Artigos de Revisão
O uso de agrotóxicos e os impactos na saúde do trabalhador rural: uma revisão sobre o herbicida glifosato
The use of pesticides and the impacts on the health of rural workers: a review of the herbicide glyphosate
El uso de plaguicidas y los impactos en la salud de los trabajadores rurales: una revisión del herbicida glifosato
O uso de agrotóxicos e os impactos na saúde do trabalhador rural: uma revisão sobre o herbicida glifosato
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 25, núm. 2, e25218576, 2023
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 13 Septiembre 2022
Aprobación: 05 Mayo 2023
Publicación: 26 Mayo 2023
Resumo: O uso excessivo de agrotóxicos no Brasil, um país que se destaca pela atividade agrícola, pode aumentar o risco de contaminação humana e do meio ambiente. Dentre estes, encontra-se o glifosato, um herbicida não seletivo, que teve seu consumo aumentado com o uso de sementes transgênicas na agricultura extensiva. Diversos estudos têm evidenciado o potencial de intoxicação por exposição crônica ao glifosato, e de interferência no sistema endócrino humano, podendo causar doenças como câncer, mal de Alzheimer e mal de Parkinson. Além disso, há relatos associados a desordens gastrointestinais, com potencial para influenciar na obesidade, diabetes e doenças cardíacas. Este artigo de revisão tem como objetivo realizar um levantamento sobre a utilização dos agrotóxicos e os possíveis agravos à saúde do trabalhador rural, com ênfase no herbicida glifosato, além do levantamento das medidas de proteção e controle do uso do glifosato no cotidiano do trabalhador rural.
Palavras-chave: defensivo agrícola, saúde do trabalhador, segurança do trabalho.
Abstract: The excessive use of pesticides in Brazil, a country that stands out for its agricultural activity, can increase the risk of human and environmental contamination. Among these, there is glyphosate, a non-selective herbicide, which had its consumption increased with the use of transgenic seeds in extensive agriculture. Several studies have shown the potential for intoxication by chronic exposure to glyphosate, which can interfere with the human endocrine system and cause diseases such as cancer, Alzheimer's and Parkinson's disease. In addition, there are reports associated with gastrointestinal disorders, with the potential to influence obesity, diabetes, and heart disease. This article aims to carry out a survey on the use of pesticides and the possible harm to the health of rural workers, with emphasis on the herbicide glyphosate. In addition, we carried out a survey of measures to protect and control the use of glyphosate in the daily life of rural workers.
Keywords: crop protection, worker's health, worker safety.
Resumen: El uso excesivo de pesticidas en Brasil, un país que se destaca por su actividad agrícola, que puede aumentar el riesgo de la contaminación humana y ambiental. Entre estos se encuentra el glifosato, un herbicida no selectivo, cuyo consumo se incrementó con el uso de semillas transgénicas en la agricultura extensiva. Varios estudios evidencian el potencial de intoxicación por exposición crónica al glifosato, y de interferencia en el sistema endocrino de los humanos, generando enfermedades como el cáncer, el Alzheimer y la enfermedad de Parkinson. Además, hay informes de trastornos gastrointestinales, con potencial para influir en la obesidad, la diabetes y las enfermedades cardíacas. Este artículo de revisión tiene como objetivo realizar una investigación científica sobre el uso de plaguicidas y los posibles agravantes para la salud de los trabajadores rurales, con énfasis en el herbicida glifosato. Además, se realizó una encuesta sobre medidas para proteger y controlar el uso de glifosato en el día a día de los trabajadores rurales.
Palabras clave: protección de cultivos, la salud de los trabajadores, seguridad de los trabajadores.
1 Introdução
Apesar de não ser o principal produtor agrícola mundial, o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos (DIAS et al., 2023). Entre os produtos, os herbicidas são os mais utilizados, seguido por inseticidas, fungicidas, entre outros. A utilização dos agrotóxicos está intimamente relacionada com o aumento da produtividade das lavouras (PETARLI et al., 2019; RIBEIRO et al., 2016; VIERO et al., 2016).
O uso abusivo desses produtos pode acarretar diversos problemas à saúde dos trabalhadores rurais e ao meio ambiente, destruindo a fauna e a flora devido a alguns fatores, como falta do uso de equipamentos de proteção individual, alta toxicidade, além da ineficiência nos mecanismos de fiscalização (COELHO; COELHO, 2017; RIBEIRO et al., 2016; VIERO et al., 2016).
Dentre os agrotóxicos amplamente utilizados no mundo, encontra-se o herbicida N-(fosfonometil) glicina, comumente conhecido como glifosato, um sólido branco, de fórmula C3H8NO5P, com massa molar de 169,1 g/mol (SINGH et al., 2020). A patente como herbicida nos EUA em 1971 possibilitou sua comercialização a partir de 1974, com nome comercial Roundup®, pela Monsanto Company. Outras formulações à base de glifosato também são disponíveis no mercado, como a Accord® e Touchdown® (TARAZONA et al., 2017). Utilizado no combate a ervas daninhas, seu uso aumentou com a liberação de lavouras transgênicas, como a soja, que foi modificada para ser mais resistentes a esse herbicida. No Brasil, segundo dados do Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (AGROFIT) existem 34 empresas com mais de 100 produtos comerciais à base de glifosato registrados (AGROFIT, 2020). Classificado como provável cancerígeno humano (grupo 2A) (IARC, 2015) e na classe IV, pouco tóxico (ANVISA, 2018), já há evidências de efeitos ao meio ambiente, causado pela resistência adquirida pelo uso prolongado do glifosato em algumas ervas (AMARANTE JUNIOR et al., 2002; ANVISA, 2020).
Considerando o grande uso de agrotóxicos e os riscos ocupacionais que eles podem causar, vê-se a necessidade de realizar um levantamento bibliográfico a respeito do uso desses agrotóxicos pelos trabalhadores rurais, em especial, os que possuem como princípio ativo o herbicida glifosato. Com isso, este estudo apresenta uma revisão bibliográfica sobre o uso dos agrotóxicos e os agravos à saúde do trabalhador rural com ênfase no herbicida glifosato, mostrando também o cenário da agricultura e utilização dos agrotóxicos, além dos efeitos adversos ao meio ambiente.
2 Referencial Teórico
2.1 A agricultura e o uso de agrotóxicos
A prática da agricultura é realizada há mais de dez mil anos pela humanidade. Antigas civilizações usavam o enxofre, arsênio e calcário, além de substâncias orgânicas como a nicotina. No entanto, passou-se a utilizar intensamente os agrotóxicos na agricultura há pouco mais de meio século (LONDRES, 2011; SILVA et al., 2005).
No Brasil, o uso se deu a partir da década de 1960, intensificando os riscos de doenças dos trabalhadores rurais, visto que esses produtos começaram a fazer parte no cotidiano do setor agrícola (SILVA et al., 2005). Cerca de 70% dos alimentos in natura consumidos no país contém agrotóxicos, sendo 28% com substâncias não autorizadas (ABRASCO, 2012).
2.2 Classificação dos agrotóxicos
A Lei Federal nº 7.802 de 11 de julho de 1989, Artigo 2, Inciso I define agrotóxicos e afins como:
a) os produtos e os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos; b) substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento. (BRASIL, 1989, p. 1).
Dentre os agrotóxicos, encontram-se os herbicidas, utilizado contra ervas daninhas, os fungicidas, para evitar a proliferação de fungos, entre outros. Como pode-se observar, são nomeados trazendo referência à classe a que se destinam (ALMEIDA et al., 1985).
A Diretoria Colegiada da ANVISA (DICOL) aprovou em julho de 2019 o novo marco regulatório dos agrotóxicos, a fim de melhorar os critérios de avaliação e classificação toxicológica dos produtos no Brasil. Foram observadas mudanças nas regras de rotulagem, como uso de pictogramas com palavras de precaução, facilitando a identificação dos riscos e perigos durante o uso. Além disso, têm-se cinco categorias de classificação toxicológica (antes eram quatro), sendo incluso também o item “não classificável”, para produtos de baixo potencial de dano. Vale ressaltar que a classificação é determinada com base nos componentes dos agrotóxicos, além de levar em consideração os danos associados a cada via de ingresso no organismo (via oral, dérmica ou inalatória) (ANVISA, 2019; INCA, 2019).
2.3 Agrotóxico e meio ambiente
O uso indiscriminado de agrotóxicos pode acarretar consequências graves a longo prazo e seus efeitos podem ser irreversíveis. Essas substâncias podem ser dispersas no ambiente pela ação dos ventos e água da chuva. (BOHNER; ARAÚJO; NISHIJIMA, 2013).
A aplicação dos agrotóxicos é feita diretamente nas plantas ou no solo (SCORZA JUNIOR; NÉVOLA; AYELO, 2010). Uma porcentagem menor que 10% de agrotóxicos pulverizados atingem o seu alvo (ALVES FILHO, 2002). Além disso, mesmo que aplicados sob as plantas, o destino final acaba sendo o solo, por meio da chuva ou irrigação o que pode levar à contaminação dos lençóis freáticos, podendo ser carreado e atingir áreas distantes do local de aplicação (BOHNER; ARAÚJO; NISHIJIMA, 2013).
Outro agravante para contaminação do solo e dos sistemas hídricos é a falta de cobertura vegetal na fase inicial da plantação. Possíveis fontes de contaminação de sistemas hídricos também são associados ao deflúvio superficial e ao transporte de agrotóxicos pela atmosfera (VEIGA et al., 2006).
2.4 Agrotóxico e saúde do trabalhador rural
As características químicas dos agrotóxicos, bem como o tempo de exposição, a quantidade absorvida e a sensibilidade individual são fatores que determinam os efeitos adversos dos agrotóxicos à saúde humana.
Os agrotóxicos podem ter absorção cutânea, serem inalados e, em menor quantidade pela via oral, podem causar níveis variados de intoxicação (VEIGA et al., 2006). Efeitos agudos podem surgir, como náusea, cefaleia, vômitos, irritação de pele e mucosa, podendo levar até mesmo à dificuldade respiratória e morte. (SILVA et al., 2005). Já os efeitos crônicos, como alterações genéticas, câncer, problemas no trato gastrointestinal, entre outros, podem surgir, sendo mais difíceis de serem reconhecidos clinicamente (efeito causal) (AMARAL; ROSA; SARCINELLI, 2013; SILVA et al., 2005).
Em se tratando dos registros e notificações de casos de intoxicação por agrotóxicos, pode-se afirmar que os dados oficiais brasileiros não retratam de fato a gravidade do que é presenciado no cotidiano dos colaboradores. Diversos fatores influenciam no subdiagnóstico e no subregistro, como: acesso dificultado a hospitais e posto de saúde, erros de diagnóstico que não relacionam problemas de saúde com exposição aos agrotóxicos, principalmente se forem efeitos crônicos, entre outros (PERES et al., 2001).
2.5 Herbicida Glifosato
O glifosato (N-(fosfonometil) glicina) é um dos herbicidas mais comercializados no mundo. Tanto o glifosato quanto seus sais são muito solúveis em água e quase insolúveis em solventes orgânicos comuns (ARAÚJO, 2015; FARIA, 2015). Ele pode ser degradado rapidamente por microrganismos por meio de duas rotas catabólicas, tendo como principal metabólito o ácido aminometilfosfônico (AMPA) e como intermediário, a sarcosina. (SOUZA et al., 2006).
O glifosato é indicado no controle de ervas daninhas, no plantio de cana-de-açúcar, café́, maçã, milho, soja, para as culturas de banana, cacau, ameixa e plantio direto do algodão. Também pode ser utilizado no controle de ervas aquáticas, sendo aplicado diretamente na água. Em concentrações menores – máximo de 1% p/v de ingrediente ativo permitido – pode ser comercializado para pessoas que praticam jardinagem amadora (AMARANTE JUNIOR et al., 2002; ANVISA, 2018).
Trata-se de um herbicida não seletivo, pós-emergente e o ingrediente ativo mais utilizado na agricultura brasileira, com aproximadamente 173 mil toneladas comercializadas em 2017. Essa quantia equivale a 60% da venda mundial de herbicidas, o que representa 1,2 bilhão de dólares por ano (AMARANTE JUNIOR et al., 2002; ANVISA, 2018). Sabe-se que o glifosato está associado à destruição de plantas silvestres e, portanto, seu uso em excesso pode levar à diminuição da biodiversidade, visto que alguns animais podem se alimentar dessas plantas, alterando o equilíbrio do ecossistema local (AMARAL; ROSA; SARCINELLI, 2013).
O glifosato no meio ambiente tende a ser inativo em contato com o solo, não sendo facilmente lixiviado devido a sua adsorção rápida. Além disso, o glifosato não absorve radiação eletromagnética visível, por não conter grupos cromóforos, portanto métodos colorimétricos ou de fluorescência para detectá-lo não funcionam, a não ser de forma indireta (AMARANTE JUNIOR et al., 2002).
A respeito da toxicidade aguda do glifosato, ela é considerada baixa. A dose letal (LD)50 oral do glifosato puro em ratos é de 4.230 mg/kg. Apesar do glifosato apresentar baixa toxicidade aguda, as formulações geralmente possuem surfactantes, que dificultam a formação de gotas e impedem que outras folhas sejam atingidas, além das pulverizadas. Porém, em algumas formulações, os surfactantes estão presentes em quantidade mais elevada que o próprio ingrediente ativo e são irritantes, o que tem chamado a atenção do setor de saúde. Inclusive, novos surfactantes têm sido testados com aprovação de órgãos competentes (AMARANTE JUNIOR et al., 2002).
Em âmbito nacional, o limite máximo de resíduos em alimentos (LMR) é estabelecido pela ANVISA, levando em consideração o limite de tolerância (em ppm) e o intervalo de segurança (tempo decorrido entre aplicação e colheita). Em frutos como ameixa, pera e uva, o limite é 0,2 ppm, enquanto o café é de 1,0 ppm, ambos para um intervalo de segurança de 15 dias (ANVISA, 2020). Quando se trata de padrão de potabilidade da água, o valor máximo permitido (VMP) no Brasil é de 500 µg/L (BRASIL, 2021). Há variações consideráveis para outros países, como a diferença do VMP para a União Europeia, que é de 0,1 µg/L e do Japão, em que o VMP é de 2.000 µg/L. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) estabelece o limite de 700 µg/L de glifosato em água potável (OLIVEIRA; AGOSTINETTO; SIEGLOCH, 2021).
Além da variação dos limites de tolerância de cada país citados anteriormente, observa-se que, em alguns países como Áustria, Suécia, Arábia Saudita, entre outros, a comercialização do glifosato é proibida, enquanto em outros, como Brasil e Estados Unidos, o uso é permitido (POL; HUPFFER; FIGUEIREDO, 2021). Por ser um herbicida amplamente utilizado no Brasil, este trabalho buscou correlacionar o risco de exposição ao herbicida e possíveis efeitos na saúde do trabalhador rural.
3 Metodologia
Este estudo foi desenvolvido por meio de revisão bibliográfica utilizando como base fontes de informações públicas e gratuitas como sites de pesquisa científica, universidades e de órgãos do Governo Federal. Dentre eles, utilizou-se o site periódico da CAPES (www.periodicos.capes.gov.br), o da Scientific Electronic Library Online (Scielo), o site da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e o da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).
Primeiramente, buscaram-se estudos na literatura que relacionassem o risco de exposição ao herbicida glifosato com doenças na saúde do trabalhador rural. Buscou-se manter uma similaridade nos termos de busca: “glyphosate” no título; “glyphosate toxicity” em qualquer termo; “glifosato e a saúde do trabalhador rural” em qualquer assunto; “exposição ocupacional ao herbicida glifosato” em qualquer assunto; “Longa exposição ao glifosato” e “efeitos”; “Trabalhador rural” e “doenças ocupacionais”; “Glifosato” e “doenças ocupacionais”.
Após uma leitura aprofundada de 80 artigos, foram selecionados 30 artigos que mais se encaixaram com o perfil da pesquisa.
4 Resultados e Discussão
Apesar da exposição aguda do glifosato não ser de fato letal, intoxicações subagudas e crônicas com sequelas irreversíveis podem ocorrer caso o trabalhador fique exposto por um longo período ou tenha ciclos de intoxicação aguda. Relacionado à toxicidade, estudos relatam que o herbicida glifosato em doses elevadas pode irritar a pele e olhos, causar danos ao fígado e rins, dermatites de contato, entre outros (BRADBERRY, PROUDFOOT, VALE, 2004; HERAS-MENDAZA et al., 2008; PENAGOS et al., 2004; PIGNATI et al., 2017). Bradberry, Proudfoot e Vale (2004) relatam características gastrointestinais leves e transitórias em casos de ingestão acidental do glifosato. Porém, em quantidades maiores (maior que 85 mL da formulação concentrada), os efeitos são potencializados, podendo causar uma toxicidade significativa, com efeitos corrosivos gastrointestinais, insuficiência renal e hepática, dificuldade respiratória, edema pulmonar, além de efeitos em caso de contato com a pele, como dermatite de contato e irritação nos olhos (conjuntivite).
Observam-se, ainda, após diversos estudos experimentais e clínicos, outros efeitos adversos relacionados à exposição crônica, como: agente genotóxico, disruptor endócrino, alergênico. (BENACHOUR et al., 2007; GASNIER et al., 2009; HERAS-MENDAZA et al., 2008; HOKANSON et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2007; PENAGOS et al., 2004; POLETTA et al., 2009; RICHARD et al., 2005). Richard e colaboradores (2005) realizaram testes enzimáticos para a toxicidade do glifosato em células da placenta humana, além de verificarem o potencial desse herbicida como desregulador endócrino. Observou-se que, para mamíferos, o glifosato atua como disruptor em concentrações menores que o uso recomendado na agricultura, sendo percebido nas células da placenta humana após 18 horas de teste enzimático. Hokanson et al. (2007), por exemplo, realizaram testes de DNA in vitro para comprovar (com PCR quantitativo em tempo real) a capacidade do glifosato em alterar a expressão de genes em células humanas.
Outros estudiosos relatam relação do uso de glifosato com doenças como diabetes, doenças cardíacas, mal de Alzheimer, Parkinson, depressão, autismo (CATTANI et al., 2017; MACHADO et al., 2020; SAMSELL; SENEFF, 2013, 2015). Alguns estudos também apontam para o caráter carcinogênico do glifosato (COSTA; MELLO; FRIEDRICH, 2017; GASNIER et al., 2009; KUPSKE, 2018; SAMSELL; SENEFF, 2015). Também foi observado durante esta pesquisa o efeito desse herbicida no reino vegetal. Estudos mostram que o glifosato inibe a enzima EPSPS, responsável pela biossíntese dos aminoácidos, essenciais à sobrevivência de vegetais. Sendo interrompida a síntese desta enzima, consequentemente há morte dos vegetais (KRAUSE; TREZZI; VIDAL, 2000). No Quadro 1 está demonstrada de forma objetiva a periodização dos estudos (em ordem cronológica) e os efeitos relatados referente ao uso do glifosato em cada literatura neste artigo de revisão.
AUTORES DE REFERÊNCIA | EFEITOS ADVERSOS |
Bradberry, Proudfoot, Vale (2004) | Efeitos corrosivos gastrointestinais, insuficiência renal e hepática, dificuldade respiratória, edema pulmonar, dermatite de contato, irritação nos olhos (conjuntivite) |
Penagos et al. (2004) | Dermatite alérgica de contato (DAC) em trabalhadores de plantação de banana altamente expostos. |
Richard et al. (2005) | Testes enzimáticos comprovam genotoxicidade e disrupção endócrina |
Hokanson et al. (2007) | Testes de DNA in vitro para comprovar alteração da expressão de genes em células humanas |
Oliveira et al. (2007) | Efeitos na reprodução animal dependentes da dose |
Benachour et al. (2007) | Teste de toxicidade e o potencial de desregulação endócrina corroboram com a tese de que a exposição ao Roundup® pode afetar a reprodução humana e o desenvolvimento fetal em caso de contaminação |
Heras-Mendaza et al. (2008) | Eritema multiforme (dermatite de contato) irritante |
Gasnier et al. (2009) | Teste de 24h para testar disrupção em células hepáticas, endócrinas e danos ao DNA. Carcinogenicidade, mutagenicidade também são citados |
Poletta et al. (2009) | Genotoxicidade evidenciada em testes de micronúcleo e ensaio de cometa em jacarés |
Samsell; Seneff, (2013, 2015) | Distúrbios gastrointestinais, diabetes, doenças cardíacas, depressão, autismo e doença de Alzheimer, proliferação de células de câncer de mama, doença de Parkinson |
Cattani et al. (2017) | Neurotoxicidade (teste em ratos) |
Costa; Mello; Friedrich (2017) | Risco de desenvolvimento de câncer do tipo linfoma não Hodgkin (LNH) |
Pignati et al. (2017) | Malformação fetal e carcinogenicidade |
Mesnage; Antoniou (2017) | Se contrapõem a alguns autores que relatam efeitos tóxicos mesmo abaixo do limite estabelecido por órgãos reguladores. |
Kupske (2018) | Carcinogenicidade |
Machado et al. (2020) | Neuropatia e depressão (teste em ratos) |
Pol, Hupffer e Figueiredo (2021) | Discutem as controvérsias científicas em relação ao glifosato |
Entretanto, apesar de diversos autores relatarem os potenciais danos causados pelo herbicida, alguns autores se contrapõem a esses apontamentos. Mesnage e Antoniou (2017) comentam sobre os fatos e falácias sobre o uso do glifosato. Eles citam que, enquanto os estudos influenciados por empresas que comercializam o produto afirmam que o glifosato é seguro abaixo dos limites de tolerância, autores cientistas e acadêmicos relatam efeitos tóxicos mesmo abaixo do limite estabelecido por órgãos reguladores. Esses autores consideram que alguns estudos feitos por cientistas que alegam efeitos negativos à saúde são teorias sem fundamento ou apenas hipóteses sugestivas.
Pol, Hupffer e Figueiredo (2021) também buscaram examinar as controvérsias científicas em relação ao agrotóxico glifosato. Os autores comentam que a comprovação dos efeitos danosos à saúde humana com o uso do herbicida traz proibição deste em alguns países, assim como consequências no sistema jurídico, como é o caso dos EUA, onde tramitam em torno de 95 mil processos em relação ao glifosato. Neste contexto, discutir sobre como é feito o monitoramento desse herbicida é de extrema importância para órgãos fiscalizadores e comunidade científica.
4.1 Monitoramento do Glifosato
Mesmo sendo o país que mais consome agrotóxicos, ainda há limitações para avaliar exposição aos agrotóxicos (DIAS et al., 2023; FARIA; FASSA; FACCHINI, 2007). Dentre os pontos que mais gera discussão e dificulta os estudos relacionados a problemas de saúde e agrotóxicos estão as limitações de avaliação da exposição. Em se tratando do glifosato, por necessitar de métodos de análise mais complexos, os principais controles de resíduos de agrotóxicos em alimentos no Brasil, como o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) coordenado pela ANVISA, não priorizam o monitoramento desse herbicida (FARIA, 2013). Dessa forma, técnicas mais simples para monitoramento desse herbicida não são utilizadas, como o método de multirresíduos (método utilizado para controlar resíduos de agrotóxicos em alimentos). O estudo americano de saúde na agricultura (AHS) tem utilizado metabólitos urinários como marcadores biológicos para o glifosato (FARIA, 2012).
Outro agravante são os casos em que o local de trabalho é o mesmo utilizado para moradia, a agricultura considerada familiar. Dessa forma, há complexidade para definir os limites geográficos da exposição ocupacional (FARIA, 2013; FARIA; FASSA; FACCHINI, 2007). Além deste fator, existem trabalhadores que ficam expostos a vários agrotóxicos diferentes durante a jornada de trabalho, o que torna a avaliação mais complexa, pois a maioria dos estudos testam o efeito toxicológico de um produto individualmente, sem avaliar o efeito sinérgico dessa exposição simultânea (FARIA, 2012).
4.2 Notificação de intoxicação por agrotóxico
Conforme a Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 1.271/2014 (BRASIL, 2014), o Sistema Nacional de Notificação de Agravos (SINAN) é responsável por registrar a intoxicação por agrotóxicos no país. A notificação, registrada semanalmente por meio de ficha de intoxicações exógenas, pode ser preenchida por profissionais de saúde, seja no âmbito público ou privado, entre outras instituições que prestam assistência a pacientes.
Além do SINAN existem outros sistemas para registro de intoxicações por agrotóxicos, como o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS) e a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) – este em caso de trabalhadores segurados da Previdência Social. Em casos de falecimento, o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) apresenta os registros (FARIA; FASSA; FACCHINI, 2007).
Em caso de intoxicações em comunidades rurais, há dificuldade no acesso a hospitais e postos de saúde, principalmente pela longa distância de seus postos de trabalho. Além disso, faltam profissionais treinados que saibam identificar sintomas apresentados com quadros de intoxicação por agrotóxicos, seja no meio rural ou urbano (OLIVEIRA-SILVA; MEYER, 2003). Neste contexto, os registros por intoxicação podem apresentar um número abaixo da realidade, visto que alguns sintomas podem ser facilmente confundidos com outras patologias, como insolação, comum em áreas rurais, parasitoses, disenterias, entre outros. Até em casos de intoxicações de caráter letal pode haver esse problema, visto que somente os Institutos Médico-Legais (IMLs) de grandes centros urbanos utilizam análises toxicológicas quando necessário (OLIVEIRA-SILVA; MEYER, 2003).
4.3 Medidas de Proteção
Um estudo realizado no município de Santa Maria de Jetibá (ES), com 550 pequenos agricultores, mostrou que 92% conheciam os nomes dos agrotóxicos que manuseavam. Destes, 66,4% responderam utilizar o herbicida com princípio ativo glifosato na agricultura. Porém, apenas 28,6% das pessoas entrevistadas disseram utilizar o equipamento de proteção individual (EPI) completo (PETARLI et al., 2019).
É fato que os trabalhadores rurais ainda se encontram vulneráveis às intoxicações, seja devido à baixa escolaridade ou até mesmo pela escassez de informações sobre os riscos associados à exposição dos agrotóxicos. Além disso, falta incentivo para criação de programas e políticas públicas que atendam às comunidades, a fim de evidenciar os efeitos adversos do uso de agrotóxicos e reforçar a importância do uso de equipamentos de proteção adequados (JACOBSON et al., 2009).
A ficha de informação de segurança de produtos químicos (FISPQ) do glifosato, sugere o uso de algumas proteções individuais, como proteção para a face, luvas de nitrila, botas de borracha, touca específica, macacão de mangas compridas que seja impermeável e de algodão, máscaras que tenham filtro químico e mecânico classe P2, a fim de evitar inalação de vapores orgânicos (MONSANTO, 2015). Apesar de o uso de EPIs não garantir total eficácia contra intoxicações crônicas, utilizá-los inadequadamente contribui para elevar o número de acidentes com os agrotóxicos (BURIGO, 2016). Vale ressaltar que, mesmo utilizando os EPIs, algumas atitudes durante o trabalho podem aumentar o risco de intoxicação, como: aplicar o agrotóxico e voltar ao local de cultura sem proteção após aplicação, não higienizar ou trocar os equipamentos de proteção com frequência descrita pelo fabricante (FARIA; FASSA; FACCHINI, 2007).
As medidas de caráter coletivo são tão importantes quanto as medidas de proteção individuais (GARCIA; ALVES FILHO, 2005). Além das práticas citadas para medidas de controle e proteção do trabalhador, vale citar a importância da rotulagem nos produtos e treinamento para os agricultores quanto à importância do uso dos equipamentos de proteção (MURRAY; TAYLOR, 2000).
Os EPIs possuem um papel complementar comparado com um conjunto de medidas de controle de riscos que pode ser adotada. Nas atividades agrícolas, os trabalhadores rurais devem utilizar os EPIs após outras medidas de segurança serem esgotadas, começando pela busca de eliminar o risco. Segundo os autores, a classificação das medidas de proteção são: observar as práticas utilizadas no campo, proporcionar medidas higiênicas de trabalho e, por fim, a utilização de equipamentos de proteção (GARCIA; ALVES FILHO, 2005).
A solução para os problemas de contaminação por agrotóxico seria a “educação” do usuário utilizando “treinamentos para o uso adequado”. No entanto, as dificuldades que existem de realizar mudanças na utilização inadequada dos agrotóxicos são devidas ao modelo de produção adotado; facilidade de compra dos produtos; más condições de saúde e até moradia, além de condições precárias de trabalho (BURIGO, 2016).
Possíveis medidas mitigadoras devem incluir: limitação e regulação no uso de substâncias que apresentem alta toxicidade; investimento em tecnologias menos agressivas à saúde; fiscalização na formulação dos agrotóxicos nas indústrias, além de inspeção em lojas; melhoria nos atendimentos em hospitais, além do amparo social; aumentar o nível de escolaridade, com capacitação dos trabalhadores rurais (incluindo treinamentos e alfabetização) (JACOBSON et al., 2009).
Em suma, no que se refere à segurança no trabalho com agrotóxicos, existe uma série de recomendações e equipamentos de proteção individual a serem observados pelos trabalhadores. Sabe-se que o manuseio de agrotóxicos deve ser realizado por pessoas informadas sobre os riscos. Orientá-los quanto às informações técnicas dos produtos é de suma importância, pois isso afeta diretamente na saúde e bem-estar deste trabalho. Nesse sentido, a alfabetização é muito importante, pois dessa forma o trabalhador rural consegue identificar nos rótulos e bulas dos produtos o grupo químico, o ingrediente ativo daquele produto e todas as informações necessárias para a utilização dos EPIs corretos. Além disso, uma eficiente atenção à saúde e o amparo social a essa classe trabalhadora são medidas muito necessárias, pois podem contribuir para a diminuição dos casos de subnotificação.
5 Considerações finais
Este estudo apresentou uma revisão bibliográfica sobre o uso de agrotóxicos na agricultura, com ênfase no herbicida glifosato. Observou-se que diversos estudos apontam a associação do uso do herbicida glifosato à ocorrência de problemas de saúde graves e potencialmente irreversíveis, tanto para o ser humano quanto para o meio ambiente.
É de extrema importância o monitoramento da saúde dos trabalhadores rurais, pois, na maioria das vezes, as pessoas que adoecem por conta da exposição aos venenos não conseguem comprovar as causas das doenças desenvolvidas. É muito relevante realizar visitas nas pequenas propriedades rurais, a fim de orientar e incentivar o uso de EPIs pelos trabalhadores e, de fato, mostrar a importância do uso correto.
Referências
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Notas de autor
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