Artigos de Revisão

A verticalização na educação profissional técnica e tecnológica, nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: entre conceitos e práticas

Verticalization in technical and vocational education and training, in Federal Institutes of Education, Science and Technology: between concepts and practices

Verticalización en la educación profesional técnica y tecnológica, en Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología: entre conceptos y prácticas

Suzany Campos Coelho 1
Brasil

A verticalização na educação profissional técnica e tecnológica, nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: entre conceitos e práticas

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 25, núm. 3, e25320834, 2023

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2023 pelos Autores.

Recepción: 25 Agosto 2023

Aprobación: 18 Diciembre 2023

Publicación: 19 Enero 2024

Resumo: O presente artigo aborda a proposta de verticalização do ensino, característica dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. O objetivo foi discutir aspectos conceituais e práticos relacionados a essa concepção curricular. Trata-se de um estudo exploratório, baseado em fontes bibliográficas, realizado no escopo da elaboração da pesquisa de mestrado da autora. Aborda-se, inicialmente, um histórico das políticas educacionais brasileiras relacionadas à educação profissionalizante. Na sequência, apresenta-se o histórico relacionado ao surgimento dos Institutos Federais, mostrando que o embasamento filosófico-educativo presente nos IFs propõe-se a superar a dicotomia tradicionalmente cultivada entre formação técnica x formação acadêmica. Por fim, apontam-se alguns dos desafios encontrados referentes à questão da verticalização, abordando a visão conceitual e trazendo aprofundamentos reflexivos sobre o significado da proposta de verticalização do ensino, mostrando que esta não se restringe à simples disponibilização da possibilidade de cursar as diversas etapas formativas, em múltiplas áreas, numa única instituição.

Palavras-chave: EPT, Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, verticalização.

Abstract: This article addresses the proposal of verticalization of teaching, characteristic of the Federal Institutes of Education, Science and Technology. The objective was to discuss conceptual and practical aspects related to this curricular conception. This is an exploratory study, based on bibliographical sources, carried out within the scope of the elaboration of our master's research. Initially, a history of Brazilian educational policies related to vocational education is discussed. Next, the history related to the emergence of the Federal Institutes is presented, showing that the philosophical-educational foundation present in the IF's proposes to overcome the traditionally cultivated dichotomy between technical training X academic training. Finally, some of the challenges found regarding the issue of verticalization are pointed out, approaching the conceptual view, and bringing reflective insights into the meaning of the proposed verticalization of teaching, showing that this is not restricted to the simple availability of the possibility of attending the various stages training courses, in multiple areas, in a single institution.

Keywords: TVET, Federal Institutes of Education, Science and Technology, verticalization.

Resumen: El presente artículo aborda la propuesta de verticalización de la enseñanza, propia de los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología. El objetivo fue discutir aspectos conceptuales y prácticos relacionados con esta concepción curricular. Se trata de un estudio exploratorio, basado en fuentes bibliográficas, realizado en el ámbito de la elaboración de nuestra investigación de maestría. Inicialmente, se discute una historia de las políticas educativas brasileñas relacionadas con la educación para el trabajo. A continuación, se presenta la historia relacionada con el surgimiento de los Institutos Federales, mostrando que el fundamento filosófico-educativo presente en los IF propone superar la dicotomía tradicionalmente cultivada entre formación técnica X formación académica. Finalmente, se señalan algunos de los desafíos encontrados en torno al tema de la verticalización, acercándose a la mirada conceptual y aportando reflexiones sobre el significado de la verticalización de la enseñanza, mostrando que ésta no se limita a la simple posibilidad de disfrutar de las diversas etapas formativas, en múltiples áreas en una sola institución.

Palabras clave: EPT, Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología, verticalización.

1 Introdução

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é uma das modalidades de educação que conta com amparo na legislação que regulamenta a educação escolar no Brasil e que se estrutura na tríade ensino/pesquisa/extensão, sendo oferecida em instituições para isso designadas. Essa modalidade de ensino conta com um rico e sinuoso histórico, que entrelaça modos diferentes de compreender e interpretar as relações entre os grupos sociais, a organização econômica e as políticas de educação no contexto brasileiro.

O presente trabalho teve como foco abordar a proposta de verticalização do ensino, presente desde o surgimento dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. E como objetivo da investigação, problematizaram-se as articulações entre a proposta de verticalização, seus significados conceituais e as práticas. Trata-se de um estudo exploratório, baseado principalmente em fontes bibliográficas, que foi realizado no escopo da elaboração da pesquisa de mestrado da autora, que analisou de que forma estão ocorrendo trajetórias de verticalização e como isso tem repercutido nas experiências de empregabilidade dos alunos, a partir de um estudo de caso no Campus Campos Centro1.

Mediante o exposto, o artigo inicia com uma abordagem panorâmica das políticas educacionais brasileiras relacionadas à educação profissionalizante, desde os seus primórdios até a criação e estruturação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Na sequência, apresenta-se o histórico relacionado ao surgimento dos Institutos Federais, discutem-se brevemente as concepções sobre ensino técnico e tecnológico, suas relações com a economia capitalista, mostrando que o embasamento filosófico-educativo presente nos IFs propõe-se a superar a dicotomia tradicionalmente cultivada entre formação técnica x formação acadêmica (e todos os seus corolários).

Por fim, apontam-se alguns dos desafios encontrados referentes à questão da verticalização, abordando a visão conceitual e trazendo aprofundamentos reflexivos sobre o significado da proposta de verticalização do ensino, mostrando que esta não se restringe à simples disponibilização da possibilidade de cursar as diversas etapas formativas, em múltiplas áreas, numa única instituição.

1.1 Políticas nacionais de educação profissional: breve revisão

As políticas de educação profissional no Brasil possuem uma longa história e têm conhecido complexas modificações, tendo partido de iniciativas descontínuas e pouco estruturadas, nas assim chamadas “artes e ofícios” que se destinavam a oferecer oportunidades variadas de algum tipo de profissionalização, voltadas às pessoas oriundas de classes menos favorecidas. Atualmente, tais políticas se centralizam em ofertar cursos técnicos (e tecnológicos) em diversos níveis e sistemas de ensino, oportunizando qualificação profissional para parcelas crescentes da população, sem que sejam pensadas a partir de um critério exclusivo de classe social.

Em termos de regulamentação oficial, é possível afirmar que o cenário inicial da educação profissional no Brasil inaugura-se com a promulgação do Decreto n° 7.566, de 23 de setembro de 1909, à época da presidência de Nilo Peçanha, o qual investiu nas primeiras 19 escolas técnicas de ensino profissional primário, garantindo a gratuidade no acesso a essa modalidade de ensino, uma vez que, conforme o pensamento social estabelecido naquele momento histórico, foram criadas para capacitar pessoas “desvalidas da sorte”, de modo a que pudessem ser inseridas no mercado de trabalho.

De acordo com Saviani (2013), a educação brasileira ainda não estava organizada num sistema nacional articulado, embora já houvesse alguma regulação nesse sentido, imposta pela Constituição Federal de 1891. Entretanto, tratava-se, apenas, de determinar o princípio da laicidade da educação, uma vez que a estrutura anteriormente criada pelos jesuítas tinha sido demolida, e a processual constituição do regime republicano trazia em seu bojo a necessidade de retirar as esferas de organização e gestão da sociedade do domínio religioso.

Em consonância com isso, no caso específico da instrução profissionalizante, segundo Cunha (2000), o que ocorria era o encaminhamento de crianças e jovens, denominados então “desvalidos” para se habilitarem em determinado ofício, possibilitando a entrada deles no mercado de trabalho. Além da moldagem para o trabalho, aprender um ofício deveria contribuir para uma espécie de ‘resgate’ moral das populações mais pobres, em conformidade com o pensamento de elite da época, altamente preconceituoso: “Em finais do século XIX são criadas, em todo o território nacional, várias instituições de ensino cujo propósito era moralizar, disciplinar, higienizar e modelar crianças e adolescentes pobres incutindo-lhes preceitos morais e educação cívica”. (GOMES, 2017, p. 9).

Com o propósito descrito, as assim denominadas Escolas de Aprendizes Artífices (EAAs) detinham o objetivo de viabilizar a aprendizagem dos ofícios que condiziam com as particularidades industriais desenvolvidas por cada um dos estados, formando um operariado com qualificação para ser empregado pelas indústrias nacionais (BRASIL, 1909). Deve-se compreender que a iniciativa de instituir uma rede federal de EAAs surge dentro de um contexto social, político e econômico que suscita debates e elaborações de propostas educacionais que são forjadas dentro de um emaranhado de percepções que delegam aos educadores a responsabilidade de formar “mão de obra”, visando à ocupação imediata de postos de trabalho.

No início do século XX, tal iniciativa correspondia a uma das tentativas de responder aos desafios experimentados por governantes de uma República (proclamada em 1889) que se viam diante de um Brasil eminentemente rural, já vivenciando um processo lento e gradual de industrialização, lidando com uma população majoritariamente iletrada, que chegava aos parcos e recém-nascidos centros urbanos sem preparo algum para as formas de trabalhar e viver nas cidades. Uma parcela significativa dessas pessoas era compreendida por ex-escravizados, que precisavam encontrar novos meios de subsistir, frente ao desamparo social e à desterritorialização que lhes foram impostos após a edição da Lei Áurea em 1888 (OLIVEIRA; GONÇALVES JUNIOR, 2014).

Retornando às instituições escolares formadoras de Aprendizes Artífices, existiram por 33 anos, entrando em decadência a partir da crise internacional de 1929. De acordo com Saviani (2005), o ensino profissionalizante é constitucionalmente abordado apenas na Carta de 1937, onde prevalece a visão de que essa modalidade de ensino deveria ser disponibilizada fundamentalmente às “classes menos favorecidas”.

Lembremos que os anos 1930 foram marcados pelo governo provisório que promoveu a passagem do primeiro período republicano para a assim denominada Era Vargas. As Escolas de Aprendizes Artífices serão alvo de novas expectativas e novas proposições organizativas e político-pedagógicas. Estavam até aquele momento respondendo ao Ministério dos Negócios, da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC), e a partir de então se tornam sujeitas à supervisão do recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública (MES). A sequência dos fatos, em termos de educação, se ordena em torno de um conjunto de normativas que ganharam a alcunha de “Reforma Francisco Campos”, em alusão ao nome daquele que era, então, o ministro da pasta. Do ponto de vista da formação escolarizada para o mundo do trabalho, “foi um período de grande expansão do ensino industrial, impulsionado por uma política de criação de novas escolas industriais e introdução de novas especializações nas escolas existentes” (GONÇALVES et al., 2013, p. 31).

A Constituição brasileira de 1937, escrita pelo mesmo Francisco Campos, foi promulgada como reforço à centralização autoritária da gestão de Getúlio Vargas, que já se manifestava desde o “Governo Provisório” (1930-1934). Ao contrário da constituição anterior, a de 1937 foi redigida e promulgada sem que fosse convocada uma Assembleia Constituinte, ou seja, foi imposta ao povo brasileiro sem que tivesse sido discutida nem por um grupo de deputados, nem por consultores juristas, ou por qualquer segmento organizado da sociedade. O presidente Vargas empreendeu diversas formas de controle para impedir os coletivos da sociedade civil de se reunirem e de se organizarem, sabotando a criação de arenas de debates públicos, tentando tornar o espaço público brasileiro completamente desabitado. Esta centralização absoluta foi a principal marca do “Estado Novo” (LIRA NETO, 2013).

Ainda em 1937, relata Saviani (2005), as Escolas de Aprendizes Artífices foram transformadas em Liceus Profissionais, com amparo na Lei nº 378. Cabe observar que vários tipos de iniciativas deveriam compor a oferta do ensino profissionalizante, incluindo as redes estaduais, municipais, pessoas individuais e, associações, sindicatos e as próprias indústrias, que deveriam zelar pela preparação profissional dos filhos dos operários e outras pessoas próximas.

Outro marco histórico neste percurso ocorreu no ano de 1942, com a criação das instituições componentes do Sistema “S”, que oferecia ensino técnico industrial voltado às camadas populares e de baixa renda com o objetivo de formar para um ofício, uma vez que o ensino industrial deveria atender aos interesses das empresas, desde que tinha sido instituída a assim chamada “reforma Capanema”.

Na sequência, o ministro Gustavo Capanema viria a criar, em 1946, as Escolas Agrícolas e Agrotécnicas com o objetivo de oferecer profissionalização aos trabalhadores da área rural que não frequentaram a escola na idade certa, ou seja, jovens e adultos residentes em localidades afastadas dos grandes centros, cujas atividades laborais diziam respeito à agricultura e criação de animais.

De acordo com Otranto (2010), destaca-se no ano de 1953 a criação do Ministério da Educação e Cultura, órgão federal que passa a responder pela regulamentação da educação brasileira. A autora retrata que em 1959 as Escolas Industriais e Técnicas são transformadas em autarquias, recebendo a denominação de Escolas Técnicas Federais.

Conforme indica Fernandes (2013), surge em 1961 a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1961), em cujo texto consta a equiparação formal entre ensinos profissional e acadêmico, embora os currículos, na prática, não fossem compatíveis. Esse fato mantinha a desvantagem dos egressos do ensino profissionalizante na concorrência por uma vaga no ensino superior.

Dez anos depois, surgiria a Lei 5.692, de agosto de 1971 (BRASIL, 1971), que obrigava o ensino médio brasileiro a oferecer formação técnica profissionalizante. Ao comentar esse momento histórico, Tuppy (2007) afirma que essa imposição legal resultou num “fiasco”, principalmente porque a maioria das instituições de ensino não possuía infraestrutura adequada à oferta dessa modalidade de ensino. A despeito disso, essa obrigatoriedade só se extingue em 1982, com a promulgação da Lei 7.044 (BRASIL, 1982).

É importante observar que no decurso da virada dos anos 1970 para 1980 foram instituídos em muitos estados os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Nesse contexto, os CEFETs do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro se destacam como precursores da perspectiva de verticalização, uma vez que disponibilizaram desde 1978 formação em múltiplos níveis, como ensino médio técnico e superior, hoje reconhecida como um aspecto definidor característico do processo verticalizador presente no ensino profissional, técnico e tecnológico dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (FERNANDES, 2013).

No ano de 1994, com o presidente Itamar Franco no poder, após a queda do governo Collor por meio de impeachment, foi editada a Lei 8.948/94, que reestruturou as antigas Escolas Técnicas Federais, tornando-as Centros Federais de Educação Tecnológica, seguindo o exemplo do que já ocorrera com os CEFETs do Rio, Minas Gerais e Paraná. A referida Lei trazia um condicionante que dificultava o crescimento da oferta de escolas federais, uma vez que atrelava as possíveis iniciativas à obrigatoriedade de constituírem parceria com instituições de nível municipal, estadual ou federal, empresariado ou organizações não governamentais (ONGs). Em 2004, respondendo a reivindicações dos movimentos sociais e de trabalhadores, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulga a Lei n. 11.195, que retira a vinculação impositiva das citadas parcerias, que passam a ser recomendadas “preferencialmente”, e não mais obrigatoriamente (FERNANDES, 2013).

Verifica-se que na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/1996), temos a confluência dos aspectos “direito à educação” e “direito ao trabalho” conformando a concepção de educação profissional. No artigo 1º, parágrafo 2º, a LDB diz e reforça no artigo 3º, inciso XI, que a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e às práticas sociais. Após sua promulgação, o ensino profissional no Brasil passa a ocorrer quase que exclusivamente nas Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e em poucos sistemas estaduais de ensino (BRASIL, 1996).

Outro ponto de destaque é que a atual LDB estabelece a possibilidade de certificação profissional, propiciando o reconhecimento oficial das competências adquiridas fora do sistema escolar. Faz-se necessário mencionar que no ano de 1997 foi assinado o Decreto nº 2.208, que instituiu a separação entre ensino médio e ensino técnico.

Outrossim, na vigência do governo Lula, desencadeia-se a ampliação da Rede Federal, que se consolida por intermédio da Lei n. 11.892/2008, cuja operacionalização previa a implementação em três momentos: a fase I, de 2003 a 2006, a fase II, de 2006 a 2010 e 3ª fase, de 2011 a 2020. O lema da primeira fase foi “uma escola técnica em cada cidade polo do país”. Em face disso, os estados que ainda não contavam com escolas federais passaram a ter. Tal mobilização deu ensejo ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) (Lei n. 11.513/2011) ofertando oportunidades de profissionalização, por parte de instituições públicas, mas, também, por instituições privadas de ensino, após 2013.

2 Raízes da verticalização nos CEFETs, e o surgimento dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia

A criação dos CEFETs remonta à edição da Lei n. 8.948/94, que reconfigurou as antigas Escolas Técnicas Federais, na medida em que foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica, conforme foi visto no tópico precedente. Vimos também que o Decreto n. 2.208/97 foi derrubado em 2004, a partir da promulgação da Lei n. 11.195, o que favoreceu a expansão mais célere da rede federal de ensino.

O Decreto nº 5.225, editado ainda em 2004, chegaria para transformar os CEFETs em Instituições de Nível Superior. De acordo com Otranto (2010), os CEFETs já eram reconhecidos por adotarem currículos plurais e por disponibilizarem acesso à formação em variadas modalidades e níveis. Sendo reconhecidos, também, por destacarem prioritariamente as possibilidades de formação no viés tecnológico. Por meio do Decreto n. 6.095/2007, foram promulgadas as diretrizes que viriam a nortear a proposta de integração das instituições de ensino federais que ofereciam formação tecnológica em cada Estado da Federação, estratégia que possibilitou aos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia se estabelecerem, embora nem todos os CEFETs se tenham engajado na proposta de se tornarem IFs. Este foi o caso dos Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca/RJ, o de Minas Gerais e o CEFET-PR, que veio a ser a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Dando continuidade ao processo, surge a Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008b), por meio da qual foi estabelecida a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, pertencendo ao sistema federal de ensino, e foram instituídos os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Essa Rede Federal responde ao MEC, sendo constituída por instituições diversificadas, quais sejam: Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia de Educação, Ciência e Tecnologia; Universidade Tecnológica; Centros Federais de Educação Tecnológica; Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais.

3 Controvérsias: o que muda na filosofia educacional dos IFs?

Conforme aponta Silva (2009), ao se tornarem unidades de ensino que abrangem os níveis básico e superior, atravessados por modalidades técnicas e tecnológicas, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia estabelecem uma proposta inovadora que impacta a gestão administrativa, as concepções pedagógicas, a elaboração e as práticas curriculares, e as dinâmicas de ensino. Além disso, subvertem as lógicas estruturadas na história do sistema educacional brasileiro, a partir do momento em que alocam numa única instituição a oferta de todos os níveis de ensino.

Cabem aqui algumas observações sobre o contexto situacional histórico da Educação Profissional e Tecnológica, que engendra atenção às peculiaridades do processo pedagógico nesta modalidade de educação. De acordo com Grabowski e Kuenzer (2016), quando a sociedade se organiza a partir do sistema econômico capitalista, a forma de organizar o trabalho e os seus objetivos passaram a visar máxima produtividade com o menor custo possível, buscando acumular capital e sustentar a reprodução do próprio sistema capitalista de produção.

O capitalismo é, por necessidade, tecnológica e organizacionalmente dinâmico. Isso decorre em parte das leis coercitivas, que impelem os capitalistas individuais a inovações em sua busca do lucro. Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papel-chave na modificação da dinâmica da luta de classes, movida por ambos os lados, no domínio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho (HARVEY, 1992, p. 169).

Assim, mesmo que as formas de organização da produção tenham sofrido modificações em cada momento da história, a reprodução do capitalismo sempre dependeu da adequação das tecnologias ao processo de produzir imposto aos trabalhadores, com consequentes exigências de qualificação. Ou seja, para a sustentação dos diversos modos de produção, o capitalismo sempre tentou formatar os princípios e conteúdos educacionais às suas necessidades.

Conforme demonstraram Moreira e Silva (2011), os currículos escolares sempre foram um “território contestado”, alvo de muitas disputas ideológicas, porque os educadores geralmente se preocupam com os engessamentos tecnicistas que tentam minimizar os aspectos sociais, culturais e humanos nos currículos da formação escolar e acadêmica das pessoas.

As circunstâncias históricas permanecem sob o jugo da cisão do gênero humano em classes sociais. As relações sociais dominantes buscam reduzir o trabalho humano de atividade vital à mercadoria força de trabalho. Uma mercadoria cujo valor se define no mercado do emprego – compra e venda de força de trabalho. No interior dessas relações sociais a educação, de direito social e subjetivo, tende a se reduzir a uma preparação psicofísica, intelectual, estética e afetiva subordinada às necessidades unidimensionais da produção mercantil (FRIGOTTO, 2009).

Ou seja, de um lado, a educação sofre uma enorme pressão para servir unicamente aos propósitos do sistema capitalista, de outro lado, existem inúmeros profissionais de educação que resistem a essa imposição, pautados na noção de que os sujeitos humanos não podem ser ignorados em sua integralidade, ou seja, os seres humanos não podem ser reduzidos apenas a sua faceta produtiva, que os insere no mercado de trabalho.

Assim, no período taylorista, o grande propósito do sistema produtivo era separar a concepção das formas como as tarefas na nascente indústria deveriam ser executadas (encargo dos gerentes) da execução rigorosa e mecânica das tarefas (encargo dos operários). O fordismo irá manter esse princípio e investir expressivamente na automação das fábricas e especialização do operariado. Decorriam dessa lógica taylorista-fordista, processos de qualificação dos trabalhadores que se reduziam à lógica behaviorista do “treinamento”.

Neste passo, como nos afiança Souza (2015), até aproximadamente a virada dos anos 1970-1980 o domínio capitalista se impõe valorizando a separação entre investidores capitalistas (com seus gerentes) e a esfera da produção (trabalhadores). Isto porque se contava com a mediação estatal mediante os conflitos derivados da “questão social”. Quadro este que se modifica no âmbito do toyotismo:

Enquanto o taylorismo-fordismo manteve o nexo da hegemonia do capital no âmbito externo à produção, por meio da intervenção estatal na mediação do conflito capital/trabalho, o toyotismo traz para o “chão-de-fábrica” o nexo da hegemonia do capital, recompondo, a partir daí, a articulação entre consentimento operário e controle do trabalho. Isso só é possível devido à sua capacidade de capturar a subjetividade operária, inaugurando um novo patamar da subsunção do trabalho ao capital, e devido à reconfiguração das condições superestruturais do cotidiano social, caracterizada pelas alterações significativas dos mecanismos de mediação do conflito de classe, permeada pela ideologia do Estado mínimo e pautada em estratégias de persuasão em detrimento das de coerção. (SOUZA, 2015, p. 283).

Deste modo, nos “novos tempos”, os processos educativos ligados à qualificação dos trabalhadores, para servirem aos propósitos do capital em sua “era flexível” deveriam contribuir para a sedimentação/disseminação de uma ideologia do “consenso”, que tenta invisibilizar e negar que a “questão social” permanece, entranhada em novas formas de dominação.

A formação/qualificação profissional e social surge nesse contexto como uma demanda objetiva da valorização do capital. De um lado, servindo de instrumento de formação de um exército industrial de reserva de novo tipo – diferente daquele que alimentava a produção fordista. De outro, servindo de espaço de conformação ético-política da classe trabalhadora na nova dinâmica das relações de poder na sociedade, onde os aparelhos privados de hegemonia assumem, na condição de parceiros do Estado, o compromisso de promoção do desenvolvimento social e econômico fundado na ideologia do consenso entre diferentes interesses em conflito (SOUZA, 2015, p. 284).

O citado autor denuncia tal concepção, mantendo uma postura crítica em relação a essa visão reducionista e politicamente comprometida com o sistema capitalista, pois o ser humano jamais pode ser concebido como mercadoria, conforme já vimos em Frigotto (2009) e que também nos advertiu Gadotti:

Como mercadoria, o homem não possui valor em si. Seu valor deriva da relação de troca, enquanto está na origem do lucro, da mais valia e da acumulação do capital. O trabalhador, diz Marx em O Capital, sai sempre do processo como nele entrou, fonte pessoal da riqueza, mas desprovido de todos os meios para realizá-la em seu proveito. Uma vez que, antes de entrar no processo, aliena seu próprio trabalho, que se torna propriedade do capitalista e se incorpora ao capital, seu trabalho durante o processo se materializa sempre em produtos alheios. (GADOTTI, 2012, p. 50).

Vale a pena recuperarmos aqui a discussão sobre o significado do conceito de “Questão Social”. Amaro (2017) discute com pertinência o significado profundo e a complexidade de aspectos que fazem parte da tessitura da Questão Social. A autora comenta que numa acepção clássica, a categoria “questão social” teria sido reduzida ao conjunto de problemas sociais, no mais das vezes percebidos como inerentes às pessoas pobres, que seriam portadoras de “problemas sociais” que, quando analisados, apareciam majoritariamente como déficits ou falhas acarretados pelos indivíduos por si mesmos.

Amaro (2017) defende que, em vez daquela visão, acima esboçada, a questão social encontra suas raízes na contradição e perversidade do sistema capitalista. Citando Agnes Heller, Amaro traz ao texto o conceito de “carecimentos radicais”, que engloba a maior parte das pessoas, uma vez que tais carecimentos só encontram solução com a superação do modo de produção capitalista, como base da organização social. Nesse sentido, destaca-se a ideia de que a categoria “pobre” diz respeito a qualquer um que se encontra alijado de sua inteireza enquanto ser humano: “Os carecimentos radicais se formam nas sociedades fundadas em reações de subordinação e domínio, mas que não podem ser satisfeitos no interior das mesmas. São necessidades ou carecimentos cuja satisfação só é possível com a superação dessa sociedade e forma de relação.” (HELLER, 1983, p. 143).

Os meandros da questão social ocorrem de forma dinâmica, contextualizada, multiforme, ora se apresentando com clareza, ora se ocultando em imagens e discursos distorcidos, que não evidenciam as causas sobrepostas e mutantes que condicionam valores e práticas na sociedade neoliberal contemporânea. Diante disso, Amaro defende que: “(…) compreender, analisar e desvendar a questão social requer situá-la no contexto histórico das mudanças, relações e contradições, que estão sendo organizadas nos cenários comunitário, social, político, teológico, científico e tecnológico, entre outros.” (AMARO, 2017, p. 38).

Com esses olhares críticos, estamos munidos de princípios conceituais essenciais para refletirmos sobre a educação profissional e tecnológica sem que a pensemos como necessariamente engajada no projeto reducionista e dominador do sistema capitalista. O artigo de Frigotto (2009) vai diretamente nessa direção, ao defender o conceito marxista de “trabalho” como intrinsecamente educativo e como fundante para se pensar a construção do ser humano enquanto sujeito que é, por natureza, ativo, criativo e relacional.

E o trabalho é princípio educativo porque é através dele que o ser humano produz a si mesmo, produz a resposta às necessidades básicas, imperativas, como ser da natureza (mundo da necessidade), mas também e não separadamente às necessidades sociais, intelectuais, culturais, lúdicas, estéticas, artísticas e afetivas (mundo da liberdade) (FRIGOTTO, 2009).

Dentro dessa perspectiva, a educação, de um modo geral, sempre envolverá aprendizagens importantes para os seres humanos produzirem e transformarem a vida em cada momento histórico. Os processos formativos profissionalizantes, como o desenvolvimento de destrezas na produção e uso de novas tecnologias (sempre em fluxo) são parte da própria tessitura histórica dos seres humanos, não são nem invenção, nem propriedade do sistema capitalista. Sendo assim, não estão necessariamente submetidos à sua lógica. Por isso mesmo, tais saberes e traquejos podem fluir na contramão das expectativas do projeto capitalista, e lhe opor resistência, auxiliando na luta por sua superação, em favor de uma ordem econômica e social mais autenticamente humana:

A educação politécnica ou tecnológica e o trabalho como princípio educativo, nas poucas passagens da obra de Marx e Engels, não estão vinculados a dimensões especificamente dos projetos e métodos pedagógicos, e sim à concepção dos processos sociais e educativos, que de dentro do terreno contraditório e numa perspectiva antagônica às relações sociais capitalistas pudessem desenvolver as bases sociais, culturais e científicas das múltiplas dimensões do ser humano no horizonte da práxis revolucionária, para a transição a um novo modo de produção e organização da vida social. (FRIGOTTO, 2009, p. 71).

A perspectiva crítica acima assinalada está na base das nossas próprias reflexões sobre a educação profissional e tecnológica. Os princípios analisados se traduzem no conceito de omnilateralidade, que é explicado, de modo sucinto por Ribeiro; Sobral e Jataí: “Qualquer formação que perca de vista a superação do modelo de produção capitalista afasta-se da perspectiva omnilateral, e ainda que, de algum modo, consiga aliar trabalho produtivo e instrução, conserva o caráter unilateral” (2016, p. 5), o que coincide com os pressupostos defendidos por Frigotto (2009), Gadotti (2012), Antoniazzi (2012) dentre outros autores.

O artigo de Magalhães e Castioni (2019) traz algumas considerações sobre o significado e os impactos da expansão da rede de ensino profissional no Brasil. Considerando as finalidades e características dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, os autores discutem se a formação oferecida tem, de fato, contribuído para o incremento econômico regional e local, conforme postulado no artigo 6º da Lei nº 11.892/08 (BRASIL, 2008b).

Uma primeira conclusão dos autores vai na direção de afirmar que existe, no Brasil, um conjunto de problemas histórico-estruturais nas relações entre o mundo do trabalho, o empresariado e os governantes, que acabam impedindo que exista uma articulação realmente frutífera entre processos formativos, realidades socioeconômicas e políticas sociais de assistência social ao trabalhador, notoriamente em relação a políticas que se voltem a impulsionar a empregabilidade. Isto ocorre, portanto, pelo fato de empresários, sindicatos e governo não conseguirem construir parcerias que gerem um real espaço de escuta, acolhimento e empenho na promoção de capacitação profissional e de formas mais justas e produtivas de inserção no mercado de trabalho, em que se contabilize conquistas que atendam da melhor maneira possível a todos os setores da sociedade.

Uma segunda conclusão, aponta que a expansão da educação profissional tecnológica não modificou muito o quadro que se pode chamar de ‘esquizofrênico’ presente na educação nacional, tomada numa visão de conjunto. Trata-se da não superação da dicotomia histórica entre ensino tradicional e técnico, propedêutico e profissionalizante que, segundo a visão dos autores, permanece, embaralhando a identidade dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Entretanto, essa expansão não significou alteração significativa no atual quadro da EPT brasileira, pois os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia vêm enfrentando um processo conflituoso na construção de sua identidade (MORAES, 2016).

No Brasil há uma tradição bacharelesca, e assim, desenvolveu-se no imaginário a ideia de que as chances de ingresso no mercado de trabalho são somente para quem tem ensino superior, ou quem é bacharel, que mostra que a nossa herança escravocrata desenvolveu a ideia de uma repulsa pelo trabalho manual. (MAGALHÃES; CASTIONI, 2019, p. 741).

Já o artigo de Nascimento; Cavalcanti e Ostermann (2020) realiza outro tipo de análise, relacionada aos impactos político-pedagógicos representados pelo processo de ensino desenvolvido nos IFs. A partir de vasta pesquisa empírica comparando o desempenho no ENEM de alunos provenientes dos IFs, das escolas estaduais e das escolas privadas, os autores demonstram que os alunos provenientes de classes economicamente desfavorecidas alcançaram excelentes resultados, quando tinham estudado em escolas pertencentes a IFs. Resultados estes comparáveis a estudantes provenientes de estratos sociais privilegiados, egressos de instituições de ensino da rede privada.

Ou seja, se do ponto de vista dos necessários ajustes entre mercado, governo e mundo do trabalho, é essencial buscar construir diálogos mais proveitosos, cabe lembrar que tais encaminhamentos não se resolvem por modificações de diretrizes, currículos e organização das instituições de ensino. Assim, embora os argumentos de Magalhães e Castioni sejam altamente pertinentes, consideramos que, do ponto de vista político-pedagógico, e do ponto de vista da construção democrática, de que participam os IFs, o diagnóstico produzido por Nascimento; Cavalcanti; Ostermann (2020) traz dados altamente estimulantes.

Percebe-se, portanto, após essa breve revisão da literatura, que os Centros Federais de Educação Tecnológica foram efetivamente as matrizes da proposta verticalizadora dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que se constituíram como uma das características mais destacadas na sua estrutura e funcionamento. Isto porque, de certa forma, os CEFETs já trabalhavam na lógica da verticalização, e já contavam com uma estrutura organizacional montada para atender aos cursos técnicos, o que favorecia a implementação dos cursos de graduação e, posteriormente, Pós-Graduação. O quadro docente também, em sua maioria, apresentava qualificação profissional e formativa compatíveis para atuação nos ensinos básico e superior (OTRANTO, 2010).

4 O conceito de verticalização em múltiplas dimensões

Mas, será que o sentido do verticalizar se esgota no aspecto infraestrutural caracterizado pela oportunidade de os estudantes acessarem diversos níveis de ensino em áreas múltiplas, na mesma unidade de educação? A maior parte dos textos analisados até o momento apontam exatamente este aspecto como sendo o marco definidor da proposta de verticalização. Entretanto, encontramos no trabalho de Quevedo (2016) uma abordagem mais densa, que procura compreender outros aspectos que, em conjunto, constituem o que se pode chamar de concepções de verticalização. Exploraremos, a seguir, algumas perspectivas trazidas pela autora que, segundo pensamos, enriquecem e permitem ampliar a visão sobre o processo.

Inicialmente, a autora identifica que na Lei n. 11.892 (BRASIL, 2008) não existe uma explicação ou recomendações específicas relacionadas ao aspecto “ensino verticalizado”, circunstância que remete à autonomia das instituições, em seus territórios, de conceberem e organizarem seus currículos, e de administrá-los no cotidiano, cada uma de acordo com suas realidades institucionais particulares.

Uma primeira concepção encontrada na pesquisa empírica que Quevedo (2016) realizou2, diz respeito à noção de que verticalização significa poder encontrar a oferta de “cursos da mesma área nos diversos níveis de escolarização” (p. 1). A autora afirma que embora, em teoria, esta seja uma expectativa que realmente possa se concretizar, na prática, nem sempre é o que encontramos nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Isto por diversas razões, sendo a principal delas o fato de que nem sempre os ingressantes no ensino básico prosseguirão um itinerário formativo como logicamente concebido nos Projetos Pedagógicos de cada curso. Da mesma forma que serão encontrados nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia alunos que ingressarão no ensino superior e não prosseguirão na Pós-Graduação. E outros, ainda, que ingressarão numa das modalidades de Pós-Graduação, tendo cursado outros níveis fora da instituição. Muitas vezes os estudantes ingressam neste ou naquele curso, no ensino básico, por não lhes serem oferecidas outras possibilidades. Ou não prosseguem em níveis acima por razões semelhantes, ou seja, a ausência de oferta de uma possibilidade de continuação formativa específica, motivando a saída da instituição e não a verticalização. Ou seja, nenhuma instituição de ensino, nem mesmo os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, conseguem acolher racionalidades e expectativas múltiplas e algumas vezes imprevisíveis relacionadas aos processos formativos (QUEVEDO, 2016).

Chamou-nos atenção uma outra abordagem comentada pela autora, a qual enfatiza que verticalizar o ensino significa maximizar o uso de recursos: mesmos espaços, mesmos professores, equipamentos, ferramentas, laboratórios e materiais compartilhados por docentes e discentes de diversos cursos, como também de patamares diferentes dentro dos itinerários formativos possíveis em cada instituição local. A autora chama atenção para o fato de que as circunstâncias de compartilhamento citadas induzem expressivamente à mobilização de trocas intelectuais e humanas, de formas e maneiras não encontradas em instituições de ensino com outro perfil, o que acarreta novos cuidados referentes à elaboração dos currículos e à organização das práticas de ensino.

É sobre esses dois últimos aspectos que recaem as preocupações de Quevedo (2016), na medida em que, segundo pôde concluir por meio dos resultados de sua pesquisa, o compartilhamento de saberes, as trocas, diálogos, ainda estão por acontecer na maioria dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, quando se lança o olhar para as áreas pedagógicas. Nesse sentido, o processo verticalizante, para fazer jus a toda a proposta de superação das dicotomias que tradicionalmente opunham práticas x teorias, habilidades técnicas x saberes científicos, de modo a contribuir para uma formação efetivamente integral, permitindo diálogos profícuos entre quem cursa e quem leciona em áreas e níveis distintos, precisa contar com trocas e planejamentos curriculares conjuntos entre coordenadores e professores.

A autora citada informa que a produção acadêmica disponível sobre verticalização nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia carece de trabalhos que relatem como os processos de verticalização estão ocorrendo, especialmente do ponto de vista das construções político-pedagógicas materializadas em currículos praticados, e das práticas de ensino experimentadas.

Deste cenário, resulta que as abordagens sobre verticalização tornam-se empobrecidas e, de fato, restritas ao conceito de simples oferta dos cursos, com formação técnica e tecnológica, em áreas e níveis diferentes de um percurso formativo. A realização de um trabalho cotidiano conjunto entre coordenadores de curso, destes com os docentes, destes últimos entre si e com as equipes técnicas e de apoio certamente traria mais densidade à proposta de verticalização e resultados mais ricos para todos os envolvidos, principalmente os estudantes.

5 Conclusão

São reconhecidas pela literatura algumas vantagens a serem elencadas sobre o processo de verticalização nos IFs: a oportunidade de o aluno poder cursar do ensino básico à Pós-Graduação permanecendo na região em que reside; a experiência de convivência em campus, o que produz necessariamente o convívio com olhares acadêmicos diversificados, grupos e etnias de múltiplas origens socioculturais e econômicas, oportunizando crescimento intelectual, profissional e humano.

Por outro lado, muitos autores também elencaram as desvantagens embutidas na experiência de verticalização, relacionadas principalmente às dificuldades enfrentadas pelo corpo docente, sejam as de caráter didático-pedagógico e formativo, sejam aquelas provenientes de aspectos trabalhistas. Numa outra via, podemos mencionar a crítica ao ‘bacharelismo’ da tradição brasileira que, segundo defendem os autores, tem influenciado as escolhas de formação superior, a partir de trajetórias de verticalização nos IFs, que levam ao desenvolvimento de carreiras com perfil mais intelectual do que tecnológico.

Complementarmente, as ponderações de Quevedo (2016) aqui trazidas apontam para dois modos diferentes de recortarmos analiticamente a questão da verticalização: de um lado uma abordagem que visualiza objetivos institucionais materializados em oferta de cursos em suas áreas e níveis diversificados – apontando uma estrutura; de outro, uma visada que procura ver pessoas, afazeres, processos, diálogos, encontros, trocas, construções curriculares e práticas de ensino criativas e inovadoras – apontando a vida que preenche aquela estrutura.

Como direcionamento aos questionamentos aqui trazidos, esse é o ponto sobre o qual devemos insistir: menos burocracias e mais diálogos, mais preocupação com os relacionamentos pedagogicamente direcionados do que com a economia de recursos é o que pensamos em comum acordo com o olhar da citada autora, empenhados em contribuir para com as análises sobre esses quinze anos de história dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, seus impactos, trajetórias e caminhos, mantendo uma expectativa esperançosa sobre as experiências que estão por vir.

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Notas

1 Alguns dos principais resultados da citada pesquisa de mestrado são assunto reservado a um próximo artigo.
2 Tratou-se de um pesquisa empírica baseada em entrevistas feitas com estudantes, técnicos e professores do IFRS.

Notas de autor

1 Mestranda do Curso de Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: suzanycoelho2@gmail.com.

Información adicional

COMO CITAR (ABNT): COELHO, S. C. A verticalização na educação profissional e tecnológica nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: entre conceitos e práticas. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 25, n. 3, e25320834, 2023. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n32023.20834. Disponível em: https://essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/20834.

COMO CITAR (APA): Coelho, S. C. (2023). A verticalização na educação profissional e tecnológica nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: entre conceitos e práticas. Vértices (Campos dos Goitacazes), 25(3), e25320834. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v25n32023.20834.

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