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Por uma Engenharia Geográfica: da técnica na geografia a uma geografia técnica

For a Geographic Engineering: from technique in geography to a technical geography

Por una Ingeniería Geográfica: de la técnica en la geografía a una geografía técnica

Luciano Melo Coutinho 1
Prefeitura Municipal (Defesa Civil) de Cachoeiro de Itapemirim, Brasil

Por uma Engenharia Geográfica: da técnica na geografia a uma geografia técnica

Vértices (Campos dos Goitacazes), vol. 20, núm. 1, 2018

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense

Este documento é protegido por Copyright © 2018 pelos Autores

Recepción: 07 Julio 2017

Aprobación: 21 Febrero 2018

Resumo: Este artigo propõe a engenharia geográfica como alternativa para (re)inserir o Geógrafo no mercado de trabalho de constantes e intensas transformações. Correlaciona as atribuições do geógrafo com outras categorias profissionais, evidencia sua baixa representatividade no mercado e fatores que limitam seu reconhecimento e desempenho profissional. No cenário de constantes e intensas transformações, que priorizam as tecnologias e profissionais técnicos e pragmáticos, é notória a ascensão dos cursos de engenharias. A proposta da engenharia geográfica não é vista como mais uma tendência, e sim como opção para promover autonomia, superar crises, capacitação tecnológica e um eficiente desempenho profissional.

Palavras-chave: Inclusão, Atribuições, Mercado, Trabalho, Tecnologia.

Abstract: This article proposes Geographic Engineering as an alternative to (re) inserting the Geographer into the labor market of constant and intense transformations. It correlates the attributions of the Geographer with other professional categories, evidences their low representativeness in the market and factors that limit their recognition and professional performance. In the scenario of constant and intense transformations, which prioritize technical and pragmatic technologies and professionals, the rise of engineering courses is notorious. The proposal of Geographical Engineering is not seen as a trend, but as an option to promote autonomy, overcome crises, technological training and an efficient professional performance.

Keywords: Inclusion, Assignments, Market, Work, Technology.

Resumen: Este artículo propone la ingeniería geográfica como alternativa para (re) inserir el Geógrafo en el mercado de trabajo de constantes e intensas transformaciones. Correlaciona las atribuciones del geógrafo con otras categorías profesionales, evidencia su baja representatividad en el mercado y factores que limitan su reconocimiento y desempeño profesional. En el escenario de constantes e intensas transformaciones, que priorizan las tecnologías y profesionales técnicos y pragmáticos, es notorio el ascenso de los cursos de ingenierías. La propuesta de la ingeniería geográfica no es vista como otra tendencia, sino como opción para promover autonomía, superar crisis, capacitación tecnológica y un eficiente desempeño profesional.

Palabras clave: Inclusión, Asignaciones, Mercado, Trabajo, Tecnología.

1 Introdução

O papel do geógrafo na sociedade e suas atribuições são temas constantemente debatidos, seja formalmente ou informalmente, nos eventos científicos, cursos de graduação e pós-graduação, grupos de discussão, ambientes profissionais, entre outros. Os debates têm como pano de fundo um pertinente questionamento: qual a situação do geógrafo no atual mercado de trabalho?

A Geografia é a ciência que estuda o espaço terrestre em seus diversos aspectos, sejam físicos (naturais) ou humanos (culturais e modificados), sendo o espaço geográfico seu objeto de estudos. Os recursos de representação da superfície e suas ocorrências são importantes ferramentas do geógrafo, o que justifica a comum associação destes às cartas e mapas.

De acordo com Melo (2015, p. 30), o geógrafo é o “cientista social” que analisa o espaço geográfico, as organizações espaciais e sua dinâmica. Segundo Rosa et al. (2004, p. 3), o bacharel em geografia é o profissional formado para “atuar no mercado técnico”. Signore e Verdum (2013, p. 134) afirmam que a sociedade desconhece o papel do geógrafo. Conforme Nunes (2004, p. 209), a categoria se preocupa com sua aceitação no mercado.

Essa breve definição de geografia e geógrafo (cientista ou técnico) tem o intuito de induzir a reflexões sobre o papel desse profissional, das atribuições e competências promovidas pelos cursos e, consequentemente, sua posição no mercado de trabalho.

Entende-se que a sociedade moderna é cada vez mais dependente de recursos que agilizem seus fazeres, otimizem seu tempo e gerem resultados consistentes. Diversos estudos alertam que as ciências humanas e sociais tradicionais tendem a perder espaço em uma sociedade dominada pelas tecnologias. Em meio à velocidade de tantas mudanças, surgem novos profissionais, técnicos e pragmáticos, qualidades necessárias para dominar e acompanhar tais transformações. Considera-se nítida a ascensão dos profissionais de engenharia em diversos segmentos (BITAR et al., 2000, p. 78; FERNANDES, 2009, p. 4; LOPES, 2011, p. 6; NUNES, 2004, p. 210; SIGNORE; VERDUM, 2013, p. 135).

A oferta e procura pelos profissionais de engenharia, assim como o surgimento de novas ramificações, estão em evidência e com ampla aceitação no mercado, pois estes se destacam no uso, domínio e melhoramento das diversas tecnologias. Segundo Salerno et al. (2013, p. 15), o crescimento dos cursos de engenharia no Brasil é uma realidade, “[...] dada a necessidade cada vez mais premente de engenheiros em um país que se consolida como uma das principais economias do mundo [...]” (SALERNO et al., 2013, p. 15).

Do exposto, o presente estudo avalia a situação do geógrafo no mercado de trabalho e discute fatores relacionados ao observado. Revela fatores peculiares à categoria que promovem sua desarticulação profissional. Sugere a oferta do curso de engenharia geográfica como alternativa de incluir o geógrafo em um mercado de aceleradas transformações e predomínio do uso de tecnologias.

Espera-se contribuir com reflexões sobre a empregabilidade do geógrafo, assim como a necessidade de coesão da categoria, de adequações às mudanças do mercado e da reforma curricular nos cursos de graduação.

2 Objetivos

Investigar a representatividade do geógrafo no mercado de trabalho. Abordar as perspectivas da sociedade e do mercado com ênfase na necessidade de profissionais capacitados ao uso de tecnologias. Expor fatores peculiares que colaboram para a divisão profissional da geografia. Evidenciar a necessidade de reformular os cursos de geografia contemplando a inclusão, domínio e uso eficiente das tecnologias. Propor a engenharia geográfica como alternativa de (re)inserir o geógrafo no mercado de trabalho.

3 Material e Métodos

A pesquisa bibliográfica foi adotada como ferramenta de investigação e embasamento das ideias e reflexões manifestadas (representatividade da geografia no mercado e necessidade de adequação dos cursos nos moldes de engenharia). As ponderações que orientam a criação e oferta do curso de engenharia geográfica são oriundas de observações e questionamentos sistematizados a partir de experiência profissional e acadêmica, consistindo assim em uma pesquisa qualitativa.

Livros e periódicos científicos, em formatos digitais e analógicos, constituíram as fontes de estudo e pesquisa. As reflexões são discorridas e confrontadas com as fontes consultadas, garantindo assim o rigor técnico necessário à pesquisa científica.

Para compreender a situação da geografia no mercado e justificar a engenharia geográfica como solução ao exposto, a estruturação da problemática pautou-se nos seguintes questionamentos:

  1. - O que é necessário para uma categoria profissional se destacar no mercado de trabalho?

  2. - Por que a geografia não acompanha a ascensão de outras categorias profissionais?

  3. - Por que engenharia geográfica é uma proposta viável para alavancar a geografia?

Por conseguinte, a tentativa de responder à problemática consistiu na investigação de fatores que podem contribuir para a baixa inclusão da geografia no mercado, sendo:

  1. - abordagem predominantemente teórica e conceitual dos cursos de formação;

  2. - subjetividade de seu objeto de estudos;

  3. - resistência à evolução e aplicabilidade das tecnologias;

  4. - dicotomia(s) da geografia (física x humana - licenciatura x bacharelado);

  5. - disparidade entre as atribuições profissionais e os componentes curriculares dos cursos; e

  6. - baixa representatividade no conselho profissional (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia - CREA).

4 Resultados e Discussão

4.1 Onde é o norte? Breve história dos paradigmas e transformações

Por suas origens, a geografia tem o papel de localização de recursos naturais, delimitação de áreas e descrição das ocorrências nos espaços ocupados pelo homem. O filósofo grego Eratóstenes (século III a.C.) foi o primeiro a utilizar a palavra geografia (geo = Terra e grafos = descrição, ambas de origem grega) e também o realizador da primeira medida da Terra, muito próxima das medidas atuais obtidas pelos recursos modernos.

Essa ciência consistia da pura confecção de mapas para a descrição de trechos da Terra, nos quais eram representados fatores físicos e/ou naturais, limites políticos e localização de comunidades, recursos naturais, rotas marítimas e terrestres. Entretanto os conhecimentos geográficos, construídos empiricamente, encontravam-se fragmentados e sem organização. Segundo Costa e Rocha (2010, p. 26), até meados do século XVIII, a geografia é considerada pré-científica, um saber desprovido de sistematização e de organização metodológica.

Modificações nas formas de abordagem e observação em geografia são comuns desde suas origens. Tais mudanças são geralmente influenciadas pelas necessidades e ideologias de cada momento histórico dos grupos sociais (ANDRADE, 2008, p. 99; CLEMENTE, 2007, p. 198). Em sua conjuntura de alterações destacam-se as tentativas de “sistematização” na Alemanha no século XIX, sendo seus precursores:

  1. - Alexander Von Humboldt (1769-1859): botânico e geólogo, priorizava a observação da natureza, sua abordagem era baseada nas descrições paisagísticas de suas viagens, o que chamou de geografia física.

  2. - Karl Ritter (1779-1859): preconizava uma ciência humana baseada na filosofia e na história, tendo as pesquisas e revisões bibliográficas como elemento de investigação, evidenciando a chamada geografia humana.

Nesse contexto a geografia consolida-se enquanto ciência e tem seu objeto de estudo definido, porém não delimitado, ganhando mais notoriedade nas discussões das correntes do pensamento geográfico:

  1. - Determinismo Ambiental (Alemanha, fins do século XIX), sistematizado para defender os interesses e ideologias do expansionismo alemão, baseando-se nos argumentos de que as condições naturais “determinam” o comportamento e evolução humana;

  2. - Possibilismo (França, fins do século XIX), reação ao determinismo alemão, que considera a natureza como um conjunto de “possibilidades”, prontas a serem modificadas pelo homem;

  3. - Método Regional (EUA, pós 1940), as diferenças ou similaridades “regionais”, incluindo aspectos físicos e/ou culturais, fazem da diferenciação de áreas o objeto de estudo;

  4. - Nova Geografia (pós 2ª Guerra Mundial), também chamada de geografia teorético-quantitativa, é entendida como a corrente ideológica, pois justificava a expansão capitalista a partir de técnicas estatísticas; e

  5. - Geografia Crítica (pós 1970), opõe-se às correntes anteriores, tentando explicar as transformações sociais além da pura descrição, discutindo as formas e transformações sob a ótica da “dialética”. Essa corrente adquire maior expressão por incluir-se no cerne do debate socialismo x capitalismo.

Alguns fatores são observados na sistematização da geografia, destacando-se: sua tardia consolidação, distintas formações de seus promotores (história e geologia) e interesses subjetivos. Não muito diferentes foram as correntes do pensamento. Diversos autores dedicam seus estudos a esses momentos, expondo interesses implícitos e as tentativas de apropriação dessa ciência, evidenciando sua influência para a crise da geografia (ANDRADE, 2008, p. 71; HIPÓLITO, 2010, p. 1; LACOSTE, 1989, p.72).

O geógrafo francês Yves Lacoste enfatiza uma pertinente questão: para que serve a geografia? Para esse autor a geografia tem acima de tudo um papel político e estratégico, pois os conhecimentos geográficos são, desde suas origens, saberes estratégicos que podem ser aplicados em diversos segmentos (político, militar, econômico, etc.). O saber geográfico pode, perigosamente, constituir um “instrumento” para o “exercício do poder”. Segundo Lacoste (1989, p. 33), coexistem duas geografias, sendo: i- a geografia acadêmica (ideologizada - de sala de aula e professores); e ii- a geografia estratégica (dominante - utilizada por estados e empresas), sugerindo que a primeira assuma o papel estratégico, o pensar eficiente sobre o espaço, e que não se limite à imposição ideológica.

Costa e Rocha (2010, p. 39), em uma abordagem sobre os pareceres do geógrafo argentino Gustavo Buzai, discorrem a história dos paradigmas do pensamento geográfico, explicando que os movimentos de renovação podem se apresentar em ondas temporais, definidas por ondas curtas (20-25 anos), médias (50 anos) e largas (100 anos). Como exemplo de ondas curtas do século XX estão o paradigma regional (década de 1910), racional (década de 1930), quantitativo (década de 1950), radical crítico e humanista (década de 70) e ecologia da paisagem, geografia pós-moderna e geografia automatizada (década de 90). Os ciclos de ondas médias são entendidos pelo paradigma geotecnológico e informática (finais do século XX). A concepção de geografia global e a incorporação de visão espacial do final do século XX, onde os recursos computacionais são associados aos conceitos e métodos da geografia, representam os ciclos de ondas longas.

No pós-década de 1950, acreditava-se que as ciências humanas seriam o elemento norteador das organizações sociais. Ante o cerne de mudanças, a geografia moderna é (re)direcionada pela concepção da geografia crítica, de fortes tendências marxistas, almejando incluir-se no cenário das discussões oriundas da Guerra Fria (década de 1960), e, posteriormente, pelas críticas à economia global (ANDRADE, 2008, p. 99; CLEMENTE, 2007, p. 199; COSTA; ROCHA, 2010, p. 39; HIPÓLITO, 2010, p. 2). Conceitos importantes são incluídos para a avaliação das transformações espaciais, com destaque ao materialismo histórico e dialético, o meio técnico-científico-informacional, hegemonização do capital e a globalização econômica, destacando-se as contribuições do geógrafo Dr. Milton Santos.

Com a sistematização e evolução das ciências, intensifica-se a fragmentação do conhecimento. O objeto da geografia é dotado de novas percepções e torna-se ainda mais complexo. O espaço geográfico é entendido como aquele modificado e ocupado pelo homem em função das suas necessidades, dos fatores que promovem as transformações e da influência das organizações sobre a sociedade. A produção e reprodução do espaço são entendidas como reflexos da luta de classes e do exercício do poder. Esse novo e complexo conceito inclui particularidades e fatores que influenciam cada forma de organização espacial. Conforme Clemente (2007, p. 198), “é no espaço que o homem organiza as suas atividades produtivas e onde se dão as relações sociais. O Homem ao longo do tempo se apropriou da Natureza para produzir seus meios de sobrevivência. A maneira como o Homem se apropriou da natureza se deu de modos distintos ao longo do tempo.”

No ano de 1989, a queda do Muro de Berlim (Alemanha) representa o fim do principal símbolo do socialismo e, consequentemente, o fim da Guerra Fria. A chamada Globalização Econômica é a nova ordem. A expansão do capital é acelerada e as organizações sociais são bruscamente modificadas. A partir da década de 1990, os elementos e as transformações sociais já não representam a prioridade da abordagem científica.

A sociedade não mais aspira ao conhecimento próprio, e sim às materializações e respostas imediatas ofertadas pelas tecnologias. O mercado de trabalho tem nova configuração e novas necessidades. O emprego e o avanço das tecnologias se instalam em diversos segmentos e exigem novos tipos de profissionais. Percebe-se a vazão dos cursos de formação e não empregabilidade das ciências humanas. É o momento de ascensão das engenharias e das tecnologias. Tais fatos são corroborados por Andrioli (2006, p. 28), que afirma que: “Com a centralidade na especialização do conhecimento e a sua desconexão com o mundo real, que não pode ser dividido em disciplinas, a universidade perde sua identidade mediadora e de crítica radical dos saberes” (ANDRIOLI, 2006, p. 28).

Mesmo diante do emergente avanço tecnológico do período pós anos 1990, as abordagens física, cartográfica e matemática são gradativamente reduzidas em vários cursos de geografia, limitando-se a disciplinas complementares.

Por influência das correntes do pensamento geográfico, os cursos de formação fortalecem a ideia, talvez equivocada, de que aderir às inovações é se render a tendências, se tornar menos humano ou incapaz de compreender o poder de influência do capital.

Assim, ao priorizar e insistir na abordagem crítica sobre as transformações espaciais, e minimizar a abordagem técnica e pragmática e os métodos de planejamento, a geografia começa a distanciar-se do contexto de necessidades da sociedade emergente do século XXI.

Nasce uma nova crise da geografia?

Uma nova corrente é a solução?

4.2 Como se comportam os Geógrafos

O papel do geógrafo é alvo de controvérsias.

Para muitos é uma incógnita: o que faz?

Para outros a resposta é imediata: faz mapas.

São lembrados ainda por seu vínculo com a educação: é professor.

Segundo Lopes (2011, p. 1), esse conhecimento limitado da sociedade sobre a geografia se deve à ausência da categoria em diversos segmentos da sociedade. O autor cita que “essa visão reducionista da sociedade do nosso fazer geográfico está intimamente ligada à nossa desarticulação enquanto categoria que não se impõe mais publicamente ou não se coloca à disposição sobre diversos temas de interação com a geografia [...]” (LOPES, 2011, p. 1).

Desde suas origens, mesmo ocorrida sua consolidação como ciência no século XIX, a geografia encontra dificuldades para a definição de seu campo de atuação e abordagem, o que se convencionou chamar de “dicotomia” entre geografia física e geografia humana. Nesse contexto não se nota uma definição, nem alternativa ou previsão de definição, sobre o que realmente faz o geógrafo. Assim, há uma disputa subjetiva entre essas duas ramificações, similar à ocorrência de duas geografias que estudam o mesmo espaço por diferentes óticas.

Segundo Clemente (2007, p. 198), diversos momentos e tendências fortaleceram a dicotomia da geografia. Por influência da corrente possibilista foram priorizados os aspectos humanos. No século XX o geógrafo De Martone divide o meio físico em vários ramos pelo “Tratado de Geografia Física” (geomorfologia, biogeografia e climatologia). A renovação da geografia ocorre com as tecnologias do período pós 2ª Guerra, surgindo os modelos matemáticos e quantitativos (Teoria dos Modelos e Teoria dos Sistemas). Com a Nova Geografia, os modelos são intensamente aplicados na geografia física, considerados soluções para a falta de cientificidade da geografia, tratando a abordagem humana como desprovida de rigor científico.

Na década de 1960, a geografia crítica é moldada pelas concepções marxistas, denunciando as desigualdades do capitalismo. Seus seguidores consideram os geógrafos físicos como acríticos. Com as ocorrências de impactos e mudanças ambientais na década de 1970, os geógrafos físicos passam a rever os impactos do capitalismo sobre o ambiente, e, desde então, são notadas as primeiras tentativas de aproximação entre a geografia física e a geografia humana.

Hipólito (2010, p. 7) enfatiza a influência do cartesianismo para intensificação dessa dicotomia no âmbito da ciência geográfica e demonstra como essa escola contribuiu para a separação entre a geografia física e a geografia humana. Destaca que é enganosa a concepção de superficialidade da geografia, uma vez que tal ciência aborda o homem e a Terra, percorrendo diversas áreas do conhecimento na intenção de compreender o todo.

Para Silva (2007, p. 41), a visão global, na qual se incluem os aspectos físicos e humanos, é entendida como uma virtude da geografia e uma vantagem ante outras ciências, devendo tal dicotomia ser superada. A busca pela especialização é uma alternativa para o bom desempenho do profissional, porém, muitas vezes, resulta no acirramento dessa dicotomia. É inconsistente afirmar que a “geografia urbana” é puramente humana, pois diversos aspectos físicos afetam o meio urbano. Ao assumir a visão puramente humana ou física, o geógrafo impõe limites a si próprio e perde espaço em uma sociedade crescentemente competitiva. Sobre este aspecto, Silva (2007, p. 41) acrescenta que “a formação dualista da geografia, englobando os aspectos físicos e sociais associados à capacidade de síntese, fornece uma ampla vantagem dessa ciência perante as demais.”

Fuini (2011, p. 45) sugere a abordagem sistêmica para o estudo e compreensão do espaço geográfico, tendo como enfoque o meio físico (natural) e o meio antrópico (técnico e artificial). Dessa forma, a ciência geográfica é contemplada como um todo, interdisciplinar, tendo os sistemas e as teorias sistêmicas o papel de convergir os componentes do sistema (seja físico ou humano) em um conjunto organizado. A proposta resume-se à adoção dos sistemas enquanto referencial teórico e método de investigação, capaz de superar a dicotomia entre geografia física e geografia humana.

Ocorrem ainda disputas entre os papéis e os campos de atuação de bacharéis e licenciados, respectivamente formados para prática e docência. Sustenta-se o discurso de que bacharel não pode lecionar, pois não tem preparo pedagógico, enquanto o licenciado não pode pesquisar, pois não possui preparo técnico. Nunes (2004, p. 210) afirma que existem dois mercados de trabalho, e que “isso é repetido inúmeras vezes para os alunos de graduação”, deixando claro aos mesmos quais as suas atribuições.

Considera-se inviável diferenciar tão radicalmente duas formações em uma mesma ciência, que compreende as mesmas bases conceituais. Rosa et al. (2004, p. 8) apresentam uma concepção mais flexível para esta vertente da dicotomia da geografia, e expõem que os papéis podem muitas vezes se inverter além de causar constrangimentos diversos.

Essa dicotomia estabelecida provoca uma certa situação de constrangimento no meio em que se relacionam as pessoas envolvidas com a geografia enquanto profissão. Esse constrangimento envolve questões tais como o papel do professor, que, por exemplo, está profundamente desgastado devido, principalmente, às diversas condições sociais e trabalhistas que lhe imputam estabilidade, rentabilidade ou horas extras de lazer. Por outro lado a relação que se tem feito que todo licenciado é eminentemente professor acaba por desgastar também o diploma de licenciatura, pois adiciona um conceito prévio de que uma coisa é igual a outra sem o ser. (ROSA et al. 2004, p. 9).

Exemplo de solução para tal impasse é o caso de Ciências Biológicas, representado pelo Conselho Regional de Biologia (CRBIO), no qual licenciados e bacharéis podem ser registrados e desempenhar suas funções, cujas atribuições são contempladas na legislação (Lei 6684/1979). De modo semelhante, tem-se o Conselho Regional de Química (CRQ), que habilita engenheiros bacharéis, licenciados e técnicos (Lei 5452/1943). Ambos os conselhos possuem regulamentações específicas de atuação conforme sua formação, mas todos são contemplados como uma mesma categoria profissional.

A situação e a atuação profissional do geógrafo na atualidade são amplamente discutidas, chegando a dividir as opiniões de pesquisadores em dois tipos: os que defendem a geografia como uma ciência aplicada e os que a defendem como uma ciência humana e crítica, com um objetivo mais nobre do que a inserção no mercado. Conforme os argumentos e índices apresentados por Signore e Verdum (2009, p. 134), independentemente da abordagem, essa categoria profissional tem baixa inserção profissional.

Embora os bacharéis em geografia e suas entidades representativas afirmem que há uma expansão de oportunidades no mercado de trabalho e um maior conhecimento nos setores privado e público, é nítido o desconhecimento da profissão pela sociedade. Nela, o geógrafo é sinônimo de professor de geografia e quando muito uma pessoa que entende e faz mapas. (SIGNORE; VERDUM, 2009, p. 134).

Nunes (2004, p. 210) pondera sobre tal questão ao afirmar que, se o mercado determina o sentido da formação, arrisca-se a amputar as possibilidades de aplicação do conhecimento. Não é desconsiderada a importância de inclusão do profissional no mercado, mas atenta ao risco de se perder o sentido da formação profissional. Para a autora, o geógrafo deve ser capaz de definir em qual campo atuar, buscando de maneira autônoma o seu lugar no mercado conforme a necessidade, e exemplifica dizendo que, se um profissional deseja se especializar em SIG, deve “correr atrás disso”.

Rosa et al. (2004, p. 5) afirmam que a licenciatura é a opção para o geógrafo, vez que sua atuação é pouco conhecida; mas, para os que vislumbram a atuação técnica, sugere o aperfeiçoamento em geoprocessamento. Paula (2010, p. 16) destaca o surgimento do trabalho imaterial, que, embora criticado pela concepção crítica da geografia, encontra-se incorporado nas novas formas de trabalho.

Signore e Verdum (2009, p. 141) questionam o conhecimento técnico da categoria, o (re)conhecimento dos empregadores, a viabilidade de espaço profissional e oferta de vagas (seja nos setores privados ou públicos) para geógrafos. Os autores avaliaram as ofertas de vagas para geógrafos na esfera federal entre os anos de 1996 e 2006, tendo sido identificados 75 concursos, dos quais apenas 23 ofereciam vagas para esse profissional. De um total de 2.728 vagas, 81 eram específicas (para geógrafos), 342 relativas (áreas de formação correlatas) e 2.305 amplas (qualquer área de formação). No mesmo texto, afirmam que poucos geógrafos atuam na esfera pública, e sugerem o interesse pelo planejamento, política e pesquisa, demonstrando assim uma abordagem pragmática e interdisciplinar.

Tais situações são expostas com base no entendimento de que a consolidação de uma profissão deve partir da própria categoria profissional para a sociedade, e não o inverso, ou seja, não cabe aos conselhos profissionais, sindicatos, empresas ou sociedade definir as competências e abrir frente de mercado para uma categoria. A sociedade externaliza suas necessidades, cabendo à categoria profissional adequar-se a elas para garantir sua representatividade e sua sobrevivência.

Cabe ainda à categoria dos geógrafos superar a(s) dicotomia(s), romper com velhos preconceitos e valorizar o conhecimento, além de adaptar-se a mudanças e preparar-se para uma atuação eficiente.

4.3 Modernidade e o mercado de trabalho

Trabalho representa toda atividade, ou o conjunto de atividades, planejada(s) e direcionada(s) para se concretizar algo. O trabalho humano é projetado previamente, o que caracteriza a capacidade de abstração humana de avaliar possibilidades e de elaborar meios de dominar e transformar a natureza em seu favor. É a partir do trabalho que o homem se expande, supera as adversidades dos locais e se impõe como ser social. É também nas relações modernas de trabalho que ocorre o distanciamento entre o homem e a natureza, que se intensifica a noção de valor e se modificam as relações entre os homens, a apropriação do homem pelo homem (PAULA, 2010, p. 3; ROCHA NETO, 2006, p. 72; WOLECK, 2002, p. 2).

A história do mercado de trabalho descreve constantes modificações, seja nos modos de produção, seja nas relações sociais e econômicas. O atual modelo de mercado tem suas origens na Revolução Industrial, com maior expressão no início do século XX e seu ápice com a globalização econômica na década de 1990. Nota-se significativa influência da automatização e informatização em substituição aos modelos manuais e mecânicos de produção, além do ganho de velocidade e eficiência dos meios de comunicação. Estes se refletem nos modelos econômicos, nos meios de produção e na prestação de serviços. Soma-se à evolução dos recursos a acessibilidade das tecnologias para os distintos usuários. Tais mudanças remetem à necessidade de qualificação e aperfeiçoamento para os que estão inseridos ou pretendem se inserir em tal contexto (FERNANDES, 2009, p. 5; ROSA et al. 2004, p. 2; WOLECK, 2002, p. 10).

É intensa a transição de um modelo industrial para uma nova realidade na qual predominam os serviços e a informação. Essas mudanças fazem parte das discussões do âmbito das ciências humanas e sociais, sendo considerados diversos aspectos envolvidos, destacando-se a distribuição de capital e as condições das classes sociais. Esse novo paradigma sugere adequações e mudanças nas formas de trabalho dos mais distintos campos de atuação, inclusive para as próprias ciências humanas. Opiniões se divergem neste cenário em que os classistas defendem que as mudanças tendem a agravar as exclusões de classes, enquanto os modernistas defendem a emergência de um trabalhador polivalente e autônomo (PAULA, 2010, p. 15).

Nunes (2004, p. 211) adverte sobre a necessidade de um posicionamento equilibrado entre o sentido da formação profissional e o reconhecimento da importância do mercado. O problema da exclusão do mercado de trabalho não é entendido como oriundo da evolução tecnológica, pois mudanças são intrínsecas às relações sociais, e sim da dificuldade de parte da população em acessar e/ou dominar tecnologias modernas, para que possa, então, ser inserida no mercado. Os problemas apontados são entendidos como oriundos do modo de produção capitalista ou influenciados por ele, e não da evolução tecnológica.

Paula (2010, p. 3) considera um fator positivo a saída do modelo industrial para uma economia da informação e da prestação de serviços (economia informacional), e que essa mudança de paradigma resulta em “mudança na qualidade e natureza do trabalho” e em melhor relação entre distintas atividades. Os trabalhadores deixam de ser simples operadores de máquinas, não mais sujeitos ao desemprego pela automatização da produção, passando a ter novas e constantes oportunidades de qualificação.

Os cursos de engenharia são estreitamente ligados à tecnologia desde suas origens. A formação e a atuação profissional de engenheiros vêm crescendo tanto na formação (graduação) quanto nas especializações (pós-graduação) e, consequentemente, na atuação no mercado de trabalho. Esse cenário é resultante das políticas que procuram ampliar as vagas e facilitar o acesso a tais cursos, tendo em vista a demanda vigente. Entre os anos de 2000 e 2011, as matrículas em cursos de engenharia do Brasil passaram, respectivamente, de 180.497 para 596.416, o que representa um crescimento de 230% no período avaliado por Salerno et al. (2013, p. 5).

Os engenheiros são empregados na indústria de transformação e nos serviços, setores de demanda crescente por tal mão de obra. Tais setores apresentam, desde o ano de 2006, crescimento médio de 8% ao ano para a indústria e 7% ao ano para os serviços. A construção civil é o terceiro maior setor de empregos para engenheiros, devido aos investimentos em infraestrutura e moradias.

Entende-se que as mudanças tecnológicas são uma realidade. Costa e Rocha (2010, p. 39) destacam que, com a modernidade, as tecnologias já não simbolizam artigos de luxo e uso restrito, estando presentes em casas, carros, ruas e empresas.

Aqueles que, por diversos motivos, não puderem acompanhar o contexto das mudanças e renovações arriscam-se à inabilitação e à defasagem não apenas profissionalmente, mas também no exercício da cidadania. Obter diploma universitário não é mais uma garantia de emprego. Os profissionais que almejam sua posição nesse mercado têm a incumbência de atentar às necessidades de acompanhar as mudanças e de constante atualização de seus fazeres (ROCHA NETO, 2006, p. 75).

4.4 Fazeres e atribuições

Entende-se por engenharia a aplicação dos conhecimentos eficientes, práticos ou científicos para a solução de problemas. Essas aplicações podem ser as mais distintas e abrangentes, de acordo com as necessidades e variáveis envolvidas. Tais conhecimentos são mais evidentes quando se recorrem aos conhecimentos matemáticos, ao desenvolvimento de técnicas, à criação de ferramentas ou aparelhos, à interpretação ou simulação de eventos e processos. Com base na etimologia, engenharia relaciona-se a engenho ou ato de engenhar, originada do latim ingenium (gênio, qualidade natural, inovação). Porém, ao limitar a engenharia ao exposto, corre-se o risco de limitar também suas possibilidades de atuação e inovação (BAZZO; PEREIRA, 2006, p. 67; COCIAN, 2006, p. 11; ROCHA et al., 2007, p. 2).

Historicamente, a engenharia é aplicada na solução de grandes esforços e no desenvolvimento de recursos e artefatos para aproveitamento de bens naturais. A engenharia moderna apresenta uma significativa diferença em relação à engenharia do passado, embora se dedique à solução dos mesmos problemas do passado, pois é dotada do conhecimento científico. Cocian (2006, p. 12) discorre algumas das atribuições dos engenheiros, as quais podem variar conforme o tipo de trabalho e opção desses profissionais: pesquisa, desenvolvimento, elaboração de projetos, produção, gestão, consultoria e docência.

Entende-se que haja estreita relação entre a atuação profissional do geógrafo e a dos engenheiros. Considerando que o geógrafo analisa o espaço ocupado e modificado pelo homem e sua dinâmica, sabe-se que seus estudos incluem delimitações de territórios, conhecimento estratégico, localização e manejo de recursos e dados quantitativos. Para tanto o geógrafo deve(ria) dispor e dominar os mais distintos meios de conhecimentos.

Inicialmente, ambos são regulamentados pelo sistema Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) e Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA), autarquia pública federal instituída pelo Decreto 23.569, de 11 de dezembro de 1933. Importante frisar que existem atribuições contempladas nos sistemas CONFEA/CREA que são comuns entre distintas categorias, permitindo que os profissionais se especializem e atuem em segmentos similares, porém sem confrontar ou prejudicar cada profissão em sua totalidade.

O exercício profissional do bacharel em geografia (ou geógrafo) é regulamentado pela Lei 6664/1979, a qual define seu(s) campo(s) de atuação e estabelece sua(s) atribuição(ões). Tal lei regulamenta o geógrafo pela Classificação Brasileira de Ocupações junto ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Outras instituições que representam a categoria dos geógrafos são a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e a Associação dos Profissionais Geógrafos (APROGEO). A representatividade dos profissionais pode se dar pela indicação de Instituições de Ensino Superior (IES) ou pelas Associações Profissionais, que indicam os representantes para compor as Câmaras Especializadas nos referidos Conselhos.

Conforme Lopes (2011, p. 5), o exercício profissional não depende apenas do fazer técnico, mas da articulação de questões políticas e ideológicas. Carvalho e Ribeiro (2010, p. 1) afirmam em seus pareceres que a representatividade da geografia no conselho é objeto de “reclamação” da categoria, mas argumentam ser necessário que esses profissionais defendam seus interesses e entendam como o conselho funciona. Nas palavras dos autores, “Como pode o conselho defender os interesses dos Geógrafos se eles não têm participação ativa, se não estão presentes quando as decisões são tomadas?” (CARVALHO; RIBEIRO, 2010, p. 1).

Esses autores explicam que a geografia se encontra dentro da Câmara de Agrimensura (composta por engenheiros agrimensores, cartógrafos, geógrafos e técnicos) no Sistema CONFEA/CREA. A câmara é encarregada de defender seus interesses, mas as comissões à sua frente são compostas unicamente por membros representantes dos engenheiros. Considerando que as disciplinas de cartografia (e afins) estão sendo reduzidas nos cursos de geografia, fica um questionamento pessoal: como pode uma categoria profissional estar inserida na Câmara de Agrimensura, se sua formação não contempla a eficiente atuação profissional nessa área?

Rosa et al. (2004, p. 16) expõem o desconhecimento da categoria quanto às possibilidades a serem exploradas nas competências do Artigo 3º da Lei 6.664/1979. Em linhas gerais, são competências desse profissional as atividades que envolvem os “reconhecimentos”, “levantamentos”, “estudos” e “pesquisas” em diversos meios (físico, humano e natural) ou “campos gerais e especiais da geografia”, além de participar e executar de atividades de “delimitação”, “caracterização”, “equacionamento” e “aproveitamento”. Acredita-se que, para a execução dessas atribuições e competências profissionais, a formação não deva ser limitada à teoria, mas contemple conteúdos e disciplinas que desenvolvam tais habilidades. “Pouco se tem explorado desses novos horizontes, e como decorrência dessa não exploração, muitos tomadores de decisões (gestores) pouco sabem sobre a potencialidade dos serviços geográficos, e muito menos talvez saibam os próprios geógrafos acerca desse potencial.” (ROSA et al., 2004, p. 16).

No estudo de Signore e Verdum (2009, p. 141), foram identificadas 32 graduações diferentes, consideradas juntamente com a geografia, habilitadas para atuações profissionais de concurso público federal, incluindo diversas engenharias (agrimensura, agronomia, ambiental, geologia e mineração) e outras profissões (biologia, antropologia e economia).

Entretanto, embora haja legalmente certa correlação entre a geografia e engenharias, um grande abismo separa ambas no que se refere à atuação profissional. As engenharias buscam definir precisamente suas atribuições e campos de atuação. Para tanto contemplam em sua formação disciplinas e formas de abordagem que dotem os futuros profissionais de ferramentas para tal desempenho.

O ganho e aprofundamento de conhecimento são notórios nas engenharias e contribuem para sua constante evolução e surgimento das especializações (BAZZO; PEREIRA, 2006, p. 227; ROCHA et al. 2007, p. 9). Toma-se como exemplo o caso da agronomia (engenharia agronômica), uma formação generalista que originalmente desempenha um maior número de atribuições no contexto das ciências agrárias. Com o aprimoramento do seu conhecimento surgiram as ramificações em engenharia florestal (silvicultura) e engenharia agrícola, sem causar maiores prejuízos para o profissional de agronomia. A geologia (ou engenharia geológica), que tem estreita origem e relação com a geografia, estuda a Terra a partir de seus componentes e processos físicos e naturais, além da localização e uso dos recursos minerais e energéticos. A partir da geologia surgiram as engenharias de minas, engenharia de petróleo, geoquímica, geofísica e tecnologias voltadas ao uso dos recursos mencionados.

De acordo com Lopes (2011, p. 2), ao contrário de outras categorias profissionais mencionadas, os geógrafos não saem do anonimato para discussão de diversos temas (meio ambiente, clima, planejamento, etc.) e não utilizam seus recursos e argumentos para autopromoção. Limitam-se aos ambientes de trabalho e salas de aula e, por isso, não são (re)conhecidos pela sociedade.

É notado que as engenharias, ao contrário da geografia, têm preocupação de se adequar às realidades dos momentos visando sempre suprir as necessidades da sociedade, sem, contudo, abrir mão de seus ideais. Entretanto, a geografia tem certa resistência a mudanças e limita-se à abordagem teórica e descritiva, desconsiderando a interpretação e a quantificação do que se observa, privando-se da aplicação de modelos e elaboração de propostas, distanciando-se das análises consistentes e das contribuições efetivas para planejamento e atuação junto às organizações.

O estudo de Lopes (2011, p. 3) apresenta algumas sugestões para o trabalho do Geógrafo, mencionando o “planejamento, mapeamento ou levantamento”, os quais devem contar com respaldo teórico dos temas e conhecimento para “contabilizar” os múltiplos agentes envolvidos na conformação do espaço.

A não inclusão de disciplinas exatas e instrumentais nos cursos de formação em geografia resulta na formação de um profissional sem domínio técnico, chamado de “tecnocrata” por Signore e Verdum (2009, p. 147), que ainda sugerem que “[...] ele deve se espelhar no pragmatismo das ciências, que na atualidade apresentam as melhores opções de mercado como a engenharia, economia e arquitetura”.

Segundo Melo (2015, p. 29), as análises consistentes do espaço podem requerer quantificações dos dados geográficos, procedimento entendido como etapa complementar das análises qualitativas. O autor, todavia, identifica em seu estudo que os alunos de graduação em geografia reconhecem a importância da quantificação, não tendo, porém, afinidade com conceitos matemáticos; e ainda que as matrizes curriculares são limitadas para capacitação do aluno em procedimentos quantitativos. Rogerson (2012) enfatiza o exposto pela falta de literaturas específicas em quantificação ou estatística para geografia, sendo as referências dessas disciplinas os livros de estatística geral, ministradas por docentes de matemática.

Tem-se observado nas últimas décadas o fluxo migratório do interior para as grandes cidades, o que se reflete no crescimento populacional das cidades e na crise das estruturas urbanas (VIEIRA FILHO et al., 2015, p. 3). Com a superpopulação urbana, surgem nesses espaços os problemas de infraestrutura (sistema viário, abastecimento de água, saneamento, hospitais), sociais (desigualdade, violência, tráfico de drogas) e ambientais (poluições, epidemias, vetores). Em contrapartida as zonas rurais se tornam grandes vazios demográficos, e as atividades de produção de alimentos e insumos para a indústria ficam carentes de mão de obra. Assim, os estudos relativos aos fluxos migratórios e à gestão territorial podem ser realizados por profissionais que conheçam as peculiaridades do espaço.

Engenharia geotécnica ou geotecnia é uma subárea da engenharia civil e da engenharia geológica que aborda os princípios de mecânica dos solos e das rochas aplicadas às obras da terra (barragens, estradas, ferrovias, dutos, etc.). Essas obras têm como principal característica as alterações da superfície e subsuperfície terrestre, sendo as mais comuns os cortes de talude, remoção de solo, aterros, depósitos, fundações, inundações de áreas, pavimentação. As atividades humanas sempre causam alterações do meio natural, em distintas magnitudes, sendo mais notadas as erosões, movimentos de massa e inundações, causando assim os danos ou impactos ambientais (BITAR et al., 2015, p. 8; MIGUEL; PINESE, 2004, p. 75).

Para se evitar ou minimizar tais impactos, é necessário conhecer seus riscos a partir das propriedades físicas dos materiais geológicos (rochas, solos, topografia), o que permite estimar seu comportamento e definir os critérios dessas obras considerando as fragilidades do meio natural.

Bitar et al. (2015, p. 15) apresentam a proposta de criação de cartas geotécnicas para os municípios, considerando-as como importantes ferramentas de gestão dotadas de informações físicas do terreno e sua aplicabilidade em intervenções humanas e gestão de riscos em determinadas áreas. A geografia dispõe de diversos métodos de investigação e análise comuns à geotecnia, os quais podem contribuir com distintas perspectivas, destacando-se a geomorfologia, a topografia e o geoprocessamento. Todavia, o que se evidencia é mais uma de suas possibilidades sufocadas pelas limitações da abordagem descritiva.

O uso e a gestão dos recursos minerais e energéticos são atividades prioritariamente desenvolvidas por geólogos e engenheiros de minas. Tais atividades incluem distintos procedimentos técnicos, como a localização, mensuração e registro das jazidas. Outras etapas incluem a avaliação da viabilidade econômica, análises de laboratório, definição dos métodos de exploração e beneficiamento, além do licenciamento e recuperação ambiental das áreas exploradas.

De acordo com Marini (2016, p. 19), os distintos ambientes geológicos do Brasil são ricos em bens minerais, o que se deve à sua extensão continental e à diversificada metalogenia. Todavia o setor mineral ainda sofre com limitações que dificultam o desenvolvimento da exploração mineral.

A prospecção mineral no Brasil, para revelar todo o potencial mineral do país, necessita passar para uma fase de mapeamentos geológicos e geofísicos mais detalhados, modelos exploratórios mais elaborados, estudos técnico-científicos, sondagens mais profundas, emprego de métodos geofísicos avançados e de profissionais especializados. (MARINI, 2016, p. 29).

Enríquez et al. (2011, p. 1) destacam a importância da mineração no Brasil e as perspectivas de crescimento do setor em virtude da demanda global por bens minerais. Expõem ainda a carência de estudos de outras temáticas relacionadas à mineração, a exemplo das questões sociais, ambientais, dos empreendimentos e prestação de serviços. Percebe-se que diversas atividades de mineração podem ser desenvolvidas por equipe multidisciplinar.

As formas de uso e ocupação do solo pelas atividades humanas ocasionam diversas alterações dos ambientes naturais, resultando muitas vezes na degradação e em impactos ambientais. Diversas atividades humanas devem ser precedidas e acompanhadas de condicionantes ambientais, a exemplo do licenciamento ambiental, manejo e monitoramento de áreas protegidas e recuperação de áreas impactadas. A legislação brasileira estabelece o Código Florestal Brasileiro, Lei 12.651, de 25 de maio de 2012 (BRASIL, 2012), para regulamentação de atividades e uso do solo que alteram a vegetação natural, a exemplo das Áreas de Preservação Permanente (APP) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Tais atividades requerem profissionais dotados de conhecimento técnico e multidisciplinar, integrando o conhecimento do meio físico, dos ecossistemas e dos meios necessários para seu mapeamento.

Lopes (2011, p. 4) considera ainda a opção de uma abordagem ambiental consistente, com foco em elementos sociais, não fragmentada e contrária à segregação espacial oculta no atual discurso ambiental, pois o meio ambiente de qualidade é direito de todos.

As geotecnologias exemplificam outra vertente, senão a mais evidente, de proximidade entre a geografia e as engenharias, segmento que possibilita ao geógrafo a integração de seus conhecimentos. Entende-se por geotecnologias todas as tecnologias empregadas na aquisição, processamento e análise de dados espaciais. Incluem as formas modernas de mapeamento e espacialização das informações, as quais estão em evidência devido ao crescente número de usuários e uso em distintas profissões, o que foi possível com o avanço tecnológico e a evolução da informática (BITAR et al., 2000, p. 79; FERNANDES, 2009, p. 5; ROSA, 2005, p. 81).

A cartografia digital e a topografia de precisão permitem a constante atualização dos dados de representação da superfície terrestre, gerando dados atualizados, dotados de precisão geométrica e que demonstram as alterações ocorridas na superfície. O geoprocessamento com suporte de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) permite verificar as mais distintas formas de ocorrências espaciais, além de realizar simulações pautadas em cruzamento de dados, análises complexas e previsões. O sensoriamento remoto sofreu significativa evolução com o advento das imagens de satélites de altíssima resolução e das novas formas de observação, gerando as mais distintas imagens para aplicação aos estudos da Terra (FERNANDES, 2009, p. 5; LOPES, 2011, p. 7; ROSA, 2005, p. 82).

O uso das geotecnologias é muito abrangente, incluindo a visualização de fatores ou geração de dados, estudos multitemporais e análises complexas por cruzamentos de dados e geoestatística. Estudos e mapeamentos do meio físico e natural, dados populacionais, comportamentos de áreas urbanas rurais, índices de população, planejamento territorial e estratégico são algumas de suas possibilidades de aplicação (ROSA, 2005, p. 81). Com a acessibilidade à informática, diversos profissionais vêm incluindo o uso de geotecnologias em suas atividades. Fernandes (2009, p. 4) afirma que os geógrafos não estão fazendo um bom uso desse tipo de técnica: “Em geografia, todas as técnicas de geotecnologias possuem uma vasta aplicação, porém nota-se que todo este potencial tem-se perdido em algum momento, seja ele na formação do geógrafo ou no decorrer de sua carreira, este dado se observa pelo fato que estes recursos não estão sendo suficientemente explorados.” (FERNANDES, 2009, p. 4).

Nesse contexto, o espaço geográfico torna-se espaço virtual (paradigma geotecnológico, geografia global, ciberespaço e cibergeografia). Tais recursos favorecem uma nova visão de mundo (paradigma geográfico), com diversas possibilidades de ações e aplicações, “meio através do qual a atividade científica promova soluções concretas para os problemas que enfrentam a população” (COSTA; ROCHA, 2010, p. 40).

Para o uso e aplicação eficiente de geotecnologias, faz-se necessário um profissional que conheça particularidades da sociedade e as subjetividades de suas formas de organização. Um profissional generalista (físico, humano e técnico) com domínio de tais tecnologias pode então prestar ricas contribuições e avaliar uma única situação de maneira prismática.

Cabe ao geógrafo abarcar e dominar as tecnologias para, desse modo, analisar e propor as soluções inerentes ao uso e ocupação do espaço geográfico. Deve-se atentar à geração de respostas consistentes, em conformidade com as necessidades e demandas de cada grupo social em seu respectivo momento histórico.

Aos cursos de formação cabe promover a inovação e a capacitação para o desempenho de tais atribuições.

4.5 Engenharia Geográfica – uma proposta de adequação

A proposta da engenharia geográfica aqui apresentada não é uma ideia original, pois a oferta dessa modalidade de geografia se espelha no exemplo de Portugal, criada naquele país em 1921 pela Universidade de Lisboa e ofertado na modalidade de licenciatura. Trata-se de um curso que prioriza o uso de geotecnologias com ênfase em geoprocessamento e Sistemas de Informação Geográfica (SIG), além da cartografia, topografia, geodésia e sensoriamento remoto.

No Brasil, formações similares à engenharia geográfica portuguesa são a engenharia cartográfica e a engenharia de agrimensura, atualmente unificadas como engenharia de agrimensura e cartográfica, ambas na modalidade de bacharelado. Trata-se de uma formação específica à geodésia e às geotecnologias, com ênfase na resolução de questões de delimitações, mas com atribuições para atuar em distintas funções (construção civil, transportes, meio ambiente, mineração, recursos energéticos, entre outros).

Não há legislação no Brasil que regulamente a profissão de engenheiro geógrafo, mas a Resolução CONFEA Nº 218, de 29 de junho de 1973, Art. 6º, reconhece essa profissão juntamente com a engenharia cartográfica e define suas competências.

Conforme Carvalho e Ribeiro (2010, p. 1), a geografia chegou oficialmente ao Brasil no ano de 1808, mesmo período da chegada da família real. O engenheiro geógrafo atuava nos trabalhos estratégicos, mapeamentos, divisão de terras e reconhecimentos diversos.

Posteriormente, por prestar serviços para o exército, esse profissional ficou conhecido como engenheiro geógrafo militar (IME, 2014) e era formado em curso de 8 anos de duração ofertado pela Academia Real Militar (criada por Carta Régia do Príncipe Regente D. João VI em 04 de dezembro de 1810). Os autores citam outros fatores que favoreceram a consolidação da geografia no Brasil, a saber:

  1. - implantação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE (1937);

  2. - criação do Instituto Geográfico e Geológico - IGG (1938) em São Paulo, posteriormente denominado Instituto Geográfico e Cartográfico (1979); e

  3. - fundação da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB (1934).

A oferta do curso de engenharia geográfica é entendida como possibilidade de resgatar determinadas práticas desse profissional, muitas das quais se perderam em meio à ascensão das ciências humanas. Incluir técnicas e procedimentos de engenharia não é o elemento primordial da proposta. Não se visualiza a formação de um profissional unicamente pragmático e exato como apto à atuação eficiente no atual contexto da sociedade. A modesta proposta não tem por objetivo “reinventar a roda” ou retroceder a geografia ao período de sua chegada ao Brasil, tampouco ser puro objeto de controvérsia ou polêmica.

Deve-se levar em conta que a geografia passa por uma crise de empregabilidade, o que se verifica na vazão dos cursos, na pouca inserção pública e privada e, mais agravante, no desempenho do papel do geógrafo por outros profissionais, a exemplo da divulgação e da empregabilidade das geotecnologias em diversos segmentos (FERNANDES, 2009, p. 5; LOPES, 2011, p. 2; PAULA, 2010, p. 16; ROSA et al. 2004, p. 14; SIGNORE; VERDUM, 2009, p. 145).

Embora pareça ambiciosa, a intenção é contemplar em uma formação as mais diversas possibilidades de atuação, resgatar o geógrafo generalista, sensível e perceptivo ao contexto em que está inserido e suas transformações, capaz de identificar as ideologias de certos discursos, mas também possuidor de autonomia para escolher seu campo de trabalho.

4.6 Conteúdo curricular de Engenharia Geográfica

A questão curricular dos cursos de formação de bacharel em geografia apresenta consideráveis variações entre universidades, em certos casos bem radicais. Resgatando o discurso da dicotomia, os cursos apresentam tendências ora para geografia física, ora para geografia humana. É comum ainda a prioridade da abordagem teórica e menor expressão das disciplinas exatas, da cartografia e das geotecnologias (MELO, 2015, p. 14; ROGERSON, 2012, p. 5).

O currículo acadêmico da engenharia geográfica deve buscar atender às demandas da sociedade, considerar os aspectos legais de sua formulação, contemplar uma formação generalista e as atribuições profissionais (LOPES, 2011, p. 4).

De acordo com Fantinel et al. (2008, p. 86), as Diretrizes Curriculares visam à flexibilização dos currículos de graduação, previsto na Lei de Diretrizes e Bases (nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, Art. 53, II). Com base nesse documento, as Instituições de Ensino Superior (IES) ganham autonomia, podendo desenvolver projetos pedagógicos inovadores e flexibilizar o proposto pelo modelo de currículos mínimos (detalhamento de disciplinas, conteúdos e carga horária). É responsabilidade das IES definirem e se adequarem ao conceito de Diretrizes Curriculares, moldando cursos diferenciados e com qualidade, implementando os diferenciais necessários para a formação profissional de acordo com as necessidades verificadas.

As Diretrizes devem, então, fornecer as bases filosóficas, conceituais, políticas e metodológicas a partir das quais se define um conjunto de habilidades e competências, que configuram uma estruturação do conhecimento de uma certa área do saber. (FANTINEL et al., 2008, p. 87).

Sugere-se que as grades curriculares de engenharia geográfica contemplem disciplinas instrumentais (metodologia científica, línguas, matemática, estatística, física, química, desenho e tecnologias), de conhecimento geral (economia, política, meio ambiente, recursos naturais e energéticos), específicas de geografia (físicas e humanas), geotecnologias (cartografia, topografia, geoprocessamento e sensoriamento remoto), conhecimento aplicado (planejamento, gestão e desenvolvimento) e disciplinas optativas (intercurso e intracurso).

O corpo docente idealizado deve incluir geógrafos afinados com a proposta e abarcar profissionais de áreas correlatas, com experiência prática e acadêmica, a exemplo de engenheiros, arquitetos, geólogos, biólogos, economistas, físicos, químicos e gestores.

Instituições relacionadas à atuação profissional podem ser vistas como parceiras, apresentando questões pertinentes e propostas de atuação do profissional, a exemplo do CREA, poder público, órgãos ambientais, empresas e universidades. Visando à oportunidade de escolha do segmento para atuação profissional, os conhecimentos teóricos deverão ser acrescidos de experiência pessoal pela realização de práticas de campo-laboratório, estágio supervisionado e atividades extracurriculares (estudos independentes).

Fortes (2013, p. 3) destaca a importância da conciliação entre as diretrizes curriculares e atribuições profissionais, além da integração entre teorias aplicadas e práticas desenvolvidas, para um bom desempenho profissional.

O engenheiro geógrafo idealizado é um profissional dotado do conhecimento que a geografia vem construindo desde suas origens. Concebe um profissional apto a acompanhar os avanços tecnológicos atuais, mas também dotado de discernimento e senso crítico, capaz de atuar ativamente nas mais distintas áreas do conhecimento.

5 Considerações Finais e Pessoais

O título deste artigo tem fim puramente ilustrativo e provocativo, pois, intencionalmente, se assemelha ao título da obra escrita no ano de 1978 pelo Dr. Milton Santos (Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica). Não tem o objetivo ou intenção, seja de forma direta ou subjetiva, de desrespeitar o trabalho e as reflexões desse autor, ou demais obras e reflexões que se desdobraram a partir deste. O emprego do termo “técnica” sugere que o geógrafo não pode mais se contentar em ser lembrado como aquele profissional dotado de fragmentos de conhecimentos, mas sim como aquele que tem recursos próprios e uma concepção unificada de mundo. A geografia deve ser entendida como uma sólida forma de conhecimento, cuja abordagem se utiliza de diversos conhecimentos, métodos e aplicações.

No momento de publicação da obra do Dr. Milton Santos, o mundo vivenciava a Guerra Fria, onde o embate entre EUA (capitalista) e URSS (socialista) dividia ideologicamente as nações em dois grandes blocos. Com o intuito de se inserir no contexto dos debates, a geografia passou a priorizar a abordagem humana, pautando-se nas propostas da Geografia Crítica e suas fortes tendências marxistas. O espaço geográfico é entendido como a porção material da luta de classes. Gradativamente suprime-se aquela concepção do geógrafo de trabalhos e levantamentos de campo, conhecedor de lugares e paisagens, com propriedade no uso e elaboração de cartas e mapas.

A história da geografia demonstra que a (in)definição de um objeto de estudos, assim como seu campo de atuação flutuante (ora físico, ora humano, ora cartográfico), acompanham essa ciência desde suas origens. Na busca pela cientificidade, percebe-se que é “definido” seu objeto de estudos, mas não é “delimitado” seu campo de atuação, ou seja, não se sabe o que é geográfico e não geográfico, tampouco o que é atribuição do geógrafo.

A proposta de geografia elaborada no determinismo alemão teve o objetivo de confrontar cientificamente a sociologia francesa. Em contrapartida, a geografia possibilista consistiu de uma resposta à proposta alemã. Em meio a tais disputas surge uma ciência com fortes tendências à abordagem humana, oriundas da Sociologia e da Antropologia. No ensejo da não delimitação do objeto de estudos, abre-se um imenso leque, e neste são incluídos, por vezes forçadamente, os mais diversos temas para pesquisas, nos quais não se nota qualquer relação com o espaço geográfico. Não estaria a geografia arriscando-se a entrar em campos alheios, cabíveis a ciências sociais já consolidadas?

Compreender as especificações das organizações sociais e sua influência sobre as diferentes conformações espaciais é importante, porém de extrema complexidade e subjetividade. Tal proposta de objeto de estudo geográfico é de pouco interesse e aplicabilidade para parte significativa da sociedade. Assim, a concepção geográfica fortalecida no ambiente da Guerra Fria, na qual se avalia o espaço sob a ótica marxista, fica limitada a pesquisadores e afins desses segmentos. Seria essa a decisão acertada da geografia para definição de seu objeto ou mais uma tendência momentânea?

Conforme o verificado nas heranças das correntes de pensamento geográfico, direcionar a geografia em função de tendências de momentos, priorizando ora a abordagem física, ora a abordagem humana, não é a solução para os problemas e limitações enunciados, pois as relações sociais e as formas de uso e ocupação da terra não são estáticas. A cada corrente geográfica, nota-se o perigo da radicalidade das mudanças, em que se abandonam bruscamente os conceitos anteriormente elaborados e se abraçam novos modelos e conceitos prontos, muitas vezes considerados “soluções mágicas”. Se as relações sociais e as formas de uso e ocupação da terra são dinâmicas, como é possível um modelo “alienígena” responder ou solucionar as mais diversas problemáticas espacialmente distribuídas?

As tendências observadas nas correntes não representam adaptabilidade dos geógrafos a mudanças, pois sempre foram influenciadas por externalidades e oportunismos em razão da carência de definição de um objeto e pela busca da cientificidade. Exemplo do exposto é a apropriação da geografia para os interesses da unificação alemã. Tampouco apontam para alternativas às limitações de abordagens teóricas e/ou descritivas. Redirecionar a geografia para atender as necessidades do momento é cair no erro de criar nova(s) corrente(s), mas sem qualquer garantia de sucesso, já que as citadas necessidades são instáveis e passageiras.

A proposta de agregar valores de engenharia à ciência geográfica é ambiciosa, pois aspira formar um cientista com uma concepção de mundo diversificado, qualificado para participar ativamente da organização e gestão do(s) território(s). Tal proposta não é cabível a uma ciência limitada por dicotomia(s), por abordagem teórico-descritiva e por um objeto de estudos subjetivo de compreensão limitada a pesquisadores.

Uma vez que se tenha o contato com o conhecimento amplo e o domínio de ferramentas e métodos mais diversos, o geógrafo terá autonomia para se adequar aos momentos e suas mudanças, sobrevivendo assim às mais diversas intempéries.

Muito já se perdeu com tendências e vaidades.

A geografia permanece em crise.

Medidas e soluções coerentes são necessárias.

6 Conclusão

Este trabalho expõe fatores que evidenciam a baixa representatividade do geógrafo no mercado de trabalho. Defende uma inovação dos cursos de formação em geografia pela inclusão de disciplinas e métodos de engenharia, sendo a engenharia geográfica a alternativa para a (re)inclusão do geógrafo no mercado.

Embora não declarada oficialmente, a dicotomia da geografia (física x humana, licenciatura x bacharelado) faz desta uma categoria dividida. A resistência às tecnologias está estreitamente relacionada à limitação teórica da geografia, o que priva os cursos de formação de métodos consistentes e de contribuições efetivas. A junção desses sentimentos e tendências ofusca a possibilidade de uma consolidação profissional.

As subáreas de conhecimento de atuação comuns entre engenheiros e geógrafos são planejamento, geotecnia, meio ambiente, mineração e geotecnologias. Todavia a forma de abordagem impõe uma diferença gritante entre ambos, pois os engenheiros enfatizam o pragmatismo, enquanto os geógrafos se limitam à teoria.

A divergência entre os componentes curriculares dos cursos e as atribuições profissionais da Lei do Geógrafo (6.664/1979) reflete uma desarticulação profissional de berço, a qual influencia diretamente sua baixa representatividade no conselho (CONFEA/CREA) e consequentemente no mercado.

Não se verifica a necessidade de alteração da Lei do Geógrafo, e sim das grades curriculares para a capacitação profissional e desempenho das atribuições já contempladas na lei. A representatividade no conselho profissional depende unicamente do envolvimento da categoria e das instituições de ensino.

O conteúdo curricular almejado para a engenharia geográfica deve contemplar uma formação generalista, que aborde de forma igualitária conhecimentos humanos, físicos, cartográficos e tecnológicos. O segmento de atuação deve ser opção do acadêmico.

Uma vez dotado de recursos multidisciplinares e pragmáticos, o profissional de geografia não mais dependerá de soluções ou empréstimo de conhecimentos externos, pois terá autonomia de adaptação às diversas intempéries.

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Notas de autor

1 MSc em Ciências Florestais (UFES). Servidor da Prefeitura Municipal (Defesa Civil) de Cachoeiro de Itapemirim/ES - Brasil. E-mail: lcncoutinho@gmail.com.
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