ARTIGOS ORIGINAIS

Gestão e Conselhos Escolares: democracia como processo dinâmico e em permanente movimento

Management and School Councils: democracy as a dynamic process and in permanent movement

Arildo dos Santos Amaral 1
Prefeitura Municipal de Cambuci, Brasil

Gestão e Conselhos Escolares: democracia como processo dinâmico e em permanente movimento

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 19, núm. 3, 2017

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

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Recepción: 11 Mayo 2017

Aprobación: 07 Diciembre 2017

Resumo: Esta pesquisa se propõe a analisar a política de gestão democrática na escola pública e seu funcionamento vinculado às configurações sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil Contemporâneo. Aponta para a confluência entre o projeto participatório/democratizante e o processo de adequação estrutural. Tem o propósito de compartilhar com as comunidades científica e escolar algumas reflexões e conclusões sobre os mecanismos de democratização da escola pública, exercidos pelo Conselho Escolar, em tempos de ajuste neoliberal, bem como identificar os avanços, limites e possibilidades dessa caminhada que contou com a efetiva participação de representantes dos segmentos da comunidade escolar.

Palavras-chave: Gestão, Escolas Públicas, Conselhos Escolares.

Abstract: This paper analyzes the policy of democratic management in the public schools and its functioning regarding the social, economic, political and cultural configurations in contemporary Brazil. It indicates the confluence between the participatory / democratizing project and the process of structural adjustment. Its purpose is to share with the scientific and school communities some thoughts and conclusions about the democratization mechanisms of the public school held by School Councils in times of neoliberal adjustment. The study also identifies the advances, limits and possibilities of this trajectory that counted on the effective participation of representatives of the various sectors of the school community.

Keywords: Management, Public schools, School Councils.

1 Introdução

A conjectura dos movimentos que buscam defender a escola pública desde os anos 80 é apontada pelo princípio da administração escolar colegiada. Esse princípio visa à tomada coletiva de decisão, com um novo estilo e organização do trabalho na escola tendo como pressuposto a gestão democrática da educação.

Essa perspectiva estabelece que o trabalho escolar deve ser pensado, desenvolvido, discutido, organizado e sistematizado coletivamente, vislumbrando a superação dos processos burocráticos, antidemocráticos, hierárquicos, centralizadores, nos quais, a divisão do trabalho significa a divisão entre o pensar e o fazer, dos dirigentes e dos dirigidos.

Esses pressupostos procuram contestar uma sociedade que é instituída no modo de produção capitalista, cujo fim é sempre a acumulação da riqueza, utilizando-se da extração e da mais-valia e da exploração dos trabalhadores. Deste modo, pensar em formas coletivas de decisão supera os muros da escola, pois se vislumbra a construção do socialismo.

Desta forma, a organização da educação, seus objetivos e suas relações de trabalho devem ser direcionados para a constituição do homem que se firme como membro da coletividade formada hoje pela classe trabalhadora em luta contra o atual regime, que escraviza o homem em todos os aspectos, por um novo regime social. Essa tarefa não é nada fácil em uma sociedade e numa escola construída e edificada sob uma práxis burocratizada. A burocracia que ocorre nas escolas é o traço do Estado opressor que tem relação estreita com a exploração de todas as formas de trabalho e se compõe como fenômeno singular de um sistema de governo no qual o Estado elimina qualquer participação do povo. Quando é permitida, a “participação” é para legitimar as decisões adotadas no âmbito dos gabinetes. Dessa forma, o burocratismo vai na contramão da democracia para se sobrepor nas relações entre os sujeitos, na tentativa de atribuir a única condição que entende ser possível: adaptar-se às exigências de um regime social determinado. Porém, mesmo nos limites da sociedade capitalista que de alguma maneira antepara a concretização efetiva da democracia é possível progredir no processo democrático, para a superação desse regime.

No que se trata de educação escolar, a implementação do conselho escolar deliberativo nas redes públicas de ensino, que começou a ser deflagrada na década de 80, é consequência de um contexto político de luta pela (re)democratização do país, que, sugeria na sua origem a possibilidade de avançar na própria escola, no seu espaço de contrassenso, na direção de uma administração escolar desfavorável à centralização de poder na figura do diretor escolar, e sem sujeição acrítica às diretrizes governamentais e aos métodos fundamentados na natureza técnica e burocrática das políticas educacionais.

2 Compreendendo as origens

Segundo a bibliografia, os Conselhos existem desde o império, cujo governo central passou a responsabilidade da educação para as províncias, descentralizando assim o ensino. Teixeira (2004) faz uma retrospectiva histórica dos conselhos e afirma que:

A criação do Conselho Nacional do Ensino se deu em 1925, com a Reforma Rocha Vaz, responsável também pela criação do Departamento de Educação no Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Entretanto, a legislação federal faz referência à criação de dois conselhos que podem ser tomados como seus antecessores. Trata-se do Conselho Superior de Instrução Pública, criado em 1913, e do Conselho Superior de Ensino, instituído pela Reforma Rivadávia Correia. Estando afetos, basicamente, ao ensino superior, tais conselhos constituíram-se como órgãos de fiscalização dos estabelecimentos de ensino mantidos pela União, sendo compostos por representantes desses estabelecimentos e tendo como competências atribuições ligadas ao funcionamento desse nível de ensino, numa perspectiva de racionalização administrativa (TEIXEIRA, 2004, p. 688).

O governo Vargas criou em 1931 o Conselho Nacional de Educação, por meio do Decreto nº 19.850/31, visando ao ensino superior, conservando-se até 1936 quando foi regulamentado pela Lei nº 174/1936. Já em 1961, a Lei nº 4.024/61 transforma o Conselho Nacional de Educação em Conselho Federal de Educação no seu Art. 8º que estabelece: “O Conselho Federal de Educação será constituído por vinte e quatro membros nomeados pelo Presidente da República, por seis anos, dentre pessoas de notável saber e experiência, em matéria de educação” e os Conselhos Estaduais de Educação através do Art. 10 que diz “os Conselhos Estaduais de Educação serão organizados pelas leis estaduais, que se constituírem com membros nomeados pela autoridade competente, incluindo representantes dos diversos graus de ensino e do magistério oficial e particular, de notório saber e experiência em matéria de educação, exercerão as atribuições que esta lei lhes consigna” como órgãos da administração direta do Ministério da Educação e Cultura e das Secretarias de Educação estaduais.

A institucionalização dos conselhos estaduais indica uma concepção de administração descentralizada em matéria de educação expressa no Art. 11: “A União, os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de ensino, com observância da presente lei” e no Art. 12. “Os sistemas de ensino atenderão à variedade dos cursos, à flexibilidade dos currículos e à articulação dos diversos graus e ramos.” Em relação à Lei 5.692/71, Teixeira (2004) cita que:

[...] a Lei n. 5.692/71 confirmou e expandiu o caráter normativo dos conselhos de educação no país, ao atribuir-lhes competências para realizar a regulamentação complementar de vários de seus preceitos relativos à organização dos currículos do ensino de primeiro e segundo graus e à adequação do ensino às peculiaridades locais ou regionais. Contribuiu, dessa forma, para consolidar ainda mais a característica burocrática do funcionamento dos conselhos de educação, que já vinha marcando a atuação destes ao longo de sua história. Por outro lado, a lei, em seu art. 71, facultou aos municípios em que houvesse condições para tal a possibilidade de constituição de seus próprios conselhos de educação, podendo ser a eles delegadas competências pelos respectivos conselhos estaduais (TEIXEIRA, 2004, p.695).

3 Gestão Democrática

De acordo com Dourado (1998), a gestão democrática é o processo de aprendizado e de luta que vislumbra, nas especificidades da prática social e em sua relativa autonomia, a possibilidade de criação de meios de efetiva participação de toda a comunidade escolar na gestão da escola. Ou seja, a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar no dia a dia da escola.

O processo de gestão nas escolas vai além da gestão administrativa e procura estimular a participação de pessoas diferentes, articulando os aspectos financeiros, pedagógico e administrativo. O gestor, nessa conjuntura, é aquele que volta suas ações para uma educação de qualidade, e seu objetivo é buscado pela divisão de tarefas e integração das ideias e ações entre escola, família e comunidade. A propósito, Ferreira (2001) afirma que “a gestão democrática é o processo de coordenação das estratégias de ação para alcançar os objetivos definidos e requer liderança centrada na competência, legitimidade e credibilidade” (FERREIRA, 2001, p. 165).

Alguns componentes básicos formam a gestão democrática: constituição do Conselho Escolar; elaboração do Projeto Político Pedagógico-PPP de maneira coletiva e participativa; fiscalização da verba da escola pela comunidade escolar; divulgação e limpidez na prestação de contas; avaliação institucional da escola, professores, dirigentes, estudantes, equipe técnica; eleição direta para diretor (a). Além disso, com a aplicação da política da universalização do ensino, deve-se estabelecer como prioridade educacional a democratização do ingresso e a permanência do aluno numa escola de qualidade.

Assim, os conselhos escolares, com representação da comunidade, foram implantados nas instituições públicas de educação básica pela Lei nº. 9.394/96. Essa forma de participação reforça os interesses coletivos da ação pública e institui mecanismo político de superação da centralidade do poder instituído nas escolas. A prática dos conselhos escolares permite que diferentes campos da sociedade possam participar da gestão da escola de forma democrática e institucional.

4 Metodologia

Para que fosse possível a realização do estudo, optou-se pelo estudo de caso, com abordagem qualitativa, que tem, como característica básica, o ambiente natural como sua fonte de coleta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento.

O universo da pesquisa foi um Colégio da Rede de Ensino Municipal que atende a Educação Infantil, bem como o Ensino Fundamental I, situado em uma cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro. Essa escola atende em sua maioria alunos originários de uma categoria socioeconômica baixa.

Os pais dos alunos trabalham no setor terciário, na prestação de serviços e no comércio em várias funções, sendo que a remuneração desses trabalhadores, na maioria, não ultrapassa um salário mínimo. Para auxiliar na apreensão da situação em estudo foram utilizados, como procedimentos para coleta de dados, análise documental e entrevistas com professores e integrantes do Conselho Escolar.

5 Análise Documental

Através da análise do Projeto Político-Pedagógico e do Regimento Interno Escolar, buscou-se descrever a configuração da gestão escolar adotada pela instituição. O Projeto Político-Pedagógico da escola relativo ao ano de 2008 menciona:

A Organização Escolar, como decorrência do princípio constitucional de democracia e colegialidade, tem como órgão máximo de direção um colegiado, abrangendo os seguintes órgãos; Equipe de Direção, Equipe Pedagógica, Equipe Administrativa, Órgãos Complementares e alunos regularmente matriculados (p. 28-29).

No que se refere à organização, percebe-se que a escola utiliza a gestão democrática, com a participação de todos as partes da escola, o que implica também um trabalho com a comunidade. A escola analisada tem uma comunidade bastante participativa, oriunda de diversas localidades da cidade, e todos interagem buscando a construção de uma escola pública de qualidade. Conforme o art. 9º do Regimento Escolar, a forma de administração adotada pela instituição de ensino em questão é

gestão democrática e colegiada tida como processo que rege seu funcionamento, compreendendo tomada de decisão conjunta na execução, acompanhamento e avaliação administrativas e pedagógicas, envolvendo a participação de toda comunidade escolar. (PROJETO, 2008).

Tanto da análise do PPP da escola como do seu Regimento Interno Escolar percebe-se que a forma de gestão adotada é a democrática. De acordo com o Regimento Escolar, em seu art. 5º, “O Conselho Escolar é um órgão colegiado de natureza deliberativa, consultiva e fiscal, não tendo caráter político-partidário, religioso, racial e nem lucrativo, não sendo remunerados seus Dirigentes e/ou Conselheiros.” (REGIMENTO, 2008).

O Conselho Escolar tem por escopo efetivar a gestão escolar, como consta no Projeto Político-Pedagógico, de forma democrática e colegiada, constituindo-se como órgão auxiliar da direção do Colégio, com finalidades e objetivos da educação pública de qualidade, para assegurar o cumprimento da função da escola que é ensinar. Da análise do Projeto Político-Pedagógico e do Regimento Escolar, entende-se que a forma de gestão adotada pela instituição pesquisada é democrática.

6 Resultados obtidos

Segundo a lei, a gestão democrática é artifício obrigatório nas escolas. É a partir dela que a comunidade se insere na escola e participa efetivamente da educação. O desenvolvimento desta pesquisa teve como objetivo conhecer como se efetiva a gestão democrática em uma escola que possui alunos de quatro a oito anos de idade do Ensino Fundamental na rede pública municipal do Rio de Janeiro, visando o cumprimento da lei, bem como a real participação de professores, conselho escolar e direção, para uma gestão participativa e democrática. Foi possível perceber que os professores e o conselho escolar têm uma percepção bastante aproximada do que vem a ser uma gestão democrática, consoante estabelecem a Lei nº. 9.394/96 e os documentos da escola.

Contudo, distancia-se um pouco a teoria da prática quando se trata a questão sob o ângulo da tomada de decisão abarcando a participação coletiva. Na teoria, a gestão democrática é percebida como a participação de forma coletiva na tomada de decisão, mas, na prática, uma parte dos pesquisados afirma que isso não acontece sempre. Todos aquiescem, no entanto, que a gestão democrática é possível.

O Conselho Escolar parece ter bem acentuado o que é gestão democrática, entretanto a maioria dos integrantes declara que só participa de eventos e reuniões quando há uma importância específica, e que ainda nessa hipótese apenas alguns participam efetivamente. Verifica-se, portanto, que não é só a escola que precisa se abrir ao mundo externo; é preciso, também, que a comunidade valorize sua participação nas decisões da escola.

7 Considerações finais

Por meio desta pesquisa, pôde-se visualizar que, apesar das muitas lutas e conquistas da gestão democrática, ainda há muito a se trabalhar sobre o tema, uma vez que seu real significado não parece bem claro e torna-se difícil sua aplicação. Ficou claro que a participação efetiva da comunidade no ambiente escolar propicia à educação tomar novos rumos, mas que esse caminho só será trilhado à medida que for sendo experimentado.

Para que isso de fato aconteça, deve ser composta uma equipe responsável por ela, que conte com a participação e cooperação dos segmentos que compõe a instituição, bem como com o compromisso explícito de gestores no sentido de produzir informações válidas e confiáveis, bem como de garantir que os resultados sejam efetivamente refletidos e elaborado um plano de ação para amenizar os principais problemas decorrentes dessa avaliação, tornando a gestão e o processo decisório mais objetivos, profissionais e transparentes.

Na conjuntura da escola pesquisada, embora não haja total contradição entre o que os documentos oficiais estabelecem e o que se realiza no cotidiano, percebe-se que, em alguns aspectos, as exigências legais ainda estão distantes de se tornarem realidade. Com efeito, a gestão democrática só se efetivará quando todos os envolvidos, direção, professores, funcionários e comunidade escolar, estiverem conscientes do valor de sua participação na gestão escolar.

Referências

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DOURADO, L.F. O Público e o privado na agenda educacional brasileira. In: FERREIRA, N. S.C.; AGUIAR, M.A. da S. (Org.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.

TEIXEIRA, L.H.G. Conselhos municipais de educação: autonomia e democratização do ensino. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 123, p. 691-708, set./dez. 2004.

Notas de autor

1 Especialista em Supervisão Escolar, Orientação Educacional e Docência do Ensino Superior. Mestrando do Programa de PósGraduação em Ensino da Universidade Federal Fluminense (PPGEn/UFF), Pedagogo, Orientador Educacional e Professor na Rede Municipal de Ensino - Prefeitura Municipal de Cambuci/RJ – Brasil. E-mail: arildosantos16@hotmail.com.
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