ARTIGOS DE REVISÃO

Perspectivas gerativistas para o estudo da linguagem

Generative perspectives for the study of language

Mauro Simões Santana 1
Instituto Federal Fluminense, Brasil

Perspectivas gerativistas para o estudo da linguagem

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 19, núm. 3, 2017

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright ©2017 pelos Autores.

Recepción: 06 Abril 2017

Aprobación: 21 Diciembre 2017

Resumo: Este artigo apresenta uma sistematização da evolução dos estudos linguísticos gerativistas. Inicialmente, o artigo descreve os principais argumentos que fundamentam o cognitivismo gerativista e que o diferenciam da tradição empirista. Em seguida, alguns modelos de gramática surgidos na teoria gerativa são apresentados. Serão referenciadas também as convergências e divergências entre o estudo gerativista teórico e o estudo psicolinguístico. Achados da psicolinguística pautados em métodos que consideram a codificação linguística do falante em tempo real e interferência de padrões prosódicos sugerem que o estudo gerativista teórico deve aperfeiçoar seus métodos de pesquisa para que suas predições sejam mais bem fundamentadas.

Palavras-chave: Gerativismo, Gramática, Psicolinguística.

Abstract: This paper presents a systematization of the evolution of generative linguistic studies. The paper initially describes the main arguments that support generative cognitivism and which ones distinguish it from the empiricist tradition. Following, some grammar models emerged from the generative theory are presented. Convergences and divergences between theoretical generative studies and the psycholinguistic studies are also referenced. Findings of psycholinguistics based on methods that consider real time speaker linguistic coding and interference of prosodic patterns suggest that the theoretical generative studies should improve research methods in order to make more grounded predictions.

Keywords: Generative linguistic theory, Grammar, Psycholinguistics.

1 Introdução

O que acontece em nossa mente enquanto estamos falando ou ouvindo? Essa é uma questão emergente e foco das principais discussões da linguística do século XXI. Da década de 20 até a década de 50 do século XX, a visão predominante era a de que o papel da mente humana nos processos de compreensão e produção de fala era bem reduzido. À mente caberia a função subsidiária de replicar os dados primários provindos do ambiente. Sob essa visão, traduzida pela ciência ocidental principalmente pela teoria do desenvolvimento da linguagem de Skinner (1957)1, os estudos sobre a linguagem deveriam enfatizar o estímulo linguístico ao qual o sujeito falante é exposto. Após as publicações de Chomsky (1957 e 1959) que juntas determinaram a fundamentação inicial da linguística gerativa, os estudos linguísticos tomaram um novo rumo. Os pesquisadores consideraram como objeto fundamental de estudo os fenômenos subjetivos que possibilitam a comunicação verbal. A linguagem, sob essa visão, passa a ser percebida primariamente como um sistema de princípios e regras alojado na mente humana. A partir das propostas de Chomsky, a linguística busca espaço entre as chamadas ciências cognitivas2 - um empreendimento multidisciplinar que catalisa estudos de diversas áreas como a biologia, a psicologia, a filosofia, a neurologia e a computação.

Outra questão importante à qual a linguística moderna se dedica, relacionada à questão acima, é qual o design assumido pela gramática de uma língua natural em nossa mente. O gerativismo, principalmente até a versão conhecida como Teoria dos Princípios e Parâmetros3, preconiza a existência de uma Gramática Universal (GU) guiada por princípios bem específicos e rígidos, capazes de gerar as sentenças de todas as línguas. Porém, a diversidade das línguas, das formas que elas assumem e suas especificidades sintáticas continuam intrigando os pesquisadores. Como uma gramática única alojada na mente humana poderia explicar, por exemplo, a existência de línguas tão diferentes como o português e o japonês? Diante dessa realidade, Chomsky (1981) acena para a possibilidade de alguns princípios da Gramática Universal serem maleáveis e adaptáveis às condições gramaticais específicas de cada língua.

O Programa Minimalista (PM) apresenta modificações importantes em relação à Teoria da Regência e Ligação. O PM explora a hipótese de que a Faculdade da Linguagem (FdL), biologicamente determinada e alojada na mente humana, é um sistema não redundante e ótimo no sentido de que os fenômenos linguísticos são inevitavelmente realizações da ação de pressões que configuram a gramática para ser natural, simples, econômica e elegante. O PM favorece um enxugamento representacional da teoria: quanto menos relações, entidades e módulos forem necessários na seleção e computação dos objetos linguísticos, mais adequada será a gramática. O PM determina também que os princípios gramaticais devem obedecer a regras naturais do menor esforço e da parcimônia; ou seja, pequenos passos previnem os longos; derivações em que regras simples são aplicadas são as preferidas.

A diferença entre a Competência linguística do falante e o Desempenho realizado pelo falante em situações reais de fala motivou a coexistência de duas perspectivas de estudos dentro do Gerativismo: a linguística gerativa teórica e a psicolinguística. Atualmente, estudos realizados por psicolinguistas apontam para indícios robustos da existência de um mecanismo de processamento das sentenças em tempo real regido por regras e a interferência da prosódia nas estruturas sintáticas. Esses indícios estimulam divergências entre a linguística gerativa teórica e a psicolinguística. Para testificar suas principais hipóteses, a linguística gerativa teórica utiliza testes de julgamento de gramaticalidade baseados em dados descontextualizados e que não consideram contornos prosódicos incidentes sobre a sintaxe. Para psicolinguistas, os tradicionais testes de julgamento de gramaticalidade devem ser associados com outros testes que considerem o tempo de leitura, fatores que possam levar o falante a reanalisar as estruturas sintáticas e, principalmente, os contornos prosódicos incidentes sobre a sintaxe.

2 Quadro teórico

A partir de livros como The Logical Structure of Linguistic Theory, publicado em 1955, Syntactic Structure, publicado em 1957 e Aspects of theTheory of Syntax, publicado em 1965, Noam Chomsky se torna o precursor de uma nova teoria linguística denominada Gerativismo. O Gerativismo se configurou como uma ruptura em relação à visão empirista reinante no pensamento científico norte-americano. No combate ao behaviorismo de Skinner (1957), Chomsky chama atenção especificamente para o fenômeno da aquisição da linguagem. Segundo ele, a observação do processo de aquisição de uma língua natural revela o descabimento de apontar a experiência linguística do falante como fator determinante para a aquisição.

O principal argumento de Chomsky de combate ao behaviorismo é o princípio da pobreza do estímulo. Segundo esse princípio, não há no estímulo informação suficientemente plena e organizada para servir a todas as exigências necessárias para a geração do número infinito de sentenças de uma língua. A ideia base é a de que o homem nasce com uma arquitetura cognitiva programada biologicamente para possibilitar a geração, de forma ótima, de todas as sentenças previstas pela gramática de uma língua.

Lenneberg (1967) também apresenta argumentos decisivos a favor da ideia de que o conhecimento linguístico é determinado biologicamente e é específico da espécie humana. O autor apresenta quatro critérios4 para diferenciar os fenômenos culturais dos fenômenos biológicos. Submetida a esses critérios, a linguagem verbal se revela, de forma inequívoca, como um fenômeno natural e não fruto da cultura ou determinada pela mera aprendizagem.

Retomando a perspectiva racionalista cartesiana, Chomsky propõe um modelo de análise linguística formal e preciso. A partir de hipóteses com poder de generalização, o pesquisador parte para a investigação de uma ou várias línguas. O objetivo não é a descrição das idiossincrasias das línguas, mas sim a determinação das leis que regem a Faculdade da Linguagem (FdL) e, mais especificamente, a Gramática Universal (GU), um componente da cognição humana biologicamente determinado e considerado o estágio inicial da FdL. A perspectiva assumida pelo Gerativismo ultrapassa, portanto, a preocupação com a mera descrição dos dados empíricos. O foco da atenção é a explicação das propriedades constitutivas da GU e como ocorre o processo da aquisição da linguagem.

Os estudos empreendidos dentro da linha de pesquisa gerativista são impulsionados pela preocupação de explicar os princípios gerais que constituem a GU e que são responsáveis, consequentemente, pela configuração das gramáticas particulares. No entanto, conforme o conjunto das línguas examinadas sob essa nova perspectiva é ampliado, inevitáveis variações são encontradas. Muitas hipóteses teóricas precisam ser reformuladas para abarcar diferenças entre as línguas, tornando-se, muitas vezes, complexas e pouco eficientes5. Chomsky, na segunda metade dos anos 70, estabelece que alguns Princípios da GU podem ser parametrizados e são responsáveis por variações importantes como a da ordem núcleo – complemento ou a da gramaticalidade ou não do sujeito nulo6, desta forma uma sentença se torna agramatical em qualquer língua caso viole um dos princípios da GU. Porém, uma sentença que aciona um valor paramétrico e não outro pode ser agramatical em uma dada língua, mas gramatical em outra. Em outras palavras, as gramáticas particulares são percebidas como derivadas da GU. Nenhum sistema particular de regras é adotado, ao contrário do que preconiza o estruturalismo7.

Outro foco de atenção dos estudos gerativistas é a pesquisa da localização da Faculdade da Linguagem no cérebro. A visão mais aceita na literatura gerativista é a de que a faculdade da linguagem constitui um conjunto de regras e operações que se apresentam encapsuladas em módulos especializados8? De acordo com essa visão (cf. FODOR, 2002; CHOMSKY, 1995; GARDNER, 1996; PINKER, 2002), os princípios gramaticais internalizados são distribuídos em uma série de módulos encapsulados e especializados em determinados tipos de operações. Os módulos não compartilham as mesmas operações, mas mantêm entre si relações estreitas ou interfaces. Os princípios próprios de outros sistemas conceituais, como a audição e a visão, por exemplo, também se apresentam em módulos que se relacionam com os módulos da GU.

3 A Teoria GB

O que Chomsky prefere denominar de Teoria dos “Princípios e Parâmetros”, muitos autores denominam de Teoria Government and Binding (GB)9 devido à publicação do livro Lectures on Government and Binding (CHOMSKY, 1981).

Na verdade, a Teoria adquiriu um formato a partir do qual as sentenças das línguas naturais puderam ser analisadas. Dentro do quadro da Teoria GB a gramática é composta por um conjunto de módulos com funções específicas, mas que ao mesmo tempo interagem. Os principais são os seguintes: (i) A Teoria Temática – trata das relações semânticas que se estabelecem dentro de uma sentença entre, por exemplo, um núcleo e seus argumentos interno e externo (complemento e especificador, respectivamente). A Teoria Temática se propõe a estudar também a preservação de propriedades semânticas de seleção entre estruturas diversas, como as estruturas ativa e passiva. (ii) A Teoria X-Barra - define em representações arbóreas todos os tipos de estruturas sentenciais possíveis nas línguas naturais. (iii) A Teoria da Regência - define a relação estabelecida entre um núcleo e seus possíveis constituintes selecionados. (iv) A Teoria da Ligação – determina as condições que permitem um constituinte estar ligado a outro numa sentença. (v) A Teoria do Caso - especifica os Casos que licenciam determinados constituintes e as condições e operações sintáticas compatíveis à atribuição desses Casos. Além desses módulos, a GB assume como níveis de representação linguística: (i) a Estrutura Profunda (EP), na qual determinadas operações sintáticas são aplicadas durante o processo de derivação de uma sentença; (ii) a Estrutura Superficial (ES), resultado final da geração da sentença após a aplicação de operações sintáticas; (iii) a Forma Lógica (FL), nível onde os significados são representados10 e (iv) a Forma Fonológica (FF), nível onde os sons são representados11.

Modelo de gramática proposto pela GB
Figura 1.
Modelo de gramática proposto pela GB

4 O Programa Minimalista

No início da década de 1980, Chomsky inicia uma nova fase dentro da Teoria Gerativista na qual se propõe a reconsiderar sob o ponto de vista epistemológico os vários módulos da gramática (cf. CHOMSKY, 1981). Segundo o autor, talvez seja possível que os objetos gramaticais tenham a forma que observamos e não outra imaginável por uma necessidade computacional ou limitação da memória. Além disso, há a possibilidade de que a FF e FL, assumidas como níveis de interface do sistema do desempenho, determinem condições que devem ser satisfeitas pela FdL. Ou seja, as propriedades gramaticais devem ser compreendidas a partir das demandas do sistema do desempenho e não arbitrariamente. Se tais hipóteses se confirmarem, a Teoria seguirá para um progressivo esvaziamento da GU enquanto construto teórico (cf. CHOMSKY, 2004). Ao mesmo tempo, os níveis de representação e as operações postuladas no âmbito da Teoria GB tendem a ser simplificados.

O Modelo GB responde ao problema da aquisição da linguagem, uma vez que, diante da pobreza dos dados a que a criança é exposta, somente dotando a FdL de uma estrutura interna composta por princípios determinados biologicamente podese explicar como uma criança rápida e independentemente do ambiente linguístico “aprende” a falar. Surge, no entanto, um novo conjunto de questões que, na verdade, reflete uma necessidade de justificar mais adequadamente a existência de determinadas propriedades da FdL.

O Programa Minimalista (PM) explora a hipótese de que a FdL é um sistema não redundante e ótimo no sentido de que os fenômenos linguísticos são inevitavelmente realizações da ação de pressões que configuram a gramática para ser natural, simples, econômica e elegante. Segundo Collins (1997), dada uma série de operações que formam uma derivação sintática, a condição de economia sugere que o comprimento ou o custo da derivação sejam minimizados de alguma forma. Sob essa visão, é uma tarefa minimalista reconsiderar as evidências e justificativas, anteriormente postuladas no modelo GB, para se estabelecer determinados níveis de representação, operações e regras. Afinal, economicamente caracterizada, a linguagem requer um modelo explicativo com soluções que envolvam o mínimo de complexidade. É importante perceber que com esta atitude o PM pode qualificar as justificativas para a eficiência e rapidez na aquisição da linguagem.

Hornstein (2001) aponta duas condições de economia: a metodológica e a substantiva. A metodológica favorece um enxugamento representacional da teoria: quanto menos relações, entidades e módulos forem necessários na seleção e computação dos objetos linguísticos, mais adequada será a gramática. A substantiva determina que os princípios gramaticais devem obedecer a regras naturais do menor esforço e da parcimônia; ou seja, pequenos passos previnem os longos; derivações em que regras simples são aplicadas são as preferidas. Por exemplo, entre a opção de derivação de uma estrutura sintática apenas com a operação de Concatenar (Merge) e a opção de derivação de uma estrutura sintática com Movimento (Move), o sistema computacional deve preferir a primeira opção. O movimento somente ocorrerá se apenas por meio de Merge uma propriedade morfológica de X não puder ser satisfeita na derivação (cf. CHOMSKY, 1995, p. 400), já que movimento é uma operação custosa que envolve além do próprio movimento, a construção de uma Cópia via Merge, a construção de uma Cadeia e o Apagamento da Cópia. Kenedy (2007, p. 26) esquematiza da seguinte forma as operações Cópia, Merge, Cadeia, Apagamento:

Operações envolvidas no movimento
Figura 2.
Operações envolvidas no movimento

4.1 O modelo de gramática assumido pelo PM

Comparando o modelo de gramática proposto pela GB e o modelo proposto pelo PM, percebe-se que o PM confere maior importância para as operações computacionais. A representação se configura à medida que a derivação ocorre.

Operações envolvidas no movimento
Figura 2.
Operações envolvidas no movimento

Na GB, nada é dito sobre os processos internos de formação das estruturas. Já o PM enfatiza o processo de formação das estruturas: traços do Léxico são selecionados para a Numeração, já por necessidades de criação de um objeto gramatical legível para as interfaces FF e FL12. A operação Selecionar retira da Numeração os traços que formarão o objeto gramatical no curso de uma derivação sintática. A montagem do objeto gramatical ocorre através da ação das operações Concatenar (Merge) e Mover (caso seja necessário). As estruturas geradas no sistema computacional são submetidas a Spell Out, que lhes confere uma saída para a FF, onde as estruturas recebem som e outra para a FL, onde as estruturas recebem interpretação13. De acordo com o Princípio da Interpretação Cheia14, cada representação em FF e FL somente deve conter elementos interpretáveis para cada uma dessas interfaces. Como, por exemplo, presumivelmente, os traços gramaticais são irrelevantes tanto para FF quanto para FL, eles devem ser checados e eliminados antes de chegar às interfaces. As operações ocorridas antes de spell-out manifestam-se na FF, pois estes níveis estão diretamente ligados. Uma operação de movimento representada antes de spell-out na figura acima seria visível na sintaxe. Por outro lado, as operações ocorridas após spell-out, na FL, não possuem manifestação na FF, pois estes níveis estão indiretamente relacionados. Uma operação de movimento após spell-out ficaria encoberta na sintaxe. Em outros termos, as operações que ocorrem na FF seriam as responsáveis pelas variações entre as línguas, enquanto que as operações ocorridas após spell-out e na FL são universais.

5 A linguística teórica e a psicolinguística

Uma preocupação derivada da visão modular é a seguinte: distinguir os módulos específicos da GU de módulos performáticos encarregados das tarefas de compreensão e produção da fala.

Desde suas primeiras publicações, Chomsky já postulava a dicotomia Competência X Desempenho. Segundo o autor, a Competência é a GU propriamente dita ou conhecimento mental de uma língua particular e o Desempenho é o uso atualizado da linguagem em uma situação específica de fala. Em sentido mais estrito, Carrol (1999) utiliza o termo Performance para referir mecanismos psicológicos de percepção e compreensão da linguagem.

Da distinção entre Competência e Desempenho nascem duas perspectivas de estudo linguístico dentro do gerativismo: a linguística dita teórica ou pura e a linguística do desempenho, ou melhor, a psicolinguística. A linguística teórica investiga os princípios gerais e as possíveis parametrizações desses princípios tendo como principal fonte de evidências empíricas para suas predições julgamentos intuitivos de gramaticalidade e aceitabilidade. Parte, portanto, de uma abstração das diversas variáveis que entram em jogo em situações concretas de fala, como heterogeneidade dialetal, conhecimento de mundo do falante, limitação de memória, distrações etc. As investigações psicolinguísticas, por outro lado, procuram explicar como os falantes compreendem ou produzem enunciados através de tarefas de interpretação (off-line) ou em tempo real (on-line).

Segundo Ferreira (2005), dentro das ciências cognitivas, a parceria entre a linguística formal e a psicolinguística é a mais antiga. Nasceram juntas a partir da revolução chomskyana, que reintroduziu a mente dentro das teorias sobre a linguagem. Durante um tempo, andaram lado a lado. Inicialmente, nos primeiros modelos linguísticos de base gerativista, havia uma colaboração entre as duas áreas na medida em que os linguistas acreditavam que a adequação de suas teorias era medida por testes psicolinguísticos.

Nos anos 70, no entanto, a boa convivência entre a linguística formal e a psicolinguística é abalada. Os experimentos psicolinguísticos começaram a não confirmar preceitos caros à linguística formal, como a postulação de que havia estruturas profundas e estruturas superficiais, derivadas das primeiras por transformações sintáticas. Em tese, como dita a Teoria da Complexidade Derivacional (TDC) de Miller e associados (cf. FODOR, BEVER & GARRETT, 1974), a aplicação de regras a uma estrutura sintática primária deveria originar uma sentença que demandaria mais tempo para ser decodificada. Uma sentença na voz ativa, por exemplo, deveria ser lida com maior rapidez que uma sentença na voz passiva, pois esta, de acordo com a TDC, sofreu maior número de transformações, sendo derivada da primeira.

Porém, testes comparando tempos de leitura de sentenças ativas e passivas não confirmaram a hipótese. Ao contrário, às vezes as sentenças passivas eram lidas com maior rapidez que as ativas. Quando os psicolinguistas se desiludem com a TDC, concluem que muitas das tentativas de relacionar a linguística à psicolinguística estavam fadadas ao insucesso, porque a linguística se relacionava com a investigação de estruturas abstratas, enquanto que a psicolinguística estava interessada em algo chamado de psicologia real (cf. FERREIRA, 2005).

Até os anos 80, os dois campos seguem em caminhos separados. Até que Clifton & Slowiaczec (1981) anunciam a reaproximação, favorecida pelo modelo de gramática Government and Binding (CHOMSKY, 1981). As representações propostas pela GB podiam ser mais bem capturadas pelos estudos psicolinguísticos. Com o novo tratamento dado ao movimento, por exemplo, as sentenças passivas podem ser descritas não como uma forma derivada de uma estrutura primitiva, mas a partir de relações estabelecidas entre constituintes movidos e seus respectivos traços. Durante o processamento sintático, o sujeito deve identificar o antecedente, guardá-lo em sua memória de trabalho e, em seguida, encontrar a lacuna e relacionar os dois. Essa descrição de decodificação da esquerda para a direita corresponde ao modelo de processamento sintático top down15 defendido pelos psicolinguistas.

No entanto, a mudança do modelo GB para o Programa Minimalista (PM) contribuiu para novo afastamento entre os dois campos. Ferreira (2005) aponta duas causas atuais de divergências. A primeira de caráter epistemológico: o modelo de gramática gerativa adotado pelos principais linguistas teóricos atualmente preconiza que os itens lexicais selecionados do Léxico sofrem operações sintáticas e são expurgados para os níveis de performance em subpartes menores que a sentença dentro do spell out. Este modelo, no entanto, impossibilita a existência de um fenômeno caro constatado por vários estudos psicolinguísticos em sentenças estruturalmente ambíguas – a reanálise sintática. Uma sentença processada em partes que seguem para spell out, por princípio, é imune a erros de análise sintática, conhecidos entre os psicolinguistas por garden path ‘caminho do jardim’16. Outro motivo de divergência apontado por Ferreira é de caráter metodológico. Psicolinguistas criticam a tecnologia adotada pelos linguistas formais para coleta de dados. Enquanto outras áreas da ciência cognitiva utilizam técnicas acuradas e diversificadas para coleta de evidências empíricas, como tarefas que medem reação dos informantes em tempo real ou capturam imagens neuronais, a linguística formal, geralmente, fundamenta suas teorias apenas em um método: julgamentos intuitivos de gramaticalidade e aceitabilidade.

Os julgamentos de gramaticalidade são alvos de críticas dos psicolinguistas por vários motivos. Primeiramente, é um método baseado meramente em interpretações intuitivas sobre gramaticalidade ou aceitabilidade de sentenças. Além disso, o sujeito que fornece o dado geralmente não é inocente quanto ao aspecto gramatical em questão. Muitas vezes é o próprio teórico que decide entre a agramaticalidade ou não, após checar com colegas, no método chamado informalmente de ‘Hey Sall’.

Segundo Kitagawa e Fodor (2006), até mesmo estudiosos envolvidos com as questões linguísticas investigadas podem ocasionalmente perder um fato teoricamente significante sobre sentenças bem formadas. A sentença abaixo, fornecida pelos autores, ilustra o fato de que o conceito de gramaticalidade não é independente de fatores contextuais:

(1) Kissinger thinks bananas.

Fornecido o contexto: ‘What did Nixon have for breakfast today?’, a sentença acima pode ser julgada como gramatical.

Ferreira propõe algumas recomendações para reaproximar linguistas e psicolinguistas. Uma recomendação tem a ver com os dados que formam a base da gramática gerativa. Segundo a autora, seria bom que os julgamentos de gramaticalidade não fossem a única fonte para a teorização, como já não é em outras áreas das ciências cognitivas em que as técnicas de estudo aplicadas variam entre julgamentos intuitivos, tempos de reação para monitorar movimento dos olhos e imagens neuronais. A autora frisa que não há nada de errado com o julgamento de gramaticalidade como um tipo de dado, mas com a forma como são coletados. Ela recomenda a coleta de um conjunto maior de dados com apropriados controles de efeitos de priming17 e outras influências que podem contaminar o resultado. Além disso, os itens devem ser apresentados randomizados para que o padrão de resposta não seja afetado pela sequência de apresentação. Outra recomendação: o sujeito do experimento não deve ser o teórico, mas um nativo que não conhece a teoria. A autora também lembra que é preciso reintegrar estudos da sintaxe, semântica e fonologia.

Derwing & Almeida (2005) afirmam que a realidade psicológica das estruturas linguísticas não é algo que possa ser simplesmente assumido ou mesmo estabelecido por decreto. Para os autores, a única forma de a linguística contar com a credibilidade científica é submetendo suas teorias a testes rigorosos com falantes e ouvintes de uma língua.

Derwing & Almeida dividem os principais métodos de investigação utilizados pela psicolinguística em métodos não cronométricos e métodos cronométricos. Os métodos não cronométricos ou off-line se baseiam em respostas conscientes ou interpretativas dos sujeitos acerca de fatos linguísticos. Já os métodos cronométricos ou on-line se baseiam no tempo de reação inconsciente do sujeito quando submetidos a determinadas estruturas linguísticas.

6 Um mecanismo de processamento da linguagem

Os principais modelos encarregados de explicar os processos envolvidos no desempenho linguístico (KIMBALL, 1973; FRAZIER; FODOR, 1978; FRAZIER; CLIFTON, 1996) concordam que existe um mecanismo de processamento sintático inato encarregado das tarefas de codificação e decodificação da linguagem – o parser18. Principalmente através de sentenças estruturalmente ambíguas, os pesquisadores podem observar o parser em ação e estabelecer os princípios aos quais ele se submete quando escolhe uma e não outra estrutura possível.

As opiniões sobre a natureza do parser são, no entanto, controversas. Por um lado, na literatura encontramos autores que postulam a existência de um parser universal, ou seja, regido por princípios que não se alteram, independentemente da língua a que o sujeito se submete. Por outro lado, existem autores que acreditam em um parser parametrizável, ou seja, regido por leis que mudam de acordo com a língua a que o sujeito se submete.

A afirmação fundamental da linguística gerativa de que há uma gramática universal inata inspira os primeiros modelos destinados a descrever e avaliar o desempenho. Estudando a língua inglesa, Kimball (1973) foi o primeiro a estabelecer princípios universais para o parser, baseados principalmente nas limitações da memória de curto prazo. Os principais são: (i) closure: um sintagma deve ser fechado logo que possível para não sobrecarregar a memória de curto prazo; (ii) two sentences: somente constituintes de até duas sentenças podem ser analisados ao mesmo tempo; (iii) fixed structure: após um sintagma ser fechado, é custoso para o parser voltar para reanalisá-lo. Além desses princípios, Kimball estabelece que as sentenças sejam processadas da esquerda para a direita ou, se pensarmos em uma representação arbórea, de cima para baixa – top down.

Frazier e Fodor (1978) estabelecem um modelo de processamento chamado por elas de Sausage Machine Model (máquina de fazer salsichas). Os princípios já apresentados por Kimball são refinados e incluídos em dois estágios cumpridos pelo parser. No primeiro estágio – Preliminary Phrase Packager – o parser, guiado exclusivamente por informações estruturais, constrói constituintes sintáticos intrassentenciais ou, utilizando a imagem que deu nome ao modelo, constrói uma salsinha em uma cadeia de salsichas. Nesse estágio operam o princípio Minimal Attachment ‘aposição mínima’ – o parser prefere formar estruturas simples, com menos nós arbóreos, para satisfazer as limitações da memória de curto prazo – e o princípio late closure ‘fechamento tardio’ – o parser pode atrasar o fechamento da ‘salsicha’ para apor localmente novos itens, ou seja, para construir um constituinte mais simples.

No segundo estágio, referido como Sentence Structure Supervisor (supervisor de estrutura sintática), o parser se encarrega de organizar os constituintes formados no primeiro estágio em um constituinte maior até chegar a uma unidade sentencial.

A preferência do parser por constituintes mais simples no primeiro estágio pode levá-lo a cometer erros. Nem sempre a estrutura mais simples corresponde à estrutura gramaticalmente possível para o segundo estágio. Esses erros do parser são referidos como garden-path (FRAZIER, 1979), geralmente capturado quando se analisam ambiguidades estruturais ou temporárias. Nos experimentos psicolinguísticos com leitura automonitorada a demora na leitura de um determinado constituinte pode ser interpretada, muitas vezes, como um efeito de garden path. A sentença (2) abaixo, por exemplo, apresenta uma estrutura que pode gerar um garden path:

(2) O navio português entrava na baía um navio brasileiro.

O parser encontra uma circunstância muito favorável para fechar o sintagma verbal no sintagma preposicional ‘na baía’. Apesar de ser uma medida menos custosa para a memória de trabalho fechar logo que possível o sintagma verbal, considerando o verbo ‘entrava’ como intransitivo, tal procedimento não garante gramaticalidade à sentença, já que o termo subsequente ‘um navio brasileiro’ ficaria sem alojamento na estrutura montada. Ou seja, se o parser processar o verbo como intransitivo, certamente cairá em um garden path e precisará reanalisar toda a sentença, aumentando o tempo de leitura.

Questionamentos sobre a influência de informações não estruturais nas decisões do parser levaram Frazier & Clifton (1996) a revisar o modelo Sausage Machine. As autoras utilizam o fator tempo para explicar a interferência da semântica e da pragmática no processamento de sentenças. De acordo com o modelo que ficou conhecido como Construal, existem no nível sentencial dois estágios de concatenação dos constituintes. No estágio mais rápido ou primário, ocorrem as concatenações entre núcleo e complemento ou argumento interno. Nesse estágio não há tempo para interferência da semântica ou da pragmática. O parser é comandado apenas por princípios inerentes, como o late closure referido acima. Apenas num estágio secundário de concatenação, adjuntos e argumentos externos são inseridos na estrutura. Nesse estágio, segundo as autoras, haveria tempo para a interferência da semântica e da pragmática.

Cuetos & Mitchell (1988), no entanto, colocaram em dúvida a universalidade do parser. Os autores reportaram um experimento com leitura automonitorada utilizando sentenças do inglês e do espanhol com orações relativas encaixadas e dois sintagmas nominais concorrentes para aposição, como a sentença abaixo:

(3) Alguém atirou no empregado da atriz que estava na varanda.

Os resultados do experimento apontaram para diferenças significativas de preferência de aposição entre as duas línguas. Enquanto os sujeitos do espanhol preferiram aposição da oração relativa ‘que estava na varanda’ ao sintagma nominal (SN) mais alto ‘o empregado’, os sujeitos do inglês preferiram aposição da oração relativa ao SN mais baixo ‘a atriz’.

Essas diferenças de aposição apontadas por Cuetos e Mitchell podem ser explicadas dentro do modelo Construal. A aposição de uma oração relativa a um SN é um tipo de relação sintática estabelecida no estágio secundário do parser e, portanto, pode ser influenciada por fatores semânticos e pragmáticos de cada língua. As propriedades semânticas e pragmáticas específicas de cada língua que influenciam o segundo estágio do parser na aposição das relativas ao sintagma nominal precisam, no entanto, ser descritas e avaliadas.

7 A importância da prosódia

Segundo Lehiste (1973), durante o século XX, a prosódia se tornou a parte da linguística que mais escolas tentaram incorporar a suas teorias. Uma perspectiva muito produtiva de estudo prosódico é a que procura estabelecer correlações entre traços acústicos e reações perceptivas ou estratégias sintáticas dos falantes. Sob essa perspectiva se pode investigar a correlação possível entre certos traços suprassegmentais como duração e valores de frequência fundamental e determinadas unidades sintáticas e fronteiras de constituintes. Pode-se, também, identificar a modalidade de uma sentença (afirmação, interrogação, negação) e precisar o sentido de estruturas sintáticas ambíguas através da entonação.

Os estudos empreendidos no âmbito da psicolinguística cada vez mais refletem a impossibilidade de isolar fatos sintáticos de fenômenos prosódicos. Fodor (2002) apresenta evidências de interferência decisiva da prosódia na aposição de orações relativas a SNs complexos e constata que a psicologia não pode escapar da prosódia sob pena de edificar teorias com ajuda de artefatos experimentais. Até mesmo o design de um experimento de leitura automonitorada deve prever a atuação da prosódia como variante dependente a ser controlada, uma vez que a Hipótese da Prosódia Implícita (HPI) (FODOR, 2002) estabelece que no input visual um contorno prosódico default é projetado implicitamente na leitura silenciosa.

Sob o rótulo de prosódia habita uma série de traços suprassegmentais que podem ser estudados sob a perspectiva fisiológica, acústica ou perceptiva. Esses traços são usualmente listados como consistindo de pitch, stress e quantidade ou então definidos como traços cujo domínio se estende sobre mais de um segmento (cf. FREITAS, 1995).

Hirst e di Cristo (2002) afirmam que a entonação é um dos traços mais universais da linguagem humana. Segundo os autores, toda língua possui entonação e muitas das funções linguísticas e paralinguísticas do sistema entonacional parecem ser compartilhadas por línguas de diversas origens. Os autores citam como exemplo o contraste altamente produtivo entre a elevação e o abaixamento do pitch no final da sentença diferenciando questões de asserções.

Pesquisas experimentais (cf. OHALA, 1981) revelam que falantes são capazes de distinguir línguas apenas na base da prosódia. Resultados recentes obtidos mostram que com quatro dias crianças já possuem a habilidade para distinguir a prosódia de sua língua nativa de outras línguas. De acordo com Caplan (1987), as características prosódicas de uma língua não são provavelmente apenas os primeiros traços fonéticos adquiridos pela criança, mas também os últimos a serem perdidos pela afasia.

Para Kitagawa e Fodor (2006), julgamentos de aceitabilidade sobre sentenças escritas não são puramente guiados pela sintaxe. Segundo eles, as sentenças estão sob influência da prosódia até mesmo quando a prosódia não está presente concretamente no estímulo. A consequência prática deste fato para a condução das pesquisas sintáticas é a de que precisa haver o uso mais difundido de sentenças faladas para se obter julgamento mais confiável sobre sentenças bem formadas. Para as autoras, o ideal de apresentação de estímulo fornece versão escrita e oral da sentença para minimizar os erros de percepção e assegurar julgamento na base da prosódia intencionada. As autoras fornecem uma sentença com ambiguidade estrutural desfeita pela prosódia:

(4) Jane took the children to the circus, and her grandparents to the ballgame

‘J. levou a criança para o circo, e seus avós para o jogo de bola’.

Dependendo onde recaiam os acentos prosódicos, a sentença acima pode ter duas interpretações:

... and Jane took her grandparents to the ballgame. Com omissão do sujeito e do verbo da segunda oração.

and Jane’s grandparents took the children to the ballgame. Com omissão do verbo e do objeto da segunda oração.

De acordo com a HPI, o padrão prosódico default projetado no estímulo pode influenciar o curso do processamento da sentença. Portanto, tarefas de leitura em que as sentenças são apresentadas sem marcadores prosódicos podem gerar artefatos experimentais. Na sentença abaixo, por exemplo, uma vírgula inibe a ambiguidade temporária e dilui o efeito do garden path:

(5) Enquanto Maria remendava [,] a meia caiu no seu colo.

Lourenço-Gomes; Maia & Moraes (2005) conduziram um estudo para verificar a preferência de aposição da oração relativa (OR) a um sintagma nominal complexo (uma estrutura do tipo SN1 - de - SN2 - OR) manipulando o tamanho da OR através da técnica da produção automonitorada. Análises acústicas realizadas pelos autores revelaram aumento significativo da duração da sílaba tônica de SN2 precedida de OR longa em comparação à duração da sílaba tônica de SN2 precedida de OR curta. Os autores sugeriram que o aumento da duração da sílaba tônica de SN2 precedendo a OR longa é a manifestação fonológica de uma quebra prosódica entre o SN2 e a OR, construindo uma estrutura do tipo [SN1-de - SN2] [OR]. Ou seja, a OR longa se destaca do resto da estrutura, ganhando autonomia e preferindo a aposição alta ao SN1. Por outro lado, a menor duração da sílaba tônica de SN2 precedendo a OR curta é a manifestação fonológica da ausência de quebra prosódica entre o SN2 e a OR, construindo uma estrutura do tipo [SN1] [de-SN2-OR]. Ou seja, a OR curta não ganha autonomia fonológica e acaba por se atar localmente ao SN2. Esses achados confirmam a tese de Fodor (2002) para quem o tamanho da OR e as diferentes configurações prosódicas resultantes influenciam nas preferências de aposição da OR ao SN complexo.

No mesmo estudo, Lourenço-Gomes; Maia & Moraes manipularam também a segmentação de sentenças com o mesmo tipo de estrutura vista acima através de tarefa de leitura automonitorada. Os autores criaram um design experimental em que as sentenças eram apresentadas na tela do computador em fragmentos, induzindo o sujeito a projetar, no estímulo, fronteiras prosódicas artificiais que prejudicariam a compreensão imediata e global de um fraseamento prosódico natural. Os achados contrariaram a suposição de Gilboy & Sopena (1996) para quem não existem pistas para fronteiras prosódicas quando a sentença é quebrada em pequenos segmentos. Houve, ao contrário, mudança na preferência de aposição da OR vista acima: com a segmentação artificial, os sujeitos preferiram atar a OR curta ao SN1 e a OR longa ao SN2. Lourenço-Gomes; Maia & Moraes sugerem que a segmentação induzindo fronteiras prosódicas artificiais leva o sujeito a projetar no estímulo uma prosódia não default, o que acarreta, consequentemente, mudança na preferência de aposição da OR. Como vemos, tudo de acordo com as predições da HPI vista acima.

Magalhães & Maia (2006) também investigaram a interferência da segmentação nas decisões sintáticas do parser. Os autores conduziram experimento off-line de leitura e produção automonitoradas utilizando sentenças ambíguas com possibilidade de construção de duas estruturas sintáticas idênticas quanto à complexidade de nós. Nessas sentenças um adjunto atributo poderia ser aposto a qualquer um dos dois SNs antecedentes, como na sentença (6). Porém, o princípio Late Closure prediz que, nessas circunstâncias, a aposição local é a preferida.

(6) O pai abraçou o filho suado

Os objetivos específicos do experimento eram verificar, através da análise das respostas fornecidas pelos sujeitos e dos tempos gastos na resposta, se a segmentação pode enfraquecer o princípio Late Closure e se a correlação entre uso de pistas prosódicas e aposição sintática do atributo na leitura em voz alta é reproduzida na leitura silenciosa. As frases foram divididas em quatro versões: (i) com segmentação após o verbo; (ii) com segmentação após o SN objeto; (iii) sem segmentação para leitura silenciosa; (iv) sem segmentação para leitura em voz alta.

Os resultados foram os seguintes: houve preferência significativa pela aposição local (seguindo o Late Closure) tanto na leitura silenciosa como na leitura em voz alta quando as frases eram apresentadas sem segmentação. Os poucos sujeitos que preferiram aposição alta utilizaram alguma pista prosódica, como pausa silenciosa, alongamento da vogal ou entonação específica. Os resultados significativamente idênticos na leitura silenciosa sugerem a projeção da prosódia no estímulo, de acordo com as predições da HPI.

Quanto às frases apresentadas com segmentação, estes foram os resultados: a segmentação após o verbo aumenta significativamente a taxa de aposição local em comparação com a taxa de aposição local na leitura silenciosa de sentenças sem segmentação. Já a segmentação após o SN objeto diminui significativamente a taxa da aposição local em comparação com a taxa de aposição local na leitura silenciosa sem segmentação. O experimento comprova, portanto, que o princípio Late Closure pode ser enfraquecido com a segmentação e com a consequente indução de uma prosódia não default.

A ideia de que as decisões do parser são influenciadas desde cedo pela prosódia foi sugerida pelos resultados de experimentos on-line desenvolvidos por Maia (2006). Em tarefas de audição e leitura automonitoradas, o autor manipulou sentenças com constituintes preposicionados ambíguos (poderiam ser apostos à estrutura da sentença como adjunto ou como argumento) para investigar a interferência da prosódia na decisão do parser. As sentenças eram apresentadas aos sujeitos com ou sem pausa prosódica na tarefa de audição e com ou sem segmentação visual na tarefa de leitura. Os resultados apontaram que as pausas prosódicas e as correspondentes segmentações visuais diminuem o tempo de leitura do constituinte ambíguo, sugerindo sua desambiguização.

8 Considerações finais

Desde o fim da década de 50 do século XX, os estudos linguísticos sofreram uma revolução à medida que as principais atenções dos estudiosos se voltaram para a mente humana e para os processos cognitivos que favorecem a produção e decodificação da linguagem.

Dois modelos principais de gramática surgiram dentro dessa perspectiva de estudo linguístico denominada de Gerativismo: a Teoria da Regência e Ligação e o Programa Minimalista. O último modelo pode ser considerado um aperfeiçoamento do primeiro, já que enxuga a gramática e sugere que somente pressões referentes ao desempenho da linguagem balizam a existência de operações e itens linguísticos.

As tensões entre os estudos gerativistas de cunho mais formal e os estudos psicolinguísticos pautados no desempenho fomentaram debates sobre a eficácia de se utilizar somente o julgamento de gramaticalidade de frases fora de contexto situacional e prosódico como método de pesquisa. Principalmente as descobertas da psicolinguística de que a prosódia interfere decisivamente no processamento das sentenças pelos falantes indicam que, futuramente, somente métodos que associam tarefas off-line e on-line podem ser considerados para predições teóricas dentro da linguística gerativa.

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Notas

1 Psicólogo behaviorista americano para quem a aquisição da linguagem pode ser prevista e controlada através de artifícios como imitação e reforço.
2 Chomsky, a partir de suas primeiras publicações, no início da segunda metade do século XX, começa a demonstrar que a linguagem humana possui propriedades formais que podem ser tomadas como verdadeiros programas cognitivos. Os estudos linguísticos começam, portanto, a ser deslocados da gramática estrutural e da sociologia para a área das ciências naturais.
3 O gerativismo ainda não pode ser considerado uma teoria linguística. Na verdade, o que é conhecido como a Teoria da Regência e Ligação é um modelo ou versão importante do Gerativismo.
4 Os critérios são: (i) variabilidade dentro da espécie; (ii) datação para a implantação e desenvolvimento da atividade; (iii) predisposição hereditária; (iv) correlações orgânicas específicas.
5 À medida que dados empíricos de diversas línguas são considerados, muitas regras precisam ser criadas ou reformuladas.
6 Quanto à realização do sujeito, as línguas se dividem entre as que permitem a não realização do sujeito e as que exigem o sujeito realizado. As línguas que não permitem o sujeito nulo, como o inglês, são consideradas línguas pro-drop. A explicação geral aceita para esse fato é que o sujeito não pode ser recuperado quando a morfologia verbal é fraca. (cf. HAEGEMAN, 1995)
7 Saussure (2012) e Bloomfield (1926) são considerados papas da linguística moderna. Acreditavam que cada língua deveria ser considerada como um sistema independente e estruturado em que as relações entre as entidades linguísticas eram fundamentais para se descrever a própria língua. Ao contrário do gerativismo, a linguística dita como estrutural prioriza os dados linguísticos.
8 Fodor (1998) introduz a noção de processos psicológicos verticais e modulares como base para comportamentos biológicos coerentes. A teoria da modularidade fundamenta-se na ideia de que a mente é formada por módulos independentes e programados biologicamente para o processamento específico de informações.
9 Em português, Teoria da Regência e Ligação.
10 FL é o nível de interface com os sistemas Conceitual-Intencional.
11 FF é o nível de interface com os sistemas Articulatório-Perceptual.
12 Para o objeto resultar em uma estrutura gramatical, todos os itens da Numeração devem ser selecionados.
13 Spell-out deve satisfazer as interfaces de maneira ótima para que a derivação seja convergente. Uma representação em FF que contenha informações semânticas não converge. Paralelamente, uma representação em FL que contenha informações fonéticas também não converge. Essa função de Spell-out delimita seu lugar de atuação: se atuar muito cedo na derivação, por exemplo, antes de todos os itens da Numeração serem incluídos na derivação, chegariam elementos semânticos na FF ou elementos fonológicos na FL. Por outro lado, se spell-out atuasse tardiamente, o resultado seria uma representação não interpretável para FF, já que após spell-out somente ocorrem operações relevantes para o componente fonético.
14 De acordo com Chomsky (1995), o Full Interpretation é um princípio que estipula que toda representação bem formada deve conter somente elementos interpretáveis pela FF e FL.
15 Processamento feito de nódulos mais altos para nódulos mais baixos ou da esquerda para a direita. Neste modelo, informações de níveis mais altos influenciam os níveis mais baixos. Por exemplo, o parser, ao se deparar com um nódulo verbal prevê uma operação de merge com um possível complemento.
16 Muitas vezes o parser, orientado por princípios que lhe são inerentes e pressionado pela memória de curto prazo, pode tomar uma decisão equivocada durante o processamento de uma sentença que impossibilita a construção ideal da cadeia sintagmática.
17 O efeito de priming ocorre quando um estímulo anterior (prime) facilita o processamento de uma informação posterior. É uma ferramenta metodológica muito utilizada em tarefas de decisão lexical em que se avalia através de medições de tempo de resposta se um sujeito exposto inconscientemente a uma prime processa mais rapidamente uma palavra alvo.
18 O termo inglês parser é proveniente do latim pars orationis. O parser é definido na literatura psicolinguística como um mecanismo inato que entra em ação em tarefas de codificação linguística para que objetos linguísticos sejam automaticamente identificados e combinados.

Notas de autor

1 Doutor em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor do Instituto Federal Fluminense (IFF) Campus Cabo Frio/RJ – Brasil. E-mail: mauro.santana@iff.edu.br.
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