ARTIGOS ORIGINAIS
Diálogos e reflexões sobre a concepção de ensino politécnico nas aulas de artes: desafios e possibilidades
Dialogues and reflections on the design of polytechnic education in Arts classes: Challenges and possibilities
Diálogos e reflexões sobre a concepção de ensino politécnico nas aulas de artes: desafios e possibilidades
Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 19, núm. 1, 2017
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
Recepción: 19 Octubre 2015
Aprobación: 06 Octubre 2016
Resumo: O presente artigo tem por objetivo refletir sobre as questões que dizem respeito à formação estética a partir do ensino contemporâneo da Arte numa escola onde a proposta de educação se funda nos pressupostos marxistas de educação. O nosso trabalho se propõe a realizar um estudo teórico sobre a politecnia a fim de apontar as possibilidades e impossibilidades de se trabalhar nessa perspectiva fazendo-a dialogar com o atual modelo de ensino de Arte dos últimos tempos. Nesse sentido, procurou-se analisar em que medida é possível a formação omnilateral do indivíduo, ou seja, uma formação multilateral e integral do ser humano, e como o ensino de arte pode se engajar nesse processo. Com isso, se estará buscando uma formação que possibilite a produção e fruição de três dimensões, a saber: da ciência, da arte e da técnica.
Palavras-chave: Ensino contemporâneo da Arte, Politecnia, Formação estética, Educação para o trabalho.
Abstract: The purpose of this article is to reflect on the issues that concern aesthetic formation from the contemporary teaching of Art in a school where the proposal of education is based on the Marxist assumptions of education. Our work proposes to carry out a theoretical study about polytechnics in order to point out the possibilities and impossibilities of working in this perspective, making it dialog with the current model of Art teaching of recent times. In this sense, an attempt has been made to analyze to what extent it is possible the omnilateral formation of the individual, that is, a multilateral and integral formation of the human being, and how the teaching of art can be engaged in this process. With this, we will be seeking a training that enables the production and enjoyment of three dimensions, namely: science, art and technology.
Keywords: Contemporary Art Teaching, Politecnia, Aesthetic training, Education for work.
Introdução
A arte é entendida como uma forma de manifestação humana que está presente na vida das pessoas tanto nas manifestações artísticas em si como nos objetos de seu cotidiano, na arquitetura, no urbanismo ou nos meios de comunicação. Também é da natureza da arte sua articulação com outras formas de saber: filosófica, histórica, social e científica.
Segundo as pesquisadoras Maria Toledo Ferraz1 e Rosa Iavelberg2, no seu texto de introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN+ (Brasil, 2002), pode-se perceber que, pela natureza do fenômeno artístico e da complexidade de suas articulações, muitos filósofos, artistas e educadores, entre outros, têm procurado explicar as relações da arte com a vida dos indivíduos — os significados cognitivos, linguísticos, psicológicos, sociais, criativos e comunicacionais das experiências artísticas e estéticas para cada ser humano — e a formação individual e social das pessoas.
Introduzir-se no universo da arte representa manter contato com uma realidade complexa, cuja constituição se processa com a concorrência de várias áreas de conhecimento, diferentes tipos de ações e um vasto conjunto de valores.
Os conhecimentos artísticos e estéticos, segundo as pesquisadoras já citadas (Brasil, 2002), são necessários para que a leitura e a interpretação do mundo sejam consistentes, críticas e acessíveis à compreensão do aluno. Além de contribuir para o desenvolvimento pessoal, tais saberes podem aprimorar a participação dos jovens na sociedade e promover a formação de sua identidade cultural.
Sabe-se que é papel do ensino médio levar os alunos a aperfeiçoarem seus conhecimentos, inclusive os estéticos. Por isso, é importante frisar o valor da continuidade da aprendizagem em arte nessa etapa final da escolaridade básica, para que adolescentes, jovens e adultos possam apropriar-se, cada vez mais, de saberes relativos à produção artística, à apreciação estética e à imensa gama de imagens de diversos tipos, que a todo momento vêm sendo criadas na atual cultura visual.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, discute-se uma concepção contemporânea da disciplina, segundo a qual a arte é considerada um conhecimento humano articulado no âmbito da sensibilidade, da percepção e da cognição. Por meio da arte, subentende-se que é possível revelarem-se significados, modos de criação e comunicação sobre o mundo da natureza e da cultura.
No que se refere à manifestação artística, pode-se perceber que o que há em comum com outras áreas de conhecimento é que ela também possui um caráter de busca de sentido, criação e inovação. Essencialmente, por seu ato criador, em qualquer das formas de conhecimento humano, ou em suas conexões, o homem estrutura e organiza o mundo, respondendo aos desafios que dele emanam em um constante processo de transformação de si e da realidade circundante. O ser humano tem procurado distinguir e verificar os fenômenos da natureza, o ciclo das estações, os astros no céu, as diferentes plantas e animais, as relações sociais, políticas e econômicas, para compreender seu lugar no universo, buscando a significação da vida.
Tanto a ciência como a arte respondem a essa necessidade de busca de significações na construção de objetos de conhecimento que, juntamente com as relações sociais, políticas e econômicas, sistemas filosóficos, éticos e estéticos, formam o conjunto de manifestações simbólicas das culturas. Ciência e arte são, assim, produtos que expressam as experiências e representações imaginárias das distintas culturas, que se renovam através dos tempos, construindo o percurso da história humana. Logo, pode-se concluir que conhecer arte na escola é saber produzir, apreciar e interpretar formas artísticas e culturais em uma dimensão crítica e contextualizada, segundo os sistemas simbólicos que integram cada linguagem própria da arte (Brasil, 2002).
O presente artigo objetiva, portanto, um estudo mais aprofundado sobre a questão do ensino contemporâneo das artes visuais no cenário escolar de uma educação voltada à formação para o mundo do trabalho.
Mais do que isso, sigo em busca de responder a questões que frequentemente esbarram nas minhas práticas cotidianas na escola. Será possível uma formação estética numa escola de formação para o trabalho? A arte deve ser vista, na formação de um técnico, como algo meramente instrumental, ou seja, o aprendizado de técnicas? Teria a formação estética um papel de tornar mais sensível e crítico o trabalhador?
Pensar o ensino da Arte numa escola onde a formação para o mundo do trabalho é o foco principal, dentro do modelo pedagógico politécnico, pode dar a entender que esse ensino ficará restrito apenas a atividades técnicas e práticas (pragmáticas). Logo, ter-se-iam aulas de artes num viés em que as práticas artísticas, ou seja, o fazer arte será mais valorizado do que o pensar e contextualizar as produções artísticas. Mas será que é assim mesmo?
Antes de adentrar nas relações pertinentes que podem ser estabelecidas entre a politecnia e o ensino contemporâneo da arte nas escolas politécnicas, é importante entender um pouco mais sobre o que é e onde se sustenta a proposta de ensino politécnico.
O ensino politécnico e seu contexto histórico
Segundo Saviani (2003, p.132), o conceito de politecnia tem, em sua gênese, a problemática do conceito de trabalho a partir de uma visão marxista de mundo. Para ele, as bases diretivas para o processo educativo surgem a partir dessa concepção de trabalho como princípio educativo. Portanto, toda a educação organizada se dá a partir do conceito e do fato do trabalho, de seu entendimento e da realidade do trabalho.
A concepção de trabalho em Marx (1985) é vista como condição eterna do homem de transformar a natureza para satisfazer as suas necessidades. Porém, essa sua ação no mundo, ou seja, na natureza por meio do trabalho, se efetivará a partir de uma organização social historicamente criada. Em seu livro O Capital, Marx nos diz que:
O processo de trabalho, como o apresentamos em seus elementos simples e abstratos, é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza, condição natural eterna da vida humana e, portanto, independente de qualquer forma dessa vida, sendo antes igualmente comum a todas as suas formas sociais. (MARX, 1985, Tomo I, p.153)
Segundo Marx (1985), é a partir do trabalho, ou seja, no processo pelo qual passam a produzir a própria vida material, que os homens ultrapassam a natureza, superando seus limites naturais, produzindo-se, assim, como homem.
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. (IDEM, Tomo I, p.149)
Quando Marx, em O Capital (1985), traz o conceito de racionalidade do modo de produção capitalista, ele nos apresenta a lógica que subjaz o modus operandis desse sistema social. Porém, duas perspectivas são enunciadas por ele no que diz respeito a esses movimentos reprodutivos, sendo uma delas a produção da existência material e, a segunda, a produção de si dos indivíduos. Todos esses processos, diz ele, são correspondidos a um determinado momento do progresso histórico. Em vista disso, pode-se perceber que, para Marx, existe uma prioridade ontológica da práxis na vida humana, reafirmando o trabalho como pressuposto onto-histórico, fundante do ser social.
Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tende subordinar sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção durante todo o tempo de trabalho, e isso tanto mais quanto menos esse trabalho, pelo próprio conteúdo e pela espécie e modo de sua execução, atrai o trabalhador, portanto, quanto menos ele o aproveita, como jogo de suas próprias forças físicas e espirituais. (MARX, 1985, Tomo I, p. 149-150)
Como se constata nessa citação, diferente da atividade da aranha e da abelha, que se encontram sob uma força instintiva que as fazem reproduzir seu trabalho sempre do mesmo modo, o tecelão e o arquiteto realizam suas atividades mediadas pela consciência, ou seja, antes de concretizar algo materialmente, o ser humano constrói esse algo mentalmente, na sua cabeça.
O trabalho é, portanto, segundo Marx (1985), a categoria fundamental que distingue os homens dos animais, e que ontologicamente determina o caráter da própria humanidade.
Quando se fala em educação, o que vem logo à mente é que ela está ligada diretamente à formação do homem e não de animais. Esse processo de formação acontece de forma continuada ao longo de sua vida, e é a partir daí que o ser humano vai se tornando o que é. E se torna o que é exatamente por conta de sua ação no mundo por meio do trabalho e da educação.
O que se percebe é que os animais, de forma geral, têm sua existência gerida e garantida pela natureza, daí o fato deles se adaptarem a ela. Já o homem tem de fazer uma engenharia reversa. Ele se constitui no momento em que necessita adaptar a natureza a si, não sendo mais suficiente adaptar-se à natureza. Ajustar a natureza às necessidades, às finalidades humanas é o que se faz pelo trabalho. Trabalhar não é outra coisa senão agir sobre a natureza e transformá-la. Aí fica claro o que diferencia o homem dos animais (SAVIANI, 2003, p.133).
Outro aspecto que difere a espécie humana de outras espécies é que toda ação que o homem faz no ambiente natural está sempre norteada por certos objetivos. Os animais também agem, assim como os homens, também exercem uma atividade no seu meio, porém essas atividades não são guiadas por objetivos. Eles não antecipam mentalmente o que vão fazer, mas o homem sim.
Como se pode ver no início do quinto capítulo do livro primeiro de O Capital, Marx (1968), tratando do processo de trabalho em geral, distingue o pior dos arquitetos da mais hábil das abelhas pelo fato de o arquiteto antecipar mentalmente o que irá realizar, ao passo que a abelha realiza uma ação por instinto. Logo é possível concluir que o homem pensa, cria seus projetos em sua cabeça antes mesmo de colocá-lo em prática.
Pode-se assim dizer que a realidade humana está no trabalho que o homem executa diante do mundo em que está circunscrito. Sua existência emerge nesse processo dialético com o meio. E, segundo Marx (1985), é também o trabalho que define a existência histórica dos homens.
Tudo o que hoje se vê em nossa cultura é fruto desse trabalho que o homem vem fazendo desde os primórdios da nossa aparição no globo terrestre. E esse mundo, como é possível perceber pela história da humanidade, vem se ampliando progressivamente. A cada dia mais e mais coisas vão surgindo fruto da ação do homem na natureza. Primeiro projeta-se mentalmente e depois aplica-se uma força (trabalho) para a execução das ideias, modificando assim o seu meio continuamente.
Segundo Saviani (2003), o ser humano, a partir de seu desenvolvimento ao longo do tempo, vai criando novas formas de produção da existência humana. E isso acontece porque o homem sempre altera o seu modo de trabalhar modificando, assim, seu modo de viver.
É possível detectar, ao longo da história, diferentes modos de produção da existência humana que passam pelo modo comunitário, o comunismo primitivo; o modo de produção asiático; o modo de produção antigo, ou escravista; o modo de produção feudal, com base no trabalho do servo que cultiva a terra, propriedade privada do senhor; e o modo de produção capitalista, em que os trabalhadores produzem com meios de produção que não são deles. Esses diferentes modos de produção revolucionam sucessivamente a forma como os homens existem. E a formação dos homens ao longo da História traz a determinação do modo como produzem a sua existência. (SAVIANI, 2003, p.133)
A realidade da escola tem de ser vista dentro desse quadro, afirma Saviani (2003). A escola em seus primórdios era um local que poucas pessoas frequentavam. Apenas uma pequena parte da humanidade tinha a possibilidade de desenvolver e aperfeiçoar suas habilidades.
Consegue-se perceber que, no período da Idade Média, o trabalho produtivo servil, ou seja, o ato de plantação e cultivo de alimentos, era a base que dava todos os subsídios para as sociedades da época funcionarem e se manterem.
Como esse tipo de trabalho não exigia muito esforço intelectual e não necessitava de conhecimentos mais complexos a não ser aqueles conhecimentos mais rudimentares (uso da força física), manuais e que ajudassem no manejo da terra, poucos (ou mesmo nenhum) trabalhadores se iniciavam nos estudos formais que a escola oferecia.
Quem se dedicava ao trabalho intelectual era a parcela dos intelectuais, fundamentalmente concentrada no clero. As escolas, naquele momento histórico, se restringiam a esta parcela e, por isso, eram chamadas Escolas Monacais. (SAVIANI, 2003, p.134)
Segundo Saviani (2003), com o surgimento do sistema capitalista, nasce um novo tipo de sociedade que passou a se chamar Sociedade Moderna. Essa sociedade começa a repensar e a modificar drasticamente as técnicas de produção através da indústria. Uma inversão paradigmática começa a emergir a partir daí.
O que víamos antes era uma sociedade que chamamos de medieval que se baseava na propriedade da terra; os senhores feudais eram a classe dominante; o trabalho dominante era a agricultura; a forma de convivência entre os homens era de tipo rural. Assim, na Idade Média, o campo prevalecia sobre a cidade e a agricultura, sobre a indústria – que, no modo de produção feudal, limitava-se ao artesanato. Com as mudanças ocorridas a partir do século XV, inverte-se essa relação: o campo passa a se subordinar à cidade, e a agricultura, à indústria. (SAVIANI, 2003, p.134)
Por esses motivos, afirma Saviani, a “sociedade moderna tende a um processo de industrialização da agricultura e urbanização do campo” (idem, p.135). Sabe-se que os processos de agricultura na sociedade moderna não são extintos, mas que neles são incorporadas técnicas de produção industrial (mecânicas). E o interior, o campo, tende a se urbanizar: as relações sociais tendem a se centrar nas formas urbanas, que passam a predominar sobre as rurais.
Esse novo tipo de sociedade que surge tem como pressuposto a introdução de códigos linguísticos de comunicação não naturais. É a partir daí que se pode entender a exigência de generalização dos códigos escritos, trazendo consigo, por consequência, a necessidade da generalização da alfabetização.
Começa a partir daí uma discussão a fim de universalizar o ensino escolar para todas as classes, já que, naquele momento, com o surgimento das máquinas, os trabalhadores deveriam, no mínimo, saber ler as instruções a fim de operacionalizá-las com maior excelência.
Nas formas de sociedade anteriores, a escola podia ficar restrita àquela pequena parcela da sociedade que precisava desenvolver um tipo de trabalho que exigisse as capacidades cognitivas de ler. A sociedade capitalista, cujo eixo passa a girar em torno da cidade, incorpora, na própria forma de organização, os códigos escritos, gerando a necessidade de que todos possam dominá-los. Decorre daí a proposta de universalização da escola, e é sobre essa base que vão se estruturar os currículos escolares (SAVIANI, 2003, p.135).
O Princípio do trabalho no Currículo Escolar
Desde o início do surgimento das escolas, diz Saviani (2003), o princípio do trabalho como processo através do qual o homem transforma a natureza já estava presente no currículo escolar. Sabe-se que as modificações que vão se dando na natureza, ocasionadas pela ação humana, ocorrem, na maioria das vezes, de forma relacional, ou seja, seres humanos interagindo entre si e não individualmente ou isoladamente.
Sabemos que o indivíduo é um produto histórico tardio, já que o homem se constitui inicialmente como ser gregário, como ser em relação com os outros. Ele só se individualiza no processo histórico, e é somente na época moderna, na sociedade capitalista, que surge o indivíduo em contraposição à sociedade. (SAVIANI, 2003, p. 135)
A transformação que se opera na natureza pela ação do homem acontece de forma conjunta no seu relacionar-se com outros homens. “Essa é a base do currículo da escola elementar”, afirma Saviani (idem, p.136).
É fácil entender porque o currículo da escola trabalha com conhecimentos voltados à natureza. Porque, pensemos: se o homem para existir precisa adaptar a natureza ao seu jeito de ser, logo ele precisa conhecê-la. O homem passa a ser um observador mais perspicaz da natureza, a fim de coletar os padrões existentes nela, descobrindo como se dá o seu funcionamento para melhor atuar nela e realizar suas ações.
Vê-se aqui o quão importante se torna a presença desses estudos na escola, a fim de capacitar o homem a melhor entender seu meio, percebendo-se como parte do processo da construção da humanidade.
Porém, Saviani (idem) nos diz que, em meio a esse processo da ação humana na transformação da natureza, acontecem concomitantemente outros processos. A saber, surge a partir daí a necessidade de se estabelecer certas normas de convivência entre os próprios humanos e a de se conhecer como os homens se relacionam entre si, quais as normas de convivência que estabelecem, ou seja, como as formas de sociedade se constituem.
Surge, então, a necessidade de um outro “bloco” do currículo da escola elementar que se poderia denominar ciências sociais, em contraposição ao de ciências naturais. No currículo tradicional da escola elementar, o bloco das ciências sociais traduziu-se nas disciplinas história e geografia. A história trata de como os homens se desenvolveram ao longo do tempo e das formas de sociedade constituídas; a geografia, por sua vez, estuda a ocupação do espaço terrestre pelos homens e as formas como eles se distribuem nesse espaço. (SAVIANI, 2003, p.135)
Tanto os conhecimentos naturais como os sociais são hoje obtidos por meio de métodos sistemáticos e, por isso, são chamados de conhecimentos científicos. E, segundo Saviani (2003), não existe o sistemático, o elaborado, fora de registros escritos. O conhecimento na sua forma oral, diz ele, é espontâneo e assistemático3. Quando se pensa em conhecimentos sistemáticos, pensa-se em registros escritos. Por isso vê-se que a linguagem da ciência se expressa por escrito. Não há propriamente “ciência oral”.
Isso não quer dizer que não existem tipos de conhecimentos e sabedoria oral. Há, mas não é chamada de ciência por não ter um caráter metódico. O tipo de ciência metódica de que se fala é aquela que envolve a exigência de confronto, de teste, resultando daí a exigência de que isso se faça por escrito. Pode-se ver que é, somente após o surgimento de códigos de comunicação na sua forma escrita e sistematizada, que se dá o surgimento da história da ciência.
A ciência também diz respeito a uma parcela pequena da humanidade nas formas de sociedade anteriores. Na sociedade moderna é que a Ciência diz respeito ao conjunto da sociedade, porque ela se converte em potência material incorporada ao trabalho socialmente produtivo. O domínio da ciência diz respeito, também, ao conjunto da sociedade, razão pela qual o currículo da escola elementar pressupõe, além dos dois elementos enunciados, os instrumentos de expressão desses conhecimentos, ou seja, o domínio da linguagem escrita. Então, o currículo básico da escola elementar é composto pelo domínio da linguagem, da matemática, das ciências naturais e das ciências sociais. (SAVIANI, 2003, p.136)
Todo esse processo do qual vem se falando até o presente momento está fundado no princípio do trabalho que orienta essas práticas sociais. Todavia, pode-se perceber que os alunos que estão no nível fundamental não possuem muita clareza desse princípio. Saviani nos diz que isso acontece porque a escola elementar não faz referência direta ao processo de trabalho, porque ela se constitui basicamente “como um mecanismo, um instrumento, por meio do qual os integrantes da sociedade se apropriam daqueles elementos também instrumentais para a sua inserção efetiva na própria sociedade” (idem).
Ou seja, aprender a ler, escrever e contar, além dos rudimentos das ciências naturais e das ciências sociais, constituem pré-requisitos para compreender o mundo em que se vive, inclusive para entender a própria incorporação, pelo trabalho, dos conhecimentos científicos no âmbito da vida e da sociedade. (SAVIANI, 2003, p. 138)
Com o passar dos anos na escola, faz-se necessário tornar mais explícitas as estruturas que caracterizam o processo de trabalho. Para Saviani (2003), é no ensino médio que as questões referentes ao mundo do trabalho devem ficar mais evidentes. Ele acredita que é nessa fase que a concepção de trabalho começa a se modificar e a ganhar novos contornos. Agora, “trata-se de explicitar o modo como o trabalho se desenvolve e está organizado na sociedade moderna. Aí é que entra, então, a questão da politecnia” (SAVIANI, 2003, p.136).
Para Saviani (idem) a noção de politecnia deve ser encarada numa perspectiva de superação daquela antiga visão que separa o trabalho manual do trabalho intelectual, entre instrução profissional e instrução geral.
A sociedade moderna, que generaliza as exigências do conhecimento sistematizado, é marcada por uma contradição: como se trata de uma sociedade alicerçada na propriedade privada dos meios de produção, a maximização dos recursos produtivos do homem é acionada em benefício da parcela que detém a propriedade dos meios de produção, em detrimento da grande maioria, os trabalhadores, que possuem apenas sua força de trabalho. Na sociedade capitalista, a ciência é incorporada ao trabalho produtivo, convertendo-se em potência material. O conhecimento se converte em força produtiva e, portanto, em meio de produção. Assim, a contradição do capitalismo atravessa também a questão relativa ao conhecimento: se essa sociedade é baseada na propriedade privada dos meios de produção e se a ciência, como conhecimento, é um meio de produção, deveria ser propriedade privada da classe dominante. (SAVIANI, 2003, p. 137).
Porém, a sociedade capitalista percebeu que os trabalhadores precisariam de um mínimo conhecimento para exercer suas funções no mercado de trabalho, pois sem um mínimo de conhecimento, eles não poderiam gerar lucros por não saberem como fazer o seu respectivo trabalho. Então, surge a brilhante ideia: possibilitar aos trabalhadores a aquisição de conhecimentos, porém em doses homeopáticas e controladas. E é claro, todos esses conhecimentos serão sistematizados e elaborados pelo sistema capitalista.
Diálogos entre o Ensino crítico da Arte e a Politecnia
O ensino contemporâneo da Arte diretamente ligado às teorias críticas atuais apresenta um compromisso com a formação humana e contra uma formação que nada mais faz do que alienar esse sujeito.
Esse novo modelo de ensino de Arte que emerge na nossa sociedade contemporânea a partir da década de 80, na figura da professora Ana Mae Barbosa, afirma que a escola tem por função viabilizar as condições de transmissão, criticidade e assimilação dos conteúdos artístico-culturais contextualizados, para que o educando adquira uma aprendizagem desveladora que contribua para compreender sua realidade. Até então, o ensino de arte se restringia ao mero fazer artístico. Porém, com essa nova concepção, a dimensão da leitura das obras de arte com sua respectiva contextualização histórica, social e econômica, passa a ser tão importante quanto o fazer arte. Dessa forma, acredita-se que a pessoa desenvolva a sua capacidade de pensar, expressar e agir de forma questionadora na sociedade, com vistas a transformá-la.
Como se pôde ver anteriormente, o modelo de ensino politécnico vai ao encontro da nova visão de ensino contemporâneo da arte que começa a surgir no final do século XX, difundida pela arte-educadora Ana Mae Barbosa com sua metodologia de ensino denominada Abordagem Triangular4. O ensino politécnico, em sua busca por ofertar ao aluno/trabalhador não apenas os conhecimentos técnicos de que precisará para exercer sua função no mercado de trabalho, mas também por oferecer ainda conhecimentos a respeito das ciências e culturas de forma geral, demostra ser uma proposta que partilha de uma ideologia bem próxima a que o ensino de arte hoje está baseado.
O ensino de arte, hoje, busca uma formação mais integral do sujeito munindo-o com competências que o ajudem a entender sua existência no mundo de forma cada vez mais consciente e crítica evitando assim cair nas valas da alienação. Passa, a partir de então, a se perceber como parte dessa sociedade e não como um fragmento dela. Agora a arte passa a ser vista como uma área de conhecimento com base na qual, ao estudá-la, o aluno/trabalhador possa construir sua noção de identidade cultural e sua noção de pertencimento ao meio em que está inserido e onde, acima de tudo, perceba que não é só mais uma força de trabalho a ser entregue ao sistema produtivo.
Sobre a teoria crítica de Adorno, pode-se encontrar em seu livro Educação e Emancipação uma de suas reflexões a respeito da formação e da educação dos homens, na qual ele se pergunta: “Formação para quê? ou melhor dizendo: Educação para quê?”
Vê-se que o que ele quer na verdade não é propriamente levar à reflexão sobre para que fins a educação ainda seria necessária, mas sim nos provocar a perguntar: para onde a educação deve conduzir o ser humano? (2000. p.139). Ele próprio responde adiante: “para a produção de uma consciência verdadeira” (2000, p. 141).
A dimensão crítica do Ensino de Arte tem por objetivo estimular a produção de conteúdos emancipatórios que possibilitem a crítica à realidade vigente com o objetivo de minimizar o crescente contraste entre a acumulação de conhecimento pela classe dominante, por um lado, e a miséria cultural, por outro. Nessa perspectiva,
Arte-educação não deve significar a mera inclusão da “educação artística” nos currículos escolares. Ela deve ajudar o educando a ler o mundo de forma crítica na sua grande diversidade histórica, cultural, social, educacional e artística. (BITTENCOURT, 2004. p. 43)
É preciso perceber que o ensino crítico de arte não é uma atividade “neutra”, mas sim uma atividade que implica o comprometimento do homem em “compreender a realidade ajudando-o não só a suportá-la como a transformá-la” (FISCHER, 1987, p. 57).
Acredita-se que uma geração educada “criativamente” por meio do ensino de Arte pode levar ao desenvolvimento da capacidade crítica capaz de transformações sociais e políticas jamais antes pensadas.
Para Adorno (2000), a educação está ligada à emancipação, ao esclarecimento, à negação da barbárie. Em seu texto intitulado “A Educação após Auschwitz”, ele afirma que “a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica” (2000. p.121).
Adorno concebe como sendo sua ideia de educação
não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar pessoas a partir do seu exterior; mas, também, não a mera transmissão de conhecimento, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas, a produção de uma consciência verdadeira (ADORNO, 2000. p.141).
A teoria crítica possibilita ação e transformação social através da autorreflexão crítica. Nesse sentido, analisar, contextualizar e fazer arte (BARBOSA, 2002) de forma consciente é perceber e reafirmar a sua importância para o desenvolvimento do indivíduo e, principalmente, como componente basilar de sua herança cultural.
Com base na educação que se tem, e valendo-se de um processo de massificação instrumentalizado pelas mídias por meio da globalização, pode-se perceber a existência de uma imposição de valores e produtos culturais dos países capitalistas desenvolvidos às nações dependentes, impedindo-as de desenvolverem seus próprios valores nacionais, constituindo-se, assim, um impeditivo à construção e reafirmação das culturas locais.
Esses bens simbólicos “são consumidos, principalmente, através dos meios de comunicação de massa” (SAVIANI, 1985. p.153), freneticamente estimulados pela publicidade e pela propaganda, que conferem poder econômico a uns e status a outros. Bittencourt nos alerta que,
a importação de modelos estrangeiros na educação brasileira impede que se faça uma análise real das necessidades culturais nacionais, assim como impossibilita o desenvolvimento de nossa herança artística e de tornar a educação instrumento de reflexão crítica. A validade e “educar-se para a crítica”, ou seja para uma melhor consciência da produção cultural, de uma “visão de mundo”, que não incorra em “teorias tradicionais”, é confirmada por autores como Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamim. (BITTENCOURT, 2004. p.44)
Acredita-se ser motivo de preocupação o uso de fórmulas e/ou receitas estrangeiras no ensino de artes no Brasil, pois essas não respeitam as diferenças contextuais e, geralmente, vêm impregnadas de interesses hegemônicos culturais, que, por meio da educação, inibem a consciência crítica dos alunos contribuindo para a manutenção de uma “concepção de mundo” alheia às necessidades nacionais.
Segundo Barbosa (2002), a concretização de uma sociedade emancipada passará pela compreensão do passado e pela educação crítica. A arte na escola, perpassada pela visão crítica de mundo, assume a responsabilidade de dar ao educando o instrumental necessário para que ele exerça uma cidadania consciente, participante e crítica. Isso faz com que o trabalho pedagógico, realizado no ensino da arte, propicie uma crítica ao social no sentido de transformá-lo. Na concepção crítica, a educação e a escola são partes integrantes da sociedade e não da perpetuação da estrutura social.
Pode-se ver que hoje (século XXI) o ensino de Arte busca, acima de tudo, a formação de um sujeito crítico capaz de se apropriar de sua cultura e de se expressar de maneira não alienada na sociedade a qual pertence. Logo, percebe-se que há aqui uma aproximação bem forte desse novo modo de pensar o ensino de arte com a perspectiva de ensino politécnico.
Frigotto (1991), Saviani (1989) e Machado (1989), quando falam a respeito dessa forma de pensar a educação, buscam, na verdade, uma educação que vise superar a alienação do homem no que diz respeito ao processo e ao produto que o mesmo realiza. Essas concepções politécnicas vão ao encontro da teoria crítica e do novo ensino de arte do qual falamos acima e que vem se estruturando nesses últimos tempos.
O que se pretende nesse modelo de ensino (politécnico) é fazer com que o aluno/trabalhador passe a se reconhecer no produto de seu trabalho. E hoje vê-se que as novas teorias do ensino de arte apontam para um fazer artístico que seja rico de sentido e significado para aquele que o faz; no nosso caso, o aluno, e isso porque faz-se necessário que o aluno crie essa capacidade de perceber que sua ação no mundo não pode se dar de forma alienada e fragmentada, mas de forma consciente e crítica.
Porém, o que se pode observar na maioria das vezes é que muitas pessoas veem o seu trabalho apenas de forma fragmentada. O trabalhador, que um dia esteve sentado nos bancos da escola e que provavelmente recebeu uma educação acrítica e reprodutivista, não se identifica com sua obra, já que, restrito à execução de um fragmento, não se reconhece na totalidade da obra (RODRIGUES, 1998, p.69).
Segundo Rodrigues (1998, p.69-70), a concepção de educação politécnica busca métodos de reconstrução da identidade do trabalhador ao produto de seu trabalho. Politecnia, então, pressupõe a construção de um domínio prático-teórico do processo de trabalho.
De maneira geral pode-se dizer que ainda hoje a formação técnica no Brasil, nas escolas, adota uma metodologia de ensino centrada em um conhecimento acrítico. Nessa direção, o aluno de curso técnico é formado no contato com as disciplinas e conforme uma metodologia de ensino que gera trabalhadores com uma visão de mundo muito restrita, entendendo a realidade de forma cada vez mais fragmentada, ou seja, o sujeito não é capaz de ter uma consciência de sua relação no mundo. Porém, uma vez identificada essa limitação, muitas escolas almejam uma formação para o mundo do trabalho de forma mais plural, de maneira que os alunos associem os conhecimentos técnicos com os conhecimentos das ciências e humanidades de modo geral.
Em face disso, acredita-se que um caminho possível a se trilhar seria por uma via de formação estética e cultural do indivíduo mediante o ensino das Artes, tornando-o mais sensível ao mundo no qual está inserido possibilitando-o fazer uso não só de uma racionalidade instrumental, mas também de uma racionalidade estética emancipatória, crítica e reflexiva, atrelada às compreensões e percepções estéticas de mundo.Segundo Barbosa,
o papel da arte na escola se encontra no desenvolvimento cultural do indivíduo, possibilitando-o criar representações simbólicas dos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo social, seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. (BARBOSA, 2002)
A Arte, de acordo com Barbosa (2002), pode ser vista como uma linguagem presentacional dos sentidos, ou seja, ela cria formas de representações simbólicas dos traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais que caracterizam a sociedade ou o grupo social, seu modo de vida, seu sistema de valores, suas tradições e crenças. Pela linguagem presentacional, o ser humano pode transmitir significados que não poderiam ser transmitidos pelas linguagens discursivas (científica ou linguística).
Não se pode entender a cultura de um país sem conhecer sua arte. Sem conhecer as artes de uma sociedade, só se pode ter conhecimento parcial de sua cultura. Esses são alguns dos conhecimentos que vão ajudar o trabalhador a ter uma visão mais global da sociedade e das coisas. Conhecimentos que a priori não vão servir em nada no seu ofício, aqui referindo-se a algum tipo de trabalho mecânico, como por exemplo, montador de carro, eletricista, mecânico, mas irão lhe dar a ideia de que as coisas acontecem de forma complexa e interligadas umas às outras. Numa formação politécnica, ele conseguirá de fato se perceber como parte do processo de seu trabalho no mundo em que vive.
Pode-se refletir ainda que aqueles que estão engajados na tarefa vital de fundar a sua identificação cultural, sua identidade e noção de pertencimento não podem alcançar um resultado significativo sem o conhecimento das artes. É através da poesia, dos gestos, das imagens, que a arte fala aquilo que a história, a sociologia, a antropologia etc. não podem dizer porque usam outro tipo de linguagem, a discursiva e a científica, que sozinhas não são capazes de decodificar nuances culturais. Entre as artes, a arte visual, tendo a imagem como matéria-prima, torna possível a visualização de quem somos, onde estamos e como sentimos.
A arte na educação, segundo BARBOSA (2002), pode ser vista como um modo do sujeito realizar sua autoexpressão e, como um dos elementos de nossa cultura, torna-se um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento pessoal.
Por meio das artes, é possível desenvolver a percepção e a imaginação; apreender a realidade do meio ambiente; desenvolver a capacidade crítica, permitindo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade analisada. A arte dá ao homem ou à mulher a possibilidade de não serem um estranho em seu meio ambiente nem estrangeiros no seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence. E é esse tipo de ensino de arte que será capaz de transformar o sujeito fragmentado e alienado no sujeito omnilateral, capaz de se perceber no todo, tanto no trabalho que executa quanto na vida, de modo geral, que leva.
Considerações Finais
No decorrer deste artigo, a ideia de politecnia procurou ser explicitada a partir de uma articulação entre trabalho intelectual e trabalho manual, implicando uma formação que, a partir do próprio trabalho social, desenvolva a compreensão das bases da organização do trabalho na nossa sociedade e que, portanto, nos permita compreender o seu funcionamento e não só as suas partes, deixando o trabalhador alienado no processo. (SAVIANI, 2003, p.12).
Para tanto, ao se discutir o projeto de um novo ensino de arte dentro de uma escola que trabalha numa perspectiva politécnica, é preciso se perguntar sobre a existência de um trabalho social real, além dos aspectos ligados à articulação entre pesquisa e ensino, pesquisadores atuando em laboratório, colocando o aparato de pesquisa a serviço também de um projeto de ensino.
Desse modo, é possível caminhar para o desenvolvimento de competências que ajudem o indivíduo a ser capaz de realizar uma apropriação crítica de sua cultura, por meio das aulas de arte que abordem principalmente a cultura visual atual, a fim de que ele se torne um agente social que participa ativamente das reelaborações culturais e sociais de seu mundo.
Nessa perspectiva, pensar numa formação mais integral do ser humano parece ser um caminho possível. Uma formação na qual estejam atrelados os seguintes aspectos: cognitivo, afetivo, sensorial e social. Uma formação que prepare o indivíduo não apenas para o mercado de trabalho simplesmente, mas para sua atuação como cidadão no mundo. Para que isso aconteça, ele precisa ser formado numa visão de uma educação integral, holística que privilegie todos os aspectos citados acima.
O mundo está em processo. Muito do que nós, professores de artes, aprendemos em nossa formação inicial, seja numa licenciatura ou bacharelado, já não mais servirá para ensinarmos aos nossos alunos. As mudanças estão ocorrendo ainda mais depressa.
Vemos que, cada vez mais, se torna presente nas discussões acadêmicas a necessidade de se prestigiar as abordagens que considerem o pensamento complexo, o caos organizador, o poder delineador dos acontecimentos, o não figurativo, as estruturas assimétricas, as diferentes realidades, as incertezas e provisoriedades, a inter e a transdisciplinaridade.
Para tanto, não basta termos clareza da atual visão de mundo, de sociedade, de universidade, marcada pela simplificação, linearidade, fragmentação, determinismo de feição reducionista. É necessário assumir o que estamos sendo instigados a rever: nosso modo de pensar, de sentir, de significar e de agir como sujeitos de inteireza, como propõe a formação politécnica do sujeito. É preciso que reconheçamos nossos preconceitos, ponderando exigências essenciais e imprescindíveis, assumindo uma atitude responsável e consciente de humildade diante de nosso próprio conhecimento (autoformação/autoconhecimento) chamando a atenção para uma cosmovisão que leve em conta a dinamicidade da realidade e a complexidade que, a cada momento, vai se desvelando. E a politecnia aliada ao ensino contemporâneo da arte mostra-se, conforme nosso entender, um bom caminho para começarmos essa mudança paradigmática da formação humana nos dias de hoje.
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Notas
Notas de autor