parafrasear o poeta Carlos Drumond de Andrade e perguntar “E agora, José?”. Para onde vamos?

O papel dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, considerando sua proposta de Ensino Médio Integrado à educação profissional, é fundamental diante do contexto que se apresenta, conforme entendido por Ramos (2008, p. 13):

O ensino médio integrado à educação profissional, como dissemos, é tanto possível quanto necessário em uma realidade conjunturalmente desfavorável – em que os filhos dos trabalhadores precisam obter uma profissão ainda no nível médio, não podendo adiar este projeto para o nível superior de ensino. Mas ele pode potencializar mudanças para, superando-se essa conjuntura, constituir-se em uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa.

Mesmo diante da possibilidade aqui apresentada é fundamental, de acordo com Ramos (2008), não atribuirmos a responsabilidade da empregabilidade às escolas e/ou aos indivíduos, pois estaríamos reforçando uma lógica excludente contida em um discurso ideológico que a torna um mérito individual e/ou da Instituição. É preciso, dentro dos Institutos, formar profissionais capazes de compreender a realidade na qual estão inseridos mas também de refletir sobre ela e agir para transformá-la, profissionais que, embora saibam respeitar e conviver com as individualidades, também percebam a importância de se lutar pelo coletivo. Sobre a formação a ser oferecida, Oliveira (2021) salienta:

A escola precisará, a partir de Gramsci, perseguir uma formação omnilateral, ou seja, uma formação que não se ocupe de formar um indivíduo fragmentado, alienado, mas que busque desenvolver todas as suas dimensões, integrando formação acadêmica, técnica/tecnológica, política, cultural, artística e científica. (OLIVEIRA, 2021, p. 7).

Frente ao exposto e considerando a boa estrutura física, o quadro de servidores com formação de excelência, bem como a proposta pedagógica dos Institutos em relação a outras instituições públicas de Ensino Médio, estes estão imbuídos de grande responsabilidade, havendo ali força potente para, por meio da oferta de uma educação comprometida com essa classe trabalhadora, contribuir para formar, propor espaços de debate que possibilitem, além da formação técnica de qualidade uma formação emancipadora que se traduza em reflexão, ação, luta e sobretudo em resistência.

5 Considerações finais

Este artigo se propôs inicialmente a realizar um resgate histórico da educação profissional no Brasil desde a criação da Escola de Aprendizes e Artífices, em 1909, de objetivos nitidamente assistencialistas, passando por diferentes projetos de sociedade movidos por interesses políticos e econômicos que permitiram a compreensão de que estes influenciaram diretamente nas mudanças ocorridas, inclusive, na forma como a educação profissional é concebida.

Levando-se em conta os aspectos mencionados ao se tratar do marco representativo que foi a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em 2008, foi possível constatar que a proposta destes visa a uma formação profissional diferenciada que, para além de formar profissionais com competências técnicas, objetiva formar cidadãos capazes de ingressar no Mundo do Trabalho, compreendendo-o e sendo capazes de nele intervir, contribuindo assim para a formação de uma sociedade mais justa, equânime e solidária.

Compreender os impactos da revolução industrial, da indústria 4.0 e da pandemia de covid-19 é essencial para que se reflita sobre a importância de uma formação profissional integral que considere os aspectos já mencionados neste Artigo. O papel dos Institutos Federais ganha ainda mais relevância se forem considerados os recursos pedagógicos, humanos e estruturais que possuem, principalmente quando comparados a outras instituições de educação profissional. Porém, há que se cuidar para que não recaia sobre os IF, e nem sobre os estudantes que neste se formarem, a responsabilização por sua empregabilidade. É preciso que haja mobilização popular, e, de forma mais específica, da classe trabalhadora, para que políticas públicas sejam criadas neste sentido.

As respostas não estão prontas e este trabalho possibilitou reflexões iniciais que se fazem necessárias para que se compreenda o papel dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia na formação profissional para o mundo do trabalho.

Referências

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Notas

1 De acordo com a Organização Mundial de Saúde, pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.
2 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, a taxa de desemprego, referente às pessoas com idade para trabalhar que não estão trabalhando mas estão disponíveis e tentam encontrar trabalho, que estava em 12,1% no 1º trimestre de 2019, chegou a alcançar 14,9% no 3º trimestre de 2020, índice repetido no 1º trimestre de 2021.
3 Principal pesquisa estatística da educação básica, o Censo Escolar é coordenado pelo Inep e realizado, em regime de colaboração, entre as secretarias estaduais e municipais de Educação, com a participação de todas as escolas públicas e privadas do País. https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/divulgado-resultado-da-2a-etapa-do-censo-escolar-2021. Acesso em: maio de 2022.
4 Crise no sentido chinês, que nos faz reinventar, ressignificar e buscar novos caminhos, conforme expressa pelo Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto, em sua participação no XIII - ETP IFMA - Formação Profissional e Tecnológica para um mundo pós-pandemia, que ocorreu em 12 de abril de 2021.

Notas de autor

1 Especialista em Psicopedagogia pelo Isecensa. Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – São João da Barra/RJ – Brasil. E-mail: rochaalessandra679@gmail.com.
2 Especialista em Tecnologias Educacionais pela Universidade Tiradentes (UNIT). Técnico pedagógico da Secretaria de Estado da Educação e do Desporto e Professora de educação básica da Secretaria Municipal da Educação de Aracaju/SE – Brasil. E-mail: geizasobral1974@gmail.com.
3 Especialista em Administração Pública pela Universidade Cândido Mendes. Tecnólogo em gestão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: jdesantanasanos@gmail.com.
4 Especialista em Língua Portuguesa pela UNIFLU. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: rartiles@iff.edu.br.
5 Especialista em Supervisão Escolar, Orientação Educacional, Inspeção e Administração Escolar. Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Macaé/RJ – Brasil. E-mail: dearaujolima.sandra@gmail.com.
6 Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Macaé/RJ – Brasil. E-mail:jaferreirasilva@gmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): ROCHA, A. et al. Formação profissional para o mundo do trabalho: o papel dos Institutos Federais. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 281-294, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p281-294. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/18229.

COMO CITAR (APA): Rocha, A., Conceição, G. L. S., Santos, J. L. S., Artiles, R. C. F., Lima, S. H. A., & Silva, J. A. F. (2022). Formação profissional para o mundo do trabalho: o papel dos Institutos Federais. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 281-294. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p281-294.

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