ARTIGOS DE REVISÃO

Contribuições do modelo de gestão social para o fortalecimento dos conselhos escolares como espaço democrático

Contributions of the model of social management to the strengthening of school council as a democratic space

Maria Lúcia Miranda Afonso 1
Centro Universitário UNA, Brasil
Gislene Silva Dutra 2
Brasil

Contribuições do modelo de gestão social para o fortalecimento dos conselhos escolares como espaço democrático

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 19, núm. 1, 2017

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2017 pelos autores.

Recepción: 23 Diciembre 2015

Aprobación: 24 Mayo 2016

Resumo: Apresenta-se uma investigação qualitativa de cunho exploratório, que se desenvolveu em duas fases. Inicialmente foi feita uma pesquisa bibliográfica com o objetivo de discutir as contribuições do modelo de gestão social para o fortalecimento da proposta dos conselhos escolares como espaço de vivências democráticas. Em seguida, foi realizado um estudo de caso sobre a regulamentação do Conselho Escolar no Sistema de Ensino de Brumadinho, Minas Gerais. Os principais resultados alcançados demonstraram que o modelo de gestão social possui características como diálogo, participação, democratização e emancipação, que podem contribuir para o fortalecimento do CE como espaço democrático.

Palavras-chave: Bibliometria, Artigos científicos, Revista Vértices.

Abstract: The paper presents a qualitative research of exploratory nature, which was developed in two phases. Initially, it has been carried out a literature review in order to discuss the contributions of the social management model for strengthening the school councils as a democratic space. Then it has been conducted a case study about the regulation of the School Council in the School System of Brumadinho, Minas Gerais. The main results showed that the model of social management has features such as dialogue, participation, democratization and empowerment, which can contribute to the strengthening of the school board as a democratic space.

Keywords: Bibliometrics, Papers, Revista Vértices.

Introdução

A proposta de criação de Conselhos Escolares, como órgãos que abrigam todos os segmentos da comunidade escolar, surge como uma estratégia de democratização da escola e da sociedade brasileira. Nessa perspectiva, o Conselho Escolar deveria tornar-se um espaço privilegiado para a construção e consolidação da participação na política educacional e no cotidiano da escola, contribuindo para a inovação da gestão escolar e colaborando com a sociedade por meio do desenvolvimento local.

Entretanto, a implementação dessa proposta ainda sofre com impedimentos de natureza variada, conforme os contextos sociais, culturais e políticos, nos municípios. São necessários estudos que contribuam para lançar luz sobre a questão, em suas diferentes dimensões.

O objetivo deste artigo é discutir as contribuições do modelo de gestão social para o fortalecimento da proposta dos conselhos escolares como espaço de exercício da experiência democrática. Este artigo baseou-se em uma pesquisa com abordagem qualitativa de cunho exploratório efetivada por meio de uma pesquisa bibliográfica em dissertações, teses, livros e artigos, bem como em uma análise crítica das legislações referentes ao Conselho Escolar no município de Brumadinho/MG.

Inicialmente o artigo apresenta a regulamentação dos Conselhos Escolares, considerando a legislação nacional e local (município de Brumadinho/MG). Em seguida, realiza uma revisão de literatura sobre o papel dos conselhos escolares e os principais desafios para o seu efetivo funcionamento como espaço democrático. A partir dessas análises, serão discutidas possíveis contribuições do modelo de gestão social para o fortalecimento dos Conselhos Escolares como espaço democrático, e tecidas as considerações finais.

Desenvolvimento

O Conselho Escolar na Legislação Nacional, Estadual e Municipal

Dalberio (2009) destaca que o maior objetivo da democratização escolar é garantir a participação e a autonomia das escolas. E que essa autonomia não é apenas uma questão de bom gerenciamento, mas de busca pela qualidade do ensino, no sentido de consolidar uma esfera pública de decisão, fortalecendo o controle social, de forma que a escola pública atenda aos anseios da população a que se destina. Paro (2000) corrobora apontando que os fins da gestão educacional estão diretamente relacionados com a emancipação dos sujeitos.

Paro (2000, p. 28) destaca ainda que a gestão democrática “ultrapassa os limites da democracia política, articula-se com a noção de controle democrático do Estado pela população como condição necessária para construção da democracia social”.

Nesse contexto, os Conselhos Escolares são aqui entendidos como órgãos de controle democrático, concebidos como local de debate e de tomada de decisões. E, para tanto, mostram-se potencialmente capazes de contribuir para a democratização da escola pública. Para melhor compreendermos a organização e o funcionamento dos Conselhos Escolares no âmbito da gestão democrática, apresenta-se uma contextualização da legislação que os regulamentam.

De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a República Federativa do Brasil é um estado democrático que traz a cidadania como fundamento. O parágrafo único do artigo 1º reforça a vertente democrática, afirmando que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição”.

No Capítulo III da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no artigo 205, a educação é tratada como direito de todos, dever do Estado e da família, que deve ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. No artigo 206, a perspectiva da gestão democrática do ensino público é defendida (inciso VI), devendo ser implementada na forma da lei, tratando-se aqui da Lei nº 9394/96, ou Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Vale destacar que, no texto constitucional, não se define o conceito de gestão democrática.

Oliveira e Adrião (2007) mencionam que o termo gestão democrática apareceu de forma inédita na Constituição Federal de 1988, que foi a primeira legislação a destacar o termo como um princípio constitucional que deve ser considerado nas medidas governamentais. Os autores fazem uma crítica ao texto constitucional por restringir o princípio democrático apenas ao ensino público, o que representa uma incoerência, considerando-se que o estado democrático de direito deve se estender a toda a nação.

Também a Lei 9394/96, ou Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)1 (BRASIL, 1996), estabelece, no artigo 3º, os princípios da educação e traz, no inciso VIII, a menção à “gestão democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas de ensino”. A LDB (1996) repete o disposto pela Constituição Federal (BRASIL, 1988), deixando a definição da gestão democrática e da forma de participação às legislações dos Sistemas de Ensino.

Não são definidas a forma de participação da comunidade escolar e local, a formatação dos órgãos colegiados, sua composição, autonomia e âmbito de deliberação, nem as formas de eleição e nomeação de gestores. Devido a essa falta de clareza sobre o que se entende por gestão democrática, não é de se admirar que existam, no cenário brasileiro, formas bem variadas de atuação de órgãos colegiados.

O artigo 6º da LDB (1996) apresenta como dever dos pais ou responsáveis em relação à educação apenas “efetuar a matrícula dos menores, a partir de seis anos no Ensino Fundamental”. A participação nas decisões da escola sequer é mencionada como um dever e um direito dos pais.

O artigo 8º da LDB (1996) define o regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para a organização da educação. No parágrafo 2º, estabelece que os sistemas de ensino terão liberdade de organização, nos termos da lei. Assim, fica a cargo dos sistemas de ensino estaduais ou municipais criar suas legislações e outros instrumentos para regulamentar e efetivar as práticas de gestão democrática em seu território.

No inciso VI do artigo 12, a LDB (1996) deixa para as instituições de ensino a função de articulação com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola. E, no VII, apresenta como dever das instituições de ensino informar aos pais e responsáveis sobre a frequência e o rendimento dos alunos e sobre a execução de sua proposta pedagógica.

No artigo 14, a LDB (1996) faz menção direta à efetivação da gestão democrática pelos Conselhos Escolares:

Art.14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II. Participação das comunidades escolar e local em conselhos ou equivalentes.

Entre os princípios essenciais à efetivação da gestão democrática, destaca-se a participação. A LDB (1996) condiciona a gestão democrática a uma gestão compartilhada com os profissionais, a comunidade escolar e local e apresenta como local de participação os Conselhos Escolares ou “equivalentes”.

Embora a legislação e a literatura acadêmica reconheçam o potencial do Conselho Escolar como espaço de democracia, Dalberio (2009, p.89) ressalta que:

[...] o colegiado escolar ainda constitui-se como um canal de participação muito limitado [...] se resumindo à presença de representantes da comunidade escolar nas reuniões, entretanto, ainda com uma postura de apatia, submissão e indiferença.

Dessa forma, os Conselhos Escolares, como espaço democrático, podem incentivar a discussão e a tomada de decisões, buscando soluções para a escola, se estendendo à comunidade. Isto, compreendendo que a democracia não é conquistada meramente seguindo uma receita, mas que deve ser entendida como um processo de construção. Conforme nos esclarece Dalberio (2009, p.85), a democracia necessita de aprendizado. Assim, a gestão democrática na escola deve buscar criativamente variadas formas de incentivar os familiares, os alunos e alunas a se sentirem motivados a participar.

Plano Nacional de Educação – PNE

O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei Nº 13.005 de 25 de junho de 2014 (BRASIL, 2014), para vigência de 10 (dez) anos a contar da publicação da lei, apresenta no art. 2º, inciso VI, como uma de suas diretrizes, a “promoção do princípio da gestão democrática da educação pública”.

O artigo 9º determina como incumbência dos Estados, Distrito Federal e Municípios aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando assim a gestão democrática do ensino público.

A estratégia 7.4 dispõe sobre o aprimoramento da gestão democrática, que é reforçado na estratégia 7.16 visando ao apoio técnico e financeiro para sua efetivação e desenvolvimento.

A meta 19 reforça o disposto pela estratégia 7.4:

Assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.

A estratégia 19.1 traz um importante avanço para definição de instrumentos para efetivação da gestão democrática considerando como requisitos a serem cumpridos pelos sistemas de ensino “a nomeação dos diretores e diretoras de escola, critérios técnicos de mérito e desempenho, bem como a participação da comunidade escolar”.

As estratégias 19.4 e 19.5 fazem menção direta aos Conselhos Escolares e trazem um respaldo importante para as ações voltadas para capacitação de conselheiros e gestores:

19.4) estimular, em todas as redes de educação básica, a constituição e o fortalecimento de grêmios estudantis e associações de pais, assegurando-se-lhes, inclusive, espaços adequados e condições de funcionamento nas escolas e fomentando a sua articulação orgânica com os Conselhos Escolares, por meio das respectivas representações;

19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de Conselhos Escolares e Conselhos Municipais de Educação, como instrumentos de participação e fiscalização na gestão escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo;

As estratégias 19.6 e 19.7 estimulam a participação dos profissionais e da comunidade na construção e acompanhamento da proposta curricular e nos planos da gestão escolar, favorecendo assim a autonomia dos estabelecimentos de ensino, pautados na gestão democrática do ensino público.

19.6) estimular a participação e a consulta de profissionais da educação, alunos (as) e seus familiares na formulação dos projetos político-pedagógicos, currículos escolares, planos de gestão escolar e regimentos escolares, assegurando a participação dos pais na avaliação de docentes e gestores escolares;

19.7) favorecer processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino;

19.8) desenvolver programas de formação de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos, cujos resultados possam ser utilizados por adesão.

Nas estratégias 19.5 e 19.8 percebe-se uma preocupação do PNE (2014) em garantir a escolha democrática dos gestores escolares, considerando critérios objetivos para o provimento desses cargos a partir de cursos de formação.

Compreendendo a gestão democrática em sistemas municipais: o caso de Brumadinho (MG)

Considerando o que foi exposto até agora sobre as normativas nacionais, foi realizado, em 2014, um estudo de caso no Sistema Municipal de Ensino de Brumadinho/ MG, no intuito de compreender a legislação que regulamenta a efetivação da gestão democrática por meio dos Conselhos Escolares em nível municipal.

Vale destacar a concepção de gestão democrática expressa por Souza (2009, p.125) como:

[...] um processo no qual as pessoas atuam na e sobre a escola, identificando seus problemas, discutem, deliberam, planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito às normas construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola.

Conforme se encontra em Brasil (2007), para que se efetive a gestão democrática, é necessária a implementação de vários mecanismos de participação, como: consolidação de órgãos colegiados na escola, aprimoramento dos processos de provimento ao cargo de diretor, fortalecimento da participação estudantil, construção coletiva do projeto político-pedagógico, discussão e a implementação de novas formas de organização escolar.

No presente estudo de caso, o mecanismo de participação analisado foi o dos órgãos colegiados, aqui nomeados como Conselhos Escolares das escolas municipais de Brumadinho.

O município de Brumadinho/MG está situado na Zona Metalúrgica, região de importante atividade mineradora em Minas Gerais e faz parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte. De acordo com o Censo (IBGE, 2010), possui 33.973 habitantes, sendo que 28.642 habitantes residem na área urbana e 5.331 em área rural, distribuídos nos distritos de Casa Branca, Córrego do Feijão, Palhano, Suzana, Piedade do Paraopeba, Aranha, Marinhos, São José do Paraopeba, José Henriques, Tejuco e Conceição de Itaguá. Pela classificação do IBGE, Brumadinho é um município de porte pequeno.

A Lei nº 1539/2006, sancionada em 28 de abril de 2006 e ratificada pela Lei 1.550/2006 (BRUMADINHO, 2006), institui o Sistema Municipal de Ensino de Brumadinho, que deve ser composto por:

As escolas mantidas pelo poder público municipal estão distribuídas nos distritos e na sede do município, sendo doze escolas na área rural e nove escolas na área urbana.

A Lei Orgânica do Município de Brumadinho/MG (BRUMADINHO, 1990) traz algumas definições relevantes para o princípio da gestão democrática do ensino público. No inciso VIII do artigo 145, essa legislação reconhece a necessidade da efetivação da gestão democrática a partir dos seguintes elementos:

a) Assembleia escolar, enquanto instância de deliberação da escola municipal, composta por servidores nela lotados, por alunos e seus pais e membros da comunidade;

b) Direção colegiada da escola municipal;

c) Seleção competitiva interna para exercício de cargo comissionado de coordenadores da escola municipal para período fixado em lei, prestigiadas na apuração objetiva do mérito do candidato, a experiência profissional e habilitação legal, a aptidão para a liderança, a capacidade de gerenciamento, na forma da lei e a prestação de serviços no estabelecimento por pelo menos dois anos.2

O Sistema Municipal de Ensino, pela Normativa de nº 1 de 15 de outubro de 2007 (BRUMADINHO, 2007), no intuito de atender às necessidades de acompanhar práticas inovadoras, alterou a denominação de colegiados escolares para Conselhos Escolares. Mesmo com essa mudança de nomenclatura ainda é bastante comum, nas escolas, o uso do termo colegiado escolar.

O Sistema Municipal de Ensino de Brumadinho/MG adota um regimento escolar (BRUMADINHO, 2010) para todas as escolas vinculadas ao Sistema de Ensino Municipal, que foi construído com a participação de todas as escolas e aprovado pelo Conselho Municipal de Educação no ano de 2012. Nesse regimento, o Conselho Escolar é compreendido como órgão colegiado, com função deliberativa e consultiva, atuando em regime de cogestão, visando a acompanhar e avaliar o ensino.

O referido documento, no art. 33, apresenta as seguintes finalidades do Conselho Escolar:

I. Promover a integração entre as várias categorias que participam do processo educativo, viabilizando a prática democrática nas unidades escolares;

II. Consolidar uma educação dialógica, buscando a socialização e as decisões quanto à proposta pedagógica na escola.

Parágrafo Único – O regular funcionamento do Conselho Escolar obedecerá à legislação em vigor, explícita em estatuto próprio.

É importante observar ainda que o regimento escolar (BRUMADINHO, 2010) deixa o funcionamento do Conselho Escolar a cargo da escola, através de criação de estatuto próprio. Quanto à constituição e a composição do Conselho Escolar, os artigos 34 e 35 definem que:

Art. 34 - O Conselho Escolar de cada unidade de ensino será constituído pela seguinte representatividade: I. Professores, pedagogos e demais servidores;

II. Alunos regularmente matriculados;

III. Pais ou responsáveis por alunos regularmente matriculados e frequentes.

Parágrafo Único – Os representantes de cada categoria serão eleitos com seus respectivos suplentes.

Art. 35 - A composição do Conselho Escolar deverá observar o princípio da proporcionalidade.

Além dos aspectos dispostos pelo Regimento Escolar, em 27 de março de 2012, foi baixada a resolução nº 13 da SME (BRUMADINHO, 2012) com base nos princípios da LDB (1996) na Lei Municipal de nº 1550/2006 (BRUMADINHO, 2006), na Portaria Normativa SME de nº 01/2007 (BRUMADINHO, 2007) e no Regimento Escolar (BRUMADINHO, 2010), no intuito de regulamentar o funcionamento dos Conselhos Escolares da Rede Municipal de Ensino de Brumadinho.

A resolução nº 13 (BRUMADINHO, 2012) define com maior clareza o caráter consultivo, normativo, deliberativo e fiscalizador dos Conselhos Escolares, em regime de cogestão participativa, visando a acompanhar, aconselhar e avaliar a educação no âmbito da escola, conforme expresso no art. 1º da resolução. O art. 2º expressa a obrigatoriedade da instalação e funcionamento dos Conselhos Escolares em todas as escolas do Sistema Municipal de Ensino de Brumadinho.

É importante observar que a instituição de conselhos escolares e/ou outros mecanismos de participação não configura, por si só, a existência de uma efetiva gestão democrática. Se os indivíduos que compõem essas instituições não pautarem suas ações no diálogo, pouco restará de democrático nessas ações coletivas (SOUZA, 2009).

Deve-se acrescentar que esse diálogo tampouco é resultado apenas da vontade individual, mas dependerá de condições socioinstitucionais que possam garantir e desenvolver o diálogo e a participação dos diversos atores sociais. A participação é, ao mesmo tempo, uma prática dos sujeitos políticos e uma prática da sociedade política.

Gohn (2004, p.24) afirma que “uma sociedade democrática só é possível via caminho da participação dos indivíduos e grupos sociais organizados”. Considerando que os Conselhos Escolares são uma das modalidades para exercício da cidadania, precisa-se investir no fortalecimento da participação dos envolvidos, de forma a incentivar que os conselheiros assumam de fato uma postura democrática.

Quanto às finalidades do Conselho Escolar, a resolução nº 13 (BRUMADINHO, 2012) mantém o disposto no Regimento Escolar e detalha, em seu art. 4º, as competências do Conselho Escolar, mencionadas de forma sucinta no Regimento escolar Brumadinho (2010):

I – Elaborar seu estatuto e regulamento próprio e submetê-los à apreciação da Assembleia Geral, devendo conter, obrigatoriamente, capítulos sobre o caráter, atribuições, competências, composição, funções, presidência, funcionamento, mandato, eleição, disposições gerais, e outras matérias que julgar necessárias;

II- Participar da construção, acompanhamento e avaliação da Proposta Político-Pedagógica da escola;

III- Acompanhar e divulgar o processo e os resultados das avaliações sistêmicas;

IV- Acompanhar o processo de avaliação de gestão escolar;

V- Deliberar sobre as prioridades na aplicação de todos os recursos financeiros do Caixa Escolar de acordo com as necessidades levantadas pela comunidade escolar, acompanhar e aprovar bimestralmente a aplicação desses recursos, obedecidos os dispositivos legais pertinentes.

VI- Dirimir as questões conflitantes que surgirem na comunidade escolar, de interesse particular ou coletivo, encaminhando relatório à Secretaria Municipal de Educação;

VII- Participar da elaboração das normas de conduta, procedimentos e processos educativos, observada a legislação em vigor, o Regimento Escolar e respeitados os âmbitos de sua competência;

VIII- Propor sugestões de Calendário Escolar considerando as peculiaridades locais e regionais;

IX- Divulgar suas ações para os demais integrantes da comunidade escolar;

X- Decidir em grau de recurso sobre questões de interesse da comunidade escolar.

Vale destacar a relevância do Inciso I do artigo 4º da resolução nº 13 (BRUMADINHO, 2012) em garantir as diretrizes necessárias para elaboração do estatuto do Conselho Escolar, visto que, de modo geral, na legislação federal e estadual, o que se percebe é uma transferência de responsabilidade entre as instâncias gestoras sobre a quem compete desenvolver a gestão democrática (da união para os estados, dos estados para os municípios e dos municípios para as escolas), o que resulta numa falta de diretriz para a organização dos Conselhos e da heterogeneidade em sua formação e definição de funções.

O artigo 5º, da resolução nº 13 (BRUMADINHO, 2012), define a representatividade dos segmentos do Conselho Escolar, mostrando clareza quanto à composição do Conselho Escolar, que contempla os vários segmentos da comunidade escolar:

Art.5º - O Conselho Escolar de cada unidade será constituído pela seguinte representatividade:

I. Direção, professores, pedagogos e demais servidores, na proporção de 33%;

II. Alunos regularmente matriculados, com idade igual ou superior a 12 anos, na proporção de 33%;

III. Pais ou responsáveis pelos alunos regularmente matriculados e frequentes, na proporção de 34%;

§1º- No caso de escola que não conta com alunos com idade igual ou superior a 12 anos, o Conselho Escolar será constituído considerando a proporção de 50% da representatividade descrita no inciso I e 50% da representatividade descrita no inciso III deste artigo.

§2º- Os representantes de cada categoria serão eleitos com seus respectivos suplentes.

Outro aspecto importante, descrito no art. 5º da Resolução 13 (BRUMADINHO, 2012), é a garantia da eleição dos membros representantes do Conselho Escolar, que é reforçada no art. 8º, deixando a cargo de cada segmento a definição da forma de eleição, secreta ou por aclamação.

Vale considerar que democracia representativa tem como fundamento a expressão da voz plural da sociedade organizada. O papel dos representantes eleitos é compartilhar com os colegas a percepção, as aspirações dos seus representados, mantendo o respeito às divergências, almejando a construção da convergência (BRASIL, 2007).

Quanto à periodicidade das reuniões do Conselho Escolar, Brumadinho (2012) define, no art. 10, que deverá ocorrer ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente sempre que necessário, por convocação do presidente. Um entrave pode ser percebido no fato de que apenas ao presidente compete a função de convocar os membros do conselho, extraordinariamente, para reuniões, o que se afigura contraditório tratando-se de um órgão colegiado.

A atribuição, exclusivamente ao presidente, da convocação para reuniões, levanta a questão sobre quem tem o poder de identificar as necessidades relevantes e legítimas para as reuniões do Conselho. Considerando que, no caso das escolas municipais de Brumadinho/MG, a presidência do Conselho Escolar é representada pelo Diretor, esse aspecto pode contribuir para um possível entrave à participação dos demais membros do Conselho Escolar.

No §1º do artigo 10 (BRUMADINHO, 2012), ameniza-se um pouco o entrave colocado no caput desse artigo, onde a função do presidente é convocar reuniões extraordinárias, destacando que “o Conselho Escolar poderá se reunir por solicitação argumentada de, pelo menos, 1/3 (um terço) de seus membros”.

É importante destacar que as legislações do Sistema Municipal de Ensino de Brumadinho não determinam que o diretor seja um presidente nato do Conselho Escolar, mas é possível observar que, nas escolas do município, ainda prevalece essa prática.

No artigo 10 (BRUMADINHO, 2012), podem-se extrair mais informações relevantes sobre o funcionamento do Conselho Escolar no que se refere à participação. O §3º expressa que toda convocação de reunião deverá ser precedida de apresentação de pauta, com antecedência mínima de 48 horas, quando ordinária, e de 24 horas, quando extraordinária. Com essa definição, pelo menos na legislação, a informação fica assegurada.

Plano Decenal Municipal de Educação de Brumadinho - PDME

O PDME (BRUMADINHO, 2006), elaborado para o período de 2006 a 2016, possui uma comissão de acompanhamento que organiza conferências e fóruns com o objetivo de monitorar as metas alcançadas e realizar as modificações necessárias. O plano consultado incorpora as modificações realizadas nas cinco conferências municipais, sendo que a última aconteceu no ano de 2013.

O PDME (2006) tem poucas menções à gestão democrática e ao Conselho Escolar, o que pode ser interpretado como preocupante, pois trata-se de um plano construído por todos os segmentos que envolvem a educação municipal para o prazo de dez anos.

A menção à “gestão democrática” aparece no item 3 referente aos objetivos para a construção da cidadania, como possibilidade de “descentralizar o sistema e democratizar a gestão”. Também o item 4 traz um objetivo que contempla a gestão democrática: “propiciar condições para desenvolver o processo democrático de escolha direta dos dirigentes escolares, pela comunidade escolar, com posterior nomeação feita pelo executivo municipal”.

Nas metas para a Educação Infantil, no item 12 do PMDE (2006), prevê-se uma referência às atividades dos Conselhos Escolares, como forma de:

12. Continuar atividades dos Conselhos Escolares, e outras formas de participação da comunidade escolar e local, na melhoria do funcionamento das instituições de Educação Infantil e no enriquecimento das oportunidades e dos recursos pedagógicos.

Vale destacar que a expressão “continuar”, com que se inicia o item 12, não define com clareza quais são as atividades dos Conselhos Escolares, e aparentemente remete ao fato de o município já ter implementado os Conselhos Escolares em todas as escolas.

O item 31 das metas para a Educação Infantil indica a possibilidade de criação de Associação de Pais e Mestres, para manter parcerias. No entanto, até 2014, o município de Brumadinho possuía apenas uma escola que havia implantado uma Associação de Pais e Mestres, com a finalidade de buscar parcerias para aquisição de recursos financeiros.

O item 35 das metas para a Educação Infantil expressa a necessidade de a escola incentivar a participação permanente da família na vida escolar dos filhos, o que se efetivaria a partir de reuniões. Nesse item não se faz menção direta ao Conselho Escolar, mas ressalta-se a importância da participação da família na escola.

O item 6 das metas para o Ensino Fundamental faz referência ao Conselho Escolar, onde ressalta-se a necessidade de “promover a participação da comunidade na gestão democrática das escolas através dos Conselhos Escolares e colegiados”.

O item 22, que expressa metas para o Ensino Médio, propõe “criar mecanismos, como conselhos ou equivalentes, para incentivar a participação da comunidade na gestão, manutenção e melhorias das condições de funcionamento das escolas”.

Como se pode perceber, o Conselho Escolar aparece, ao longo do PDME (2006), como ferramenta de participação na gestão da escola, fazendo-se presente nas metas da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio como uma garantia de qualidade e participação da comunidade escolar.

Nas metas para “gestão e financiamento” não foi mencionado o Conselho Escolar. Apresentou-se apenas uma definição incoerente, com relação às normas de gestão democrática, qual seja: “definir, em cada Sistema de Ensino, normas de gestão democrática do ensino público, com a participação da comunidade”. Isto se coloca como cópia do artigo da LDB (1996), no texto do PDME (2006), e se apresenta como uma forma incoerente para uma meta em nível municipal.

Tendo em vista a discussão apresentada, percebe-se que, tanto na legislação nacional quanto na municipal, existe a proposta da gestão democrática do ensino público e o reconhecimento dos conselhos escolares como instrumentos dessa gestão. Todavia, a regulamentação sozinha não é garantia de implementação e funcionamento desses conselhos.

Para aprofundar essa discussão, no próximo item, pretende-se abordar, a partir da literatura consultada, os desafios e entraves na implementação e funcionamento dos conselhos escolares.

Desafios e entraves ao funcionamento dos Conselhos Escolares

Na literatura consultada, prevalece a ideia de que o Conselho Escolar tem um importante papel no incentivo à participação da comunidade escolar nas decisões da escola e no desenvolvimento de práticas democráticas na comunidade local (CONCEIÇÃO, 2007; ABRANCHES, 2003; CURY, 2000; MARQUES, 2012; PRADO, 2003; ALVES, 2010; BARDINOTTI, 2002; CUNHA, 2008; SILVA, 2010).

Prado (2003) destaca que o Conselho Escolar é um espaço democrático importante na definição de rumos pedagógicos, no qual diferentes pontos de vista podem ser analisados e debatidos, contando com a participação de toda a equipe escolar.

Tal concepção de espaço democrático parte de uma visão política, com o objetivo de lutar pelos direitos democráticos e pela formação crítica dos cidadãos, que, quando fomentada no contexto escolar, amplia os processos de participação dos envolvidos na comunidade local (ALVES, 2010; SILVA, 2010).

Nesse contexto, a escola pode ser entendida como uma organização da sociedade, e os Conselhos Escolares como espaços políticos de construção social capazes de gerar mudanças no comportamento da comunidade a partir de vivências de participação, favorecendo, assim, a construção da formação política dos sujeitos sociais pertencentes ao espaço escolar (MARQUES, 2012; BARDINOTTI, 2002).

Segundo Alves (2010), a dinâmica de participação e diálogo existente nos Conselhos Escolares possibilita uma integração entre a escola e a comunidade, gerando assim práticas mais democráticas não só na escola, mas também na comunidade local.

Percebe-se, na discussão teórica, uma consonância entre os autores acerca do potencial do Conselho Escolar como espaço de formação, onde a participação pode ser praticada e aprendida no contexto escolar e estendida à comunidade local.

O princípio da gestão democrática está presente nas legislações. Entretanto, as escolas ainda sofrem a influência de um modelo de gestão neoliberal, onde existe a sobrevalorização da eficiência e do controle sobre a escola (CUNHA, 2008; SOUZA, 2009). Com isso, o Conselho Escolar passa a ser um espaço de luta, fruto da problematização social na gestão da política pública. Ainda é visto pelo gestor como uma ameaça de divisão de poder. Essa visão acarreta numa participação limitada e controlada pelo diretor, reforçando uma estrutura burocrática e o excesso de normatização da participação dos conselheiros (BATISTA, 2009; TORRES; PALHARES, 2009; CAMPOS, 2011; PARO, 2000).

Batista (2009) reitera que, desde o seu surgimento, os Conselhos Escolares eram vistos como uma ameaça para os diretores. E que ainda continuam a encontrar uma série de dificuldades para se constituírem de fato em uma instância colegiada, entendendo assim que, no contexto histórico, as práticas colegiadas implementadas na escola acabaram por se distanciar muito da política ampla de democratização da escola.

Mesmo reconhecendo o potencial do Conselho Escolar como espaço de exercício da participação, o que se percebe é que ele ainda precisa ser reestruturado para alcançar seus objetivos como instrumento de participação e construção de cidadania, visto que, em sua maioria, os conselhos ainda se mantêm burocraticamente instituídos, mas encontram muitos entraves para efetivar as atribuições (SILVA, 2010; MARQUES, 2012; VELOSO et al., 2012; MARTINS, 2008).

Alves (2010) destaca alguns entraves ao processo de fortalecimento dos Conselhos Escolares: a subordinação dos Conselhos Escolares aos ditames do diretor da escola, a falta de estímulo da escola na participação dos Conselhos Escolares, a falta de compromisso dos conselheiros em assumir uma posição política em consultar seus pares e a participação dificultada e impedida pela falta de informações.

Conceição (2007) também ressalta como entrave a centralidade das decisões na figura do diretor, a falta de representação dos conselheiros nos seus segmentos, prevalecendo, na maioria das vezes, interesses pessoais, em detrimento dos coletivos. A autora acrescenta ainda como um entrave para a gestão social dos Conselhos Escolares as dificuldades de participação existentes no País, considerando o período histórico de 1960 a 1980, quando espaços de participação eram praticamente inexistentes.

Outro entrave para a gestão dos Conselhos Escolares é a participação formal hierarquizada, concentrada apenas em funcionários e professores que, em várias situações, se submetem à vontade expressa pelo diretor. Além disso, a falta de instrumento de comunicação e de transmissão dos assuntos a serem discutidos na reunião se apresenta como um grande dificultador da participação, assim como o excesso de normatização da participação dos conselheiros. Isso dificulta que eles se manifestem e expressem opiniões divergentes, ou que conduzam seus argumentos de forma diferente do esperado pelos demais membros, dentro do contexto (BARDINOTTI, 2002; ALVES, 2010; SOUZA, 2009).

O Quadro 1 apresenta uma sistematização feita, a partir da literatura consultada, sobre desafios e entraves ao funcionamento dos CEs.

Quadro 1 -
Desafios e entraves ao funcionamento dos CEs
Desafios e entraves apontadosAutores de referência
Subordinação dos conselheiros aos ditames do diretor.Alves (2010)Conceição (2007)Veloso et al (2012)
Falta de participação dos conselheiros. Alves (2010)Conceição (2007)Martins (2008)Silva (2010)
Falta de consulta dos conselheiros aos seus pares (ausência de representatividade).Alves (2010)Conceição (2007)Marques (2012)Campos (2011)
Participação impedida pela falta de informações.Alves (2010)Bardinotti (2002)Alves (2010)Souza (2009)Marques (2012)Campos (2011)
Participação concentrada apenas nos funcionários da escola.Bardinotti (2002)Alves (2010)Souza (2009)Marques (2012)
Conselho Escolar como órgão burocrático para cumprir as exigências legais.Marques (2012)Alves (2010) Marques (2012)Campos (2011)
Reuniões esporádicas.Bardinotti (2002)Alves (2010)Souza (2009)Marques (2012Martins (2008)
Fonte: elaborado pelas autoras

Observa-se assim que, para o Conselho Escolar assumir a atuação democrática a que se propõe, faz-se necessário investir numa estratégia de gestão participativa, onde os conselheiros sejam motivados a participar e a tomar decisões coletivas. Para tanto, acredita-se que o modelo de gestão social possa contribuir para a melhoria da participação nos conselhos escolares.

Contribuições do modelo de gestão social para a proposta de Conselhos Escolares como espaço democrático

Os Conselhos Escolares foram propostos na legislação — e isso é corroborado pela literatura — como espaços democráticos, visto que é um órgão que abriga os vários segmentos que compõem a comunidade escolar e tem por objetivo participar da gestão da escola. Entretanto, como exposto no Quadro 1, os Conselhos Escolares muitas vezes não conseguem cumprir seus objetivos porque não dispõem de condições favoráveis para a efetivação de uma gestão democrática.

Nesse contexto, é válido buscar articulações teórico-metodológicas que possam contribuir para a análise dos CEs e para o seu funcionamento como espaço de práticas e vivências democráticas. Neste artigo, buscamos essa articulação com o modelo da gestão social.

A origem do modelo de gestão social está ligada ao processo de organização e mobilização social e política no Brasil desde 1960. Caracteriza-se pela construção coletiva de regras, normas e instrumentos de gestão, pela inovação de metodologias que privilegiem o diálogo, a participação, decisões compartilhadas, horizontalmente hierárquicas, com valorização de diferentes saberes na ação (ROCHA; SANTOS, 2012) [grifo das autoras].

Nesse contexto, a gestão tradicional se diferencia da gestão social no que diz respeito à inversão da prioridade dos objetivos: dos econômicos para os sociais (SCHONBERG, 2010 apud em ROCHA E SANTOS, 2012). Também a proposta de gestão escolar democrática enfatiza a educação como direito fundamental e, como tal, deve ser regida prioritariamente pelo interesse societário e não por finalidades econômicas, muito menos aquelas vinculadas às desigualdades sociais.

Tenório (2008, p.122) reitera que o adjetivo social qualifica a gestão como um “espaço privilegiado de relações sociais em que todos têm direito à fala sem nenhum tipo de coação [...] na gestão social deve-se sobressair o diálogo e o coletivo” (grifo das autoras). Compreender a educação como direito fundamental é também reconhecer a necessidade de participação em condições de igualdade e baseada no diálogo entre os diversos atores sociais envolvidos.

A gestão social é definida por Tenório (2008) como um caminho para a emancipação de atores, através de:

Um processo gerencial dialógico em que a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação [...] se apresenta como um caminho para a emancipação dos sujeitos, tornando o processo decisório participativo e dialógico (TENÓRIO, 2008, p. 148) [grifo das autoras].

Na proposta de gestão democrática da escola, é importante organizar o diálogo necessário ao processo participativo, mas evitando as formas que poderiam esvaziar esse diálogo, como a excessiva burocratização da participação sob a dependência das autoridades instituídas, a exclusão de segmentos sociais importantes no funcionamento da instituição escola (como as famílias, a comunidade), e assim por diante. Assim, é preciso preservar o princípio da participação dentro da dinâmica local da gestão democrática da escola.

Para Demo (1999), a participação é um elemento essencial da democracia. Pois não há democracia sem seu ator principal, que é o cidadão. Entretanto, o autor também nos alerta que o processo de participação não é algo pacífico, mas é como um movimento que traz problemas, que gera conflitos. Pois “não se ocupa espaço de poder, sem tirá-lo de alguém” (DEMO, 1999, p.2).

O modelo de gestão social surge como uma proposta de democratizar as relações entre o Estado e a sociedade, através de uma gestão pautada no diálogo, na participação e na crença de que cada indivíduo possui experiências, vivências e concepções que podem auxiliar nos processos de formação e, portanto, tem condições de participar nos processos decisórios (TENÓRIO, 2008; MAIA, 2005).

De fato, uma concepção ampla de educação (Saviani, 2008) leva a considerar, além dos aspectos instrumentais e técnicos da aquisição de conhecimentos, toda a sua relação com um modo de vida, com a organização do cotidiano e da organização da sociedade. Assim, a educação está também associada a valores, relações, prioridades e realizações dos setores sociais envolvidos diretamente e da sociedade como um todo.

Nessa visão ampla de educação, o Conselho Escolar como instrumento de gestão democrática “é uma forma dialogal, participativa com que a comunidade educacional se capacita para levar a termo um projeto pedagógico de qualidade e da qual nasçam ‘cidadãos ativos’” (CURY, 2000, p.11).

De fato, como apontaram Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998), a expressão participação política tem sido usada para designar atividades de diversas naturezas, enfatizando-se três formas de participação: (1) a presença, tipo mais superficial e composta de comportamentos de simples presença em ações ou eventos, nos quais o indivíduo não faz contribuições pessoais; (2) a ativação, quando o sujeito desempenha tarefas que lhe foram confiadas; e (3) participação, tomado em sentido estrito, quando o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma decisão política.

No caso dos CEs, a participação requerida é a mais ativa, implicada em decisões e pactos entre os cidadãos, aproximando-se assim do que é compreendido como participação na gestão social, associada à cidadania ativa.

Dessa maneira, como Demo (1999) observa, a participação é entendida como um processo de constante vir a ser. Não existe participação suficiente, nem acabada, devendo acompanhar os processos sociais.

Para Cury (2000, p.12), “a gestão democrática expressa um anseio de crescimentos dos indivíduos como cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática”. Assim, acredita-se que um conselho escolar participativo pode colaborar na construção de uma educação de qualidade para todos, tendo um impacto positivo na democratização das oportunidades sociais.

Para Demo (1999), é necessário reduzir as desigualdades da sociedade brasileira por meio da participação:

A redução das desigualdades só pode ser fruto de um processo árduo de participação, que é conquista, em seu legítimo sentido de defesa de interesses contra interesses adversos. Não há por que enfeitar ou banalizar este processo, ainda que não deva em si ser necessariamente violento. Todavia, nos casos de desigualdade extrema, dificilmente se escapará da violência, mesmo porque já está instalada no cerne do processo. (DEMO, 1999, p.23)

De fato, ao se desenvolver uma aproximação com o modelo de gestão social, é preciso não negligenciar o fato de que os sistemas escolares têm dimensões hierárquicas e definições específicas sobre autoridade, disciplina, produtividade, entre outras. As implicações de diferentes interesses e posições de poder não escapam às teorizações do modelo de gestão social, devendo ser objeto de reflexão e análise. É justamente a partir daí que poderá vir a contribuir para o fortalecimento da cidadania ativa.

Esta pequena incursão nas possibilidades de uma articulação teórica, que potencialize a contribuição da gestão social para a gestão dos conselhos escolares, dá uma ideia da riqueza dessa associação. Além disso, é importante observar que, do ponto de vista ético, essas concepções se aproximam de maneira consistente, pelo princípio da participação, da necessidade de oferta de bases para essa participação, da valorização dos saberes locais, do diálogo e da transparência nas relações com a finalidade de emancipação dos sujeitos, embora não se negue a existência de conflitos e seus possíveis impactos para a construção democrática.

Tenório nos orienta a esse respeito que:

Participar é fazer política e esta depende das relações de poder percebidas. Participar é uma prática social na qual interlocutores detêm conhecimentos que, apesar de diferentes, devem ser integrados. O conhecimento não pertence somente a quem passou pelo processo formal, ele é inerente a todo ser humano. Uma pessoa que é capaz de pensar a sua experiência é também capaz de produzir conhecimento. Participar é repensar o seu saber em confronto com outros saberes. Participar é fazer “com” e não “para”. (TENÓRIO, 1990, p.163) [grifo das autoras].

Demo (1999) entende a participação como uma conquista e não como uma dádiva, pois, se assim fosse, não seria uma conquista, mas sim uma participação limitada por quem exerce o poder. A participação também não é uma concessão, pois sendo um dos eixos elementares da política social não pode ser secundarizada, nem tampouco desconsiderado seu caráter de conquista.

De fato, quando se fala em participação, é preciso, como problematiza Milani (2008), indagar quem participa, quando, como, por que meios? A participação é individual ou coletiva? Está associada a interesses sociais? E assim por diante.

A garantia da participação somente se efetiva quando as pessoas chamadas a participar têm acesso a condições adequadas (SOUZA, 2009). Essa constatação leva a indagar sobre as condições existentes para se efetivar a participação nos Conselhos Escolares. Além disso, Tenório (2005) reitera os destaques de Souza (2009) sobre tais condições, considerando como pressupostos para a participação:

• Consciência sobre atos: uma participação consciente é aquela em que o envolvido possui compreensão sobre o processo que está vivenciando; do contrário, é restrita;

• Forma de assegurá-la: a participação não pode ser forçada nem aceita como esmola, não podendo ser, assim, uma mera concessão;

• Voluntariedade: o envolvimento deve ocorrer pelo interesse do indivíduo, sem coação ou imposição (TENÓRIO, 2005, p.172).

Assim, acredita-se que a visão de participação apresentada por Tenório (1990) pode se aplicar ao processo de tomada de decisão pelo Conselho Escolar, de modo que propicie aos conselheiros uma possibilidade de participar, com o direito ao diálogo através da fala sem coação, de forma que a reflexão de cada um possa contribuir para o processo decisório. As implicações dessa garantia, em muitos contextos, podem atingir desde as relações locais de poder, passando pela mobilização da comunidade local, até a necessidade de capacitação para os Conselhos Escolares uma vez que a democracia pode ser entendida como construção histórica e não como um regime natural que as sociedades realizariam se não fossem reprimidas por relações de poder de grupos hegemônicos, e, muito menos, uma consequência automática de leis ou planos políticos. Pelo contrário, ao lado da conquista de leis e planos, na garantia formal dos direitos, é preciso reestruturar as relações sociais de poder para se fomentar uma forma democrática e historicamente constituída de defesa e vivência desses direitos. Para tal, é preciso mobilizar conhecimentos e fomentar a reflexão para os participantes do processo.

Considerações finais

A partir da pesquisa bibliográfica concluiu-se que gestão do Conselho Escolar precisa se apropriar do espaço democrático instituído e investir em estratégias mais participativas para o seu fortalecimento, em seu contexto social e histórico.

Nesse contexto, entende-se que o modelo de gestão social pode contribuir para melhorar a atuação dos Conselheiros Escolares, na medida em que compartilha os objetivos de democratizar as relações entre o Estado e a sociedade, através de uma gestão pautada no diálogo, na participação, no incentivo à autonomia e na crença de que os indivíduos sejam interlocutores válidos, a partir do conhecimento que geram em sua experiência.

Nesse sentido, é importante reconhecer que o presente estudo apresenta, ao mesmo tempo, como potencialidade e como limitação, o fato de que foi focado na análise de legislações e teorias. Por um lado, essa análise se faz importante para se conhecer as condições legais que hoje são oferecidas aos conselhos escolares para o seu funcionamento. Por outro lado, a compreensão desse funcionamento, na prática, carece de pesquisas na sociedade.

Recomenda-se, para futuros estudos, a análise dos aspectos que favorecem ou que dificultam a atuação dos Conselhos Escolares nos municípios de diferentes portes bem como os processos de democratização escolar envolvendo os conselhos escolares.

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Notas

1 A alteração da LDB 9394/96 em abril de 2013 (Lei 12.796) não trouxe mudanças na temática referente ao Conselho Escolar e à Gestão Democrática.
2 É importante esclarecer que o processo de escolha de gestores não vem atendendo ao disposto pela lei orgânica do município, visto que o cargo de coordenador e diretor tem sido atribuído por indicação do Executivo.

Notas de autor

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local no Centro Universitário UNA- Belo Horizonte (MG) – Brasil. E-mail: luafonso@yahoo.com.br
2 Mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA - Belo Horizonte (MG). Especialista em Educação no Sistema Municipal de Ensino de Brumadinho (MG) – Brasil. E-mail: gislenesilvadutra@hotmail.com.
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